Filosofia da Ciência: Indução, Falsificacionismo e Paradigmas
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A Ciência Clássica e a Revolução Científica
A ciência era considerada como detentora do conhecimento a partir do qual se podia atingir verdades, modelo fundamental para se ter um conhecimento objetivo sobre a realidade. Era um empreendimento puramente racional, visto que os critérios utilizados eram meramente racionais e permitiam uma visão verdadeira e objetiva da realidade.
O Modelo Dedutivo Medieval
No período medieval, o modelo de cientificidade era dedutivo (partindo de princípios evidentes e claros, era possível extrair delas consequências e bastava depois deduzir a compreensão do mundo). A ciência dominante era a de Aristóteles e negava qualquer controlo por experimentação.
O Surgimento da Ciência Moderna e o Método Experimental
O que liquidou a ciência aristotélica foi a criação do método científico e o surgimento da ciência moderna, que se passou a basear não só no raciocínio teórico, mas também na experimentação, no sujeitar das teorias à experiência, no sentido de confirmar as teorias/suposições inicialmente formuladas, pela observação e experimentação (ex.: Galileu). Assim, a introdução da experimentação era necessária para se formularem teorias válidas.
O método científico é um conjunto de procedimentos usados pelos cientistas para obter um conhecimento tão certo e seguro quanto possível. Até aos primeiros anos do século XX, era uma conceção baseada na indução e, derivada das ideias de Francis Bacon e de Galileu Galilei, teve a preferência dos cientistas.
A grande novidade da Revolução Científica, que se inicia no século XVI com Francis Bacon — o pai do método experimental — é o facto de se passar a aliar a teoria à experiência e aos fenómenos, e de se passar a considerar que a lógica que deve presidir à ciência é a experiência, que é considerada a mãe de todo o saber. Esta aliança teoria-experiência permite a matematização e geometrização da Natureza e uma razão quantificadora/calculadora.
O modelo clássico do método científico, defendido pelo Positivismo Lógico — teoria que afirma que só são saberes científicos aqueles que se explicarem e confirmarem empiricamente, negando todos os que não se podem explicar pela experiência — é indutivista.
O Modelo Indutivista Clássico
De acordo com a perspetiva indutivista, a ciência parte de factos e da sua observação, procurando relações de semelhança, simultaneidade, causa e efeito, e padrões de comportamento para formular enunciados observacionais, que se referem a casos particulares. O método indutivo segue as seguintes etapas:
- Observação: Constatação de factos e fenómenos que necessitam de investigação.
- Formulação da Hipótese: Uma resposta provisória, uma ideia orientadora, que terá de ser testada. É necessária para o progresso científico, apesar de não ser uma certeza.
- Experimentação: Transposição de um fenómeno natural para um ambiente artificial, onde as hipóteses são testadas de forma metódica e orientada. Procura-se verificar ou controlar a verdade ou falsidade das hipóteses através da observação empírica dos factos.
Caso a hipótese se verifique, está-se na presença de uma Lei Científica. A passagem da hipótese para a lei científica ocorre através do Princípio da Verificabilidade: verificando empiricamente n casos da mesma espécie, conclui-se algo geral para todos os casos dessa espécie.
Este critério de cientificidade só se pode aplicar a enunciados observacionais, a frases sintéticas ou analíticas, pois só acerca desses se pode verificar um caráter verdadeiro ou falso. Por verificação entende-se verificação empírica. Os positivistas lógicos defendiam que as frases que não são verificáveis nem analíticas não têm sentido, não constituem ciência, sendo sim da área da metafísica.
Segundo a conceção indutivista, o progresso científico reside na acumulação de saberes e aperfeiçoamento dos mesmos, havendo uma continuidade no conhecimento científico.
O Problema da Indução
Este modelo foi alvo de muitas críticas e divergências. Entramos no âmbito do problema da indução:
Será legítima a passagem de factos particulares para casos gerais, tendo por base apenas n casos confirmados e sendo impossível verificar todos os casos da mesma espécie (os do passado, presente e futuro)? Será legítimo partir de premissas particulares para conclusões gerais?
A indução não possui validade formal porque, da parte conhecida, não podemos concluir para um todo desconhecido — há um salto lógico.
Críticas ao Modelo Indutivo e ao Verificacionismo
- Crítica de Quine: Foi um dos maiores opositores do verificacionismo, defendendo que as frases não podem ser verificadas isoladamente, mas sim em conjunto.
- Observação Pura: O método indutivo pressupõe uma observação pura, isenta de preconceitos. No entanto, enunciados observacionais neutros não existem. O que vemos é significativamente afetado pelo nosso enquadramento mental e pelas teorias prévias.
- Seletividade da Observação: Os cientistas não registam todos os fenómenos; eles escolhem aspetos sobre os quais se concentram. Esta escolha envolve decisões teoricamente subordinadas.
A Crise do Modelo Clássico de Racionalidade
Com a chamada Crise dos Absolutos, toda a conceção tida até então de ciência é abalada. Teorias como a da Relatividade, Incerteza e Mecânica Quântica acabaram por se incompatibilizar com os pressupostos de absolutividade, como os da Física de Newton, colocando em causa toda a ciência.
A evolução em ciência seguia, até então, uma continuidade. No entanto, as teorias de Einstein implicaram uma autêntica rutura com as teorias do passado, uma descontinuidade, visto que as anteriores apresentavam fragilidades que as tornavam incompatíveis com as novas teorias. Entrou em descrédito a possibilidade de a ciência alcançar conhecimentos estáveis e definitivos. Estes passaram a ser apenas provisórios.
O critério da verificabilidade também se torna frágil. Assiste-se à dessacralização da ciência. A descoberta de que algumas teorias científicas consideradas verdadeiras eram, na realidade, falsas, levou à formulação de metodologias alternativas, como:
- O Falsificacionismo de Karl Popper.
- As propostas de Thomas Kuhn, que procuram descrever a forma como a ciência progride (e que têm sido consideradas irracionalistas).
Karl Popper e o Falsificacionismo
Karl Popper questiona os pressupostos da conceção indutivista e considera-se um anti-indutivista. Ele desenvolve uma teoria que diverge do modelo clássico do método científico.
Popper afirma que, contrariamente ao indutivismo, a ciência não parte da observação, mas sim de uma situação-problema que suscita dúvidas e motiva a investigação. A teoria precede a observação, e por isso não existe uma observação pura dos fenómenos.
O Raciocínio Hipotético-Dedutivo
Popper defende que o raciocínio científico por excelência é o Hipotético-Dedutivo. Este modelo permite descobrir algo que inicialmente não se conhecia, mas que se poderia inferir. O processo é de conjeturar e refutar:
- Constatação do Problema: Uma situação desconhecida que exige investigação.
- Formulação da Hipótese (Conjetura): Uma possível explicação provisória para a situação-problema.
- Dedução das Consequências: Inferência das consequências que adviriam da hipótese.
- Experimentação e Crítica: As hipóteses são submetidas à crítica intersubjetiva (tentativas de refutação). O raciocínio tem a forma lógica de um Modus Tollens.
Quando uma teoria passa no teste empírico, diz-se que foi corroborada, continuando a ser desenvolvida e testada. Quando não resiste ao teste empírico, é falsificada e abandonada. Uma teoria é tanto melhor quanto maior for o seu grau de falsificabilidade, dado que quantas mais previsões fizer, maiores serão os riscos de refutação.
Em Popper, a experimentação não verifica a hipótese, mas sim a corrobora. As teorias não são verificadas, mas sim falsificadas. A exigência da Falsificabilidade substitui a exigência de verificabilidade do modelo indutivo.
Falsificável vs. Falsificada
Nunca se pode provar que uma teoria é verdadeira, apenas se pode provar que é falsa. Uma hipótese é preferível à outra quando explica todos os aspetos que a antiga não explicava, evita erros e resiste a exames críticos.
- Falsificável: Uma teoria que pode ser submetida a testes empíricos que a possam refutar. Todas as boas teorias científicas são falsificáveis.
- Falsificada: Uma teoria que é realmente refutada por dados empíricos, mostrando-se falsa.
O critério da falsificabilidade permite eliminar erros, resolver problemas e descobrir novos problemas, sendo crucial para o progresso da ciência. O raciocínio abdutivo (intuição, imaginação) também tem um papel importante na formulação de conjeturas.
A ciência é uma atividade crítica e racional. A verdade é entendida como uma ideia reguladora, uma meta que se procura alcançar, mas que nunca se pode ter como certa e atingida. Não existem verdades absolutas, mas sim teorias corroboradas enquanto não forem refutadas.
Críticas à Conceção Popperiana
Crítica de Thomas Kuhn (Falsificabilidade)
Kuhn argumenta que, na prática, os cientistas:
- Não procuram encontrar fragilidades nas suas teorias.
- Quando surgem fragilidades, tentam escamoteá-las ou desvalorizá-las.
- Tentam, antes de tudo, confirmar as hipóteses que formulam, e não refutá-las.
Crítica à Rejeição Total da Indução
Apesar de a indução não se revestir de validade lógica como o raciocínio dedutivo, ela:
- É dotada de grande fecundidade e é indispensável no domínio de várias ciências.
- Tendo em conta a grande regularidade da natureza, o método indutivo pode ser extraordinariamente preciso.
- Os cientistas continuam a utilizá-la nas suas práticas, mesmo reconhecendo as suas limitações (impossibilidade de verificação de todos os casos).
Thomas Kuhn: Paradigmas e Revoluções Científicas
Thomas Kuhn analisa o desenvolvimento do conhecimento científico e considera a existência de dois períodos:
- Período da Ciência Normal
- Período da Ciência Revolucionária
O Paradigma e a Ciência Normal
Durante o período da Ciência Normal, os cientistas trabalham no contexto de um modelo aceite pela comunidade científica, que Kuhn designa de Paradigma. Um paradigma é um modelo teórico de práticas científicas que vigora e que consegue explicar/prever os fenómenos. Durante este período, a comunidade de cientistas partilha o mesmo tipo de procedimentos e metodologias.
Crise e Revolução Científica
Chega um momento em que a Ciência Normal se confronta com anomalias — problemas para os quais o paradigma vigente já não consegue dar resolução. É então necessária a mudança de paradigma, ou seja, a substituição do modelo anterior por outro. Está-se no período de crise da ciência.
A tendência inicial do cientista perante a anomalia é disfarçá-la ou desvalorizá-la, sem uma atitude crítica. A crítica é inibida para que a teoria não seja posta em causa. Kuhn argumenta que o cientista é um ser humano habitado por paixões, interesses e ideais, e não um sujeito imparcial.
Segundo Kuhn, os fatores de ordem subjetiva (interesses económicos, ideológicos, etc.) intervêm mais fortemente na mudança de paradigma do que os fatores de ordem objetiva. Isto põe em causa a racionalidade como valor que preside ao funcionamento da ciência.
Incomensurabilidade e Progresso
A evolução do conhecimento científico só decorre em continuidade durante o período da Ciência Normal. Quando há a mudança de paradigma (Ciência Revolucionária), há uma autêntica rutura com o passado, pois os paradigmas são regidos por princípios completamente diferentes. Os paradigmas são, assim, incomensuráveis (não se podem comparar).
Kuhn nega a ideia de desenvolvimento cumulativo. Embora reconheça critérios objetivos comuns (exatidão, precisão, consistência, abrangência, simplicidade, fecundidade), estes critérios são vagos quando aplicados individualmente e entram em conflito quando aplicados globalmente.
A interferência de fatores subjetivos não é necessariamente negativa, pois a diversidade cognitiva (discordância, diálogo e argumentação) é um fator essencial na inovação e no progresso científico.
Objeções à Teoria dos Paradigmas de Kuhn
- Kuhn não possui uma resposta teórica explicativa para o modo como se processa o progresso científico.
- A conceção descontinuista da ciência parece ser contraditória com a sua ideia de progresso científico.
- Se os paradigmas são incomensuráveis, Kuhn não explica por que razão uns são preferíveis a outros. Como se explica que a mudança de paradigma seja benéfica e permita a evolução, se não significa aperfeiçoamento, mas sim rutura?