Evolução do Pensamento Territorial: Vitrúvio, Urbanismo e Porto

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Vitrúvio no Século XV: Impacto no Pensamento Territorial

Vitrúvio, arquiteto que viveu no período da Roma Antiga, escreveu uma obra (constituída por 10 livros) sobre arquitetura. Nela, confere à arquitetura grega um caráter modular, servindo de medida para a arquitetura romana. Além disso, Vitrúvio via a arquitetura como uma imitação da natureza e assumia o Homem como medida referencial.

Vitrúvio defendia a Tríade Vitruviana, segundo a qual as edificações devem ser:

  • Firmeza (Firmitas)
  • Funcionalidade (Utilitas)
  • Beleza (Venustas)

A Cidade, por sua vez, deveria estar localizada num local saudável para a agricultura e com ligação aos restantes territórios. Deveria ser delimitada por muralhas para garantir a segurança necessária, e o traçado das ruas e praças deveria ser planeado para protegê-la dos ventos agressivos.

No século XV, Niccoli descobre a obra de Vitrúvio e apresenta-a a Leon Battista Alberti, um arquiteto renascentista natural de Florença, com admiração pela Antiguidade Clássica e capacidade para analisar e alterar determinados aspetos. Alberti faz uma leitura crítica da obra vitruviana e cria o seu próprio tratado, também dividido em 10 livros, onde afirma que a arquitetura é a mais importante de todas as artes e tem como maior objetivo tornar a vida feliz. Tal como Vitrúvio, Alberti afirma que a Praça, enquanto local de convívio, é o centro de tudo.

Após Alberti, muitos outros artistas seguiram os pontos da ideologia vitruviana, procurando a Utopia (cidade/civilização ideal – conceito criado por Thomas More).

A influência vitruviana é evidente na Lei das Índias, criada por D. Filipe II de Espanha (D. Filipe I de Portugal). Este documento explicava como as novas cidades espanholas nas Américas tinham que ser construídas, sendo que as plantas tinham que ser definidas na Europa. Esta Lei das Índias foi uma cópia integral da obra de Vitrúvio, havendo muitas semelhanças com a colonização romana. Um exemplo é a Plaza Zócalo, no México, idealizada e projetada de acordo com a Lei das Índias, mesmo já existindo uma cidade no local.

A Lei das Índias identifica, tal como Vitrúvio afirmava, a praça como o centro de tudo, com os edifícios principais construídos em redor da Praça Central. A cidade era muito organizada, utilizando-se a ideia de cidade infinita (também utilizada em Madrid), e o edificado era uniforme. Desta forma, Florença e Roma são as cidades que melhor retratam esta época.

A descoberta da obra de Vitrúvio por Niccoli foi, de facto, a maior impulsionadora para que a arquitetura do século XV e seguintes apresentasse determinadas características. É notável a intemporalidade da Obra de Vitrúvio, escrita 15 séculos antes de ser encontrada, e que ainda assim influenciou a arquitetura da época de forma tão expressiva.

Progressistas e Culturalistas no Século XIX e a Cidade-Jardim

No século XIX, o debate sobre o desenvolvimento urbano opôs duas correntes principais:

Culturalistas

Os Culturalistas, como Sitte, Ruskin, Morris e Pugin, defendiam que a cultura e a espiritualidade da cidade estavam a perder-se. Propõem um regresso ao passado, defendendo a cidade antiga e irregular, valorizando os desafios intelectuais e a estética tradicional.

Progressistas

Os Progressistas, como Fourier e Owen (que criou a cidade de New Lanark), acreditavam que o passado atrasava o desenvolvimento urbano. Para eles, a fábrica era o centro de tudo, e o progresso era o objetivo primordial. Tinham uma forte crença na cooperação e na criação de modelos de habitação baseados numa análise das funções humanas.

A Proposta de Ebenezer Howard: Cidade-Jardim

Ebenezer Howard propõe a Cidade-Jardim, um modelo que visa unir as vantagens da cidade e do campo, eliminando as desvantagens de ambos. A Cidade-Jardim é um modelo cercado por um cinturão verde, funcionando como um meio-termo entre o rural e o urbano.

Howard utilizava a metáfora dos "ímanes" para descrever as forças atratoras de cada ambiente:

  • Cidade: Espaço de socialização, cooperação e oportunidades (especialmente emprego), mas com problemas de excesso populacional e insalubridade.
  • Campo: Espaço de natureza, sol, águas e produção alimentícia, mas com problemas de desemprego, falta de infraestruturas e carência de oportunidades sociais.

Ao criar a Cidade-Jardim, Howard conseguia contrabalançar estas forças, oferecendo uma vida melhor aos seus habitantes. Para evitar o excesso populacional, um dos maiores problemas da cidade, Howard sugeriu um limite populacional.

Este conceito inovador conseguiu unir as intenções de ambas as correntes: a espiritualidade e a proximidade ao campo (Culturalistas) e o progresso e a organização que só a cidade permite (Progressistas).

Patrick Geddes: 3 Princípios Fundamentais do Planeamento

Patrick Geddes estudava as cidades de um ponto de vista evolucionista, considerando as transformações sociais na relação orgânica com o meio ambiente. Distanciando-se do idealismo utópico, propôs uma conceção experimental da cidade, focada no futuro. Para tal, estabeleceu 3 princípios fundamentais para o planeamento e desenvolvimento territorial:

  1. Levantamento Urbano e Regional

    Trata-se de um levantamento geográfico, histórico e social que demonstra a evolução das cidades, aliando a preservação e a transformação urbana. Geddes sugere que o planeamento comece com:

    • Um levantamento dos recursos da região;
    • As respostas a esses elementos;
    • A análise das complexidades das paisagens culturais resultantes.
  2. Cirurgia Conservadora

    Geddes defendia que as intervenções na cidade devem ser nulas ou mínimas. Quando há necessidade de intervenções em determinado edificado ou parte da cidade, o nível de intervenção deve ser minimalista, conservando o máximo da historicidade do local.

  3. Cidade-Região

    Este princípio foca-se no potencial da cidade na sua região e na necessidade de estabelecer vínculos entre o urbano e o natural, comprometendo o conjunto do território ao serviço do homem e das cidades. O planeamento urbanístico deve reconhecer a cidade como uma organização humana articulada com a história e o meio ambiente.

As Ilhas do Porto: Génese, Morfologia e Estrutura Urbana

Na segunda metade do século XIX, o Porto sofreu um enorme aumento populacional, associado ao êxodo rural e ao processo de industrialização. Para satisfazer as necessidades habitacionais e garantir a eficiência da indústria na cidade do Porto, criaram-se as Ilhas.

A génese das Ilhas reside na ação dos pequenos burgueses e industriais que construíram pequenas casas nas traseiras dos seus lotes, criando uma tipologia específica de habitação operária, inspirada em modelos de Inglaterra.

Morfologia e Condições

As Ilhas eram construídas nos quintais da classe média, com acesso à rua feito através de estreitos corredores. Eram caracterizadas por:

  • Filas de 10 a 12 pequenas casas.
  • Apenas um piso, uma porta e uma janela por unidade.
  • Baixo investimento inicial, permitindo rendas baixas (adequadas aos ordenados operários).
  • Rápida recuperação do investimento devido ao número de unidades.
  • Infraestruturas deficientes: falta de água e saneamento feito através de fossas.

Segundo Ricardo Jorge, no final do século XIX, as Ilhas eram a habitação de cerca de 1/3 da população portuense. Por esta razão, marcaram fortemente o espaço urbano do Porto.

No século XX, houve planos de intervenção para a melhoria destas habitações, visando combater a insalubridade. Atualmente, este tipo de habitação ainda existe na cidade do Porto, embora algumas tenham sido demolidas. Muitas estão a ser reabilitadas com o propósito de acolher pessoas com rendimentos baixos.

As Ilhas foram cruciais para o desenvolvimento da estrutura urbana do Porto, refletindo as tensões sociais e económicas da industrialização.

A Imprensa no Século XV e a Transformação das Ideias

Durante milhares de anos, a escrita restringia-se a modos de reprodução extremamente limitados. A invenção da Imprensa, na Alemanha, no século XV, foi crucial, transformando radicalmente a maneira de pensar na Europa. Esta descoberta permitiu uma reprodução mais rápida e eficaz de obras literárias.

A primeira obra a ser reproduzida foi a Bíblia Sagrada, o que impulsionou a Reforma Protestante (Luterana, Calvinista, Anglicana).

Crise da Igreja Católica e a Reforma

Desde o final da Idade Média, a Igreja Católica perdia a sua identidade devido à preocupação com luxos e ao materialismo. A venda de indulgências (o perdão) pelo Papa para financiar a Basílica de São Pedro de Roma gerava descontentamento político entre os reis e insatisfação popular, levando a Igreja a perder poder e influência.

Martinho Lutero contestou os dogmas da Igreja, apresentando as 95 Teses, onde condenava a venda das indulgências e propunha a fundação do Luteranismo. De acordo com Lutero, a salvação ocorria pela fé e pelos atos praticados em vida.

Outras vertentes da Reforma:

  • Calvinismo: Liderado por João Calvino, defendia que a salvação da alma ocorria pelo trabalho justo e honesto, atraindo muitos burgueses.
  • Anglicanismo: Ocorreu em Inglaterra quando D. Henrique VIII rompeu com o Papado após a recusa em anular o seu casamento, aumentando o seu poder e posses.

A Contrarreforma e o Papel da Imprensa

Sentindo-se ameaçada pelo Protestantismo, a Igreja Católica iniciou a Contrarreforma, definida no Concílio de Trento, que incluiu:

  • A catequização dos habitantes das terras descobertas (ação dos jesuítas).
  • A retomada do Tribunal do Ofício (Inquisição), onde os hereges eram punidos.
  • A criação do Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos) para evitar a propagação de ideias contrárias à Igreja.

A imprensa foi vital para as reformas, pois Martinho Lutero traduziu a Bíblia do latim para o alemão, facilitando o acesso às escrituras. Além disso, Lutero utilizou a imprensa para imprimir panfletos reformistas em grandes quantidades, garantindo a sua circulação pela Alemanha e a rápida disseminação das novas ideias.

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