Filiação no Direito Brasileiro: Conceito, Evolução e Formas de Reconhecimento

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Podemos conceituar a filiação como um vínculo jurídico oriundo de um parentesco, seja ele consanguíneo ou de outra origem. Se decorrente da consanguinidade, este será de linha reta em primeiro grau, constituindo-se como a principal relação de parentesco, sendo ela entre pais e filhos.

Existem ainda outras formas de se constituir a filiação, sendo elas:

  • Filiação civil (resultante da adoção);
  • Estabelecimento da condição de filho;
  • Reprodução assistida.

A Constituição Federal, em seu artigo 227, §6º, consagrou o princípio da paridade entre os filhos, uma vez que acabou com as distinções da filiação entre legítima ou ilegítima, bem como a filiação advinda do instituto da adoção.

Consideravam-se os filhos **legítimos** aqueles originários da relação matrimonial, ou seja, quando houvesse o casamento entre os genitores, e igualmente os concebidos até cento e oitenta dias após o início da relação conjugal. Por sua vez, os filhos **ilegítimos** eram aqueles que não eram frutos do casamento, podendo ser conceituados como:

  • **Naturais:** quando não havia impedimento entre os pais para o casamento;
  • **Espúrios:** quando havia impedimentos para que os pais vivessem em matrimônio.

Os filhos considerados espúrios ainda eram classificados como **adulterinos** (quando um dos pais ou os dois fossem casados) ou **incestuosos** (se entre os pais houvesse vínculo de parentesco próximo) (GONÇALVES, 2014, p.321).

A filiação é, em sua essência, o vínculo entre pais e filhos, seja ele consanguíneo ou não, pois os avanços ocorridos ao longo do tempo trouxeram várias formas de se constituir os vínculos de filiação. Observa-se que não há como deixar de inserir essas novas formas no ordenamento jurídico, uma vez que todos esses avanços sociais e tecnológicos fizeram com que se estabelecesse uma nova linguagem no conceito de filiação.

Em relação aos avanços sociais, faz-se importante mencionar que, de conformidade com a Carta Magna de 1988, houve uma relativização da essência biológica, ao passo que a **família socioafetiva** teve sua importância ressaltada. Não há mais por que se discutir apenas a presunção de paternidade como fator determinante da filiação, pois pai é quem aceita a paternidade do filho de forma voluntária, sem questionar a essência genética, consolidando-se o *status* de filiação (GONÇALVES, 2014, p.324).

Quando se trata dos avanços tecnológicos, há igualmente a filiação por meio da **reprodução assistida**. Neste sentido, é o entendimento de Maria Berenice Dias:

No atual estágio da sociedade, não mais interessa a **origem** da filiação. Os avanços científicos de **manipulação genética** popularizaram a utilização de métodos reprodutivos, como a fecundação assistida homóloga ou heteróloga, a comercialização de óvulos e espermatozoides, a gravidez por substituição, e isso sem falar ainda na clonagem humana. Tais avanços ocasionaram uma reviravolta nos vínculos de filiação. A partir do momento em que se tornou possível interferir na procriação humana, por meio de técnicas laboratoriais, a procriação deixou de ser um fato natural para submeter-se à vontade do homem. (DIAS, 2015, p.390).

A lei não faz mais restrições quanto à composição dos vínculos de filiação como no passado. Deve-se manter o foco nos padrões constitucionalmente fixados, uma vez que há novos paradigmas no que concerne esse assunto. Hoje o que existe é plena **paridade entre os filhos**, não levando em consideração a sua origem, e não se vincula mais a relação matrimonial ou não em prejuízo do vínculo de filiação (DIAS, 2015, p.390).

Evolução Histórica e Legislativa da Filiação no Brasil

A família em tempos mais remotos era tida como algo patriarcal e matrimonializado, na qual só tinha reconhecimento e proteção quando constituída pelo casamento. Todas as distinções relativas às famílias que fugiam dos padrões estabelecidos pela época refletiam de semelhante maneira na filiação, onde a lei só se referia e dava proteção aos filhos concebidos durante a união matrimonial dos seus pais, denominada **família legítima**.

As distinções relativas aos filhos, de maneira visível, beneficiavam somente o pai, uma vez que não constituíam direitos aos descendentes que não faziam parte do que era considerada família legítima, deixando-os à margem da sociedade a fim de garantir os interesses do casamento.

As classificações atribuídas aos filhos, a fim de se resguardar o meio familiar, eram feitas até mesmo de forma brutal, de acordo com a condição civil dos pais.

“Singelamente, a lei fazia de conta que ele não existia. Era punido pela postura do pai, que se safava dos ônus do poder familiar” (DIAS, 2015, p.387).

No concernente às evoluções legislativas referentes ao instituto da filiação, é essencial mencionar o **Decreto-Lei 4.737, de 24 de setembro de 1942**, que regulava o reconhecimento dos filhos ilegítimos, os denominados naturais (aqueles havidos fora do casamento, mas sem impedimentos por parte dos pais). Posteriormente, entrou em vigor a **Lei 883, de 21 de outubro de 1949**, a qual revogou o decreto anterior, dando o direito ao reconhecimento dos filhos espúrios, desde que o pai dissolvesse a comunidade conjugal. Deu-se igualmente a oportunidade do direito de ação por parte do filho para ser reconhecido.

É evidente que, mesmo com a entrada em vigor dessas normas, a discriminação em relação à origem dos filhos ainda perdurava. Maria Berenice Dias traz um entendimento acerca disso:

[...] O máximo a que se chegou foi conceder o direito de investigar a paternidade para o fim único de buscar alimentos, tramitando a ação em segredo de justiça. Ainda assim, tais filhos eram registrados como filhos ilegítimos e só tinham direito, a título de amparo social, à metade da herança que viesse a receber o filho legítimo ou legitimado. (DIAS, 2015, p.388).

Outras alterações relevantes vieram com a entrada em vigor da **Lei do Divórcio (Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977)**. Esta lei extinguiu a discriminação entre os filhos, possibilitando o reconhecimento do filho gerado fora do casamento por meio da inclusão em testamento cerrado, equiparando o direito de herança a todos os filhos.

No entanto, nota-se que apenas com a promulgação da **Constituição Federal de 1988** (CF/88) foi possível suprimir os meios discriminatórios de filiação no Brasil. A Lei Maior traz em seu artigo 227, §6º, o seguinte dispositivo legal:

Art. 227. É dever da família, da comunidade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O texto do mencionado artigo consagrou o **princípio da isonomia entre os filhos**, estabelecendo um novo perfil para a filiação, trazendo paridade de tratamento para todas as formas de constituição do vínculo. Qualquer manifestação que não obedeça aos ditames do dispositivo legal representa um passo na contramão do que hoje é tutelado, pois o direito de paridade aqui consagrado impõe repúdio a quaisquer designos discriminatórios (MADALENO, 2013, p.484).

Ainda com base no raciocínio de Rolf Madaleno, o autor afirma que:

Deveriam desaparecer da legislação brasileira com a equalização constitucional da filiação os conceitos espúrios de filiação legítima e ilegítima, quando a sorte dos filhos dependia do vínculo matrimonial dos seus pais, tendo a Carta Federal de 1988 recepcionado o princípio único da dignidade da pessoa humana, de nova dimensão social e jurídica, inclusive sob a sua dimensão cultural, para igualmente amparar, ao menos por ora somente na versão doutrinária e jurisprudencial, a **filiação da afetividade** e não somente a da verdade biológica. (MADALENO, 2013, p. 385).

Não se pode deixar de destacar outras normas que vieram após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo a **Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA)**, que disciplinou os direitos das crianças e adolescentes, na qual vale evidenciar aqui o artigo 27 que dispõe:

Art. 27. O reconhecimento do *status* de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

Outra novidade foi a entrada em vigor da **Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992**, na qual regula as ações de averiguação de paternidade, proibindo as distinções entre os filhos e ratificando as normas já existentes.

Posteriormente, com a entrada em vigor do **Código Civil de 2002** (CC/02), recepcionou-se o princípio da paridade da filiação, dando os mesmos direitos aos filhos havidos fora do casamento ou não, não sendo admitida qualquer forma de discriminação. Contudo, manteve-se a presunção de paternidade, como destaca Rolf Madaleno:

[...], segue existindo uma clara distinção entre filhos conjugais e extraconjugais, cujas qualificações diferenciadas subsistem no texto legal e estão longe de somente balizar diferentes realidades fáticas, pois até hoje continuam sendo privilegiados pela presunção de paternidade os filhos do casamento, cujo benefício do registro materno não gozam os filhos das relações extramatrimoniais, pois estes ainda dependem do comparecimento do pai no ato registral, ou de seu expresso reconhecimento parental, nos termos do artigo 1.609 do Código Civil.(MADALENO, 2013, p.486)

Nota-se, com os avanços tecnológicos e sociais, que as transformações no âmbito da família perderam o antigo caráter econômico, social e religioso, dando lugar a conceitos baseados no afeto e companheirismo. No concernente à filiação, houve um esvaziamento do cunho biológico atribuído à paternidade. Tem-se que a paternidade tem como pressuposto o afeto, podendo ela ser biológica ou não, ou seja, a **paternidade socioafetiva** é gênero do qual resulta em ser ela biológica ou não, privilegiando assim o vínculo da afetividade (DIAS, 2015, p.389).

Do Reconhecimento dos Filhos e suas Formas

O reconhecimento dos filhos é tratado no Código Civil em seus artigos 1.607 a 1.617, sendo que antes da sua entrada em vigor o aludido assunto era regulado pela Lei 8.560/1992, que trata da Averiguação de Paternidade.

Os filhos havidos fora do casamento podem ser reconhecidos pelos pais de forma conjunta ou separadamente. Em relação à mãe impugnar a sua maternidade, esta só será permitida se a mesma comprovar a falsidade do registro de nascimento ou de eventuais declarações nele contidas, como, por exemplo, o fato de troca de bebês. Esta regra trata-se de uma exceção, tendo em vista que a maternidade é geralmente certa. Diante desta circunstância, deve-se levar em conta a **parentalidade socioafetiva** (TARTUCE, 2014, p.393).

Tendo em vista que a maternidade será presumida, o que cabe aqui ser levado em discussão é referente à paternidade, uma vez que, como preceitua o artigo 1.610 do Código Civil e igualmente está presente no artigo 1º da Lei 8.560/1992, o **reconhecimento é irrevogável**, mesmo quando feito em testamento. Diante disso, nota-se que o reconhecimento não pode ser desfeito por mera vontade de quem o constituiu.

No entanto, não se pode confundir irrevogabilidade com os atos que geram a sua invalidade, pois se o reconhecimento resultar de qualquer **vício de consentimento**, poderá ser objeto de ação anulatória.

O reconhecimento deve ser realizado livre de vícios, e os seus efeitos são exclusivamente os que decorrem da lei. Diante disso, cabe aqui realizar uma análise do **artigo 1.614 do Código Civil**, que traz a seguinte redação:

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguem à maioridade, ou à emancipação.

Verifica-se, com a redação deste artigo, que o reconhecimento pode ser algo complexo, pois, quando se tratar de filho maior de idade, este passa a ser um ato *unilateral receptício*, consumando-se quando houver o consentimento. Contudo, tratam-se de dois atos distintos, sendo claro que o reconhecimento predomine nesses casos (TARTUCE, 2014, p.396).

Neste sentido, Maria Berenice Dias dispõe:

Em se tratando de reconhecimento de filho maior de idade, é indispensável a sua concordância (CC 1.614). Não estabelece a lei a forma de manifestação do consentimento. Igualmente, nada é aludido sobre a discordância do filho, se pode ser imotivada ou se precisa ser justificada. Em face da falta de especificidade, há que se admitir que a negativa pode ser imotivada. (DIAS, 2015, p.419).

Ainda em análise do artigo acima, o mesmo igualmente dispõe acerca do reconhecimento do filho menor de idade. O dispositivo traz um prazo decadencial para que o filho menor possa impugnar o reconhecimento, mas tal prazo é discutível na medida em que se trata de direito pessoal e da integridade da pessoa humana, fazendo com que o direito de impugnar a paternidade não se sujeitaria ao estabelecimento de prazos, seja decadencial ou prescricional (TARTUCE, 2014, p.396).

O reconhecimento do filho se dará de forma **voluntária** (perfilhação), nos termos previstos no artigo 1.609 do Código Civil, ou por via **judicial** (obrigatório), sendo este regulado pela Lei de Averiguação de Paternidade.

Reconhecimento Voluntário

Como o próprio nome diz, trata-se de um ato voluntário que não se confunde com a presunção de paternidade. O **reconhecimento voluntário** é um ato irrevogável por abranger direito personalíssimo que tem como objetivo afirmar a existência de filhos que não são oriundos do matrimônio, independentemente da demonstração de origem genética.

O reconhecimento voluntário será realizado nos termos do artigo 1.609 do Código Civil:

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

  1. no registro do nascimento;
  2. por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
  3. por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
  4. por declaração direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

As formas de reconhecimento voluntário dos filhos geram efeitos *erga omnes*, sendo ainda de caráter personalíssimo que compete somente ao pai ou à mãe, embora o mais comum seja aquele realizado pelo pai, uma vez que, como já foi dito, **“A maternidade é um fato, a paternidade presunção”** (GONÇALVES, 2014. p.347).

Formas de Reconhecimento Voluntário

I – No registro de nascimento

No registro de nascimento, o ascendente, acompanhado por um oficial do Registro Público, faz o reconhecimento por meio de averbação no próprio assento, sendo realizado o ato na presença de duas testemunhas. Vale ressaltar que, nos casos em que o filho não advém de uma relação matrimonial, o artigo 59 da Lei dos Registros Públicos veda que seja feita, sem concordância do pai, a inclusão do seu nome e sobrenome. O pai deve consentir expressamente ou por meio de representante com poderes especiais (MADALENO, 2013, p.578).

II – Por escritura pública ou escrito particular

A escritura poderá ser feita exclusivamente para o ato, como igualmente poderá constar de forma supletiva, ou seja, incidentalmente em escritura que tenha outros objetivos, sendo averbados após.

A respeito dos casos em que o pai faça por meio de escrito particular, Rolf Madaleno expõe:

Já o escrito particular respeita a uma declaração escrita de reconhecimento específico, consignando o progenitor a sua clara, inequívoca e expressa declaração de perfilhamento do vínculo de filiação, não exigindo a lei que se trate de documento manuscrito, ou seja, escrito de próprio punho [...] (MADALENO, 2014, p.579).

III – Por testamento

Por testamento, ainda que manifestado de forma incidental, o testamento pode ser uma via de reconhecimento voluntário dos filhos em qualquer uma das suas espécies. “Podem os pais valer-se, ainda, em situações de viagem ou guerra, dos testamentos especiais: marítimo, o aeronáutico e o militar (CC, art.1.886)” (GONÇALVES, 2014, p. 349).

IV – Por declaração direta e expressa perante o juiz

Ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto essencial do ato que o contém, acerca desta forma voluntária de reconhecimento, Paulo Roberto Gonçalves esclarece:

O ato no qual se dá a declaração voluntária de reconhecimento de filho pode resultar de algum depoimento em juízo prestado pelo pai, incidentalmente e tomado por termo, ainda que a finalidade desse depoimento seja outra, como por exemplo a de reduzir o valor de pensão alimentícia paga a outros filhos, como pode decorrer ainda de alguma declaração nos autos [...] (GONÇALVES, 2014, p. 349).

Portanto, uma vez reconhecida a paternidade, e declarado o ato de vontade, este passa a ser irretratável ou irrevogável, não podendo ser desfeito por mera vontade.

Reconhecimento Judicial

Vimos no tema supra as formas de reconhecimento voluntário da filiação, mas, quando esse reconhecimento não é realizado de forma voluntária, tem-se a possibilidade de alcançar o reconhecimento por via judicial, igualmente conhecido como obrigatório ou coativo.

O reconhecimento se dará por meio de **Ação de Investigação de Paternidade ou Maternidade**, sendo a primeira mais comum.

Como bem preceitua o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito ao reconhecimento do *status* de filiação é ato personalíssimo, indisponível e imprescritível. Vejamos o que diz a **Súmula 149 do Superior Tribunal Federal**:

Súmula 149 STF - É Imprescritível A Ação De Investigação De Paternidade, Mas Não O É A De Petição De Herança.

Muito embora a Ação de Investigação de Paternidade seja imprescritível, a petição de herança tem prazo prescricional de dez anos, a contar do momento em que foi reconhecida a paternidade, e não da morte do hipotético pai. Isso se dá devido aos efeitos patrimoniais do *status* de pessoa prescreverem (GONÇALVES, 2014, p.355).

A determinação que declara a paternidade tem os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário, ou seja, retroage à data do nascimento, devendo a mãe ou o filho, se maior de dezoito anos, dirigir-se ao Cartório de Registro Civil para que seja emitida uma nova certidão de nascimento.

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