O Evolucionismo: Origens e Contribuições na Antropologia
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As Principais Teorias e Escolas Antropológicas
O Evolucionismo
O estudo das sociedades humanas vivas, na continuidade das interrogações renascentistas sobre a alteridade (ou seja, o outro forçosamente distante e desconhecido), só passou a representar um interesse real a partir do momento em que foi possível obter informações sobre sociedades muito afastadas e estranhas para os europeus pelo contacto direto com elas. Anteriormente, tinha-se especulado muito sobre essas sociedades sem ser possível observá-las. Independentemente dos interesses materiais em causa, as primeiras descrições, muitas vezes fantasiosas, mas em certos casos bastante reveladoras de mundos diferentes e intrigantes para os europeus do século XVI, suscitavam a curiosidade dos espíritos pelas revelações que eram feitas acerca das novas criaturas humanas, até aí desconhecidas, e dos seus modos de viver.
Relatos de Viagens e o Contacto com a Alteridade
As descrições de viagens pelos portugueses são várias e extraordinárias para a época, entre as quais não se pode deixar de citar:
- A Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné de Gomes Eanes de Zurara (1410-1474), onde é descrito o contacto dos portugueses com as tradições dos guineenses;
- O Roteiro de Viagem de Vasco da Gama, redigido em 1497 e atribuído a Álvaro Velho, onde é feita a descrição do encontro entre os portugueses e os habitantes da baía de Santa Helena, assim como com os habitantes da enseada de São Brás;
- A Carta de Pêro Vaz de Caminha, escrivão que viajou com Pedro Álvares de Cabral, fascinado pelas gentes que via pela primeira vez à chegada ao Brasil. Enviou uma volumosa carta de várias páginas ao Rei D. Manuel a relatar as suas impressões sobre os ameríndios: o aspeto, os comportamentos, os ornamentos, e como reagiam ao vinho de uva (elemento de civilização de expressão máxima por excelência).
- A obra Etiópia Oriental de Frei João dos Santos (1609), onde são dadas informações sobre os costumes, as artes e ofícios, modos de vestir, tatuagens e enfeites de cabeça dos vários povos da costa oriental de África, designadamente dos macuas do Norte de Moçambique.
- O notável relato das aventuras de viagens de Fernão Mendes Pinto (1510-1583) pelo Oriente, em Peregrinação, cuja avaliação científica está por fazer a fim de destrinçar a parte de fantasia eventual e a parte autobiográfica, onde o autor revela usos e costumes das gentes com que se encontrou.
Posteriormente, durante os séculos XVIII e XIX, outros numerosos relatos foram elaborados, como o de Lacerda, nas Viagens a Cazembe; ou de António Gil, Considerações sobre alguns pontos mais importantes da moral religiosa e sistema de jurisprudência dos Pretos do Continente de África Ocidental Portuguesa além do Equador, tendentes a dar alguma ideia do carácter peculiar das suas instituições primitivas (1854). Segundo J. Poirier [1968], António Gil, considerado um excelente observador, terá sido o primeiro a referir, mesmo antes de Bachofen, o modelo de sucessão matrilinear. Tornava-se evidente a diferença constatada entre as sociedades reportadas pelas descrições que delas eram feitas e o modelo de progresso representado pelas sociedades europeias, levando assim a concluir que umas seriam menos evoluídas que outras e as mais evoluídas teriam tido origem num estado primitivo idêntico, confirmado pela evidência demonstrada pela própria diferença.
O Evolucionismo Sociológico e as Leis do Progresso
O evolucionismo sociológico e a procura das leis do progresso, nos seus contornos modernos da época que vai da segunda metade do século XIX até à segunda década do século XX, constitui-se a partir das teorias biológicas da evolução, inspiradas nos trabalhos de naturalistas como Lamarck (1744-1829), que descreve os processos de evolução biológica e a correlação entre meio ambiente e estrutura biológica.
A constatação da diferença, que se considerava corresponder a vários estados de desenvolvimento das sociedades, era obtida em função dos critérios de comparação com o modelo histórico de evolução das sociedades europeias do século XIX e XX. Forja-se assim uma conceção evolucionista autocentrada na história. É a partir desta conceção que se coloca a questão da elaboração de uma tipologia das sociedades e dos quadros culturais da humanidade existentes na altura.
A sua elaboração pressupunha a definição de estados pelos quais teriam passado todas as sociedades, umas mais rapidamente, outras mais lentamente, assim como o estabelecimento das leis permitindo a passagem de um estado para o outro. O processo de evolução a que todas as sociedades teriam de se sujeitar corresponderia à sucessão, mais ou menos rápida, de um movimento de desenvolvimento unilinear, segundo mudanças cumulativas e irreversíveis comuns a todas as sociedades, refletido pelas características das suas instituições, das suas técnicas, etc.
Comparado com o processo histórico, o evolucionismo sociológico difere dele pelo facto de não ser identificável por uma cronologia de acontecimentos de forma precisa, nem no tempo nem no espaço. Nestas condições, os processos evolucionistas, forçosamente apoiados numa história hipotética, porque dependente de reconstituições conjeturais sobre períodos muito remotos, não eram demonstráveis e muito provavelmente nunca o serão.
Principais Representantes do Evolucionismo
As primeiras figuras mais proeminentes da época evolucionista não tinham formação antropológica e as suas especialidades iniciais eram muito diversas:
- J. J. Bachofen (1815-1897), L. H. Morgan (1818-1881), H. J. S. Maine (1822-1888) e J. F. MacLennan (1827-1881) eram juristas;
- A. Bastian (1826-1905) era médico;
- Outros eram biólogos ou geógrafos, como o alemão F. Ratzel (1844-1904), fundador da antropogeografia.
Bachofen, na Alemanha, Maine e MacLennan, na Grã-Bretanha, e Morgan, na América, foram os principais representantes das teorias evolucionistas sobre os estados primitivos da evolução social.
Os Três Estados de L. H. Morgan
Morgan apresentava os três principais estados pelos quais teriam de passar todas as sociedades a fim de atingirem o progresso:
- A selvajaria;
- A barbárie;
- Finalmente, a civilização.
O homem moderno teria assim passado da selvajaria para a barbárie depois de ter inventado a olaria e atingido a civilização após ter criado a escrita. Estes estados principais, correspondentes a períodos conducentes ao progresso, eram por sua vez subdivididos em outros tantos períodos cuja passagem de um para outro se caracterizaria sempre por uma mudança importante, tanto ao nível das técnicas como da forma de organização social, sempre superiores à anterior. Assim, a selvajaria subdividir-se-ia em selvajaria inferior, média e superior; a barbárie em barbárie inferior, média e superior; e finalmente a civilização. Durante o período evolucionista era raro os estudiosos recolherem eles próprios os materiais sobre os quais se debruçavam para forjar as suas teorias. Estava-se ainda muito longe de uma etnografia aprofundada sobre uma determinada sociedade, como veio a ser praticado mais tarde pelos pioneiros do trabalho de campo intensivo, como F. Boas e B. Malinowski.
Contribuições da Escola Evolucionista
A contribuição da escola evolucionista, apesar dos seus excessos teóricos (como o de tentar classificar as sociedades e as suas instituições segundo uma cronologia histórica linear), foi da maior importância para o desenvolvimento da ciência antropológica.
Graças igualmente ao método comparativo, utilizando a grande massa de material etnográfico acumulado, foi possível sistematizar e explicar dados até então em desordem e incompreensíveis. No caso do parentesco, a seguir a Morgan ter evidenciado as terminologias descritivas e classificatórias do parentesco, foram elaboradas as noções de endogamia e exogamia, de parentesco por aliança, de colateralidade e de poligamia (poliandria e poliginia), que conservam atualmente a maior importância geral na antropologia e em particular no estudo do parentesco.
Glossário de Termos de Parentesco
- Poliginia
- Tipo de organização familiar em que um marido pode ter, legalmente, várias esposas.
- Poliandria
- Organização familiar em que uma esposa tem, legalmente, vários maridos ao mesmo tempo.
Influência Posterior e Críticas
Nos anos sessenta, Morgan voltou à cena antropológica pela mão da antropologia marxista francesa, que considera da maior importância a visão que ele tinha da dinâmica da história, assim como por C. Lévi-Strauss, que o considera como o fundador da antropologia do parentesco, de que ele próprio foi um dos notáveis seguidores. Será a corrente funcionalista e um dos seus maiores representantes, Malinowski, que reformula, já a partir da segunda década do século XX, a relação entre unidade e diversidade sociocultural, introduzindo então um ponto de vista relativista das culturas e das sociedades.
Também a escola culturalista americana inverteu a perspetiva ao dar importância à diversidade. Segundo esta escola, as diferentes diversidades culturais são entidades irredutíveis, assim como a unidade do género humano representa a capacidade das sociedades humanas de se diferenciarem infinitamente culturalmente. Este relativismo absoluto será atenuado pelo funcionalismo britânico, como veremos mais adiante.