Finanças Públicas em Portugal: Conceitos, Princípios e Gestão
O Tribunal de Contas: Fiscalização e Responsabilidade Financeira
O Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas em Portugal, conforme expressamente consagrado no artigo 214.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Trata-se de um órgão independente e de natureza jurisdicional, cujas competências visam garantir o rigor, a legalidade, a eficiência e a responsabilidade na gestão financeira dos recursos públicos. A sua função central é assegurar que o dinheiro público seja utilizado de forma lícita, eficaz e em conformidade com os princípios orçamentais e constitucionais que regem as finanças públicas.
Competências Essenciais do Tribunal de Contas
Entre as suas competências mais relevantes encontra-se a fiscalização prévia da legalidade das despesas públicas. Esta forma de controlo tem um caráter preventivo, pois é exercida antes da realização de determinados atos ou contratos que originem encargos financeiros para o Estado. O objetivo é impedir, desde logo, que se consumem atos ilegais ou que possam causar prejuízos ao erário público. Nestes casos, o Tribunal aprecia, por exemplo, a legalidade de contratos públicos de elevado valor ou de decisões administrativas com impacto financeiro significativo.
Além disso, o Tribunal de Contas exerce também fiscalização sucessiva, ou seja, analisa atos e despesas depois de realizados, num processo de verificação da sua regularidade, legalidade e eficiência. Esta vertente é essencial para detetar ilegalidades que passaram despercebidas no momento da execução orçamental e para avaliar a boa gestão dos dinheiros públicos. Nesta linha, o Tribunal realiza auditorias financeiras e operacionais, abrangendo organismos da administração central, autarquias locais, Regiões Autónomas, empresas públicas e serviços autónomos do Estado.
Outra competência fundamental é o julgamento das contas públicas. O Tribunal de Contas tem a incumbência de julgar as contas do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais, da segurança social e de outras entidades sujeitas à sua jurisdição. Este julgamento assume especial relevância, pois permite verificar se os recursos públicos foram corretamente aplicados e se os responsáveis financeiros atuaram dentro dos limites da legalidade. Quando se detetam irregularidades que causaram prejuízo ao património público, o Tribunal pode declarar a responsabilidade financeira dos agentes envolvidos, seja de forma reintegratória (obrigação de repor valores indevidamente utilizados) ou sancionatória (aplicação de coimas).
O Tribunal de Contas emite ainda, todos os anos, um parecer técnico e jurídico sobre a Conta Geral do Estado. Este parecer é enviado à Assembleia da República e constitui um instrumento indispensável para a avaliação política e jurídica da execução orçamental do Governo. Permite aferir se o Executivo cumpriu os objetivos definidos na lei do orçamento e se a arrecadação de receitas e a realização de despesas foram conduzidas de forma transparente e legal. Trata-se, portanto, de uma peça central na lógica da fiscalização democrática das finanças públicas.
Acresce que o Tribunal também fiscaliza o cumprimento dos limites da dívida pública, verificando se os valores de endividamento dos diferentes subsetores da Administração Pública respeitam as regras previstas na Constituição, na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) e nos compromissos assumidos no quadro da União Europeia, nomeadamente os limites fixados no Pacto de Estabilidade e Crescimento.
No que toca à sua função jurisdicional, o Tribunal de Contas exerce verdadeiro poder judicial sobre as matérias de responsabilidade financeira. Quando verifica que houve danos para os cofres públicos provocados por condutas ilegais ou negligentes de gestores ou funcionários públicos, o Tribunal pode proferir decisões condenatórias, obrigando à reposição dos montantes lesados ou aplicando sanções financeiras. Os seus acórdãos têm força executiva e, em certos casos, podem ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Por fim, é também da competência do Tribunal de Contas o controlo das finanças das autarquias locais e das Regiões Autónomas, no respeito pelo princípio da solidariedade orçamental previsto na LEO. Apesar de estas entidades gozarem de autonomia administrativa e financeira, continuam subordinadas à fiscalização externa do Tribunal, garantindo-se assim que todos os níveis da Administração Pública prestam contas e atuam dentro dos parâmetros legais.
Em síntese, o Tribunal de Contas exerce um papel essencial na arquitetura do Estado de Direito financeiro português. As suas competências vão muito além da simples contabilidade: trata-se de um órgão de controlo independente, com autoridade para prevenir ilegalidades, corrigir más práticas, responsabilizar agentes públicos e garantir que os dinheiros públicos são utilizados com justiça, transparência e responsabilidade. É, por isso, um instrumento indispensável à boa governação e à confiança dos cidadãos nas instituições públicas.
Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC): Disciplina Orçamental da UE
O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) é um conjunto de regras orçamentais da União Europeia que visa assegurar a disciplina orçamental dos Estados-Membros da zona euro e promover a sustentabilidade das finanças públicas no espaço comunitário. O PEC foi criado em 1997, após a entrada em vigor do euro, com o objetivo de complementar as regras do Tratado de Maastricht, estabelecendo limites à política orçamental dos Estados para evitar que desequilíbrios nacionais comprometam a estabilidade da moeda única.
Pilares Fundamentais do PEC
Os dois pilares fundamentais do PEC são:
- Limite ao défice orçamental: Os Estados-Membros devem manter o seu défice público anual inferior a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) (art. 126.º, n.º 2, al. a), TFUE). Quando um Estado ultrapassa esse limite, pode ser sujeito a um procedimento por défice excessivo, que envolve recomendações, sanções e, em último caso, penalizações financeiras.
- Limite à dívida pública: A dívida pública bruta não deve exceder os 60% do PIB, salvo se o Estado apresentar uma trajetória de redução suficiente e sustentada.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento é um mecanismo jurídico da União Europeia com valor vinculativo, destinado a garantir que todos os Estados-Membros da UE, especialmente da zona euro, mantêm políticas orçamentais prudentes e compatíveis com a estabilidade económica e monetária comum, protegendo o valor do euro e evitando riscos de contágio financeiro.
Tipos de Receitas Públicas em Portugal
Receitas Patrimoniais
As receitas patrimoniais são preços contratualmente estabelecidos que o Estado recebe pela venda dos produtos do seu domínio privado e pela prestação de alguns serviços ou bens semipúblicos. As receitas patrimoniais são receitas voluntárias que resultam de obrigações voluntariamente assumidas pelos cidadãos (ex: venda do património do Estado). Estas receitas têm uma importância quantitativa relativamente reduzida, embora o recente desenvolvimento do património mobiliário do Estado permita detetar uma tendência conjuntural da sua importância relativa.
Receitas Tributárias: Impostos, Taxas e Contribuições Especiais
As receitas tributárias são coativas, na medida em que resultam de obrigações impostas por leis aos cidadãos. O aparecimento das receitas tributárias fica a dever-se, essencialmente, à insuficiência das receitas patrimoniais, que desde a afirmação do liberalismo têm vindo a perder a sua importância relativa. Dentro desta categoria podemos englobar os impostos, as taxas e as contribuições especiais:
- Os impostos constituem a receita pública de maior relevo e podem definir-se como prestações coativas unilaterais, sem fins de punição, que são impostas aos indivíduos em relação aos quais se verificam certos pressupostos previstos na lei e que exprimem determinadas situações de riqueza.
- As taxas são prestações igualmente coativas, mas em que existe uma situação diferente, na medida em que os particulares a quem as taxas são exigidas auferem uma determinada utilidade relacionada com o funcionamento de um serviço ou a utilização de um bem público, diferenciando-se dos impostos porque implicam uma contrapartida a quem as paga.
- As contribuições especiais resultam, por exemplo, de valorização de terrenos por iniciativas estaduais, exigindo o Estado aos proprietários o pagamento de uma quantia em consequência da vantagem indireta e reflexamente auferida por tais indivíduos.
Receitas Creditícias: Empréstimos e Dívida Pública
As receitas creditícias são receitas que, só raríssimas vezes, são coativas obrigatórias. Estas receitas resultam dos empréstimos contraídos pelo Estado para cobrir défices de tesouraria ou défices orçamentais ou, então, para esterilizar o poder de compra e combater a inflação. As receitas públicas, em princípio, cobram-se para fazer face às despesas públicas, as quais representam o próprio fim da atividade financeira do Estado e que é a satisfação das necessidades públicas.
A Despesa Pública: Conceitos e Classificações Essenciais
A despesa pública consiste no gasto de dinheiro ou no dispêndio de bens por parte de entes públicos para criar ou adquirir bens suscetíveis de satisfazer necessidades públicas.
Classificações da Despesa Pública
Despesas Obrigatórias e Não Obrigatórias
De acordo com o art. 44.º/n.º 2 da LEO, são despesas obrigatórias:
- As despesas que resultem de lei ou de contrato;
- As despesas associadas ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de quaisquer tribunais;
- Outras que sejam qualificadas pela lei.
Despesas Certas e Variáveis
- São despesas certas as que respeitam ao pagamento dos vencimentos de pessoal, aos juros de dívida consolidada, aos encargos das operações amortizáveis, ou ao pagamento de títulos de renda vitalícia.
- São despesas variáveis, todas as que se referem ao pagamento de aquisição de bens e serviços, pagamento de férias, gratificações extraordinárias e não especificadas na lei, ou o pagamento de ajudas de custo.
Códigos de Classificação das Despesas
Os códigos de classificação das despesas são os seguintes:
- Classificação Orgânica: as despesas são estruturadas de acordo com a respetiva lei orgânica do Governo.
- Classificação Funcional: as despesas são organizadas em funções e subfunções do Estado.
- Classificação Económica: do ponto de vista da especificação orçamental, o código da classificação económica organiza as despesas em agrupamentos.
Despesas de Investimento e de Funcionamento
Consideram-se despesas de investimento todas as despesas efetuadas na formação de capital técnico. As despesas de funcionamento são as despesas necessárias a garantir o normal funcionamento da máquina administrativa e estadual. Estas despesas de investimento e de funcionamento não devem confundir-se com as despesas de capital e correntes. Existem despesas de capital que não correspondem a despesas de investimentos. Está nesse caso o reembolso de um empréstimo. Há despesas correntes que não correspondem a despesas de funcionamento, como é o caso do pagamento de juros da dívida pública.
Despesas de Compra e de Transferência
- Despesas de compra são aquelas que asseguram a criação de utilidades através da aquisição de bens ou serviços, despesas que criam rendimentos, isto é, despesas que contribuem para o rendimento nacional no período em que são realizadas.
- Despesas de transferência são aquelas que se limitam a proceder a uma redistribuição de recursos, transferindo poderes de compra para novas entidades que se situam no setor público ou no setor privado.
Despesas Produtivas e Reprodutivas
- São despesas produtivas todas as despesas públicas efetuadas na construção de estradas, nos transportes e meios de comunicação, assim como as feitas em investigação, educação e saúde.
- Despesas reprodutivas trata-se de despesas cuja produtividade está para além da mera utilidade dos serviços, na medida em que contribuem decisivamente para o aumento do equipamento material e humano da economia do país.
Orçamento de Gerência vs. Orçamento de Exercício: Sistemas Orçamentais
No orçamento de gerência inscrevem-se as receitas a cobrar efetivamente durante o ano e as despesas a realizar efetivamente, independentemente do momento em que juridicamente hajam nascido. No orçamento de exercício inscrevem-se os créditos e débitos originados naquele período orçamental, independentemente do momento em que virão a concretizar-se. Por outras palavras: no sistema de gerência atende-se ao conjunto de cobranças e de pagamentos que vão ter lugar no período financeiro, enquanto no sistema de exercício se prevê o conjunto de cobranças e de pagamentos resultantes de créditos e de dívidas, nascidos naquele período. No sistema de exercício procede-se a uma previsão de receitas e de despesas na sua fase inicial de constituição dos créditos e das dívidas. O nosso sistema é um sistema de gerência, o que implica que no orçamento das receitas se têm de inscrever as cobranças a efetuar nesse ano e no orçamento das despesas os pagamentos a realizar nesse ano, sejam eles derivados de dívidas nascidas em anos anteriores ou a nascer naquele ano a que respeita o orçamento.
Crédito e Dívida Pública: Instrumentos e Classificações
O crédito público e a correspondente dívida pública são instrumentos essenciais da atividade financeira do Estado, utilizados para suprir insuficiências de receita em relação às despesas autorizadas. O crédito público consiste na captação de recursos financeiros por parte do Estado, com o compromisso de restituição futura, com ou sem juros, enquanto a dívida pública representa o acumular dos valores mutuados ao longo do tempo, que ainda não foram amortizados. A classificação dos tipos de crédito e dívida pública pode ser feita com base em vários critérios jurídicos e económicos, permitindo compreender a sua natureza, finalidade e impacto nas finanças públicas.
Classificações do Crédito e Dívida Pública
Quanto à Origem dos Recursos
Em primeiro lugar, quanto à origem dos recursos, o crédito público pode ser interno ou externo. O crédito interno é contraído dentro do próprio país, junto de investidores nacionais, como bancos, fundos de pensões ou cidadãos, sendo comummente realizado através da emissão de Obrigações do Tesouro ou Certificados de Aforro. Já o crédito externo provém de entidades estrangeiras ou organismos internacionais, como o Banco Europeu de Investimento ou o Fundo Monetário Internacional, sendo mais arriscado em termos de soberania e exposição cambial, mas, por vezes, mais vantajoso em termos de condições financeiras.
Quanto ao Prazo de Reembolso
Em segundo lugar, quanto ao prazo de reembolso, o crédito pode ser classificado como de curto, médio ou longo prazo. O de curto prazo é normalmente inferior a um ano e serve para resolver necessidades imediatas de tesouraria, como o pagamento de salários ou fornecedores. O crédito de médio prazo, entre um e cinco anos, financia despesas temporárias ou investimentos de médio alcance. Já o crédito de longo prazo, superior a cinco anos, é usado para financiar grandes investimentos estruturais, como infraestruturas públicas, sendo o mais representativo da dívida consolidada.
Quanto à Forma de Colocação
Uma outra classificação diz respeito à forma de colocação do crédito. Pode ser realizado de forma direta, quando o Estado contrai empréstimos através de acordos específicos com entidades credoras, ou de forma indireta, quando emite títulos de dívida pública no mercado financeiro, os quais são adquiridos por investidores em condições de mercado. Esta última é a forma predominante nos sistemas financeiros modernos, permitindo ao Estado captar fundos de forma mais ampla e flexível.
Quanto à Finalidade ou Natureza da Despesa Financiada
Também se distingue o crédito público quanto à finalidade ou natureza da despesa financiada. O crédito ordinário destina-se a cobrir desequilíbrios orçamentais normais, ou seja, défices correntes do Estado; já o crédito extraordinário destina-se a situações excecionais e imprevisíveis, como guerras, pandemias ou calamidades naturais, sendo normalmente sujeito a aprovação parlamentar específica.
Quanto à Titularidade e Amortização da Dívida Pública
No que respeita à dívida pública propriamente dita, é comum classificá-la quanto à titularidade: a dívida é interna quando os seus detentores são residentes nacionais, e externa quando os credores são estrangeiros. Em termos de amortização, distingue-se ainda a dívida fundada ou consolidada, que corresponde a compromissos de longo prazo com condições de reembolso definidas, da dívida flutuante, que é de curto prazo e renovada com frequência, muitas vezes usada para gerir fluxos de tesouraria.
A utilização do crédito público e a gestão da dívida pública devem respeitar os princípios da sustentabilidade orçamental e da responsabilidade intergeracional, tal como previsto na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Enquadramento Orçamental. O recurso excessivo ao crédito pode comprometer o equilíbrio das finanças públicas, agravar o serviço da dívida e limitar a autonomia financeira do Estado. Assim, o crédito público deve ser uma ferramenta estratégica, usada com prudência e sempre orientada para o interesse público, e não uma solução permanente para cobrir desequilíbrios estruturais da política orçamental.
Classificação dos Impostos: Natureza, Impacto e Função Social
A classificação do imposto é fundamental para compreender a sua natureza jurídica, impacto económico e função social no contexto das finanças públicas. Os impostos são uma das principais receitas públicas e representam um instrumento de financiamento do Estado e, simultaneamente, de intervenção económica e redistribuição da riqueza. A sua classificação permite distinguir os diversos tipos de impostos com base em critérios objetivos, facilitando a sua aplicação, análise e fiscalização.
Critérios de Classificação dos Impostos
Impostos Diretos e Indiretos
Um primeiro critério de classificação, talvez o mais clássico, é o que distingue os impostos diretos dos indiretos. Os impostos diretos incidem sobre a riqueza ou rendimento diretamente atribuível ao contribuinte, tendo como característica a sua personalização e a consideração da capacidade contributiva real. São exemplos o IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e o IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), que refletem, de forma mais fiel, a situação económica do sujeito passivo. Já os impostos indiretos incidem sobre atos de consumo, circulação ou produção de bens e serviços, e são pagos no momento da transação, independentemente da situação económica do contribuinte. O exemplo mais relevante é o IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), que é aplicado em cadeia ao longo do processo produtivo e comercial, sendo considerado regressivo, pois afeta proporcionalmente mais os rendimentos mais baixos.
Incidência Real ou Pessoal
Outro critério importante é o da incidência real ou pessoal. Os impostos reais incidem sobre objetos ou situações abstratas, sem atender às condições pessoais do contribuinte. O IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) é um exemplo típico, pois incide sobre o valor patrimonial do imóvel, independentemente do rendimento ou da composição do agregado familiar do proprietário. Por outro lado, os impostos pessoais consideram as características individuais do sujeito passivo, como o número de dependentes ou os encargos familiares, ajustando a carga fiscal à capacidade contributiva efetiva, como sucede no IRS.
Progressividade
A classificação dos impostos pode ainda ser feita com base na progressividade. Existem impostos proporcionais, em que a taxa é fixa, independentemente do valor tributado, e impostos progressivos, em que a taxa aumenta à medida que aumenta a base tributável. A progressividade é uma forma de implementar justiça fiscal, pois permite uma maior contribuição dos que têm maior capacidade económica. O IRS, por exemplo, aplica taxas marginais crescentes consoante os escalões de rendimento, promovendo a redistribuição da riqueza. Inversamente, alguns impostos indiretos são considerados regressivos, pois a percentagem do rendimento afetada pelo imposto é maior para os mais pobres do que para os mais ricos.
Finalidade do Imposto
A finalidade do imposto também é um critério relevante. Existem impostos fiscais, cuja função principal é arrecadar receita para o Estado, como o IVA ou o IRC, e impostos extrafiscais, cuja função é orientar comportamentos sociais ou económicos, mesmo que a sua receita seja secundária. É o caso do Imposto sobre Produtos Petrolíferos ou do Imposto sobre o Tabaco, que procuram desincentivar o consumo de bens considerados prejudiciais à saúde ou ao ambiente. A sua natureza extrafiscal mostra que o imposto é também um instrumento de regulação económica e social.
Em síntese, a classificação do imposto — seja quanto à incidência, pessoalidade, progressividade, finalidade ou competência legislativa — permite não apenas organizar o sistema fiscal de forma racional, mas também avaliar o seu grau de justiça, eficiência e impacto económico. Uma correta classificação é essencial para a formulação de políticas fiscais coerentes com os princípios constitucionais, como os da legalidade, igualdade, capacidade contributiva e justiça redistributiva, consagrados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa.
Finanças Públicas vs. Finanças Privadas: Distinções e Interligações
A distinção entre finanças públicas e finanças privadas assenta essencialmente nas diferenças de finalidade, titularidade dos recursos, princípios de atuação e natureza das decisões financeiras. Apesar de ambas lidarem com receitas, despesas, orçamentos, investimentos e equilíbrio financeiro, os seus fundamentos e objetivos divergem substancialmente, refletindo a diferença entre o interesse coletivo e o interesse individual.
Finanças Públicas
As finanças públicas dizem respeito à atividade financeira do Estado e das demais entidades públicas, como autarquias, regiões autónomas, institutos públicos e segurança social. O seu objetivo é satisfazer as necessidades coletivas da sociedade, por meio da arrecadação de receitas (impostos, taxas, contribuições) e da realização de despesas públicas (educação, saúde, defesa, segurança, justiça, infraestrutura, etc.). Esta atividade está submetida ao princípio da legalidade, ou seja, só pode ser exercida nos termos definidos pela lei e com autorização orçamental aprovada pelo parlamento.
Finanças Privadas
Já as finanças privadas referem-se à gestão financeira dos agentes económicos privados, como famílias, empresas e instituições particulares. A sua finalidade é essencialmente lucrativa ou de equilíbrio patrimonial individual. As empresas, por exemplo, procuram maximizar o lucro, otimizar custos, aumentar o valor de mercado ou assegurar competitividade. As famílias, por sua vez, organizam as suas finanças com base na racionalidade económica individual, procurando poupar, investir ou consumir de acordo com as suas necessidades e preferências. As decisões financeiras privadas são, portanto, autónomas, descentralizadas e voluntárias, sujeitas à disciplina do mercado e ao direito privado.
Origem e Uso dos Recursos
Outra diferença fundamental reside na origem e uso dos recursos. Nas finanças públicas, as receitas provêm principalmente da coerção fiscal (impostos obrigatórios), e o gasto público visa a coletividade, mesmo que haja redistribuição de recursos entre contribuintes e beneficiários. Nas finanças privadas, os recursos provêm do trabalho, do capital ou da atividade económica voluntária, sendo utilizados segundo critérios individuais ou empresariais.
Importa ainda referir que, embora distintas, as finanças públicas e privadas não são totalmente separadas. A realidade económica moderna demonstra um elevado grau de interpenetração funcional e orgânica: o Estado regula, financia ou intervém no setor privado, e os agentes privados participam da execução de políticas públicas, por exemplo, através de parcerias público-privadas, concessões de serviços públicos ou subsídios.
Efeitos Macroeconómicos da Despesa Pública: Multiplicador e Acelerador
A análise dos efeitos económicos das despesas públicas processa-se normalmente através da utilização de dois instrumentos: o multiplicador e o acelerador.
- O multiplicador é o coeficiente que mede o aumento do rendimento imputável à realização de um investimento inicial.
- O acelerador é o coeficiente que mede o aumento de investimento resultante de despesas iniciais de consumo.
Com efeito, num primeiro momento, haverá aumento de procura efetiva pelo valor correspondente aos rendimentos distribuídos pela despesa inicial. A este aumento da procura, segue-se um acréscimo da oferta que por seu turno vai gerar novo aumento de rendimento em favor dos agentes económicos que participam na produção dos bens e serviços procurados. Uma parte desse rendimento vai ser consumida e outra parte vai ser poupada.
O Efeito Acelerador do Consumo
Enquanto o multiplicador nos permite avaliar o efeito do aumento do investimento sobre o consumo, o acelerador é o coeficiente que permite relacionar o aumento de consumo com o aumento de investimentos dele resultante. O aumento de consumo determina um aumento de investimento. É o que sucede sempre que há um aumento da procura de bens de consumo que determina um aumento de procura de bens de produção necessários a produzir mais bens. O princípio do acelerador revela-nos que o investimento varia em função da taxa de variação de consumo, demonstrando que a procura de bens de capital é uma procura derivada da procura de bens de consumo. O funcionamento do acelerador implica a verificação de certos pressupostos:
- A plena utilização dos bens de equipamento da empresa, o que significa que a empresa está a utilizar plenamente todos os seus capitais fixos e, por isso, tem de comprar mais máquinas.
- A previsão por parte do empresário de que o aumento da procura de bens de consumo ou de serviços não é puramente ocasional.
- Uma dimensão suficiente da empresa de forma a comportar razoavelmente o crescimento determinado pela procura.
- A ausência de entraves técnicos.
Se um desses pressupostos não estiver presente, o consumo adicional não induz aumento de investimento. Quando muito poderá determinar um acréscimo de emprego ou uma melhor utilização dos equipamentos existentes na empresa.
O Efeito Propulsor
Os instrumentos anteriores são unilaterais: o multiplicador considera um investimento autónomo inicial que provoca aumentos sucessivos de consumo, isto é, o aumento de investimento multiplica-se em consumo; o acelerador partindo de consumos autónomos, liga as suas variações a correlativas flutuações no investimento, ou seja, o aumento de consumo acelera o investimento. O propulsor é um instrumento de análise teórica em que se tenta a combinação conjugada dos efeitos do multiplicador e do acelerador numa economia concreta. Com efeito, é um investimento inicial, autónomo, provoca aumentos de consumo; estes aumentos de consumo, por sua vez, vão induzir novos investimentos, os quais se amplificam em novos consumos acelerador.
Lei de Wagner e Curva de Laffer: Crescimento do Estado e Limites da Tributação
A Lei de Wagner e a Curva de Laffer são duas teorias clássicas da economia pública que se relacionam com a evolução da despesa pública e da carga fiscal, respetivamente. Embora tratem de aspetos distintos da política financeira do Estado — a primeira foca-se na despesa pública e a segunda na arrecadação de receitas — ambas podem ser relacionadas no plano dinâmico das finanças públicas, pois ajudam a compreender como o Estado cresce e quais os limites da tributação.
A Lei de Wagner
A Lei de Wagner, formulada por Adolf Wagner no século XIX, sustenta que à medida que as sociedades se tornam mais desenvolvidas económica e socialmente, há uma tendência natural e inevitável de crescimento da despesa pública. Este crescimento deve-se a fatores como: o aumento das funções do Estado (educação, saúde, justiça social), o desenvolvimento da burocracia, a urbanização, o progresso técnico e a crescente complexidade da vida económica. Wagner defendia que quanto maior o rendimento nacional, maior será a procura por bens e serviços públicos, e portanto, maior será a despesa pública em termos absolutos e relativos (como percentagem do PIB). Ou seja, o crescimento económico gera crescimento do Estado.
A Curva de Laffer
Por outro lado, a Curva de Laffer, proposta por Arthur Laffer nos anos 1970, é uma representação gráfica da relação entre a taxa de imposto e a receita fiscal arrecadada pelo Estado. Segundo esta teoria, existe um ponto ótimo de tributação: se a taxa for muito baixa, o Estado arrecada pouco; mas se for demasiado elevada, também arrecada pouco, porque desincentiva o trabalho, o investimento, fomenta a evasão fiscal e reduz a base tributária. A curva mostra que acima de certo nível, o aumento dos impostos leva à diminuição da receita, sendo contraproducente.
Relação entre as Teorias
A relação entre estas duas teorias pode ser estabelecida a partir da seguinte reflexão: se, como diz Wagner, o Estado tende a crescer e a aumentar as suas despesas, então há uma pressão natural para aumentar as receitas públicas, normalmente através da tributação. Contudo, a Curva de Laffer alerta que esse aumento das taxas de imposto tem limites económicos e comportamentais. Assim, o Estado pode ser forçado a financiar o crescimento da despesa (explicado por Wagner) com mais impostos, mas enfrenta um teto prático à carga fiscal, além do qual o aumento de impostos se torna ineficiente e prejudicial à própria arrecadação.
Portanto, estas duas teorias dialogam em tensão: a Lei de Wagner justifica a expansão da despesa pública, mas a Curva de Laffer impõe limites à forma como essa despesa pode ser financiada por via fiscal. Se o Estado não conseguir aumentar impostos para financiar o crescimento da despesa, poderá ver-se obrigado a recorrer ao crédito público, aumentando a dívida pública — o que compromete a sustentabilidade orçamental, um dos princípios fundamentais da Lei de Enquadramento Orçamental.
Em síntese, a Lei de Wagner explica o “porquê” do crescimento do Estado, enquanto a Curva de Laffer alerta para o “até onde” o Estado pode ir na tributação para financiar esse crescimento. A articulação entre ambas é essencial para uma política orçamental equilibrada, que combine justiça social com eficiência económica.
Modelos de Finanças Públicas: Neutras, Intervencionistas e Funcionais
A distinção e relação entre finanças neutras, finanças intervencionistas e finanças funcionais prende-se com a forma como o Estado utiliza os instrumentos financeiros — nomeadamente, a receita e a despesa públicas — para intervir (ou não) na economia. Estas três conceções representam diferentes modelos teóricos e ideológicos de atuação do Estado no campo económico e financeiro, cada uma com objetivos, fundamentos e impactos distintos sobre o sistema económico e sobre o papel das finanças públicas.
Finanças Neutras
As finanças neutras correspondem a uma conceção clássica e liberal das finanças públicas, segundo a qual o papel do Estado deve ser o mais limitado possível. Este modelo parte do pressuposto de que o mercado é, por si só, capaz de atingir o equilíbrio económico, sendo o Estado apenas um agente passivo, que arrecada receitas (sobretudo impostos) apenas na medida do necessário para cobrir as suas despesas. A neutralidade traduz-se, assim, na ideia de que o sistema fiscal e financeiro do Estado não deve interferir no funcionamento do mercado, nem alterar as decisões económicas dos agentes privados. As finanças públicas, neste caso, devem ter um efeito nulo sobre a economia: a cobrança de impostos não deve desincentivar o investimento, o consumo ou o trabalho, e a despesa pública deve restringir-se a funções mínimas — como segurança, justiça e defesa. Em suma, trata-se de uma lógica de equilíbrio orçamental estrito, em que cada despesa deve ter como contrapartida uma receita, e o orçamento deve ser equilibrado de forma permanente.
Finanças Intervencionistas
Por outro lado, as finanças intervencionistas surgem como uma reação à fragilidade do modelo liberal, especialmente após a Grande Depressão de 1929. Fundamentadas na teoria keynesiana, as finanças intervencionistas defendem que o Estado deve intervir ativamente na economia, utilizando a política orçamental (isto é, receitas e despesas públicas) como instrumento para atingir objetivos económicos e sociais. Ao contrário do modelo neutro, aqui considera-se que os mercados não são perfeitos e que o Estado tem a responsabilidade de corrigir falhas de mercado, promover o emprego, a justiça social e o desenvolvimento económico. Neste modelo, o Estado pode, por exemplo, aumentar a despesa pública em tempos de crise, mesmo que isso implique défice orçamental, com o objetivo de estimular a procura agregada e dinamizar a economia. A lógica da neutralidade dá lugar a uma lógica de eficiência social, redistribuição da riqueza e estabilização económica. Este modelo admite, inclusive, desequilíbrios orçamentais transitórios, desde que justificados por necessidades conjunturais.
Finanças Funcionais
As finanças funcionais, por sua vez, representam uma evolução do pensamento intervencionista, sobretudo a partir das ideias do economista Abba Lerner. Esta conceção defende que o objetivo principal da política orçamental não deve ser o equilíbrio das contas públicas, mas sim o cumprimento de determinadas funções económicas e sociais. Assim, a política fiscal deve ser orientada em função dos resultados que se pretendem alcançar: pleno emprego, controlo da inflação, crescimento económico, etc. O défice ou o excedente orçamental não são, neste modelo, valores positivos ou negativos em si mesmos, mas apenas instrumentos ao serviço de metas mais amplas. Se for necessário incorrer em défice para combater o desemprego ou promover o investimento, isso será considerado adequado; se, pelo contrário, for necessário gerar superávit para travar a inflação, também se considera legítimo. O foco das finanças funcionais é, portanto, a função que a política orçamental desempenha na economia, e não a rigidez de um orçamento equilibrado.
Ao relacionar estas três conceções, percebe-se que elas representam diferentes graus de intervenção estatal e diferentes interpretações sobre o papel das finanças públicas. As finanças neutras valorizam a estabilidade e a não-interferência do Estado, defendendo uma atuação mínima e uma lógica de equilíbrio orçamental. As finanças intervencionistas reconhecem a necessidade da ação estatal para corrigir desequilíbrios económicos e promover o bem-estar coletivo, ainda que isso implique temporários défices orçamentais. Já as finanças funcionais rompem com a rigidez do equilíbrio como fim último, colocando o orçamento ao serviço de objetivos concretos, numa lógica eminentemente pragmática.
Controlo da Despesa Pública: Duplo Cabimento, Lei Trovão e Cativações
A regra do duplo cabimento e a chamada lei trovão são dois mecanismos centrais no sistema orçamental português que visam garantir o controlo, a legalidade e a prudência na execução da despesa pública. Ambas procuram assegurar que o Estado só gaste dentro dos limites previamente autorizados pela Assembleia da República, preservando o equilíbrio orçamental e o respeito pelas normas constitucionais e legais da atividade financeira do Estado. Contudo, apesar da sua utilidade jurídica, merecem uma análise crítica quanto à sua aplicação prática, especialmente quando relacionadas com as cativações orçamentais e com o orçamento retificativo.
A Regra do Duplo Cabimento
A regra do duplo cabimento é um princípio fundamental da execução da despesa pública e está consagrada na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO). Segundo esta regra, para que uma despesa seja validamente realizada, ela tem de estar autorizada no orçamento do Estado (cabimento orçamental) e devidamente inserida nos planos de atividade das entidades públicas (cabimento legal ou funcional). Este duplo controlo visa impedir a realização de despesas imprevistas, ilegais ou fora das prioridades definidas democraticamente. Concordo com esta regra na medida em que ela reforça o rigor, a disciplina e a transparência financeira, evitando abusos e desgoverno nas contas públicas.
A "Lei Trovão": Não Há Despesa Sem Dotação Orçamental
Já a chamada lei trovão (expressão doutrinária e informal) traduz-se na regra segundo a qual nenhuma despesa pode ser realizada sem que exista dotação orçamental expressa que a cubra. Esta norma resulta da reserva legal de orçamento prevista na Constituição e na LEO, significando que não há despesa sem prévia inscrição orçamental. A sua função é proteger o Parlamento contra a apropriação excessiva de poderes pelo Executivo, uma vez que é a Assembleia da República quem tem a competência exclusiva para autorizar receitas e despesas públicas (art. 105.º da CRP). Também aqui se justifica a concordância: a lei trovão constitui um pilar do Estado de Direito Financeiro, protegendo o princípio democrático na gestão dos dinheiros públicos.
Cativações Orçamentais e Orçamento Retificativo
As cativações orçamentais consistem na retenção de parte das dotações orçamentadas, impedindo a sua utilização imediata pelas entidades públicas. São frequentemente determinadas por despacho do Ministério das Finanças, como forma de condicionar a despesa e controlar a execução orçamental. Na prática, funcionam como uma reserva de segurança, permitindo ao Governo gerir com margem de manobra os riscos da execução, como eventuais derrapagens ou revisões macroeconómicas. No entanto, as cativações têm sido alvo de crítica por desvirtuarem a vontade do legislador, já que o Parlamento aprova dotações que, depois, são administrativamente suspensas. Assim, mesmo respeitando formalmente a regra do duplo cabimento e a lei trovão, as cativações afetam a transparência e o princípio da legalidade orçamental, criando uma tensão entre o controlo democrático e a eficiência da gestão executiva.
Já o orçamento retificativo é um mecanismo constitucionalmente previsto (art. 105.º, n.º 5 da CRP) e legalmente regulado, que permite ajustar o orçamento em vigor sempre que haja alterações significativas na previsão de receitas ou necessidades de despesa não contempladas inicialmente. É a solução institucional legítima para corrigir desequilíbrios orçamentais ou acomodar novas prioridades políticas e económicas. O orçamento retificativo salvaguarda os princípios da legalidade e da autorização parlamentar, sendo o instrumento mais conforme com a lógica do Estado de Direito quando a execução orçamental já não se adequa à realidade.
Assim, a regra do duplo cabimento e a lei trovão são princípios estruturantes e positivos, que visam garantir o controlo legal e democrático da despesa pública. No entanto, a sua aplicação deve ser compatibilizada com a necessidade de flexibilidade e realismo na execução orçamental. As cativações podem ser úteis em termos de prudência, mas devem ser usadas com parcimónia e com respeito pela vontade legislativa. Por outro lado, o orçamento retificativo é o mecanismo constitucionalmente adequado para resolver alterações relevantes no equilíbrio orçamental, permitindo atualizar a programação financeira do Estado sem comprometer a legalidade.
O Orçamento do Estado: Conceito, Elementos e Funções
O Orçamento do Estado suporta um sacrifício patrimonial do empréstimo, ficando sempre constituído na posição do credor do Estado, com direito ao reembolso e ao pagamento de juros. O Estado tem de elaborar uma previsão de receitas e despesas para um período considerado, estando ligada à ideia de um documento onde as receitas e as despesas para esse período se encontram previstas. Existem várias ideias de Orçamento do Estado:
- Em sentido material: é uma previsão de receitas e despesas;
- Numa perspetiva jurídico-política: é uma autorização política concedida ao Governo pelos cidadãos (Assembleia da República), através dos seus representantes, para cobrar receitas e realizar despesas públicas durante um período determinado, normalmente um ano.
O Orçamento do Estado trata-se de uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e das receitas que as vão cobrir, incorporando a autorização política concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas, limitando os poderes financeiros da Administração Pública estadual em cada ano.
Elementos do Orçamento do Estado
- Elemento Económico: considera-se toda a atividade prosseguida pelo Estado, mais concretamente do lado da receita tem a ver com a estimativa de receitas que vão ser cobradas, e do lado das despesas tem a ver com a estimativa por cada unidade orgânica.
- Elemento Político: diz respeito à autorização política que é dada ao Governo pela Assembleia da República e à competência exclusiva da mesma para reprovar ou aprovar o OE.
- Elemento Jurídico: o Orçamento do Estado tem uma lei que o introduz, intitulada de Lei do Orçamento do Estado. Esta deve obedecer à LEO, nomeadamente, aos princípios e normas. Caso não aconteça é considerada inconstitucional, porque a LEO é uma lei medida ou lei de valor reforçado, esta tem prevalência material, sobre os demais atos, Art. 112.º, n.º 3 da CRP.
Funções do Orçamento do Estado
Funções Económicas
O OE permite prosseguir uma gestão racional e eficiente dos dinheiros públicos, com a relação entre receitas e despesas possibilita-se a busca de um máximo de bem-estar, com um mínimo de gastos, mas, para além desta racionalidade económica, o orçamento ainda desempenha outra função: a da eficiência. Através desta previsão de despesas, fica-se a saber quanto o Estado se propõe gastar com cada um dos seus serviços. Estão sujeitas ao princípio da economia, eficiência e eficácia, o que se entende pela:
- Utilização do mínimo de recursos que assegurem os adequados padrões de qualidade do serviço público;
- Promoção do acréscimo de produtividade pelo alcance de resultados semelhantes com menor despesa;
- Utilização dos recursos mais adequados para atingir o resultado que se pretende alcançar.
Funções Políticas
As funções políticas são concebidas pelo Parlamento ao Governo e visam atingir dois objetivos que constituem em si mesmos duas importantes garantias no funcionamento do Estado de Direito democrático que são, nomeadamente:
- Garantia dos Direitos Fundamentais dos Cidadãos (Art. 66.º a 70.º da LEO);
- Garantia da Separação e Equilíbrio dos Poderes.
Funções Jurídicas
O OE é o documento que serve de fundamento e limite de toda a atividade financeira pública, para além de fundamento é também a condição do respeito pelo Estado de Direito, garantindo com as suas regras o dispêndio arbitrário de dinheiros públicos e, ao mesmo tempo, assegurando a legalidade das liquidações e cobranças de receitas. Daí a importância de um conjunto de normas, nomeadamente as normas de ordem pública, destinadas a precisar os limites concretos da atividade financeira, Art. 62.º e 63.º da LEO.
A Proposta do Orçamento do Estado: Prazos e Procedimentos
A proposta do Orçamento é apresentada e votada nos prazos fixos por lei, a qual prevê os procedimentos a adotar quando aqueles não puderem ser cumpridos, Art. 106.º, n.º 2 da CRP. Assim, a LEO impõe como prazo-regra a data-limite até 1 de outubro de cada ano para o Governo apresentar à Assembleia da República, a proposta do OE para o ano económico seguinte, acompanhada de todos os elementos informativos necessários à análise da política orçamental proposta, Art. 36.º, n.º 1 da LEO. Com a elaboração e apresentação da proposta de lei do OE inicia-se a 2.ª fase do processo orçamental.
Prazos para Apresentação da Proposta
Contudo, a lei prevê um conjunto de situações especiais que não permitem o cumprimento do prazo-regra estabelecido. Nos termos do Art. 39.º, n.º 1 da LEO estão definidas as regras para a apresentação e votação da proposta, para os seguintes casos especiais:
- A tomada de posse do novo Governo ocorra entre 15 de julho e 30 de setembro;
- O Governo em funções se encontra demitido em 1 de outubro;
- O termo da legislatura ocorra entre 1 de outubro e 31 de dezembro.
Para estas situações atípicas o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que a proposta de lei do OE para o ano económico seguinte é apresentada pelo Governo à Assembleia da República e enviada à Comissão Europeia no prazo de 90 dias a contar da tomada de posse do Governo. Nos termos do Art. 58.º da LEO prevê-se um regime transitório de execução orçamental, que permite que a vigência da Lei do OE seja prorrogada quando se verifique:
- A rejeição da proposta de lei do OE;
- A tomada de posse do novo Governo, se esta tiver ocorrido entre 1 de julho e 30 de setembro;
- A caducidade da proposta de lei do OE em virtude da demissão do Governo proponente;
- A não votação parlamentar da proposta de lei do OE.
A prorrogação da vigência da Lei do OE abrange o respetivo articulado e os correspondentes mapas bem como os decretos-leis de execução orçamental, Art. 58.º, n.º 2 da LEO.
O Regime de Duodécimos: Execução Orçamental Transitória
O regime de duodécimos estabelece que durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação de vigência da lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano anterior, a execução mensal dos programas em curso não pode exceder o duodécimo da despesa total da missão de base orgânica, com exceção das despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de segurança social e das despesas com aplicações financeiras. Assim sendo, durante o período transitório de prorrogação da vigência do orçamento anterior, em cada mês, cada organismo apenas pode assumir o compromisso e efetuar o respetivo pagamento de um duodécimo do valor cabimentado no ano anterior. No entanto, este valor não inclui as verbas sujeitas a cativação durante o ano anterior. É ainda permitido que durante o período de transição, o Governo possa emitir dívida pública e conceder garantias.
A Lei de Wagner: Crescimento da Despesa Pública e Fatores Indutores
A Lei de Wagner considera que existe, a longo prazo, uma tendência para o crescimento da despesa pública em relação ao rendimento. Segundo ele, os gastos públicos cresceriam inevitavelmente mais rápido do que a renda nacional em qualquer estado “progressista”. Wagner constatou ainda que o crescimento das atividades do Governo era uma consequência natural do progresso social, aumentando assim os gastos públicos. A despesa pública aumentaria em maior proporção que as despesas privadas, isso ficar-se-ia a dever à expansão das atividades do Estado. O aumento da oferta de bens públicos requer um aumento da estrutura do Estado. O acréscimo das despesas pode ficar-se a dever a razões de ordem intensiva, o que ocorre sempre que o Estado melhora a provisão pública numa área onde essa provisão já existe (alargamento da escolaridade obrigatória), e razões de ordem extensiva (quando a provisão pública se alarga a novas áreas da vida coletiva onde não existia provisão pública, como no caso da política de apoio à interrupção voluntária da gravidez ou das políticas de transferência de rendimento). Isto quer dizer que o crescimento da dimensão do Estado pode ter na base a demanda dos cidadãos ou a oferta pública pelas elites políticas, fazendo crescer a despesa pública. Esta pode assim, ser determinada por fatores de ordem política e não tanto por razões de interesse geral ou motivações de eficiência. Há todavia, que ter em conta que existem fatores que induzem a crescimentos reais da despesa pública:
- Fatores instrumentais podem ser apontados como a primeira das causas para o incremento da despesa pública;
- A profunda modificação que os sistemas sociais têm sofrido desde o séc. XIX, e, em especial durante todo o séc. XX;
- O progresso técnico e a acumulação de capital.
Wagner pressupõe que os estados são cada vez mais intervencionistas. Por serem cada vez mais intervencionistas, aumentam as funções sociais e maiores despesas públicas (fornecer mais bens e serviços de modo a saciar as necessidades que são quase infinitas).
Princípios Fundamentais do Orçamento do Estado
Princípio da Plenitude Orçamental
O princípio da plenitude orçamental exige que todas as receitas e despesas das entidades públicas integradas no Orçamento do Estado estejam devidamente incluídas e contabilizadas no documento orçamental. Isto garante que o orçamento apresenta uma visão completa e abrangente da situação financeira do Estado, evitando orçamentos paralelos ou ocultos. Visa assegurar a transparência, controlo democrático e responsabilização política sobre a totalidade da atividade financeira pública.
Princípio da Estabilidade Orçamental (art. 10.º da LEO)
Este princípio estabelece que a política orçamental deve ser conduzida de forma a garantir a estabilidade macroeconómica do país, contribuindo para o crescimento sustentável e para a confiança dos agentes económicos. Implica o controlo rigoroso do défice e da dívida pública, e obriga o Estado a respeitar os compromissos orçamentais assumidos a médio prazo, nomeadamente no âmbito da União Europeia (como o Pacto de Estabilidade e Crescimento). É uma medida de prudência e disciplina financeira.
Princípio da Sustentabilidade das Finanças Públicas
Embora não tenha um artigo específico na LEO, este princípio está presente de forma transversal (nomeadamente nos artigos 10.º e 12.º). Impõe que o Estado deve conduzir a sua política orçamental de modo a garantir a solvência financeira no longo prazo, evitando comprometer a sua capacidade de financiar políticas públicas no futuro. Relaciona-se com a limitação do recurso ao endividamento e a necessidade de manter finanças públicas sólidas e responsáveis.
Princípio da Solidariedade Recíproca
Este princípio, também não expressamente regulado em artigo próprio, inspira-se no contexto europeu e nacional de coesão territorial e social. Implica que as regiões autónomas e as autarquias locais devem colaborar com o Estado na promoção da sustentabilidade orçamental, mas também que o Estado deve assegurar apoio às regiões e municípios mais frágeis, promovendo a coesão económica, social e territorial. Este princípio justifica mecanismos de redistribuição de recursos entre entidades públicas, tendo fundamento no artigo 12.º da LEO.
Princípio da Equidade Intergeracional (art. 13.º da LEO)
Segundo este princípio, a política orçamental deve ser concebida de forma a não transferir encargos excessivos para as gerações futuras. Isto significa que o atual nível de despesa pública, endividamento ou financiamento de serviços essenciais não deve comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Impõe uma visão de responsabilidade a longo prazo, ligando-se ao princípio da sustentabilidade.
Princípio da Anualidade e da Plurianualidade Orçamental (art. 14.º da LEO)
O princípio da anualidade determina que o orçamento do Estado é elaborado, aprovado e executado para um período de um ano, coincidindo com o ano civil. Já a plurianualidade exige que o orçamento tenha uma visão de médio prazo, através de instrumentos como o quadro orçamental plurianual e o programa de estabilidade, assegurando consistência nas políticas públicas e previsibilidade na afetação de recursos. A combinação destes dois princípios visa equilibrar o controlo anual com o planeamento estratégico a vários anos.
O Princípio do Equilíbrio Orçamental: Responsabilidade e Sustentabilidade
O princípio do equilíbrio orçamental, típico da conceção liberal das finanças públicas, impõe que o Estado não deve gastar mais do que aquilo que arrecada, ou seja, as despesas públicas devem estar equilibradas com as receitas públicas. Este princípio visa, em essência, assegurar a responsabilidade financeira do Estado, evitar o recurso excessivo ao endividamento e preservar a estabilidade económica de médio e longo prazo. A razão da sua importância reside no facto de ele constituir a base de confiança do sistema financeiro público. Quando o Estado respeita este princípio, transmite uma imagem de solidez e credibilidade junto dos contribuintes, dos mercados financeiros e das instituições internacionais. Tal confiança traduz-se em melhores condições de financiamento da dívida pública, maior atratividade para o investimento e menores riscos de instabilidade fiscal. Por outro lado, quando o Estado ignora este princípio e recorre sistematicamente ao défice e à dívida para financiar as suas despesas, gera desequilíbrios orçamentais persistentes, que afetam a sustentabilidade das finanças públicas, comprometem a autonomia política do país e acabam por exigir medidas de austeridade socialmente gravosas.
Embora o pensamento económico contemporâneo — nomeadamente o keynesiano — aceite a existência de défices orçamentais em contextos de crise, reconhece igualmente que esses desequilíbrios devem ser temporários e controlados. Por isso, mesmo nas finanças funcionais, que relativizam o equilíbrio orçamental imediato, este princípio mantém-se como referência normativa essencial: não como um dogma absoluto, mas como condição de viabilidade da política orçamental a longo prazo. Além disso, o princípio do equilíbrio orçamental tem reforço constitucional e legal em Portugal. O artigo 105.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa obriga à aproximação entre receitas e despesas, e a Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015) exige expressamente o respeito pela sustentabilidade orçamental (art. 12.º). Este princípio está ainda refletido nas regras europeias do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que impõem limites ao défice (3% do PIB) e à dívida pública (60% do PIB), sob pena de sanções.