Filosofia da Ciência: Senso Comum, Métodos, Popper e Kuhn

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Senso Comum vs. Conhecimento Científico

O Senso Comum

O senso comum é um conhecimento vulgar, espontâneo, é sobretudo um conhecimento experimentado, ou seja, provém da experiência e da sua transmissão. Podemos dizer que se trata de um conhecimento não-crítico, que utilizamos para resolver os problemas do dia a dia. O senso comum é um conhecimento particular, restrito a uma pequena amostra da realidade, a partir da qual são feitas generalizações apressadas e imprecisas.

O Conhecimento Científico

O conhecimento científico é um conhecimento sistematizado que recorre a métodos. Para além da utilização da experiência, invoca raciocínios, provas e demonstrações que permitem obter conclusões gerais/universais. Assim sendo, este conhecimento é objetivo, pois é definido pela consensualidade das teses/hipóteses junto da comunidade científica.

O Método Científico

O método científico é o conjunto de procedimentos e técnicas que se utilizam nas diversas ciências para descobrir, investigar e alcançar os seus objetivos. É o rigor metodológico que torna a investigação eficaz e credível. Inclui um conjunto de procedimentos que as diversas ciências usam para a validação das hipóteses formuladas, em função dos objetivos que estabelecem. Dá credibilidade, permite fazer a distinção entre os conhecimentos científicos verdadeiros, é responsável pela eficácia da investigação, é utilizado na invenção e comprovação das hipóteses.

Métodos Científicos

Modelo Indutivo

Modelo Indutivo: Refere-se aos procedimentos metodológicos que, partindo dos factos, formulam hipóteses a partir de dados de observações. Os passos típicos são:

  1. Parte da observação, que deve ser neutra e imparcial, metódica e experimental.
  2. Formula uma hipótese (explicação provisória para o problema).
  3. Experimenta.
  4. Generaliza.

Modelo Hipotético-Dedutivo

Modelo Hipotético-Dedutivo: Sustenta que as hipóteses não são sugeridas por dados de observação: elas são criadas pelo investigador e propõem-se solucionar um facto-problema. Os passos típicos são:

  1. Formulação de uma hipótese (deve ser compatível, coerente, suscetível de teste, servir para prever e explicar dados).
  2. Dedução de consequências preditivas da hipótese.
  3. Submissão das consequências da hipótese a provas experimentais.
  4. Conclusão.

O Indutivismo e Suas Críticas

A Teoria Indutivista

Segundo o indutivismo, a elaboração de teorias científicas tem como ponto de partida a observação; depois, tentam-se encontrar novos casos que confirmem essas hipóteses. Isto é, a observação precede a teoria e a passagem de uma para a outra dá-se mediante inferências indutivas e, com isto, obtêm-se generalizações depois de observar o mundo. Essas generalizações são ainda hipóteses e, uma vez verificadas pela experimentação, tornam-se Leis Universais, válidas para todos os casos.

Críticas ao Indutivismo

Contudo, existem fortes críticas à teoria indutivista, como por exemplo: o facto de não existirem observações puras, pois os investigadores são sempre influenciados de diversas formas pelos instrumentos usados na observação, bem como pelas teorias já reconhecidas; e o facto de muitas teorias se referirem a objetos não observáveis, como por exemplo, a teoria do Big Bang.

Karl Popper e a Falsificabilidade

Karl Popper surge como um dos grandes opositores ao indutivismo, criticando a verificabilidade e a confirmabilidade como critérios de cientificidade. Propõe então o critério da falsificabilidade, que assenta na crença de que uma teoria é científica se for falsificável, isto é, se puder ser refutada pela experiência. Na sua teoria, prevê diferentes graus de falsificabilidade, sendo tanto maior o grau de falsificabilidade de uma teoria quanto maior for o seu conteúdo empírico, ou seja, quanto maior for a informação que ela nos dá sobre o mundo que observamos.

Ciência por Tentativa e Erro

Para Popper, as teorias são conjecturas sempre suscetíveis de serem falsificadas. É preciso deduzir previsões empíricas a partir da hipótese e confrontá-la com a observação, testando-a pela experimentação. Se as previsões se revelarem incorretas, a teoria será refutada e será preciso procurar uma hipótese melhor para resolver o problema. Mas, se uma teoria superar todas as tentativas de refutação, está corroborada pela experiência. Daí que a ciência progrida por tentativa e erro, ou seja, ao rejeitar teorias falsas, encontramo-nos mais próximos da verdade acerca do mundo, pois já nos libertámos de alguns erros. Posto isto, concluímos que para Karl Popper a indução é injustificável, mas isso não põe em causa a credibilidade ou a racionalidade da ciência, pois o raciocínio indutivo não desempenha qualquer papel na investigação científica. O filósofo em questão, ao refutar o indutivismo, defende a conceção hipotético-dedutiva do método.

Verificabilidade vs. Falsificabilidade

A verificabilidade e a falsificabilidade testam a validade da hipótese. A falsificabilidade é o processo de confrontar uma teoria com dados de observação na tentativa de provar a sua falsidade.

Thomas Kuhn e os Paradigmas

O Conceito de Paradigma

Para Kuhn, a ciência é um tipo de atividade altamente determinada que consiste em resolver problemas (como um quebra-cabeça) dentro de uma unidade metodológica chamada paradigma. Este, apesar de sua suficiente abertura, delimita os problemas a serem resolvidos em determinado campo científico. É ele que estabelece o padrão de racionalidade aceito em uma comunidade científica, sendo, portanto, o princípio fundante de uma ciência para a qual são treinados os cientistas. O paradigma caracteriza a Ciência Normal. Esta se estabelece após um tipo de atividade desorganizada que tenta fundamentar ou explicar os fenómenos ainda em um estágio que Kuhn chama de mítico ou irracional: é a pré-ciência. A Ciência Normal também ocorre quando da ruptura e substituição de paradigmas (o que não significa voltar ao estágio da pré-ciência).

Ciência Normal e Revolucionária

É que dentro de um modelo ocorrem anomalias ou contraexemplos que podem colocar em dúvida a validade de tal paradigma. Se este realmente se torna insuficiente para submeter as anomalias à teoria – já que, vista de outro ângulo, elas podem se tornar um problema – ocorre o que Kuhn denomina de Ciência Extraordinária ou Revolucionária, que nada mais é do que a adoção de um outro paradigma. Isto ocorre porque dentro de um paradigma há expectativas prévias que os cientistas devem corroborar. Por isso, os cientistas não buscam descobrir nada, mas simplesmente adequar teorias a factos. Quando ocorre algo diferente deste processo, isso se deve a fatores subjetivos, como a incapacidade técnica do profissional, ou à inviabilidade técnica dos instrumentos, ou ainda à necessidade de real substituição do paradigma. Aqui, Kuhn evidencia o caráter de descontinuidade do conhecimento científico que progride, então, por rupturas e não pelo acúmulo do saber, como pensava a ciência tradicional.

Críticas à Filosofia da Ciência de Kuhn

As críticas à filosofia da ciência de Kuhn incidem sobretudo na tese da incomensurabilidade (impossibilidade de comparar os paradigmas mediante um critério comum, uma vez que aqueles propõem modos de conceber a realidade e a ciência incompatíveis entre si). Se os paradigmas são diferentes ao ponto de ser impossível compará-los objetivamente, então nunca podemos dizer que um novo paradigma está mais próximo da verdade do que o anterior. Mas esta perspetiva tem implicações muito implausíveis. De um modo geral, a teoria de Kuhn parece ser incapaz de explicar o crescente sucesso teórico e prático da ciência.

A Natureza da Ciência

Ciência, Realidade e Outras Formas de Saber

A ciência fornece-nos uma explicação racional da realidade. A visão científica do mundo não responde a todas as nossas necessidades e preocupações, não nos indicando, por exemplo, o modo como devemos agir. Há outras formas de apropriação menos objetivas, moldadas pela pessoa com base nas suas experiências, nas suas necessidades práticas, tendo em conta os seus valores éticos ou estéticos. Na verdade, a complexidade do real permite múltiplas abordagens. A política, a arte, o direito, a religião e a filosofia são outras formas de compreensão da realidade, constituindo-se como horizontes de sentido necessários para a existência humana.

A Objetividade na Ciência

A ciência é um conhecimento rigoroso e preciso, mas isso não significa que descreva fielmente o que a realidade é. O nosso conhecimento depende das capacidades humanas e dos métodos e instrumentos usados. Por isso, dizer que a ciência é um conhecimento objetivo significa afirmar que as suas interpretações da realidade são as que é possível construir num dado momento de evolução. As suas interpretações estão condicionadas pelas características da racionalidade humana e pelas limitações teóricas e técnicas do conhecimento para abordar áreas da realidade cada vez mais complexas. Não é um conhecimento absoluto que descreva a realidade tal como ela é.

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