Epistemologia: Indução, Hume e o Método Científico

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O que é a Epistemologia?

A epistemologia, em sentido estrito, refere-se ao ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento científico. É o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, com a finalidade de determinar seus fundamentos lógicos, seu valor e sua importância objetiva. Em uma aceção mais restrita, a epistemologia pode ser identificada com a filosofia das ciências.

Hume e o Raciocínio Indutivo

Para Hume, todo o conhecimento tem origem na experiência. Para conhecermos os fenómenos que encontramos na natureza, recorremos à indução. Apercebemo-nos de que existe uma regularidade no modo como os fenómenos ocorrem, como se obedecessem a um princípio de uniformidade. Este princípio não constitui uma verdade necessária (a priori), pois não pode ser justificado pelo pensamento. Este princípio também não pode ser provado empiricamente; ele decorre do hábito.

A indução constitui, em termos lógicos, uma operação que obriga a um salto do conhecido (de proposições particulares) para o desconhecido (para proposições gerais). Relembremos que não é possível, em termos lógicos, garantir a validade dos argumentos indutivos unicamente pela forma que apresentam.

Na perspetiva indutivista, a observação é o ponto de partida da investigação científica, e a experimentação é fundamental para que se possa verificar e confirmar as hipóteses ou teorias. O raciocínio indutivo é a chave para a descoberta e justificação das teorias científicas. Nesta linha, é habitual defender-se o critério da verificabilidade como critério legitimador da cientificidade. Segundo este critério, uma teoria só é científica quando é possível verificar empiricamente o valor de verdade daquilo que ela propõe.

Objeções e o Problema da Indução de Hume

Críticas à Observação e Neutralidade

Há muitas situações em que a observação não é o ponto de partida da investigação científica. Frequentemente, o ponto de partida são os problemas que surgem do confronto ou do conflito entre uma observação e as expectativas ou teorias já existentes. Ainda que o cientista recorra à observação, ela não é totalmente neutra, imparcial e isenta de pressupostos ou de preconceitos, ocorrendo sempre num determinado contexto. A observação é afetada por pressupostos teóricos, teorias, conceitos e pelas expectativas que o cientista desenvolve face à investigação.

O Problema Lógico da Indução

O raciocínio indutivo não confere o rigor lógico necessário às teorias científicas. Este é o problema da indução, levantado por Hume. Confiamos na indução porque partimos do princípio da uniformidade da natureza (o princípio de que os fenómenos se repetem e são previsíveis, ou de que o futuro se assemelha ao passado). Mas este princípio decorre da experiência anterior e do hábito, sendo igualmente estabelecido por generalização (isto significa que recorremos à indução para justificar a confiança na própria indução). A indução não é racionalmente justificável.

Segundo Hume, não é possível provar empiricamente a existência de uma relação necessária causa-efeito entre os fenómenos. Assim, a generalização indutiva não será nada além de uma mera crença ou expectativa de que os factos se repitam de forma igual.

A Falácia da Afirmação do Consequente

O método indutivista, ligado à verificação experimental, assenta num argumento falacioso:

  • Se uma teoria T é verdadeira, então verifica-se a previsão P (que dela se deduz);
  • Ora, verifica-se a previsão P;
  • Logo, a teoria T é verdadeira.

Estamos perante a falácia da afirmação do consequente.

Conhecimento Científico vs. Senso Comum

O conhecimento que formamos da realidade pode assumir diferentes formas. O conhecimento científico constitui uma dessas formas, cujo estatuto se tem vindo a destacar ao longo da história da humanidade. Para compreender a especificidade e o estatuto do conhecimento científico, contrastamo-lo com o conhecimento vulgar ou senso comum.

Características do Senso Comum (Conhecimento Vulgar)

  • É assistemático e imetódico.
  • É superficial e pouco aprofundado.
  • Confia nos sentidos (é sensitivo).
  • Manifesta-se numa atitude dogmática.
  • Apresenta respostas imediatas e funcionais para problemas do quotidiano.

Características do Conhecimento Científico

  • Propõe-se explicar a realidade de um modo mais aprofundado.
  • É especializado em diferentes domínios (físico, natural, humano e social).
  • É sistemático e metódico.
  • Desconfia dos sentidos (é racional e problematizador).
  • Manifesta-se numa atitude crítica e procura ser objetivo.
  • Resulta de um método específico (formula hipóteses, constitui teorias e procura leis).

Quanto à classificação das ciências, tradicionalmente consideram-se dois tipos fundamentais: as ciências formais (como a matemática), que não precisam de recorrer à experiência, e as ciências empíricas (como a biologia ou a sociologia), que recorrem à experiência para estudar factos e acontecimentos.

Uma das características fundamentais do conhecimento científico é o seu caráter metódico. O método (conjunto de procedimentos a adotar na investigação científica) permite distinguir aquilo que é conhecimento científico do que não pode ser considerado como tal. De facto, o conhecimento não é o reflexo do real, é uma interpretação e leitura do mesmo, pelo que contém o risco do erro. Esse risco é inerente a todas as leituras e interpretações da realidade.

O Método Científico e o Problema da Demarcação

O método (conjunto de procedimentos a adotar na investigação científica) permite distinguir aquilo que é conhecimento científico do que não pode ser considerado como tal. Neste sentido, uma das questões fundamentais da filosofia das ciências consiste em definir qual o melhor método científico.

Associado a esta questão encontra-se o chamado problema da demarcação, que consiste na procura do critério de cientificidade, o critério que permite discernir aquilo que é científico daquilo que não é científico. Para responder a estas questões, abordámos duas perspetivas epistemológicas de referência: o indutivismo e o falsificacionismo.

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