Fases do Processo Criminal em Portugal: Guia Completo

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Notícia do Crime: Início do Processo Penal

O procedimento criminal inicia-se com um ato do Ministério Público (MP), conforme os artigos 48.º e 53.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), e o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). A ausência de promoção do procedimento pelo MP resulta na inexistência jurídica do processo.

Para que o MP possa promover a abertura de um processo, torna-se necessário, porém, que obtenha informação (notitia criminis) de que foi eventualmente perpetrado um crime. A notícia pode ser obtida de modos diversos: por conhecimento próprio, por intermédio dos Órgãos de Polícia Criminal (OPC) ou mediante denúncia (art.º 241.º do CPP).

O MP não tem de promover o procedimento criminal perante qualquer informação (notícia) da eventual prática de crime. Se há casos que a lei considera desde logo como notícia da eventual prática de um crime e impõe que seja instaurado o procedimento, noutros a notícia não o é sequer da prática de um crime, embora o denunciante o qualifique como tal, ou a notícia não mereça credibilidade, como frequentemente sucede com as notícias anónimas ou, ainda que tenha por objeto um crime, é desde logo manifesta a extinção da punibilidade. Nestes casos, não será instaurado procedimento, pois o conceito de crime é o que resulta do art.º 1.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

O MP deve promover necessariamente o procedimento se a notícia do crime lhe é transmitida na forma estabelecida por lei. Contudo, se lhe é transmitida de modo informal, só o deverá fazer se se convencer da seriedade da notícia.

O MP deve, porém, proceder ao registo de todas as denúncias que lhe forem transmitidas, independentemente do seguimento que lhes der (art.º 247.º, n.º 2, do CPP).

O CPP, no seu art.º 241.º, dispõe que o MP adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia. A distinção legal pode reduzir-se a duas formas: conhecimento próprio ou denúncia. Isto porque a lei trata o conhecimento obtido através dos órgãos de polícia criminal como uma espécie de denúncia, sendo que estes também podem obter a notícia por conhecimento próprio ou através de denúncia de terceiros.

Aquisição da Notícia do Crime Através dos OPC

Na dimensão subjetiva, cabem os meros participantes, que são igualmente importantes, mas estão num plano secundário. É um quadro de entidades e pessoas que participam no processo, mas não têm poderes de conformação no processo. Neste âmbito, temos uma dimensão policial, auxiliar-técnica e probatória. Relativamente aos Órgãos de Polícia Criminal, estes encontram-se dentro da dimensão policial. O CPP define os Órgãos de Polícia Criminal como… (art.º 1.º, n.º 1, alínea c)). A Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC) distingue os OPC de competência genérica e de competência específica. Em parte alguma o código define o que seja a polícia criminal, mas esta pode ser definida como a atividade dos vários órgãos de polícia enquanto tem por objeto atos processuais ordenados por uma autoridade judiciária ou diretamente determinados pela lei processual penal.

Em relação ao relacionamento entre o MP e os órgãos de polícia criminal, estes coadjuvam o MP (art.º 55.º do CPP) no exercício das suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal que é levada a cabo no inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do MP e na sua dependência funcional. O Estatuto do Ministério Público (EMP) dispõe, no seu artigo 3.º, que compete ao MP dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades, e fiscalizar a atividade processual dos órgãos de polícia criminal.

Estreitamente relacionada com a competência de coadjuvação está a atuação dos órgãos de polícia criminal sob a direção e dependência funcional daquelas autoridades (art.º 56.º do CPP). O órgão coadjutor exerce uma atividade de ajuda à autoridade judiciária, e esta ajuda deve ser prestada nos termos indicados por esta autoridade, uma vez que os atos praticados são primariamente da competência da autoridade coadjuvada. É o coadjuvado que há de emitir as diretivas que entender convenientes para a prática dos atos. A dependência funcional significa, por sua vez, que não há uma subordinação hierárquica dos órgãos de polícia criminal às autoridades judiciárias.

Atuação dos OPC Fora do Horário de Serviço

No caso de um OPC não estar no seu período de trabalho, mas assistir a algo fora do comum, pode e deve atuar, uma vez que estão sempre de serviço. No entanto, devem provar sempre a sua qualidade, identificando-se (art.º 250.º do CPP).

  • PSP: Os artigos 10.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 243/2015 estabelecem que, ainda que se encontrem fora do período normal de trabalho, devem tomar as providências necessárias e urgentes, dentro da sua esfera de competência, exibindo previamente prova da sua qualidade quando não uniformizados.
  • GNR: O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de julho, refere: “Face à especificidade da missão, o militar da Guarda encontra-se permanentemente de serviço.”

O procedimento criminal inicia-se com um ato do MP (art.º 48.º e 53.º, n.º 2, do CPP). A falta de promoção do procedimento pelo MP gera a inexistência jurídica do processo. Para que o MP possa promover a abertura de um processo, torna-se necessário que obtenha a informação (notitia criminis) com toda a informação necessária e relevante (art.º 243.º do CPP) de que foi eventualmente perpetrado um crime. Os OPC têm de transmitir a notícia ao MP dentro de 10 dias (art.º 248.º do CPP).

Esta notícia do crime é prévia e exterior ao procedimento, pois este só se inicia com o ato de promoção do MP. Contudo, sendo exterior e pré-procedimental, é um ato processual de grande importância. Compete ao MP apreciar o fundamento da notícia e dar-lhe seguimento (art.º 53.º, n.º 2, alínea a), do CPP).

Fase de Inquérito: Investigação e Recolha de Provas

O inquérito é uma das fases do processo preliminar, sendo cronologicamente a sua primeira fase. É da competência do MP e tem por fim esclarecer a notícia de um crime, investigando e recolhendo as provas sobre o crime noticiado e os seus agentes, em ordem à decisão sobre a acusação.

O inquérito é, lógica e cronologicamente, uma fase processual. É uma fase em sentido lógico porque é dominado por atos pertinentes a uma finalidade determinada: a decisão sobre a acusação. Em sentido cronológico, os atos que lhe correspondem e que o caracterizam são contíguos no tempo. O inquérito tem uma estrutura unilateral e inquisitória, e no CPP tem um sentido mais restrito, compreendendo apenas a atividade de investigação e recolha de provas sobre a existência de um crime.

Opções do MP Após o Inquérito

Concluídas as diligências de investigação, encerra-se a fase do inquérito e o MP pode tomar as seguintes opções:

  • Arquivamento (várias modalidades): Significa que o procedimento não avança, por decisão do autor do ato, para as fases seguintes. O arquivamento pode revestir algumas modalidades (art.º 277.º, n.º 1; art.º 277.º, n.º 2; art.º 280.º; art.º 285.º; art.º 116.º do CPP).
  • Suspensão Provisória: Possibilidade de o MP decidir pela suspensão provisória do processo mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta. Após essa suspensão, pode determinar o arquivamento do processo. A suspensão assenta essencialmente na busca de soluções consensuais para a proteção dos bens jurídicos tutelados e a ressocialização, quando não haja um grau de culpa elevado.
  • Acusação: É formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado com a pena prevista na lei. É um pressuposto indispensável da fase de julgamento e por ela se define e fixa o objeto do julgamento. A acusação obedece às formalidades estabelecidas no art.º 283.º, n.º 3, do CPP, sob pena de nulidade.

Se o crime noticiado constituir crime público, entre o crime noticiado e o esclarecimento no inquérito, o MP tem sempre legitimidade para prosseguir o processo. Nos crimes semipúblicos e particulares, a instauração do inquérito depende de queixa do titular desse direito. A queixa é a manifestação de vontade de que a lei faz depender o procedimento quanto a este tipo de crimes.

Fase de Instrução: Controlo Judicial e Comprovação

A instrução é uma fase facultativa do processo preliminar, tem caráter jurisdicional e ocorre entre a fase do inquérito e a de julgamento, quando requerida pelo arguido (art.º 57.º do CPP) ou pelo assistente (art.º 68.º do CPP) com o fim de comprovação da acusação. O MP nunca tem legitimidade para requerer a instrução.

No CPP, esta fase foi estruturada com uma dupla finalidade: obter a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação, por um lado, e o controlo judicial da decisão processual do MP de acusar ou arquivar o inquérito, por outro. O fim da instrução é comprovar se se verificam ou não os pressupostos de que a lei faz depender a acusação ou o arquivamento, ou seja, se foram observados os requisitos legais, entre os quais a existência ou inexistência de indícios suficientes de que foi praticado crime e de quem foi o seu agente. A instrução é formada pelo conjunto de atos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório (art.º 289.º do CPP).

Estrutura do Requerimento Instrutório

O requerimento instrutório consta normalmente de 4 partes:

  1. Introito: Onde se identifica o processo, o tribunal a que são dirigidos o requerimento e a identificação do requerente.
  2. Narração: Descrevem-se as razões de facto e de direito da discordância.
  3. Requerimento: Indicam-se os atos que o requerente pretende que o juiz de instrução leve a cabo.
  4. Conclusão: Variável consoante se trate de requerimento do assistente ou do arguido.

A decisão instrutória pode ser o despacho de pronúncia ou de não pronúncia. O primeiro é a decisão pela submissão da causa a julgamento; o segundo declara que o processo não pode prosseguir porque a acusação não está em conformidade com a lei.

Atos de Instrução e Debate Instrutório

Há dois momentos nesta fase: os atos de instrução que antecedem o debate instrutório. Dentro dos atos, há atos que o juiz tem necessariamente de praticar diretamente, não podendo pedir a coadjuvação dos OPC (art.º 292.º, n.º 2, e art.º 290.º, n.º 2, do CPP).

Quando o juiz considera que não há lugar a atos de instrução, ou nos 5 dias que se seguem ao último ato de instrução, o juiz deve designar o dia, hora e local para o debate instrutório. Este tem natureza de discussão oral e contraditória entre os intervenientes perante o juiz, apresentando os seus argumentos com vista a que o juiz tome uma decisão favorável (art.º 298.º do CPP).

Decisão Instrutória: Pronúncia ou Não Pronúncia

O momento decisório final, ou seja, o encerramento da instrução, é regulado pelos artigos 306.º a 310.º do CPP. Logo após o debate instrutório, deve ser ditada para a ata a decisão instrutória, proferindo o despacho de pronúncia ou de não pronúncia.

  • Despacho de Pronúncia: Afirma a existência de razões para submeter o caso a julgamento.
  • Despacho de Não Pronúncia: Coloca um termo ao processo, ou seja, o processo não segue para julgamento. A não pronúncia por falta de indícios constitui uma decisão precária, podendo o processo ser reaberto e remetido para inquérito, no caso de conhecimento de novos meios de prova.

O despacho de pronúncia encontra-se sujeito às mesmas regras formais que o despacho de acusação (artigo 308.º, n.º 2, do CPP), sob pena de nulidade sanável.

Fase de Julgamento: Audiência e Sentença

Introdução e Saneamento do Processo

O artigo 311.º do CPP estabelece que, concluída a instrução com pronúncia ou esgotado o prazo para requerimento da instrução, os autos do processo são remetidos ao tribunal competente para a fase de julgamento.

Após a distribuição, quando for caso disso, o processo vai concluso ao juiz para o despacho preliminar.

O julgamento é uma fase do processo que se segue às fases acusatórias (fases que se destinam a dar corpo a uma decisão de acusação). Na tramitação comum, para que possamos ter uma sentença válida, o processo tem de passar obrigatoriamente por duas fases: o inquérito e a instrução. Não pode haver julgamento sem haver acusação. O pressuposto é a existência de acusação.

A condição material e formal do julgamento é a existência de acusação, conforme o artigo 32.º, n.º 5, da CRP (princípio do acusatório), o artigo 327.º do CPP (princípio do contraditório) e o artigo 321.º, n.º 1, do CPP (propósito do julgamento).

Nem todo o julgamento, enquanto audiência, é sempre público. Há momentos no julgamento que não são públicos, tendo natureza secreta. A propósito da publicidade, há um momento secreto no julgamento, que é o momento da construção da sentença pelo julgador: o segredo do processo decisório (tribunal colegial), previsto no artigo 367.º do CPP. Portanto, nem todo o julgamento é público.

Objeto do Julgamento

Constitui condição formal e material do julgamento a existência de acusação. O objeto do julgamento é delimitado essencialmente pela acusação. O artigo 339.º do CPP refere-se às exposições introdutórias. O arguido pode alargar o objeto do processo na medida em que o legislador diz que também integram a acusação os factos alegados pela defesa.

Regime de Alteração de Factos

O regime aplicável à alteração de factos encontra-se nos artigos 358.º e 359.º do CPP. Se os factos novos configurarem uma alteração não substancial, aplica-se o artigo 358.º. A sentença é nula se violar as regras do artigo 358.º ou do artigo 359.º, conforme previsto no artigo 379.º do CPP.

Finalidades do Julgamento

As finalidades do julgamento estão previstas nos artigos 368.º e 369.º do CPP. A culpabilidade é a questão central a que o julgamento tem de dar resposta.

A Audiência de Julgamento

Características da Audiência (Art.º 355.º do CPP)

A audiência está nos antípodas da investigação pré-acusatória (inquérito): esta é secreta, aquela pública. A primeira é toda documentada nos autos, a segunda desenvolve-se oralmente em público.

Princípio do Contraditório na Audiência

O princípio do contraditório na audiência de julgamento é uma imposição da própria Constituição, que dispõe no seu artigo 32.º, n.º 5, que a audiência de julgamento está subordinada a este princípio.

O artigo 327.º do CPP dispõe que, por sua vez, os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal, e que as questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência são decididas pelo tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados.

Formas Especiais de Processo: O Processo Sumário

As formas especiais de processo encontram-se previstas nos artigos 381.º a 398.º do CPP.

Estas formas especiais têm uma marcha mais rápida e simplificada – em observância ao princípio da celeridade processual – e são tradicionalmente aplicadas à pequena e média criminalidade.

Em relação ao processo sumário, este encontra-se consagrado nos artigos 381.º a 391.º do CPP.

É o processo comum do flagrante delito, conforme o artigo 381.º, n.º 1, do CPP. Não é aplicável a crimes particulares, somente a crimes públicos e semipúblicos.

Pressupostos e Requisitos do Processo Sumário

A aplicação desta forma depende do preenchimento, em concreto, de pressupostos e requisitos exigidos por lei:

  • Pressuposto Essencial: Existência de uma válida detenção em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º do CPP, com referência ao artigo 254.º do CPP.
  • Requisito Primário: Sanção aplicável ao(s) crime(s) determinante(s) da detenção.
  • Requisito Secundário: Prazo de início da audiência de discussão e julgamento. A regra é que a forma sumária do processo só poderá ser utilizada se a audiência de discussão e julgamento for iniciada no prazo de 48 horas após a detenção (artigo 387.º, n.º 1, do CPP).

Julgamento em Forma Sumária: Ausência e Adiamento

Relativamente ao julgamento em forma sumária, a falta do arguido regularmente notificado não é motivo para adiamento da audiência de julgamento. Os casos de adiamento propriamente ditos são os que se encontram previstos no artigo 387.º, n.º 2, alínea a), n.º 4, n.º 7 do mesmo preceito e o n.º 6 do mesmo artigo.

A presença do MP é indispensável no julgamento, sob pena de nulidade insanável, tal como a presença do defensor, constituído ou nomeado.

Tramitação da Audiência Sumária

No que toca à tramitação da audiência, o processo admite a participação de assistente e de partes civis, cuja intervenção deve ser requerida no início da audiência. A audiência deve ser obrigatoriamente documentada.

A sentença é proferida oralmente logo após o encerramento da audiência. O processo sumário admite recurso, mas somente da sentença ou de despacho que coloque fim ao processo. O recurso deve ser acompanhado da transcrição integral da sentença oralmente proferida e gravada.

O reenvio para outra forma de processo é regulado no artigo 390.º do CPP. Caso o processo sumário seja empregado fora dos casos previstos na lei, constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea f), do CPP.

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