Filosofia do Direito: Razão, Positivismo e Jusnaturalismo

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O Direito deve ser encarado como uma disciplina da razão prática, pois a sua função principal é orientar e regular a convivência humana, estabelecendo regras para o uso da vontade e critérios que guiem a ação de acordo com princípios de justiça e legitimidade. Enquanto a razão teórica se ocupa das questões relacionadas ao "o que" e "como" conhecer, a razão prática centra-se no "o que" e "como" fazer, organizando as bases para o agir humano no contexto social. Neste âmbito, o Direito não se preocupa, em princípio, com as convicções morais pessoais dos seus destinatários. A sua exigência recai apenas sobre os comportamentos exteriores, pedindo uma abstenção de ações que violem as normas estabelecidas, sem entrar no campo das intenções ou convicções internas. O Direito quer um comportamento externo em conformidade com as exigências que o direito postula. Os motivos pelos quais o destinatário respeita essas mesmas exigências são irrelevantes. A Filosofia do Direito pode ser compreendida em diferentes níveis reflexivos. Primeiramente, a teoria da filosofia do Direito procura responder à pergunta "o que é a filosofia do Direito?". Trata-se de um campo reflexivo que analisa as estruturas do pensamento jurídico e examina os fundamentos do próprio raciocínio jurídico, funcionando como uma meta-teoria. Este processo reflexivo caracteriza-se pela análise crítica dos critérios e métodos usados para pensar e praticar o Direito, permitindo que o pensamento jurídico avalie a sua própria validade.


A Teoria da Ciência do Direito é o campo da Filosofia do Direito que investiga a natureza do conhecimento jurídico, questionando se o Direito pode ser considerado uma ciência. Este ramo centra-se em aspetos epistemológicos, como o "o que" e "como" conhecer o Direito, analisando os métodos e critérios utilizados para produzir um saber jurídico válido e fundamentado. A sua preocupação principal é com a construção e a fundamentação do conhecimento jurídico.

A Teoria do Direito, por sua vez, ocupa-se da dimensão ontológica do Direito, questionando "o que é o Direito?". Este campo examina a essência e a natureza do Direito, analisando-o enquanto um fenómeno normativo e social que regula a convivência humana. O Direito é entendido como uma realidade construída pela sociedade, distinta de outros sistemas normativos, como a moral. Este campo preocupa-se em identificar as características fundamentais do Direito e as suas funções na organização e manutenção da vida em comunidade.

A Ética Jurídica centra-se na questão da legitimidade do Direito e das normas jurídicas, questionando "o que é a justiça do Direito?" ou "o que é um Direito justo?". Este ramo aborda os fundamentos éticos do Direito, analisando os valores que sustentam as normas jurídicas. A Ética Jurídica procura compreender porque devemos obedecer às normas e quais os princípios que tornam o Direito moralmente aceitável e legítimo, conectando-o ao ideal de justiça e à vontade de assegurar uma convivência equilibrada e equitativa.


A Teoria da Filosofia do Direito relaciona-se com estes campos ao proporcionar uma meta-reflexão sobre o pensamento jurídico, questionando os fundamentos, as estruturas e os critérios que sustentam o conhecimento, a ontologia e a ética do Direito. A Filosofia do Direito é, assim, reflexiva e crítica, avaliando se os métodos e conceitos usados nesses diferentes campos são válidos e coerentes. Ao questionar "o que é a Filosofia do Direito?", conclui-se que ela é o espaço onde se analisam as bases do pensamento jurídico em todas as suas dimensões – científica, ontológica e ética. A Filosofia do Direito não se limita a responder às questões levantadas por cada campo, mas também estabelece conexões entre eles, integrando as reflexões sobre a ciência, a natureza e a justiça do Direito numa visão abrangente e sistemática.

Deste modo, a Filosofia do Direito assume-se como uma disciplina que organiza e unifica as diferentes perspetivas sobre o Direito, articulando o "como conhecemos o Direito" (Teoria da Ciência do Direito), "o que é o Direito" (Teoria do Direito) e "o que torna o Direito justo" (Ética Jurídica). Essa integração permite responder à pergunta central da Filosofia do Direito, que é compreender o Direito em toda a sua complexidade, como um fenómeno normativo, epistemológico e ético que orienta a vida em sociedade.


O contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau apresenta o direito como fruto de um contrato social, fundado na razão e na vontade popular, sem dependência de uma autoridade divina, o que o conecta ao secularismo e ao positivismo jurídico. Este último, por sua vez, separa o direito da moral e da religião, baseando-se em normas criadas pelo Estado. Kant influenciou o positivismo jurídico ao propor um direito racional que respeite a autonomia, liberdade e dignidade humanas, integrando princípios universais de justiça.

O positivismo francês de Auguste Comte complementa essa visão ao tratar o direito como ferramenta para estabilidade e ordem social, com uma abordagem científica e funcional. Já a Escola Histórica do Direito, liderada por Savigny, enxerga o direito como expressão da consciência coletiva (Volksgeist), enfatizando seu desenvolvimento histórico e cultural,e conectando-o ao positivismo ao considerar as normas no contexto social e histórico.


O positivismo jurídico propõe uma legitimação intra-sistemática do Direito, desvinculando-o de fundamentos transcendentais e adotando critérios estritamente jurídicos. O juspositivismo enfatiza a separação entre o direito e a moral, em contraste com o jusnaturalismo. Dentro do positivismo, encontramos o positivismo exegético, o funcionalismo sistêmico e o positivismo normativista.

O positivismo exegético enfatiza a obediência às leis formalmente estabelecidas pelas autoridades competentes. De acordo com essa vertente, as normas jurídicas são válidas pela sua origem e não pelo conteúdo moral ou ético. A obediência à lei é vista como um dever cívico, independente de seu conteúdo ser justo ou não. Nessa perspetiva, o papel do juiz é entender e aplicar a vontade do legislador, sem a necessidade de questionar a moralidade ou justiça da norma.

O funcionalismo sistêmico, de inspiração sociológica, vê o direito como um subsistema dentro da sociedade, que deve regular as interações sociais e garantir a estabilidade. Este modelo considera o direito como um mecanismo para a manutenção da ordem social, destacando a importância das normas jurídicas como um reflexo das necessidades sociais e culturais de uma determinada sociedade.

Já o positivismo normativista, com Hans Kelsen como um de seus maiores expoentes, concentra-se na pureza do sistema jurídico. Na sua Teoria Pura do Direito, Kelsen propôs a ideia de um sistema normativo em que as normas jurídicas formam uma cadeia lógica de normas hierarquicamente organizadas, representado pela sua célebre pirâmide.


Com a norma fundamental (Grundnorm) sendo a base de todo o ordenamento jurídico. Para Kelsen, a validade das normas jurídicas não depende de seu conteúdo moral, mas da sua conformidade com a norma fundamental que sustenta a ordem jurídica. O foco é na validade e na estrutura do sistema jurídico, sem considerar o conteúdo ético ou moral das leis.

A principal crítica ao positivismo jurídico reside na sua desvinculação entre direito e moral. O positivismo, especialmente em suas vertentes normativistas como a de Hans Kelsen, propõe que a validade das normas jurídicas depende apenas de sua conformidade com o sistema jurídico, sem levar em consideração seu conteúdo moral ou ético. Isso significa que, para o positivismo, uma norma jurídica pode ser válida mesmo que seja injusta, desde que esteja de acordo com as regras do sistema jurídico ou da norma fundamental (como a Grundnorm). O positivismo normativista de Kelsen, ao focar exclusivamente na estrutura lógica e formal do sistema jurídico, sem questionar a moralidade ou justiça das normas, é acusado de inaptidão para lidar com questões de justiça e de falta de proteção aos direitos humanos. Isso ficou evidente durante períodos históricos como o nacional-socialismo, em que normas jurídicas, apesar de formalmente válidas dentro do sistema jurídico da época, eram usadas para justificar atrocidades. O positivismo jurídico legalista, ao priorizar a obediência à lei formalmente válida, pode justificar a aplicação de leis injustas, como em regimes totalitários. Além disso, críticas sociológicas, como as do funcionalismo sistêmico, apontam que o positivismo jurídico, ao tratar o direito como um sistema fechado e lógico, ignora a dinâmica social e as necessidades reais, analisando normas de forma abstrata, sem considerar seu impacto na sociedade.


O problema da obediência ao Direito insere-se no horizonte filosófico e jurídico das teorias que buscam justificar a obrigatoriedade das normas jurídicas. Nesse contexto, o jusnaturalismo e o juspositivismo apresentam-se como duas doutrinas que, ao longo da história, ofereceram respostas distintas à pergunta sobre o fundamento do dever de obedecer ao Direito.

Dentro da tradição do jusnaturalismo, a reflexão sobre a obediência ao Direito remonta a pensadores como Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino e, mais tarde, Thomas Hobbes. O jusnaturalismo caracteriza-se por legitimar o Direito com base em parâmetros meta-positivos, ou seja, transcendentais, universais, atemporais e imutáveis. De acordo com essa perspectiva, o Direito só é legítimo se estiver em conformidade com princípios superiores, sejam eles de base teleológica, como no caso do Direito natural clássico de origem aristotélico-tomista, que busca um fim último vinculado à ideia de justiça e bem comum, ou de base racionalista, como no jusnaturalismo iluminista, que se apoia na razão humana como fonte de princípios universais. No entanto, ambas as variantes enfrentam dificuldades significativas: de um lado, explicam pouco a necessidade de positivação do Direito, uma vez que, se os princípios universais são suficientes, a elaboração de normas concretas pareceria redundante; de outro, mostram limitações em compreender a historicidade do fenômeno jurídico, ignorando a influência dos contextos culturais, sociais e temporais sobre a formação das normas.


Apesar dessa abordagem pragmática, o juspositivismo enfrenta a aporia de sua legitimação autorreferencial: o sistema jurídico, ao buscar sua validade apenas dentro de si mesmo, esbarra na dificuldade de justificar eticamente suas normas ou de responder a questões de justiça ou correção moral. Recentemente, propostas neopositivistas têm procurado superar essa dicotomia rígida entre Direito e moral. Avançando além da separação tradicional, elas promovem uma reconciliação parcial, como se observa nas discussões sobre casos de injustiça extrema.

Pode-se concluir que o debate atual entre o jusnaturalismo e o juspositivismo tem mais relevância para entender e explicar o Direito do que para estabelecer regras práticas. Hoje, o jusnaturalismo não é mais visto como um apelo a um Direito natural baseado em princípios transcendentais, como religiosos ou racionais, mas como uma busca por um modelo de "dever-ser". Esse modelo funciona como uma referência crítica para avaliar o Direito positivo, ou seja, as leis que estão em vigor em um determinado momento histórico. Com essa abordagem, é possível compreender o Direito de forma mais ampla, considerando-o como um fenômeno em constante interação com a moral, a sociedade e o contexto histórico.


O Jusnaturalismo racionalista baseia-se na ideia de que a razão humana é capaz de identificar o justo de forma autónoma, sem a necessidade de intervenção divina. A sua origem remonta ao século XV, com o surgimento do humanismo, que coloca a razão humana no centro do entendimento da justiça. A partir desse momento, a base teológica desaparece e Deus deixa de ser o centro do mundo, passando a razão a ser vista como a fonte primária do direito. Hugo Grócio, uma figura central nesse movimento, defendia que, independentemente da crença religiosa, Deus criou os seres humanos com a capacidade de razão. Para ele, não era necessária a intervenção divina para que a justiça fosse atingida, pois as leis e a razão universal já estavam presentes. Essa razão é universal, ou seja, a mesma em qualquer lugar, sendo capaz de servir como fundamento sólido para o direito. Dessa forma, o Jusnaturalismo racionalista acredita que o direito só é legítimo quando obedece a princípios universais, derivados da razão. Isso também implica a ideia de um contrato social, onde todos os cidadãos são iguais e sujeitos a esses princípios racionais. Portanto, a obediência ao direito é vista como uma obediência à razão universal, que se traduz em princípios que são válidos e aplicáveis a todos.

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