A Escola Cartográfica Portuguesa e a Revolução Científica do Século XVI
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A escola cartográfica portuguesa impôs-se e dominou toda a Europa, produzindo uma geração ímpar de cartógrafos. Os roteiros, para além de toda essa riquíssima informação, deixam transparecer preocupações muito mais vastas, as quais se traduzem no ensino e na prática da observação e em novos métodos de aquisição de conhecimento. A noção mais relevante respeita ao apelo à experiência, à lição direta das coisas, relegando o saber livresco, escolástico, caucionado pelo apelo à autoridade. Facto igualmente relevante é a nítida consciência dessa ruptura e a consciência plena do contributo do novo legado que é posto à consideração e reflexão dos contemporâneos e transmitido aos vindouros.
Duarte Pacheco Pereira e a Primazia da Experiência
Duarte Pacheco Pereira, logo ao abrir o século XVI, no seu Esmeraldo de Situ Orbis, dá-nos conta da ruptura e das enormes transformações já em curso: apelo decidido à experiência; preferência pelo conhecimento que se obtém pela observação prática e direta das coisas. Foi uma figura importante do conhecimento do Atlântico e, do ponto de vista cultural, defendia que a experiência é que pode conduzir à verdade e a um conhecimento rigoroso da matemática.
Pedro Nunes: A Conjugação de Ciência e Técnica
Pedro Nunes exerce um importante magistério como matemático e astrónomo, sendo o inventor do "nónio" (obsessão e rigor da medida). As suas obras são fundamentais para o conhecimento e avanço da ciência quinhentista portuguesa: Tratado da Sphera; De Crepusculis; Livro de Algebra em Aritmética e Geografia, etc. Pedro Nunes apela também à experiência como método de observação, sendo que esta não deve apenas ser factual e passiva, mas sim acompanhada de conhecimentos científicos positivos. O poder do raciocínio e da intuição é claramente aceite por Pedro Nunes, desde que parta de bases sólidas. A teoria e a prática aliam-se para a obtenção do conhecimento. Pedro Nunes põe em conjunção necessária, pela primeira vez, a ciência e a técnica, a observação e a teorização, e foi da conjugação desses fatores que chegou à teoria e à prática das loxodrómicas. Loxodromia é a linha que, à superfície da Terra, faz um ângulo constante com todos os meridianos.
D. João de Castro: O Roteirista da Experiência
D. João de Castro, homem de ação, foi o mais insigne roteirista de quinhentos. Os seus roteiros (usados para conhecimento marítimo com informações na base do conhecimento matemático) constituem o mais rico repositório das aquisições quinhentistas e talvez o exemplo mais acabado do recurso sistemático à lição da experiência. Com ele, atinge-se a mais clara posição de afrontamento com todo o legado tradicional e até com alguma reflexão e comportamento humanístico. Observação e razão são os dois caminhos convergentes na análise científica. D. João de Castro obtém dados praticamente definitivos sobre a declinação da agulha magnética e os fenómenos da atração local, levantando a partir daí, possivelmente, a primeira carta de Isogónicas. São fundamentais os seus estudos sobre as longitudes, a gravidade, a elevação do polo, as correntes eólicas e marítimas dos mares. Tudo arrancado à experiência, à observação direta combinadas com a teoria. Nas suas observações e experiências, D. João de Castro chega à obtenção de dados e resultados de grande precisão que só mais tarde conseguirão ser ultrapassados.
A Prática e o Conhecimento Teórico
Foram estas e outras aquisições que permitiram que as explorações e viagens avançassem com segurança e rigor, aliando a prática ao conhecimento teórico de base positiva. Obtiveram-se rigores de medição e de precisão que nenhuma outra nação da Europa conseguiu atingir ou igualar.
Garcia da Orta e a Crítica à Autoridade
Garcia da Orta, no Colóquio dos Simples e das Drogas e Cousas da Índia, antepõe a experiência a toda a autoridade, verberando os que preferem o saber livresco ao que se adquire pela observação e pela experiência. O apelo à autoridade é decididamente posto de lado, se não mesmo ridicularizado, por Garcia da Orta.
Um Punhal ao Legado Científico Clássico
Estas novidades e aquisições constituem um verdadeiro punhal apontado ao legado científico clássico e ao escolasticismo aristotélico-tomista, quebrando os modelos estereotipados do passado e das imitações do humanismo, normalmente mais dado à repetição, ao comentário, aos lugares-comuns, esquecendo a vivência. A paisagem anímica, como a real e física, estão ausentes dessa vivência cultural e literatura humanista.