Estratégias e Mecanismos em Química Medicinal

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Design de Fármacos Inspirado na Natureza: O Exemplo das Penicilinas

Comente a seguinte frase, dando exemplos se possível: “No processo de design e desenvolvimento de novos fármacos aplicam-se estratégias baseadas naquilo que existe na Natureza.”

Síntese de Novas Penicilinas

No design de novas penicilinas, temos três hipóteses:

  • Síntese Biológica: Realiza-se por fermentação a partir do meio de cultura, mas obtêm-se cadeias laterais limitadas.
  • Síntese Química: Além de ser muito difícil, os rendimentos são muito reduzidos.
  • Síntese Mista: É a melhor hipótese, pois o processo é fácil, pode ser realizado em grande escala e tem um bom rendimento.

Este processo misto consiste em, a partir da fermentação, purificar e obter um intermediário biológico, o 6-APA (Ácido 6-Aminopenicilânico). Depois, através da adição de um radical de cloreto de acilo (R-C(=O)-Cl), obtêm-se as novas penicilinas, conforme o grupo R. Também podemos, a partir da fermentação, obter a Penicilina G e, através da penicilina acilase (que é uma enzima), obter o 6-APA e, adicionando novamente o radical de cloreto de acilo (R-C(=O)-Cl), obter novas penicilinas.

Estratégias para o Aperfeiçoamento de Fármacos Existentes

Os objetivos do design de fármacos são: aumentar a atividade, aumentar as interações com o alvo, aumentar a seletividade e diminuir os efeitos secundários.

Deste modo, as estratégias utilizadas são:

  • Variações de grupo (Substituição);
  • Extensões da estrutura;
  • Extensões ou contrações de cadeia;
  • Expansões ou contrações de anel;
  • Variações de anel;
  • Fusões de anel;
  • Isósteros;
  • Simplificações da estrutura;
  • Inflexibilização da estrutura.

Mecanismos de Resistência aos Antibióticos (AB)

Um dos mecanismos de resistência aos AB é, por exemplo, a desativação da penicilina pela β-lactamase, através da quebra do anel β-lactâmico. O que se pode fazer contra isto é introduzir um grupo volumoso, como uma cadeia lateral acilada.

Outro problema é o reduzido espectro de ação das penicilinas contra bactérias Gram-negativas (G-), porque a membrana externa destas é glicolisada. Assim, introduz-se um grupo hidrófilo na cadeia lateral, que irá aumentar a atividade contra as G- e não afetará a atividade contra as Gram-positivas (G+). O efeito deste grupo hidrófilo será maior se estiver ligado ao carbono [?].

Seletividade Iónica: Valinomicina e Canais de Potássio

Ionóforos e a Valinomicina

Designam-se por ionóforos os agentes antibacterianos que atuam na membrana celular, alterando o fluxo transmembranar de iões, normalmente o K+. São um grupo de compostos que aumentam a permeabilidade membranar, funcionando como transportadores membranares “artificiais” e como toxinas, uma vez que dissipam os gradientes iónicos ao longo da membrana celular. Alguns atuam também como antibióticos (AB).

A Valinomicina é um pequeno péptido cíclico que circunda o ião K+, neutralizando a sua carga positiva. Desta forma, o complexo formado atravessa a bicamada lipídica, permitindo a criação de um potencial membranar devido ao transporte de K+.

  • A Nigericina (trocador de H+ por K+) e a Monensina (trocador de H+ por Na+) possuem grupos carboxilos e formam complexos com catiões monovalentes.
  • A Gramicidina A, um péptido hidrófobo, forma um canal (dímero) na bicamada lipídica, seletivo a catiões monovalentes, segundo a ordem: Cs+ > Rb+ > K+ > Na+ > Li+. Este tipo de canal estabelece interações eletrostáticas repulsivas com aniões (Cl-) devido à presença de dipolos associados aos grupos carbonilos dos aminoácidos que formam o canal.

Seletividade do Canal de K+ (K+ vs. Na+)

A concentração de K+ no interior das células é mais elevada relativamente ao exterior, logo a tendência do K+ é para sair. Os canais de K+ são essenciais em células excitáveis, uma vez que são responsáveis pelo restabelecimento do potencial membranar de repouso através da repolarização da membrana plasmática após um potencial de ação, isto é, após a despolarização membranar resultante da abertura dos canais de Na+.

A repolarização é causada pela saída de iões K+ para o meio extracelular. A seletividade do canal de K+ (que é 10.000 vezes superior para o K+ do que para o Na+) parece estar associada ao facto de a passagem de iões K+ através do canal envolver a remoção da sua esfera de hidratação, devido às pequenas dimensões do canal.

As moléculas de H₂O são substituídas por átomos de Oxigénio dos grupos carbonilo (C=O) da cadeia principal, transportando o ião ao longo do canal. À saída do canal, o K+ é novamente solvatado.

Este tipo de interação não seria possível no caso do ião Na+, visto que ele é demasiado pequeno, logo a sua densidade de carga é maior, o que faz com que esteja mais solvatado (as moléculas de H₂O estão mais agarradas a este ião). Como o Na+ tem as moléculas de H₂O agarradas a si, não cabe dentro do canal. Este ião é também, por si só, demasiado pequeno para poder estabelecer interações eficazes com os átomos de Oxigénio do canal.

Otimização Farmacocinética: O Caso da Oxamniquina

A Oxamniquina é usada no tratamento da esquistossomíase. Durante o seu desenvolvimento, introduziram-se azotos nas posições A e B, o que constituiu um problema na fase farmacocinética.

O Problema da Ionização

Inicialmente, o Azoto (N) tornou-se desvantajoso porque capta H+, tornando-se na forma ionizada, o que condiciona uma redução na absorção.

Estratégias de Melhoria

Para melhorar o fármaco, adicionou-se o grupo NO₂ (nitro), que capta mais eletrões e faz com que haja menos capacidade para o NH se ligar a H+. Isto impede a ionização da molécula, resultando numa maior absorção (favorecimento da forma apolar – base fraca).

Outras estratégias incluem:

  • Estabilização da forma básica da amina, pela introdução de um grupo mais eletronegativo no anel aromático.
  • A cadeia carbónica com dois grupos CH₃ é uma cadeia volumosa (impedimento estérico), que impede que o NH₂ de A seja atacado.

Mecanismo de Ação das Penicilinas e Cefalosporinas

O mecanismo de ação envolve a inibição da síntese da parede celular bacteriana:

  1. Síntese das unidades estruturais do peptidoglicano.
  2. Formação de duas cadeias paralelas.
  3. Ligação cruzada das duas cadeias.

A poliglicina ataca o 4º resíduo de aminoácido e esta reação é catalisada pela transpeptidase.

Ação dos Antibióticos β-Lactâmicos

  • Penicilinas: A penicilina ataca o carbono carbonílico do anel β-lactâmico da transpeptidase, que fica inibida, impedindo a ligação cruzada do peptidoglicano.
  • Cefalosporinas: Também nas cefalosporinas, a transpeptidase quebra o anel β-lactâmico, ficando assim inibida.

Agonistas e Antagonistas na Teoria da Alosteria

A teoria da alosteria considera que os recetores podem existir numa forma Relaxada (R), ativa, ou numa forma Tensa (T), inativa. Os recetores na forma R podem originar resposta biológica, enquanto os recetores na forma T não podem. Os ligandos interagem com os recetores, controlando a sua conformação e, consequentemente, a sua atividade.

Modelos Alostéricos

  • Modelo MWC (Monod, Wyman e Changeux): Considera que os estados conformacionais do recetor existem independentemente do ligando, e que este exerce o controlo estabilizando uma das formas. Um ligando comporta-se como agonista, agonista parcial ou antagonista dependendo da sua afinidade para as formas R e T.
  • Modelo KNF (Koshland, Nemethy e Filmer): Considera que o próprio ligando pode induzir a alteração da conformação do recetor. Assim, um ligando comporta-se como agonista, agonista parcial ou antagonista em função da sua capacidade de induzir estados conformacionais ativos ou inativos.

Qualquer um destes modelos define com precisão a relação entre ligando e efeito. Porém, para o definir, podem ter de ser propostos múltiplos estados conformacionais, e estimar todas as constantes de equilíbrio envolvidas pode tornar um sistema simples num problema complexo.

Estratégias Farmacológicas de Neurotransmissores (NT)

Os neurotransmissores são sintetizados nas terminações pré-sinápticas dos neurónios e libertados na sinapse em resposta ao potencial de ação. De forma a garantir um retorno rápido ao estado de repouso após a transmissão ter sido despoletada, os NT são desativados através da ação de enzimas sinápticas ou por reabsorção na célula pré-sináptica.

Numa determinada terapia, pode ser desejável amplificar ou inibir o efeito de um NT.

Amplificação Biológica do NT

Pode ser feita através de:

  • Administração direta de um análogo ativo (agonista).
  • Inibição da sua inativação ou da sua reabsorção pré-sináptica.
  • Administração de um análogo ativo mais resistente à inativação enzimática.

Inibição do NT

Pode ser feita através de:

  • Administração de um análogo inativo do NT (antagonista).
  • Inibição da síntese do NT no neurónio pré-sináptico.

Absorção e Polaridade: Tioconazol vs. Fluconazol

A absorção de moléculas está diretamente ligada às suas propriedades físico-químicas, como a polaridade e a solubilidade.

O Fluconazol é formado a partir do Tioconazol, através da adição de grupos funcionais polares. Estas alterações mudam a atividade dos compostos, e neste caso, aumentaram a polaridade e a solubilidade.

Assim, um composto que era de administração oral (Tioconazol) passou a ser de administração sistémica (Fluconazol), devido à melhoria das suas propriedades de absorção e distribuição.

Inibição da Tripsina pela Benzamidina

A ação da Benzamidina sobre a Tripsina é um exemplo de inibidor reversível competitivo, que envolve interações fracas entre o inibidor, o substrato e a enzima.

  • O inibidor tem de ter grande afinidade para a enzima.
  • Quanto mais substrato, mais conseguimos reverter a inibição.
  • Quanto maior a afinidade do inibidor com a enzima, maior a quantidade de substrato que temos de adicionar para reverter o processo.

Neste caso específico, a Benzamidina tem de caber no sítio ativo (pocket) e ter uma carga positiva no final, o que permite a sua estabilização por forças eletrostáticas.

Tratamento da Doença de Parkinson: L-Dopa e Carbidopa

A Doença de Parkinson está associada a uma diminuição da atividade dopaminérgica no cérebro. O composto endógeno é mediado pela DOPA-descarboxilase, atravessando a Barreira Hematoencefálica (BHE).

O aumento de L-Dopa seria necessário para obter o efeito desejado, mas tal implica efeitos secundários (se for metabolizada perifericamente).

A D-Carbidopa inibe a DOPA-descarboxilase (periférica), permitindo a passagem da L-Dopa pela BHE, para que possa utilizar os transportadores de aminoácidos, ligar-se e formar vesículas que passam a membrana lipídica e libertam o produto no Sistema Nervoso Central (SNC).

Sensibilidade das Penicilinas aos Ácidos

A estrutura do anel β-lactâmico é relativamente instável devido à grande tensão angular das suas ligações e à fraca deslocalização eletrónica da sua ligação amida. A estabilização por ressonância não é possível, pois o sistema bicíclico não permite a planaridade necessária da amida.

Apesar da grande tensão angular, a estrutura é suficientemente estável em meio aquoso. No entanto, os meios ácidos catalisam facilmente a quebra da ligação amida e a abertura do anel. A quebra da ligação amida pode ser iniciada pelo ataque nucleófilo de uma molécula de H₂O ou pelo próprio carbonilo da cadeia lateral acilo (RCONH-).

Causas da Sensibilidade aos Ácidos

Existem três causas principais de sensibilidade aos ácidos:

  1. Instabilidade do anel β-lactâmico.
  2. Hidrólise ácida.
  3. Ataque do acilo da cadeia lateral.

Pouco pode ser feito em relação às duas primeiras causas (a estrutura do anel bicíclico é importante para a ação das penicilinas). Felizmente, o poder nucleofílico do grupo acilo pode ser reduzido, tornando mais difícil o ataque ao carbonilo β-lactâmico. Isto é conseguido através da adição de um grupo eletro-atraente que irá reduzir a densidade eletrónica no carbonilo.

Agentes Alquilantes e Interação com o DNA

Agentes alquilantes são compostos que interferem com a replicação ou transcrição do DNA, ligando-se-lhes covalentemente. Compostos contendo dois grupos alquilantes podem formar ligações cruzadas intra ou inter-cadeias de DNA.

Exemplos e Desafios

Temos o exemplo da Mostarda Azotada e da Cisplatina.

Uma vez que os compostos alquilantes são geralmente muito reativos, são também pouco específicos para o DNA, reagindo com outros átomos nucleófilos. Ligam-se, por exemplo, a proteínas, alterando eventualmente a sua função. Estes compostos provocam, por isso, reações colaterais.

Otimização da Especificidade

A ligação de um anel aromático ao azoto reduz o seu caráter nucleófilo e dificulta a saída do cloreto. Como consequência, diminuem as reações colaterais.

Para aumentar a especificidade destes agentes para o DNA, podem ligar-se a blocos construtores do DNA, de forma a orientá-los preferencialmente para as células em divisão.

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