Espanha Franquista: Autarquia, Crescimento e Sociedade

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Contexto Inicial: Pós-Guerra Civil

A Guerra Civil teve importantes efeitos demográficos e económicos, causando um declínio na força de trabalho devido a baixas, exílio e repressão de trabalhadores qualificados, afetando diversos setores. Além disso, a economia estava profundamente desarticulada. A produção industrial e agrícola era inferior a 1935 e a rede de transportes era muito precária. Contudo, isto não explica totalmente as tendências negativas a partir de 1939 e a subsequente lenta recuperação dos níveis de atividade pré-conflito.

Na segunda fase do regime franquista, a Espanha transforma-se numa sociedade industrial. Isto deveu-se a uma confluência de vários fatores, entre os quais devemos destacar a influência determinante da onda de prosperidade que afetou os países desenvolvidos da Europa Ocidental, da qual a Espanha também beneficiou. A enorme expansão económica foi acompanhada por mudanças numa sociedade tradicional, dominada por formas culturais e padrões de comportamento rurais, que se modernizou em pouco mais de uma década.

Autarquia e Estagnação Económica (1939-1950)

O fim da guerra teve repercussões negativas a curto prazo: colapso da produção agrícola, racionamento e fome (o 'dia do prato único'). A longo prazo, consolidou uma economia não competitiva, onde o tráfico de influências e a corrupção eram predominantes.

Tentativa de solução: a autarquia. Política económica que visa alcançar a autossuficiência de um país em relação ao exterior. Está associada à intervenção estatal na produção, preços, distribuição e consumo. Implementou-se o racionamento oficial de alimentos (cartão de racionamento) e excluíram-se, maioritariamente, as trocas económicas com outros países. É característica da primeira fase do regime franquista, com clara influência do nacional-socialismo alemão e do fascismo italiano.

Medidas Autárquicas:

  • Os preços foram fixados pelo Estado.
  • Era obrigatória a obtenção de licença para todas as instalações industriais.
  • Indústrias foram reconvertidas para a produção de bens essenciais.
  • Licenças de importação e exportação eram controladas pelo Estado.
  • Os agricultores foram forçados a entregar o excedente agrícola ao Serviço Nacional do Trigo, o que causou desincentivo.
  • Em 1941, a Lei de Proteção da Indústria Nacional levou à criação do Instituto Nacional de Indústria (INI), um conglomerado de empresas públicas que tentou produzir o máximo possível, independentemente dos custos, e aumentar o número de setores, embora não existissem condições favoráveis.
  • Formaram-se grandes empresas nacionais como a Iberia, Endesa, SEAT, e nacionalizou-se o sistema ferroviário com a criação da RENFE.

Resultados da Autarquia:

  • Mercado negro (estraperlo) de alimentos: O racionamento e a fixação de preços fizeram com que os produtos desaparecessem do mercado oficial, surgindo atividades económicas ilegais.
  • Tentativas de punir o mercado negro entraram em conflito com as boas relações dos envolvidos (próximos da Falange, do Exército ou do governo).
  • A estagnação económica, provocada pela falta de matérias-primas, energia e bens de capital, resultou em dificuldades e fome.
  • Havia escassez de todo o tipo de produtos e a qualidade era baixa.
  • As taxas de produção eram inferiores às do pré-guerra, e proliferaram novos-ricos corruptos (corrupção, compadrio, subornos para licenças de construção, fabrico ou venda) próximos do poder ('estraperlistas').
  • O país habituou-se à recomendação, ao certificado de boa conduta e à vigilância policial ou dos chefes locais estabelecidos pela Falange.

Isolamento Internacional:

Após a Segunda Guerra Mundial (1945-1950), as reivindicações dos Aliados contra Franco, a rejeição da Espanha pelas Nações Unidas (junho de 1946), considerando-a uma 'potencial ameaça à paz internacional', e a retirada de embaixadores (apenas permaneceram os da Argentina e Portugal) agravaram a situação económica. O governo respondeu com uma manifestação de apoio a Franco na Plaza de Oriente, prática que continuaria durante a ditadura. A Espanha sofreu um boicote político e económico.

A partir de 1947, o confronto entre os EUA e a URSS (Guerra Fria) favoreceu uma mudança na posição dos EUA em relação ao regime de Franco, devido ao seu anticomunismo. Lentamente, a pressão internacional diminuiu, as restrições comerciais foram flexibilizadas, mas a Espanha não foi admitida na NATO nem recebeu os benefícios do Plano Marshall.

Estabilização e Crescimento Económico: Fim do Isolamento

Os Anos 50: Fim do Isolamento e Plano de Estabilização

O fracasso das políticas autárquicas causou uma mudança na política económica com a remodelação governamental de 1951. Neste governo, entrou Carrero Blanco como principal conselheiro de Franco, e os ministros católicos (ligados ao Opus Dei, os 'tecnocratas') começaram a ganhar influência sobre os falangistas. Deu-se o fim do racionamento e o início de um processo de expansão da produção.

A Guerra Fria levou à mudança de atitude da ONU (Espanha foi autorizada a entrar na FAO e na UNESCO) e ao início das relações com os EUA (acordos de 1953) e o Vaticano (Concordata de 1953). Em 1955, a Espanha foi aceite na ONU, e deu-se o retorno dos embaixadores.

Período 1951-1957

Houve um aumento anual do rendimento, mas com crescimento desigual e desequilibrado. Entre os primeiros passos, destacam-se a liberalização parcial dos preços, do comércio e da circulação de mercadorias. O racionamento desapareceu e houve um aumento das importações devido ao crédito externo.

A ajuda americana materializou-se na chegada de géneros alimentícios, créditos para a compra de alimentos nos EUA, matérias-primas, veículos e máquinas. Em contrapartida, a Espanha permitiu a instalação de bases militares americanas no seu território.

Para melhorar a agricultura, foram desenvolvidas várias leis, como a Lei de Concentração Parcelar e a Lei de Explorações Exemplares.

A partir de 1954, os auxílios económicos tornaram-se insuficientes para salvar a situação. O défice orçamental e da balança comercial, aliados a um forte aumento da inflação, impediram um crescimento mais rápido e levaram aos primeiros conflitos sociais. Era essencial uma mudança profunda.

Período 1957-1959

Nova remodelação governamental, com a entrada dos primeiros ministros tecnocratas do Opus Dei (como López Rodó). (A tecnocracia é uma forma de entender a política onde a prioridade é o progresso económico e a melhoria da gestão, sem discutir os princípios políticos do regime). Foi aprovado um pacote legislativo de reforma económica conhecido como Plano de Estabilização.

Os Anos 60: Crescimento Económico

Plano de Estabilização (1959)

Objetivos
  • Abandonar o modelo autárquico e reintegrar a Espanha no mercado internacional.
  • Modernizar, liberalizar, racionalizar e reestruturar a economia nacional.
Disposições
  • Desvalorização da peseta para incentivar as exportações.
  • Congelamento dos gastos públicos.
  • Congelamento dos salários para conter a subida dos preços e a inflação.
  • Aumento das taxas de juro e restrição do crédito para diminuir a oferta de dinheiro.
  • Unificação do sistema de taxas de câmbio.
  • Supressão de entraves burocráticos.
  • Abertura ao investimento internacional (exceto em setores estratégicos como defesa e serviços públicos).

Estas medidas facilitaram a entrada da Espanha no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial.

Consequências
  • Primeiros dois anos: recessão económica, queda do consumo e dos salários, aumento da emigração (França, Bélgica, Alemanha).
  • Redução do défice e acumulação de divisas.
  • Rápido crescimento da indústria e dos serviços.
  • Êxodo rural (do campo para as grandes cidades: Madrid, Bilbau, Barcelona, Valência...).
  • Mecanização e modernização da agricultura.
  • Défice da balança de pagamentos compensado pelo turismo, investimento estrangeiro e remessas dos emigrantes.

Fase 1961-1973: Planos de Desenvolvimento

A partir de 1963, implementaram-se os Planos de Desenvolvimento (impulsionados por López Rodó), que tentavam orientar o investimento privado. Eram planeados para quatro anos e renováveis. Objetivo: crescimento em setores-chave através de ajudas fiscais, subsídios à exportação, subvenções e criação de polos de desenvolvimento para promover novas indústrias e gerar emprego em áreas deprimidas. Foram implementados três planos: 1964-1967, 1968-1971, 1972-1975.

O seu sucesso é discutível. O crescimento económico foi elevado e sustentado, mas mais devido à iniciativa privada, que confiava nas condições favoráveis de áreas específicas e na conjuntura internacional, do que ao planeamento estatal.

Características do Crescimento
  • A banca financiou o desenvolvimento e obteve grandes lucros.
  • A Espanha rural tornou-se industrial.
  • Aumento das exportações.
  • Aumento das receitas do Estado provenientes das remessas dos emigrantes, do turismo e das importações de capital.
  • Surgimento de uma agricultura moderna e intensificação do êxodo rural.
Consequências Negativas
  • Fortes desequilíbrios regionais.
  • Dependência da tecnologia estrangeira.
  • A inflação persistiu.
  • Não se alcançou o pleno emprego; a emigração continuou.
  • Défice do INI.
  • Ausência de uma reforma fiscal profunda.

O rendimento per capita manteve-se abaixo das economias mais avançadas da Europa. Houve uma profunda transformação produtiva para um capitalismo mais aberto, o que significou uma mudança no estilo de vida e na mentalidade dos espanhóis.

A partir de 1973, deu-se o fim do 'milagre espanhol'. A Guerra Árabe-Israelita resultou no aumento dos preços do petróleo (crise do petróleo), provocando uma crise económica global que afetou a Espanha e travou a sua expansão. Houve um aumento do desemprego, maiores défices e uma peseta enfraquecida.

Transformação Social

Primeira Fase (1939-1959)

A sociedade espanhola dos anos 40 e 50 foi marcada pelo atraso e pela pobreza. O colapso da indústria e dos serviços, juntamente com as vítimas da guerra e do exílio, provocou a ruralização do país, além de um atraso técnico, científico e cultural. A fome e a pobreza afetavam a maioria dos camponeses e trabalhadores, mas também a classe média, empobrecida pelos expurgos e pela crise económica. A velha oligarquia e as elites políticas franquistas enriqueceram à sombra da corrupção.

O regime franquista impôs mudanças profundas na vida quotidiana, no comportamento cultural e religioso. Enquanto durante a República existiam liberdades e opções para a organização da vida privada, a partir de 1940, com Franco, houve uma tentativa de controlo social total dos espanhóis. Houve um incentivo ao retorno da população ao campo, devido à propaganda do regime que exaltava as virtudes da vida rural simples contra os perigos e as dificuldades económicas da cidade.

Foram criadas instituições para controlar a juventude (Frente de Juventudes) e as mulheres (Secção Feminina). Na educação, foram introduzidas aulas obrigatórias de Formação do Espírito Nacional (para ensinar a doutrina da Falange) e de Religião Católica. Foram promovidas as procissões religiosas públicas, novenas e 'missões'. Procurou-se uma sociedade paternalista sob a direção do Estado e do Movimento Nacional (com censura rígida), que controlava todos os aspetos da vida pública e privada. O ensino básico desempenhou um papel fundamental na doutrinação, onde se aprendiam as primeiras noções sobre o regime.

Segunda Fase (1959-1975)

A enorme expansão económica dos anos 60 e 70 e as mudanças demográficas foram acompanhadas por uma modernização da sociedade. Aumento da taxa de natalidade (baby boom) e aumento da população urbana em detrimento da rural.

O desenvolvimento do setor industrial e de serviços levou a uma grande transformação da estrutura socioprofissional: aumentou o número de assalariados e de profissionais liberais urbanos (médicos, advogados, economistas, gestores, etc.). Destaca-se o surgimento de uma grande massa de operários da indústria moderna na Catalunha, Madrid, País Basco e Astúrias, que deu origem a um novo movimento operário, ativo e antifranquista. Além disso, aumentou o volume das classes médias e desenvolveu-se uma nova burguesia urbana.

Aumentou o número de assalariados e diminuiu a população rural (aldeias abandonadas em Castela), persistindo apenas na Andaluzia a figura do jornaleiro em más condições, o que impulsionou a emigração. Mais de um milhão de trabalhadores emigraram para França, Suíça e Alemanha. O êxodo rural provocou o surgimento de subúrbios e bairros de lata nas cidades, criando sérios desequilíbrios regionais (a Espanha rica vs. a Espanha pobre).

Em geral, o nível de vida era baixo e o crescimento económico pouco fez para melhorar os serviços públicos. A concentração da população nas grandes cidades e a abertura ao exterior (turismo) contribuíram para alterar o estilo de vida e a mentalidade. Houve mudanças culturais e nos comportamentos sociais; exigia-se liberdade cultural.

Um dos motores foi a mudança na educação, que culminou com a Lei Geral de Educação de 1970 (escolaridade obrigatória até aos 14 anos). As matrículas aumentaram em todos os níveis (do básico ao universitário), aumentaram os investimentos estatais em educação e o analfabetismo diminuiu para níveis de países desenvolvidos. Aumentou significativamente o número de estudantes universitários (viagens ao estrangeiro). Entravam em Espanha publicações clandestinas que aumentavam a informação sobre o exterior.

A família também começou a experimentar mudanças: maior mobilidade, os filhos saíam de casa mais cedo. Nova mentalidade com a incorporação, ainda que tímida, das mulheres ao trabalho fora de casa. Ao mesmo tempo, começou a aumentar o nível de vida: acesso a eletricidade, frigoríficos, televisores (fortemente censurados), automóvel (o SEAT 600). Na periferia das grandes cidades industriais surgiram bairros onde se desenvolvia uma nova cultura popular.

Houve também uma mudança na religiosidade, apesar da censura rígida: o apelo à liberdade de pensamento cresceu e a prática religiosa diminuiu. A própria Igreja Católica experimentou uma abertura após o Concílio Vaticano II, e um setor da Igreja espanhola começou a distanciar-se do franquismo. Foi um momento de crescente secularização e de aparecimento de clero progressista.

Conclusão

Durante a longa ditadura de Franco, assistiu-se à transformação da Espanha num país industrial relativamente moderno. O crescimento económico iniciado nos anos 60 foi resultado da reintegração da Espanha no mercado internacional. O processo de crescimento deveu-se menos ao regime franquista e mais ao desenvolvimento económico do resto da Europa nesse período de expansão.

A política de liberalização desenvolvida nos anos 60 e 70 surgiu após o fracasso completo das políticas autárquicas de inspiração fascista dos 20 anos anteriores. Até 1970, a sociedade de consumo levou a uma profunda mudança de mentalidade. Enquanto a classe dominante, ultracatólica e conservadora, se agarrava aos valores franquistas, o resto do país, especialmente as novas gerações, evoluiu para posições muito diferentes. Prova disso foi a diminuição gradual da assistência aos serviços religiosos e a introdução de novos padrões sexuais e culturais, influenciados por movimentos sociais externos.

Em suma, a grande época do desenvolvimento espanhol favoreceu, sem dúvida, o progresso social e a mudança de normas culturais que, longe de reforçar o regime, o enfraqueceram do ponto de vista político e ideológico. O aparelho criado por Franco e os seus apoiantes foi incapaz de adaptar a sua estrutura política ao profundo desenvolvimento económico, social e cultural que ocorrera em Espanha desde os anos 60.

Não parou de crescer a oposição interna a um regime baseado na repressão policial, no partido único, na falta de liberdades básicas e no catolicismo exclusivista, que colidia fortemente com as novas realidades: uma burguesia urbana, um novo operariado que reivindicava liberdade e direito à greve, e um mundo intelectual (como a universidade) que defendia a liberdade de ideias.

Ideologia e Sociedade no Início do Franquismo

Foi a época das provas patrióticas (de alferes, tenentes e capitães), que assistiam às aulas com as suas insígnias, senão mesmo com o uniforme da Falange. Ao entrar em cada aula, levantava-se a mão, cantava-se o 'Cara al Sol' e diziam-se palavras rituais. Entre os professores, havia os assustados que tinham de se conformar. Outros estavam em delírio total, misturando o mais ardente fervor pelo governo com um espírito de ódio profissional bastante embaraçoso. Os estudantes também se dividiam em duas classes: aqueles que nos calávamos e aqueles que se vangloriavam de uma constante perseguição familiar (antes de 1939), de tias freiras, tios cónegos, pais generais ou coronéis, da amizade com esta ou aquela figura política conhecida. A burguesia espanhola, depois das suas inclinações republicanas e do medo do período revolucionário, sentia-se segura e estava pronta para qualquer coisa.

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