Farmacologia Essencial: Conceitos, Ações e Aplicações

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Conceitos Fundamentais em Farmacologia

A farmacologia é a disciplina que estuda as interações entre substâncias químicas e o organismo. Dentre os diversos conceitos, a seguir, são apresentadas as definições dos seguintes termos:

Medicamento

São produtos farmacêuticos, elaborados e obtidos tecnicamente, com a finalidade de diagnosticar, prevenir, curar doenças ou aliviar seus sintomas, sendo produzidos com rigoroso controle técnico para atender às especificações determinadas pela Anvisa.

Princípio Ativo

É a denominação do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária (Lei n.° 9.787/1999; Decreto n.° 3.961/2001; Resolução – RDC n.° 84/2002). Atualmente, com o advento do registro eletrônico, adquiriu uma concepção mais ampla e inclui também a denominação de insumos inativos, soros hiperimunes e vacinas, radiofármacos, plantas medicinais, substâncias homeopáticas e biológicas.

Formas Farmacêuticas

Forma física do medicamento que possibilita o seu uso pelo paciente. Facilitam a administração do princípio ativo e a obtenção do melhor efeito terapêutico.

Classificação das Formas Farmacêuticas:

  • Semi-sólidas: géis, loções, unguentos, linimentos, ceratos, pastas, cremes e pomadas.
  • Líquidas: soluções, xaropes, elixires, suspensões, emulsões, injetáveis, tinturas e extratos.
  • Sólidas: pós, granulados, comprimidos, drágeas, cápsulas, supositórios e óvulos.
  • Gasosas: aerossóis (sprays).

Reações Adversas

É definida como qualquer resposta prejudicial ou indesejável, não intencional, a um medicamento, que ocorre nas doses usualmente empregadas para profilaxia, diagnóstico ou terapia de doenças. No conceito de RAM (Reação Adversa a Medicamentos), pode-se observar a existência de uma relação causal entre o uso do medicamento e a ocorrência do problema. A RAM é considerada, assim, um tipo de evento adverso.

Efeitos Colaterais

O efeito colateral ou secundário é a reação indesejada do organismo após o uso de medicação, cirurgia ou psicoterapia. Os efeitos adversos podem resultar em alergia, desconforto, complicações ou morte do paciente. Para superar um efeito adverso, o profissional de saúde deve alterar a dose do medicamento para parar as interações medicamentosas ou interromper o tratamento em andamento.

Farmacocinética: O Que o Organismo Faz com o Fármaco?

A farmacocinética estuda o que o organismo faz com o fármaco, ao passo que a farmacodinâmica descreve o que o fármaco faz no organismo. Quatro propriedades farmacocinéticas determinam o início, a intensidade e a duração da ação do fármaco:

  • Absorção: Primeiro, a absorção desde o local de administração permite a entrada do fármaco (direta ou indiretamente) no plasma.
  • Distribuição: Segundo, o fármaco pode, então, reversivelmente, sair da circulação sanguínea e distribuir-se nos líquidos intersticial e intracelular.
  • Biotransformação: Terceiro, o fármaco pode ser biotransformado no fígado ou em outros tecidos.
  • Eliminação: Finalmente, o fármaco e seus metabólitos são eliminados do organismo na urina, na bile ou nas fezes.

Usando o conhecimento das variáveis farmacocinéticas, os clínicos podem eleger condutas terapêuticas ideais, incluindo via de administração, dosagem, frequência e duração do tratamento.

Biodisponibilidade: Importância e Fatores Influenciadores

A biodisponibilidade pode ser definida como a velocidade e extensão com que uma substância é absorvida a partir de uma forma farmacêutica e se torna disponível no local de ação. E, dado que a quantidade de substância ativa que existe na circulação sanguínea está em equilíbrio com a que existe no local de ação, pode-se definir biodisponibilidade como a velocidade e extensão com que uma substância ativa é libertada a partir de uma forma farmacêutica e se torna disponível na circulação sanguínea.

Depende de vários fatores como:

  • Características físico-químicas
  • Forma farmacêutica
  • Formulação (excipientes)
  • Mecanismos de liberação
  • Farmacocinética
  • Farmacotécnica (processo de fabricação)
  • Via de administração

Fatores ligados ao indivíduo:

  • Tempo de trânsito intestinal
  • Metabolismo de primeira passagem
  • Condições patológicas
  • Idade
  • Sexo

Absorção de Fármacos: Influência do pH e Vias de Administração

Na absorção, os fármacos devem atravessar as membranas, que são hidrofóbicas. Assim, as moléculas sem carga são favorecidas, apolares, de baixo peso molecular e solúveis em lipídios.

Muitos fármacos são ácidos ou bases fracas, que se ionizam e ficam em equilíbrio entre a forma molecular e ionizada.

Fatores que influenciam a absorção:

  • Carga
  • Peso molecular
  • Polaridade
  • Lipossolubilidade

A absorção pode ser diferente entre as diversas vias de administração de medicamentos, influenciando a velocidade e a extensão com que o fármaco atinge a circulação sistêmica.

Via Oral: Vantagens, Desvantagens e Locais de Absorção

A via oral permite ação local (antiácidos e laxantes) e sistêmica (comprimidos, cápsulas, soluções orais).

Vantagens:

  • Comum
  • Cômoda
  • Indolor
  • Econômica
  • Auto-administrada

Desvantagens:

  • Sofre eliminação pré-sistêmica
  • Requer cooperação do paciente
  • Pode induzir automedicação
  • Pode causar vômitos
  • Pode interagir com alimentos
  • pH e suco gástrico alteram a biodisponibilidade

Fármacos administrados por via oral podem ser sólidos (comprimidos, cápsulas, drágeas, hóstias, granulados, pós) ou líquidos (gotas, xaropes, suspensões, elixires, tinturas, emulsões).

Via Intramuscular: Prós e Contras

Vantagens:

  • Rápida absorção
  • Absorve sem biotransformação significativa
  • Não apresenta eliminação pré-sistêmica

Desvantagens:

  • Administração de pequenos volumes
  • Sua absorção pode ser limitada pelo fluxo sanguíneo
  • Pode causar dor, edema, hematoma, fibrose, infecções, necroses e reações alérgicas

Distribuição de Fármacos: Barreiras e Tecidos de Depósito

A barreira hematoencefálica (barreira sangue/cérebro) é uma estrutura que atua principalmente para proteger o Sistema Nervoso Central de substâncias químicas presentes no sangue, permitindo ao mesmo tempo a função metabólica normal do cérebro.

É composta de células endoteliais, que são agrupadas nos capilares cerebrais. Esta densidade aumentada restringe muito a passagem de substâncias a partir da corrente sanguínea, muito mais do que as células endoteliais presentes em qualquer outro lugar do corpo. Essa barreira também impede a entrada de alguns medicamentos quimioterápicos usados para destruir as células cancerígenas.

Tecidos de depósito, como o tecido adiposo, podem armazenar fármacos lipossolúveis, prolongando sua permanência no organismo e alterando sua distribuição e duração de ação.

Fatores que Alteram a Biotransformação de Fármacos

A biotransformação pode ser afetada por:

  • Sexo
  • Idade
  • Peso
  • Condições patológicas (ex: doenças hepáticas)
  • Interações medicamentosas
  • Fatores genéticos

Principais Locais de Excreção de Fármacos

Os 3 principais locais de excreção dos fármacos são:

  • Filtração glomerular
  • Secreção tubular ativa
  • Difusão passiva através do epitélio tubular

Farmacodinâmica: Ação e Efeito dos Fármacos

Farmacodinâmica é o estudo dos processos bioquímicos e fisiológicos subjacentes à ação dos fármacos.

Estuda o modo como os fármacos influenciam os processos do organismo pela sua interação com receptores específicos (mecanismos de ação e seus efeitos resultantes).

O mecanismo de ação refere-se à interação fármaco-receptor ou ao processo molecular pelo qual o fármaco produz seu efeito. O efeito é a resposta fisiológica ou clínica observável resultante dessa interação.

Ações Farmacológicas: Específicas vs. Inespecíficas

Fármacos específicos: Cuja atividade resulta da interação com sítios bem definidos, apresentando, portanto, um alto grau de seletividade. As drogas desse grupo também apresentam uma relação definida entre sua estrutura e a atividade exercida.

Fármacos inespecíficos: Cuja atividade resulta da interação com pequenas moléculas ou íons encontrados no organismo. As ações dessas drogas dependem, em última análise, de suas propriedades físico-químicas, tais como a solubilidade, o pKa, o poder oxi-redutor e a capacidade de adsorção.

Relação Dose-Resposta em Farmacologia

A curva dose-resposta serve como método gráfico para avaliar de forma descritiva a habilidade do fármaco de produzir ou alterar efeitos fisiológicos. O eixo da abscissa do gráfico representa a dose do fármaco e o eixo das coordenadas a sua eficácia. Dessa forma, para uma determinada dose, extrapola-se no gráfico a eficácia do fármaco. O gráfico também pode ser expresso na forma de curva sigmoide, em que o eixo da abscissa é convertido para o logaritmo da dose do fármaco. Para uma eficácia de 50% de um determinado fármaco, extrapola-se na curva a dose correspondente; essa dose é denominada como concentração eficaz de 50% (CE50).

Eficácia e Potência de Fármacos: Conceitos Essenciais

Potência: A potência designa a concentração (CE50) ou dose (DE50) de um fármaco necessária para produzir 50% do efeito máximo.

Eficácia: Está relacionada ao efeito máximo que um fármaco pode produzir, independentemente da dose.

Fármacos Agonistas: Definição e Tipos

Agonista: Ligante que se acopla a um receptor e produz um efeito (ex: histamina).

Tipos de agonistas:

  • Agonista endógeno
  • Agonista fisiológico
  • Superagonista
  • Agonista pleno
  • Agonista parcial
  • Agonista inverso

Fármacos Antagonistas: Definição e Tipos

Antagonista: Ligante que se acopla a um receptor e não produz efeito (ex: anti-histamínicos).

Tipos de antagonistas:

  • Antagonista parcial/total
  • Antagonista reversível/irreversível
  • Antagonista competitivo/alostérico
  • Agonista inverso (quando o receptor tem atividade constitutiva)

Principais Alvos de Ação dos Fármacos

Os 4 principais alvos onde os fármacos atuam para produzir efeitos são:

  • Receptores: Receptores para ligantes reguladores endógenos (ex: receptores de neurotransmissores).
  • Canais Iônicos: Proteínas que regulam o fluxo de íons através da membrana celular (ex: bloqueadores de canais de cálcio).
  • Transportadores: Proteínas que movem moléculas através das membranas (ex: inibidores da recaptação de serotonina).
  • Enzimas: Proteínas que catalisam reações bioquímicas (ex: inibidores da ECA).

Neurotransmissores do Sistema Nervoso Autônomo

Fármacos que atuam sobre o sistema nervoso autônomo têm sua ação por alterar a atividade de dois neurotransmissores principais:

  • Acetilcolina: Atua em sinapses ganglionares (simpáticas e parassimpáticas) e sinapses neuroefetoras parassimpáticas.
  • Noradrenalina: Atua na maioria das sinapses neuroefetoras simpáticas (exceções: músculo liso vascular renal - dopamina; medula da suprarrenal e glândulas sudoríparas - acetilcolina).

Mecanismos de Ação de Fármacos no SNA

Os mecanismos de ação das drogas que atuam sobre o sistema nervoso autônomo podem ser:

  • Ação direta: Agonistas que atuam diretamente nos receptores (Nicotínicos ou Muscarínicos para o sistema colinérgico; Alfa ou Beta para o sistema adrenérgico). Ex: Ésteres de Colina (betanecol, carbacol, metacolina), Alcaloides (nicotina, muscarina).
  • Ação indireta: Inibidores da colinesterase (aumentam a disponibilidade de acetilcolina na fenda sináptica) ou inibidores da recaptação de noradrenalina.

Receptores Parassimpáticos e Seus Efeitos

Fármacos que atuam no sistema nervoso autônomo parassimpático atuam sobre dois tipos de receptores: Nicotínicos e Muscarínicos.

Receptores Muscarínicos:

  • M1: Localizado no córtex cerebral, gânglios autônomos e glândulas. Causa excitação no SNC (memória) e secreção gástrica.
  • M2: Presente no músculo cardíaco e neurônios (reduz frequência cardíaca, tremores e hipotermia).
  • M3: Encontrado em glândulas exócrinas e músculo liso. Promove secreção gástrica, salivar, contração da musculatura do TGI (trato gastrointestinal) e acomodação visual.

Três efeitos dos receptores muscarínicos nos órgãos inervados pelo parassimpático:

  • Bradicardia: Redução da frequência cardíaca (via M2).
  • Miose: Contração da pupila (via M3).
  • Aumento da secreção glandular: Salivar, gástrica, brônquica (via M3).

Mecanismos de Ação das Drogas Parassimpatomiméticas

As drogas parassimpatomiméticas desempenham suas ações por três mecanismos principais:

  • Ação direta: Atuam diretamente via receptores Muscarínicos (M) ou Nicotínicos (N). Ex: Ésteres de Colina (betanecol, carbacol, metacolina), Alcaloides (nicotina, muscarina).
  • Ação indireta: Inibem a enzima colinesterase, aumentando a concentração de acetilcolina na fenda sináptica.

Efeitos das Drogas Parassimpatomiméticas

Três efeitos das drogas parassimpatomiméticas:

  • Miose – contração do músculo constritor das pupilas.
  • Redução da PIO (Pressão Intraocular) – útil em portadores de glaucoma (contrai o músculo ciliar).
  • Broncoconstrição – contração dos brônquios.

Mecanismos de Ação das Drogas Parassimpatolíticas

As drogas parassimpatolíticas, também conhecidas como anticolinérgicos ou antagonistas muscarínicos/nicotínicos, atuam bloqueando a ação da acetilcolina nos seus receptores. Seus mecanismos de ação incluem:

  • Antagonismo competitivo nos receptores muscarínicos: Bloqueiam a ligação da acetilcolina, impedindo a ativação parassimpática em órgãos como coração, glândulas e músculo liso.
  • Antagonismo competitivo nos receptores nicotínicos: Podem bloquear a transmissão em gânglios autônomos ou na junção neuromuscular, dependendo da seletividade.

Os efeitos resultantes são opostos aos da estimulação parassimpática, como midríase, taquicardia, redução da secreção glandular e relaxamento da musculatura lisa gastrointestinal e urinária.

Usos Clínicos de Antagonistas de Receptores Muscarínicos

  • Pirenzepina: Antagonista seletivo dos receptores muscarínicos subtipo M1, capaz de reduzir a produção de suco gástrico, sendo por muito tempo utilizado na prática clínica na doença ulcerosa péptica e também na bradicardia induzida cirurgicamente ou pelo nervo vago.
  • Ipatrópio/Tiotrópio: Possuem ação broncodilatadora; utilizados na asma e na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
  • Oxibutinina/Propantelina: Antagonistas não seletivos usados na bexiga hiper-reflexia e hiperativa, e na incontinência urinária. O tratamento é acompanhado de efeitos indesejáveis, como ressecamento da boca, visão embaçada e constipação.
  • Tolterodina: Antagonista seletivo dos receptores muscarínicos subtipo M3, utilizado na incontinência urinária; causa menos ressecamento da boca e constipação.
  • Ciclopentolato/Tropicamida: Utilizados como agentes midriáticos na oftalmologia, na forma de colírios.

Neurotransmissor da Junção Neuromuscular e Bloqueadores

O neurotransmissor responsável pelo controle da junção neuromuscular é a acetilcolina.

Um tipo de fármaco que pode produzir bloqueio neuromuscular é a d-tubocurarina (um bloqueador neuromuscular não despolarizante).

Receptores Simpáticos e Seus Efeitos

Os fármacos que atuam no sistema nervoso autônomo simpático desempenham suas ações por ativação de dois tipos de receptores: Receptores Adrenérgicos Alfa (α) e Beta (β).

Três efeitos destes receptores nos órgãos inervados pelo sistema nervoso autônomo simpático:

  • Vasoconstrição: Em arteríolas em geral (via receptores α1).
  • Aumento da frequência cardíaca: (via receptores β1).
  • Broncodilatação: Relaxamento dos brônquios (via receptores β2).

Tipos de Ação Agonista Simpatomimética

As drogas simpatomiméticas podem desempenhar três tipos de ação agonista:

  • Ação direta: Atuam diretamente nos receptores adrenérgicos (ex: Adrenalina, Noradrenalina, Isoproterenol).
  • Ação indireta: Aumentam a liberação de neurotransmissores endógenos ou inibem sua recaptação/metabolismo (ex: Anfetaminas, Cocaína).
  • Ação mista: Possuem tanto ação direta quanto indireta (ex: Efedrina).

Fármacos Simpatolíticos: Definição e Mecanismos

São fármacos que inibem a transmissão adrenérgica, em qualquer ponto, desde o sistema nervoso central até a célula efetora localizada na periferia.

Três possíveis mecanismos destes fármacos:

  • Bloqueadores de receptores adrenérgicos: Antagonizam a ação da noradrenalina e adrenalina nos receptores alfa (α) ou beta (β). Ex: Propranolol (beta-bloqueador), Prazosina (alfa-bloqueador).
  • Inibidores da liberação de noradrenalina: Reduzem a quantidade de neurotransmissor liberado nas sinapses. Ex: Guanetidina.
  • Agonistas de receptores alfa-2 pré-sinápticos: Reduzem a liberação de noradrenalina por feedback negativo. Ex: Clonidina.

Usos Clínicos de Antagonistas Adrenérgicos

Cinco usos clínicos de fármacos antagonistas adrenérgicos:

  • PRAZOSINA, DOXAZOSINA, TERAZOSINA: Anti-hipertensivos, tratamento da hiperplasia prostática benigna (bloqueadores alfa-1).
  • PROPRANOLOL, NADOLOL, TIMOLOL: Angina, Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Arritmias, tremores da ansiedade, glaucoma, prevenção de enxaqueca (beta-bloqueadores não seletivos).
  • ATENOLOL, METOPROLOL: HAS, Angina, arritmias (beta-bloqueadores seletivos beta-1).
  • ACEBUTALOL, ESMOLOL: HAS em diabéticos, insuficiência cardíaca (beta-bloqueadores com seletividade beta-1 e/ou atividade agonista parcial).
  • CARVEDILOL, LABETALOL: HAS, insuficiência cardíaca (bloqueadores alfa e beta).

Enzimas Chave no Processo Inflamatório

No processo inflamatório, diversas enzimas desempenham atividades que contribuem para os eventos da inflamação, tais como calor, vermelhidão e dor. Neste contexto, as atividades das enzimas são:

  • Fosfolipase A2: Responsável pela hidrólise de fosfolipídeos e, assim, pela liberação de ácidos graxos e lisofosfolipídeos que participam de diversas atividades fisiológicas, como inflamação, ativação plaquetária, sinalização, proliferação e migração celular.
  • Cicloxigenase (COX): Atua como efetor secundário na via metabólica da cascata do ácido araquidônico, convertendo-o em prostaglandinas e tromboxanos, mediadores importantes da inflamação e dor.
  • Lipoxigenase (LOX): A via da 5-lipoxigenase (5-LO) é responsável pela conversão do ácido araquidônico (AA) em leucotrienos (LTs). Os LTs são importantes mediadores pró-inflamatórios encontrados em altas concentrações na maioria das lesões inflamatórias. A via da 5-LO desempenha papel central na resposta inflamatória às lesões, já que a mesma é capaz de desenvolver e propagar a inflamação.

Mecanismos de Ação de AINEs e Corticosteroides

Os AINEs (Anti-inflamatórios Não Esteroidais) são inibidores específicos da enzima ciclooxigenase (COX). A COX possui duas formas ligeiramente diferentes, designadas COX-1 e COX-2. Estas são importantíssimas na cascata do ácido araquidônico, pois transformam o ácido araquidônico, uma substância formada a partir de lipídios presentes na membrana celular pela ação da fosfolipase A2, em dois tipos de compostos: as prostaglandinas e os tromboxanos. O papel destes mediadores na inflamação e na dor, assim como em vários outros processos fisiológicos (como na coagulação), é amplamente aceito.

Exemplos de AINEs inibidores seletivos da COX-2:

  • Celecoxibe (nome comercial: Celebrex)
  • Lumiracoxibe (nome comercial: Prexige, Novartis)
  • Etoricoxibe (nome comercial: Arcoxia, Merck-Sharp)

Os Corticosteroides atuam em múltiplos níveis no processo inflamatório. Seu principal mecanismo de ação é a inibição da fosfolipase A2, impedindo a liberação de ácido araquidônico da membrana celular e, consequentemente, a formação de prostaglandinas e leucotrienos. Além disso, modulam a expressão gênica de diversas proteínas envolvidas na inflamação, como citocinas pró-inflamatórias, moléculas de adesão e enzimas. Exemplos: Prednisona, Dexametasona, Hidrocortisona.

Efeitos Terapêuticos dos AINEs e Suas Causas

Os AINEs possuem três benefícios principais:

  • Diminuem a resposta inflamatória (efeito anti-inflamatório).
  • Reduzem a dor de causa inflamatória (efeito analgésico).
  • Reduzem a febre (efeito antipirético).

Estes efeitos ocorrem principalmente devido à inibição da síntese de prostaglandinas, que são mediadores chave na inflamação, dor e regulação da temperatura corporal.

Efeitos Adversos dos AINEs e Suas Explicações

A maioria dos efeitos adversos dos AINEs é devida à inibição da COX-1, que possui funções fisiológicas protetoras. No estômago, as prostaglandinas (produzidas pela COX-1) levam à produção de muco que protege as células da mucosa dos efeitos corrosivos do ácido gástrico. A inibição da COX-1 compromete essa proteção.

Podem causar:

  • Distúrbios gastrointestinais: dispepsia, diarreia ou constipação, náuseas e vômitos, úlceras gástricas e sangramentos.
  • Reações de hipersensibilidade: alergias como urticária na pele, eritemas e até raros casos de choque anafilático.
  • Efeitos renais: retenção de sódio e água, hipertensão, insuficiência renal aguda (devido à inibição de prostaglandinas que mantêm o fluxo sanguíneo renal).
  • Efeitos cardiovasculares: aumento do risco de eventos trombóticos (especialmente com inibidores seletivos da COX-2).

AINEs Seletivos da COX-2: Vantagens e Exemplos

Os anti-inflamatórios inibidores seletivos da enzima COX-2 são preferíveis terapeuticamente quando comparados com outros AINEs não seletivos pela baixa possibilidade de irritação da mucosa gástrica. Isso ocorre porque eles não inibem substancialmente a COX-1, que origina a prostaglandina E2, responsável pela proteção da mucosa gástrica, como ocorre nos não seletivos. No entanto, também podem retardar a cicatrização das úlceras estomacais e apresentam riscos cardiovasculares.

Exemplos de fármacos desta classe:

  • Celecoxibe (nome comercial: Celebrex)
  • Lumiracoxibe (nome comercial: Prexige, Novartis)
  • Etoricoxibe (nome comercial: Arcoxia, Merck-Sharp)

Efeitos Adversos dos Corticosteroides

São várias as reações adversas dos corticosteroides, sendo que a sua gravidade e intensidade normalmente estão relacionadas a doses elevadas ou maior tempo de uso. Dentre os mais comuns e que aparecem logo nos primeiros dias de tratamento estão:

  • Retenção de líquido e sódio
  • Rubor facial
  • Aumento da pressão arterial
  • Aumento da taxa de glicemia (hiperglicemia)
  • Edemas (inchaço) no corpo
  • Supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
  • Osteoporose
  • Catarata e glaucoma
  • Imunossupressão (aumento do risco de infecções)
  • Distúrbios psiquiátricos (insônia, euforia, depressão)
  • Atrofia muscular
  • Estrias e afinamento da pele

Mecanismos Fisiopatológicos da Dor: Estimulação, Transmissão e Resposta

O processo neural de codificação e processamento do estímulo nocivo é chamado de nocicepção. A dor envolve três fases principais:

1. Estimulação (Transdução)

A primeira etapa da sequência de eventos que origina o fenômeno sensitivo-doloroso é a transformação dos estímulos ambientais físicos ou químicos em potenciais de ação. Essa transformação é chamada de transdução e ocorre através dos nociceptores, localizados em tecidos superficiais, profundos e vísceras, que se apresentam como terminações nervosas livres. Quando um estímulo nocivo é aplicado ao organismo, os nociceptores são ativados e uma informação de agressão é encaminhada ao SNC (Sistema Nervoso Central).

Diversos mediadores algogênicos estão envolvidos no processo de sensibilização periférica. Após a ocorrência de um dano tecidual, as células lesadas extravasam enzimas que, no meio extracelular, ciclizam ácidos graxos de cadeia longa e agem sobre os cininogênios, formando as cininas, especialmente a bradicinina, uma substância algógena e vasoativa. Sob ação da fosfolipase A2, ocorre liberação de ácido araquidônico a partir da membrana celular, iniciando o envolvimento de outros mediadores inflamatórios. A biossíntese de prostaglandinas promove redução do limiar de excitabilidade dos nociceptores, fazendo, então, com que estímulos menos intensos sejam capazes de ativá-los.

Além das substâncias já citadas, outros inúmeros mediadores participam do processo de sensibilização periférica. Dentre eles, de caráter excitatório, encontram-se o hidrogênio, potássio, histamina, citocinas como interleucinas e fator de necrose tumoral alfa, substância P, ATP, glutamato e aspartato. Por outro lado, as beta-endorfinas, somatostatina, acetilcolina, encefalinas, glicina, GABA, norepinefrina e a serotonina apresentam um papel inibitório no processo de nocicepção. O resultado da sensibilização periférica é o estabelecimento de hiperalgesia (quando um estímulo normalmente doloroso provoca uma resposta exacerbada) e alodinia (quando um estímulo normalmente inócuo resulta em dor).

2. Transmissão

A ativação de receptores específicos e canais iônicos, presentes na maior parte dos tecidos e órgãos, nas terminações nervosas periféricas por estímulos químicos, mecânicos ou térmicos inicia a propagação de um potencial de ação que percorrerá todo o axônio das fibras primárias aferentes até os sítios de sinapse na medula espinhal. Isto desencadeia a liberação de neurotransmissores, incluindo glutamato e substância P, que irão ativar neurônios situados na medula espinhal.

A via aferente primária que conduz a informação a partir destas terminações nervosas consiste em dois principais tipos de inervação:

  • Fibras C: Não mielinizadas, responsáveis pela segunda fase de dor, descrita como difusa e persistente. Formam, na periferia, receptores de alto limiar para estímulos mecânicos e térmicos.
  • Fibras A-delta: Mielinizadas, responsáveis pela primeira fase da dor, caracterizada pela velocidade de transmissão e intensidade. São sensíveis a estímulos mecânicos intensos.

De acordo com os estímulos que os acionam, os nociceptores podem ser também designados como mecanonociceptores, termonociceptores e nociceptores polimodais inespecíficos. Após lesão tecidual, fibras A-beta, normalmente não associadas a processos nociceptivos, mas apenas a estímulos inócuos, também podem sofrer alterações celulares e, após a sensibilização na periferia, transmitir a informação nociceptiva.

3. Resposta (Modulação e Percepção)

A substância cinzenta da medula espinhal é dividida em dez lâminas, de acordo com suas características citoarquitetônicas. O corno dorsal é constituído pelas lâminas I a VI, sendo as lâminas VII a IX constituintes da zona intermediária e corno ventral e a lâmina X a zona que contorna o canal central. Os neurônios nociceptivos do corno dorsal da medula espinhal estão localizados nas lâminas mais superficiais e a maior parte deles recebe conexões diretas de fibras A-delta e fibras C. Muitos dos neurônios da lâmina I, também conhecida como zona marginal, respondem exclusivamente a estímulos nociceptivos e projetam-se para centros superiores. Alguns neurônios desta lâmina respondem de maneira gradativa a estímulos mecânicos nocivos e inócuos, sendo estes designados de neurônios de faixa dinâmica ampla ou WDR (do inglês wide dynamic range). A lâmina II ou substância gelatinosa é formada predominantemente por interneurônios inibitórios e excitatórios, que modulam a transmissão da dor antes que ela atinja os centros superiores do cérebro, onde a dor é percebida.

Mecanismos e Contraindicações de Dipirona e Paracetamol

Dipirona:

  • Mecanismo de Ação: Inibição da síntese de prostaglandinas, principalmente através da inibição da COX-3 no SNC e de outros mecanismos ainda não totalmente elucidados, que incluem a ativação do sistema opioide e canabinoide endógeno.
  • Contraindicações: Pacientes sensíveis ao princípio ativo ou a outras pirazolonas, gravidez (especialmente no último trimestre) e lactação, porfiria hepática aguda intermitente, deficiência congênita de glicose-6-fosfato desidrogenase, e doenças da medula óssea ou do sistema hematopoiético.

Paracetamol (Acetaminofeno):

  • Mecanismo de Ação: Principalmente inibição da síntese de prostaglandinas no sistema nervoso central, com pouca ação anti-inflamatória periférica. Acredita-se que atue preferencialmente na COX-2 ou em uma isoforma específica (COX-3), além de mecanismos envolvendo o sistema serotoninérgico.
  • Contraindicações: Alergia ao princípio ativo, doença grave do fígado, insuficiência renal grave.

Mecanismo Analgésico dos Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs)

O principal mecanismo de ação dos AINEs ocorre através da inibição específica das enzimas ciclooxigenases (COX) e consequente redução da conversão do ácido araquidônico (AA) em prostaglandinas. Reações mediadas pelas COXs, a partir do AA, produzem PGG2, que sob ação da peroxidase forma PGH2, sendo então convertidas às prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos (TXs).

As prostaglandinas têm ação vasodilatadora. A PGD2 é liberada de mastócitos ativados por estímulos alérgicos ou outros. A PGE2 inibe a ação de linfócitos e outras células que participam das respostas alérgicas ou inflamatórias. Além de promoverem vasodilatação, sensibilizam os nociceptores (hiperalgesia) e estimulam os centros hipotalâmicos de termorregulação, contribuindo para a febre.

A prostaglandina I2 (prostaciclina) predomina no endotélio vascular e atua causando vasodilatação e inibição da adesividade plaquetária. O TX, predominante nas plaquetas, causa efeitos contrários como vasoconstrição e agregação plaquetária. Os leucotrienos aumentam a permeabilidade vascular e atraem os leucócitos para o sítio da lesão. A histamina e a bradicinina aumentam a permeabilidade capilar e ativam os receptores nocigênicos.

Ao inibir a produção dessas prostaglandinas, os AINEs reduzem a sensibilização dos nociceptores e a resposta inflamatória, resultando em efeito analgésico.

Hipnoanalgésicos: Definição, Mecanismos e Usos

Hipnoanalgésicos são depressores seletivos do SNC (Sistema Nervoso Central), empregados para aliviar a dor sem causar a perda da consciência. Elevam o limiar de percepção da dor. Também são chamados de analgésicos narcóticos ou opioides. Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) têm ação analgésica e são úteis nas dores de fracas a moderadas. Todos os depressores do SNC (álcool, barbitúricos e antipsicóticos) causam alguma diminuição da sensação de dor. Dores severas ou agudas geralmente são tratadas mais efetivamente com hipnoanalgésicos ou agentes opioides.

Exemplos de opioides endógenos:

  • Endorfina
  • Dinorfina
  • Encefalina

Mecanismos de Ação: Os hipnoanalgésicos (opioides) atuam principalmente ligando-se a receptores opioides (mu, kappa, delta) no SNC e na periferia. Essa ligação modula a transmissão da dor, inibindo a liberação de neurotransmissores excitatórios e hiperpolarizando neurônios, reduzindo a percepção da dor.

Usos Terapêuticos Gerais: Alívio de dores agudas e crônicas de intensidade moderada a grave (pós-operatória, câncer, infarto do miocárdio), tosse (antitussígeno), diarreia (antidiarreico) e sedação pré-anestésica.

Morfina: Efeitos Farmacológicos e Tratamento de Intoxicação

A morfina exerce primariamente seus efeitos sobre o SNC e órgãos com musculatura lisa. Seus efeitos farmacológicos incluem analgesia, sonolência, euforia, redução da temperatura corporal (em baixas doses), depressão respiratória relacionada com a dose, interferência com a resposta adrenocortical ao estresse (em altas doses), redução da resistência periférica com pequeno ou nenhum efeito sobre o coração e miose. A morfina, como outros opioides, age como um agonista interagindo com sítios receptores estereoespecíficos e ligações saturadas no cérebro, medula espinhal e outros tecidos. A depressão respiratória é consequência da reduzida resposta do centro respiratório ao dióxido de carbono. Emese é resultado da estimulação direta do quimiorreceptor da zona de disparo.

Nos casos em que a intoxicação por morfina é identificada, utiliza-se a naloxona, um antídoto que atua como antagonista competitivo dos receptores opioides, revertendo os efeitos da sobredose. Para tanto, é importante que este antídoto esteja disponível em quantidade suficiente em unidades ambulatoriais e hospitalares onde o uso de opioides é uma prática comum.

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