Fontes do Direito: Análise e Hierarquia
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Fontes do Direito: Análise e Hierarquia
FONTES DO DIREITO: sentido técnico-jurídico:
Lei, costume, doutrina (da equidade e do negócio jurídico?), jurisprudência, normas corporativas; princípios gerais do direito; hierarquia das fontes de Direito (o art. 8.º da CRP).
Conforme temos exposto, e na evolução do conceito de Direito, o Direito é o conjunto de normas reguladoras da conduta social segundo a Justiça e assistidas de coercibilidade.
Para que a vida em sociedade se desenvolva com harmonia e ordem, o homem está sujeito a regras a que deve obedecer. Essas regras dizem-se normas de conduta. Estas normas de conduta exprimem uma ideia de dever ser (sollen) e não de ser (sein), ou seja, impõem condutas a adotar.
De entre as normas de conduta há que destacar aquelas que se prendem com os interesses da sociedade e que têm como objetivo assegurar a realização da Justiça. São as normas jurídicas que, quando não observado o seu cumprimento voluntariamente, podem ser impostas pela força do Estado através dos tribunais. A essa suscetibilidade da aplicação da norma jurídica pela força chamamos coercibilidade.
Acontece que nem todas as relações sociais interessam ao Direito: aquelas de que ele se ocupa dizem-se relações jurídicas.
A ordem jurídica é uma realidade histórica cujo conteúdo são as normas jurídicas. Importa, porém, saber como e onde nascem essas normas, bem como de que maneira se formam e são reveladas aos particulares.
Este é o problema das Fontes do Direito.
Há, essencialmente, 6 aceções da expressão “Fontes do Direito” (cfr. PFC, pp. 179-:
- “em sentido histórico”,
- “em sentido político (ou orgânico),
- “em sentido sociológico”,
- “em sentido filosófico”,
- “em sentido instrumental”,
- “em sentido técnico-jurídico (também chamado de formal).
Os modos de criação das normas integradoras do ordenamento jurídico vêm indicados nos primeiros artigos do Código Civil. Estas disposições iniciais da principal lei civil regulam, pois, a matéria das Fontes de Direito – e fazem-no com um alcance que transcende o âmbito do direito civil, pois abarcam o modo de surgimento das normas jurídicas em geral.
Em sentido técnico-jurídico, que é o que fundamentalmente nos interessa, as Fontes do Direito são modos de formação e revelação de regras jurídicas (ou revelação do direito objetivo).
Diversos autores têm indicado como possíveis fontes de direito (mais uma menos uma) a lei, o costume, a jurisprudência, a doutrina, as normas corporativas, os princípios gerais de direito, e ainda a equidade (e outros admitem até o negócio jurídico). (Ver, FALCÃO, José (et. al.), p. 59); PFC., p. 188 e ss.)
ENUMERAÇÃO (ideal ou concetual) DAS FONTES DO DIREITO:
- Lei;
- Costume;
- Jurisprudência;
- Doutrina;
- Normas corporativas;
- Equidade (?);
- o negócio jurídico (?);
- Princípios Gerais do Direito.
Das divergências, é de salientar que alguns autores admitem que também aqui só podemos considerar a jurisprudência de conteúdo normativo que cria Direito, enquanto outros, por sua vez, consideram que nem a jurisprudência nem a doutrina são criadoras de Direito.
A posição destes últimos baseia-se numa distinção tradicional entre FONTES IMEDIATAS DE DIREITO, que têm força vinculativa própria, sendo, portanto, os verdadeiros modos de produção do Direito, e FONTES MEDIATAS DE DIREITO, que, não tendo força vinculativa própria, são, contudo, importantes pelo modo como influenciam o processo de formação e revelação da regra jurídica – enquanto direito subsidiário, entram em ação no caso de lacuna.
É ainda frequente distinguir-se entre FONTES VOLUNTÁRIAS e NÃO VOLUNTÁRIAS. As primeiras derivam da vontade de o serem: um propósito dos seus criadores em que sejam elas fontes. Já as segundas são não intencionais.
Lei
A lei é considerada verdadeira fonte do Direito, isto é, fonte imediata do Direito. Todas as outras são fontes mediatas.
A lei é a fonte primordial do direito – artigo 1.º do Código Civil.
Daqui decorre que a noção de Lei é dificilmente determinável. No artigo 1.º, n.º 2 do Código Civil lê-se «Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes». Logo, se disposições são regras e se leis são fontes de regras, não é aceitável reconduzir-se leis a disposições.
Castro Mendes (p. 79) define a lei como a norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para o fazer, na sociedade política. A lei é assim uma norma jurídica de criação deliberada – é criada para servir com tal.
Pressupostos da Lei:
- Uma autoridade competente;
- Observância das formas previstas para essa atividade;
- Conter uma verdadeira regra jurídica.
De sublinhar que o conceito de lei só se tornará verdadeiramente compreensível se tivermos em conta a distinção entre: i) lei em sentido formal e lei em sentido material; ii) lei em sentido amplo e lei em sentido restrito.
i)
Lei em sentido formal: todo o ato normativo emanado de um órgão com competência legislativa, quer contenha ou não uma verdadeira regra jurídica.
Ex: as que conferem ao Governo autorizações legislativas, as que autorizam o Governo a realizar empréstimos, as que concedem amnistias.
Lei em sentido material: todo o ato normativo emanado de um órgão do Estado, mesmo que não incumbido de função legislativa, desde que contenha uma verdadeira regra jurídica. Ex: regulamentos emanados do Governo (decretos regulamentares, portarias, despachos) e os regulamentos emanados das autarquias locais.
ii)
Lei em sentido amplo: é toda e qualquer norma jurídica.
Lei em sentido restrito: compreende apenas os diplomas emanados pela Assembleia da República.
Feitura das Leis: o processo de elaboração de uma lei
O processo de elaboração dos atos legislativos varia em função de diversos fatores.
De facto, cada órgão dotado de competência legislativa tem o seu modo próprio de agir na feitura das leis.
Na elaboração das leis, devemos contar com as seguintes fases: elaboração; aprovação; promulgação; publicação; entrada em vigor (v.g. Castro Mendes, p. 96 e ss.)
De forma sumária, descreveremos o processo de formação das leis na Assembleia da República e o processo de formação dos Decretos-lei pelo Governo.
Inicia-se com a ELABORAÇÃO e apresentação do texto, sobre o qual se pretende que a Assembleia da República se pronuncie. A apresentação pode ser feita pelos deputados da A. R., nos termos do artigo 167.º, n.º 1, da CRP), e toma a designação de PROJETO-LEI (artigo 156.º/b), ou pelo Governo, nos termos do artigo 200.º, alínea c) da CRP e denomina-se de PROPOSTA DE LEI.
Apresentado o texto, sendo por esta discutido e votado na generalidade, passa-se à discussão de cada um dos preceitos nela contidos, em particular, podendo os deputados apresentar PROPOSTAS DE EMENDA em relação a cada um deles. Através de votação fixa-se o conteúdo de cada preceito, optando a A. R. pelo texto original ou pelo constante da emenda. Nesta atuação consiste a discussão e votação na especialidade (art. 168.º da CRP).
O texto conseguido (APROVAÇÃO), é enviado para o Presidente da República PROMULGAR (art. 134.º, alínea b) e art. 137.º da CRP).
O Presidente pode não promulgar o diploma e exercer o direito de veto, previsto no artigo 136.º, n.º 5 da CRP.
A PROMULGAÇÃO, ato pelo qual o Presidente da República atesta solenemente a existência da regra e intima a sua observância, é a etapa essencial de todo o processo legislativo, na medida em que a sua falta implica a inexistência jurídica do ato – art. 137.º da CRP.
A PUBLICAÇÃO, consiste no ato formal de publicar as regras que têm de ser conhecidas e aplicadas. O artigo 119.º da CRP enumera os principais atos sujeitos a publicação no Diário da República, bem como estatui que a falta de publicidade desses atos constituem ineficácia jurídica.
Identificação das Leis
As leis identificam-se pela categoria, número e data (ex: art. 7.º, n.º 1.º, da Lei n.º 74/S8), havendo numeração distinta para cada uma delas) - Castro Mendes, p. 105 ss.
Os textos ou diplomas dividem-se em artigos. Nas leis mais antigas, os artigos maiores subdividem-se em corpo e parágrafos numerados. Hoje, os artigos e bases maiores dividem-se desde o princípio em números. Ao começo de cada um destes trechos chama-se, por vezes, proémio.
Os decretos e decretos-leis do Governo podem apresentar uma justificação e explicação do seu conteúdo, embora sem força vinculativa, e tem por função auxiliar a interpretação do texto legal, denominando-se relatório.
Podem coexistir regras iniciais que têm por objeto aprovar e regular a entrada em vigor do diploma, podem denominar-se de lei preambular ou decreto (-lei) de aprovação. «Assim, o Decreto-Lei n.º 47344, de 25/11/1966, costuma designar-se por lei preambular do Código Civil: o seu art. 1.º diz que “é aprovado o Código Civil que faz parte do presente decreto-lei.”», Castro Mendes, p. 106;
Por fim, há diplomas que se designam por nomes tradicionais e usuais e não habitualmente pela forma indicada. Ex: Código Civil; Constituição da República Portuguesa; Estatuto da Ordem dos Advogados.
Processo de formação dos decretos-lei pelo Governo
O Governo, no âmbito da sua função legislativa, pode optar por um de dois processos de formação:
- assinaturas sucessivas;
- aprovação em Conselho de Ministros.
Assinaturas sucessivas: o texto do diploma é submetido separadamente à assinatura do Primeiro Ministro e de cada um dos Ministros competentes. Uma vez obtidas as assinaturas, é o diploma apresentado ao Presidente da República para promulgação.
Aprovação em Conselho de Ministros: o texto do respetivo Decreto-lei é apresentado e aprovado em Conselho de Ministros, sendo depois enviado para promulgação, ao Presidente da República.
Lei: entrada em vigor (art. 5.º do CC.); termo da vigência; caducidade e revogação (art. 7.º do CC).
Apuramos que a lei é considerada verdadeira fonte do Direito, isto é, fonte imediata do Direito. Todas as outras são fontes mediatas.
A lei é a fonte primordial do direito – artigo 1.º do Código Civil.
Daqui decorre que a noção de Lei é dificilmente determinável. No artigo 1.º, n.º 2 do Código Civil lê-se «Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes».
Castro Mendes (p. 79) define a lei como a norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para o fazer, na sociedade política. A lei é assim uma norma jurídica de criação deliberada – é criada para servir com tal.
Início e termo de vigência
A publicação da Lei é, portanto, o ato indispensável para conferir à lei obrigatoriedade, destinando-se a tornar possível o seu conhecimento por todos os seus potenciais destinatários.
Preceitua o artigo 6.º do Código Civil, que a ignorância da lei é juridicamente irrelevante. O legislador baseia-se rigidamente no pressuposto de que a lei é conhecida, nem sequer admite que se prove o seu desconhecimento.
Para as leis centrais, no nosso país, a publicação é realizada no Diário da República. Dividindo-se em várias séries, consoante os atos a cuja publicação se destinam, que incluem para além de Leis, situações tão diversas como os pactos sociais das sociedades e editais dos tribunais.
Determinado pelo artigo 5.º, n.º 1 do Código Civil, constatamos aí que a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial. Logo, a existência jurídica de qualquer diploma depende, assim, da sua publicação. As normas de valor geral são, em regra, publicadas no Diário da República – artigo 119.º, n.º 2 da CRP. As normas de valor local, obedecerão às formas de publicidade determinados na lei – artigo 119.º, n.º 3 da CRP.
Com a publicação, a lei passa a ser obrigatória, mas não significa que entre de imediato em vigor. De acordo com o artigo 5.º, n.º 2, CC, decorrerá um intervalo entre a publicação e a sua entrada em vigor, prazo que se denomina de VACATIO LEGIS.
Quanto aos atos normativos criados pelos órgãos da União Europeia (regulamentos, diretivas, decisões) a sua entrada em vigor depende da sua publicação em Jornal Oficial das União Europeia – dos atos normativos, os regulamentos, se nada estipularem em contrário, entram em vigor simultaneamente em todos os territórios dos Estados Membros passados 20 dias da data da sua publicação e as Diretivas e Decisões na data da sua notificação aos respetivos destinatários.
Está preceituado no artigo 2.º, n.º 2 da Lei n.º 74/G8, de 11 de novembro*, decorrente do artigo 5.º, n.º 2, CC, que os atos entram em vigor no dia neles afixado, em todo o território nacional e no estrangeiro, não podendo, em caso algum, o início da vigência ocorrer no próprio dia da publicação, determinando que na falta de fixação do dia, os diplomas entram forçosamente em vigor NO QUINTO DIA após a sua publicação.
*(Alterada pela Lei n.º 2/2005, de 24/01, pela Lei n.º 26/2006, de 30/06, pela Lei n.º 42/2007, de 24/08), e pela Lei n.º 43/2014, de 11/07)
Estes prazos só se aplicam quando o legislador nada disser, pois pode acontecer que ele próprio estabeleça em cada diploma a sua vacatio legis.
Normalmente verificam-se duas situações:
- Encurta-se o prazo, impondo-se a imediata entrada em vigor do diploma – caráter urgente. Exemplo: subida dos preços de combustíveis.
- Dilata-se o prazovacatio legis, por necessidade de adaptação e complexidade da matéria. (Ver, por exemplo, o Decreto-lei n.º 555/99 de 16 de setembro - RJUE)
A existência, a validade e a eficácia da Lei
O exercício da função legislativa pela Assembleia da República e pelo Governo, conforme expusemos, encontra-se regulada pela Constituição. É este diploma que fixa os condicionalismos a que deve obedecer a prática de tais atos, tanto no que concerne à sua forma e conteúdo, como no que respeita à sua competência para a sua realização.
A lei implica sempre um ato jurídico, o ato legislativo. Esse ato não está subtraído aos desvalores que atingem o ato jurídico em geral. Esses desvalores do ato legislativo são:
- a inexistência;
- a invalidade (da nulidade e da anulabilidade);
- a ineficácia.
A INEXISTÊNCIA: Para que uma lei exista é necessário que preencha certos requisitos mínimos de identificabilidade formal, orgânica e material. É imprescindível que ela possa ser identificada como lei. Senão vejamos:
- A falta de promulgação do Presidente da República ou de referendo do Governo – art. 137.º e 140.º, n.º 2 da CRP – determina a sua inexistência jurídica por inconstitucionalidade formal.
- A falta de votação de um pretenso ato legislativo pela Assembleia da República (art. 168.º CRP), determina a sua inexistência jurídica por inconstitucionalidade formal.
- A usurpação da função legislativa por um órgão que a não pode exercer, v.g., uma lei aprovada por um tribunal, determina a sua inexistência jurídica por inconstitucionalidade orgânica.
- Caso a aparente lei viole o conteúdo essencial de direitos fundamentais consagrados na Constituição, v.g., suprimindo o direito à vida de cidadãos de certas raças/etnias ou fiéis de determinadas religiões, é facto determinante para se determinar a sua inexistência por inconstitucionalidade orgânica.
A declaração de inexistência deve partir do órgão do autor do ato a ser declarado como tal, e deve explicitar o fundamento dessa inexistência.
A INVALIDADE: Fora dos casos de verdadeira inexistência, a lei é, em princípio inválida, sempre que for desrespeitada uma regra sobre a produção jurídica.
A diferença entre a invalidade da lei e a inexistência da lei é, pois, fundamentalmente, uma questão qualitativa de grau. Quando a violação da Constituição é tão grave que afeta a identificabilidade da lei, esta é inexistente. Quando a violação da Constituição reveste formas menos graves, mas existe, apesar de tudo, uma desconformidade intrínseca do ato legislativo, este é inválido.
A invalidade, tal como a inexistência, pode-se verificar tanto em relação às leis como em relação a atos dos particulares.
Teoricamente, no direito português, podemos distinguir dentro da invalidade a NULIDADE e a ANULABILIDADE.
Nulidade
A lei nula é em si inaplicável.
Mais detalhadamente podemos dizer que:
- O ato nulo é-o, em princípio, desde o momento da sua prática;
- A nulidade deve, porém, ser declarada pelos tribunais;
- A declaração de nulidade «elimina» o ato nulo e os seus efeitos jurídicos desde o momento da sua prática, i.e., do momento da verificação da sua nulidade – a declaração de nulidade reveste natureza declarativa;
- A referida declaração só respeita, por razões de certeza jurídica, os casos já julgados;
- Qualquer pessoa pode requerer a declaração de nulidade;
- Essa solicitação pode ser feita a qualquer momento, sem prazo limite;
- Os tribunais podem, oficiosamente, ou seja, independentemente da existência de uma solicitação nesse sentido, declarar a nulidade.
A Anulabilidade
A lei anulável aplicar-se-á, enquanto o órgão ou órgãos competentes não tomarem a iniciativa da sua anulação.
Os traços fundamentais são:
- O ato anulável, ao contrário do nulo, é válido até ser anulado, produzindo efeitos até à sua anulação – a anulação tem natureza constitutiva;
- A anulação compete aos tribunais, que podem determinar que o ato anulado só deixe de produzir efeitos para o futuro, ficando salvos os atos já produzidos no passado;
- Só algumas pessoas com especial interesse na anulação podem pedi-la em tribunal;
- Existe um prazo dentro do qual a anulação pode ser solicitada e findo o qual o ato subsiste como válido e intocável.
3. A INEFICÁCIA: É algo que se verifica não por vício ou desconformidade da lei, mas por verificação de um ato ou facto distinto da lei que paralisa ou obvia à produção dos respetivos efeitos. E isso, tal como na invalidade, pode acontecer total ou parcialmente.
A ineficácia pode ser:
- Originária – se o ato ou facto for contemporâneo da feitura da lei;
- Superveniente – se for posterior – é o caso da suspensão temporária e cessação definitiva da eficácia da lei.
São vários os motivos que podem tornar uma lei ineficaz, por exemplo:
- É ineficaz a lei não publicada no Diário da República (art. 119.º CRP);
- É ineficaz a lei que não entra imediatamente em vigor. Havendo entre a publicação e a entrada em vigor da lei um período de intervalo, existe uma ineficácia temporária, nos termos supra referidos quanto à vacatio legis. A lei, no entanto, existe, é válida, mas, por um lapso de tempo limitado, não produz efeitos jurídicos.
- É ineficaz a lei que coloca a sua eficácia na dependência da produção de certo ato ou facto. É o caso, por exemplo, da lei que depende da aprovação de uma lei complementar.
A suspensão e a cessação de vigência da lei
Entrada em vigor:
Com a publicação a lei passa a ser obrigatória, mas isso não quer dizer que seja desde logo aplicável.
Falamos da vacatio legis. Agora, debrucemo-nos sobre a seguinte ideia: `o decurso do tempo, por maior que seja, não é razão suficiente para que a lei cesse a sua vigência.`
Como formas de cessação de vigência da lei, o artigo 7.º do Código Civil prevê unicamente a caducidade e a revogação.
As leis que não estiverem sujeitas a prazos especiais de vigência permanecem tendencialmente para sempre. Porém, pode a ineficácia da lei ser superveniente. E pode sê-lo em dois casos:
- Suspensão temporária;
- Cessação definitiva da eficácia da lei.
Suspensão temporária: a vigência da lei pode ser suspensa, por prazo limitado ou ilimitado. O princípio é o de quem tem competência para fazer e revogar leis pode também suspendê-las.
Cessação de vigência da lei: pode dar-se em três situações:
- Costume contrário ou costume contra legem: casos em que um costume substitui uma lei de conteúdo oposto;
- Caducidade: exprime-se na extinção da vigência e eficácia dos efeitos de um ato, em virtude da superveniência de um facto com força bastante para tal.
A caducidade pode resultar da cláusula expressa pelo legislador, contida na própria lei, ou dar-se por mero efeito superveniente de um facto e, portanto, independentemente de nova lei. É o caso de quando a própria lei prevenir um facto que leve à cessação da sua vigência – esse facto pode ser cronológico ou de outra ordem. É ainda o caso de quando desaparecem os pressupostos da aplicação da lei.
Exemplo:aleiquesedestinaavigorarduranteumasituaçãodeguerraentredoispaíses;aleisobrecaçaaoanimal,quecessa com o desaparecimento deste animal.
Revogação:éotermodevigênciadalei,porefeitodaentradaemvigordenovalei,devalorhierárquicoigualousuperior, que vem dispor acerca da mesma matéria.
Arevogaçãorepresentaoprocessonormaldecessaçãodevigênciadalei.
Arevogaçãopodeserquantoàsuaformaequantoàsuaextensão.
Quanto à sua forma:
Revogaçãoexpressa:secertoatolegislativoexplicitaroseudesideratoderevogarleianterior.Olegisladorindicaquaisos diplomas que a nova lei revoga.
Revogaçãotácita:seoseuconteúdorevogatórionãoforexplicitadonaletradalei,masdecorrerdasuainterpretaçãoe permitirconsideraraexistênciade«umaincompatibilidadeentreasnovasdisposiçõeseasregrasprecedentes»,artigo7.º, n-º 2 do Código Civil.
Quanto à sua extensão:
Revogaçãototalouab-rogação:sealeianteriorcessarcompletamenteasuaeficácia,i.e.,quandotodasasdisposições de uma lei são atingidas.
Revogaçãoparcialouderrogação:quandosóalgumasdisposiçõesdaleiantigasãorevogadaspelaleinova.
Arevogaçãopodeaindaser:
Revogaçãoglobal:seforconsequência«deanovaleiregulartodaamatériadaleianterior»,artigo7.º, n.º 2 do CC.
Revogaçãoindividualizada:sealeirevogatóriarevogarespecificamenteumaleianterior,oualguma das regras contidas nessa lei.
A caducidade distingue-se pois da revogação, na medida em que esta resulta de nova lei, contendo expressa ou implicitamente o afastamento da primeira, enquanto a caducidade se dá independentemente de qualquer nova lei.
Importa ainda salientar que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra não for intenção
inequívocadolegislador,nostermosdoartigo7.º,n.º3doCC.
Aleitememcontasituaçõesparticularesquenãosãovaloradaspelaleigeral,presumindoolegislador
queamudançadestanãoafetaesseregimeparticular.
Ex: a revogação da lei geral sobre o turismo não afetará uma eventual lei especial sobre o turismo no Algarve; uma lei sobre transportes não deverá, em princípio, revogar uma lei especial sobre transportes ferroviários.
Porfim,cabeaindareferirquearevogaçãodaleirevogatórianãoimportaorenascimentodaleique esta revogara – artigo 7.º, n.º 4 do CC. – i.e., a lei revogada só revive através de uma disposição REPRISTINATÓRIA.
Chama-seLEIREPRISTINATÓRIAàleiquerepõeemvigorumaleirevogada.
COSTUME
OCostumeconstituioutroprocessodeformaçãodoDireito,essencialmentedistintodalei.Comefeito,no costume, a norma forma-se espontaneamente no meio social.
RepresentounaformaçãohistóricadoDireito,asuaprimeiraeprincipalfonte.
Segundo Castro Mendes (p. 79), chama-se Costume à forma de criação de regras jurídicas que consiste na prática repetida e habitual de uma conduta, quando chega a ser encarada como obrigatória pela generalidade dos membros.
Porsuavez,JoséFalcão(et.al.,p.60)admitequesendoaleiumprocessodecriaçãodoDireitoanterioràlei,
«ele pode definir-se como a observância geral constante e uniforme de uma regra de conduta social, acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade jurídica por parte da opinião comum.».
PauloFerreiradaCunha(pp.190-191)admitequefoiporobservânciadiuturnaeconvicçãodajuridicidadede comportamentosretos,ocostumecomeçouporseimporcomoaprimordialfontedeDireito.
As normas criadas pelo costume dizem-se CONSUETUDINÁRIAS. O Código Civil faz alusão,
designadamentenoseuartigo348.º,aodireitoconsuetudinário.
OCostumeresultadedoiselementosindispensáveis:
Ouso:práticasocialreiterada,i.e.,práticarepetidaehabitualdecertaedeterminadaconduta,
comoformadeagirnumdadojogodecircunstâncias;
Aconvicçãodeobrigatoriedade:háumaobrigatoriedadenaquelaprática,quenãoresultaapenas
darotina.
Ex:Porhipótese,emdeterminadacomunidadenãoexistenenhumaregraescritaondeconsteaduração do trabalho agrícola. Mas admitamos que desde há muito se criara o hábito de correr ao sol – desde o levantar ao pôr do sol. Estaríamos perante um uso social, resultante da sistemática repetição da mesma conduta, e que, para alguns autores, é considerado como um dos elementos constitutivos do costume – o CORPUS.
Atendendoàrelaçãodoscostumescomalei,fala-seaindaem:
COSTUME SECUNDUM LEGEM: as duas fontes interpretam-se uma pela outra. Há uma só regra com
pluralidadedetítulos.
COSTUME PRAETER LEGEM: o costume não contraria a lei mas vai além dela. O costume regula hipóteses e aspetos de que a lei não trata.
COSTUME CONTRA LEGEM: costume e lei estão em contradição.
Dopontodevistadalei,estecostumenãodevevaler.Oartigo3.ºdoCC.estabelecequeosusossósão atendíveisquandoaleiodeterminee,portanto,nuncacontraamesmalei.
OnossoCódigoCivilnãoapresentaocostumecomofonteimediatadoDireitoeapenasadmitequeos
usostenhamrelevânciaquandoaleiparaelesremeta,ouseja,comofontesmediatasdoDireito.
JURISPRUDÊNCIA
Entende-se por JURISPRUDÊNCIA o conjunto das principais decisões judiciais dos tribunais (sobretudo os superiores pelo peso do seu prestígio e auctoritas), isto é, “começou-se a constituir-se um acervo de resoluções de casos concretos (sentenças), muitas delas versando situações análogas.” – a ideia de correntes jurisprudenciais (ver, PFC, p. 191)
Temmaiorrelevonospaísesanglo-saxónicos,dacommonlaw.
Pode haver casos em que tais decisões podem ser mais ou menos vinculativas, conforme o determinado pelas legislações de cada país, ou o que se vai lentamente determinado pelo costume.
Em Portugal, essas decisões denominam-se SENTENÇAS quando são proferidas por um tribunal singular e
ACÓRDÃOSquandosãoproferidasporumtribunalcoletivo.
EmPortugal,“asimplesexistênciaderecursoscontrajurisprudênciafixadaeparafixaçãodejurisprudência, quesãomuitos,noSupremoTribunaldeJustiça,revelamapreocupaçãodolegisladoremcontemplaruma uniformização de julgados. E o facto de haver muitos processos que invocam ora sentença contra jurisprudência fixada, ora oposição entre sentenças (embora só alguns precedam), revela que a comunidade jurídica está atenta a essas questões e as decide invocar com frequência.” (PFC, pp. 193-194)
DOUTRINA
Noção: opinião dos jurisconsultos ou jurisprudentes – sapientes do Direito, autênticos conhecedores profundos do Direito, que em consultas pontuais (pareceres, consultas escritas, entrevistas, obras, tratados, artigos monográficos, manuais e lições universitárias…) “vão impondo visões, construções, dogmáticas, teorias jurídicas, quer sobre o direito vigente (de jure constituto), quer sobre o que este devesse passar a ser (de jure constituendo).” (PFC, p. 193)
“Importa, contudo, precisar desde já alguns dados semânticos. A doutrina (opinião dos jurisconsultos ou jurisprudentes) começou por ser designada, por essa mesma razão, precisamente “Jurisprudentia” (Jurisprudência). Como a doutrina se exercia, em Roma, sobretudo na prática do foro e na função de julgar (a qual era sancionada pelo poder, constituindo uma parcela de soberania) a expressão “jurisprudência” passou a designar as decisões dos tribunais. Finalmente, dado o papel fundamental destes na decisão do que é o Direito, também se designa a própria ciência do Direito ou Jurística (ou Direito tout court, o seu sentido epistemológico) por “Jurisprudência (com maiúscula). Em Itália, as faculdades de Direito chamam- se ainda de “Giurisprudenza”. Hoje, a primitiva Jurisprudência, numa dada visão (que já teve acolhimento legal em Portugal até, no Código Civil, ao tratar do Assentos), seria mesmo (e só quando fosse doutrina seria jurisprudência?) “doutrina”, embora com força obrigatória (entre partes e seus efeitos colaterais), ou “geral” (no caso dos ditos Assentos).” (PFC, pp. 193-194)
AS NORMAS CORPORATIVAS
Artigo1.ºdoCC(CódigoCivil) (Fontes imediatas)
Sãofontesimediatasdodireito(…)asnormascorporativas.
(…) são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respetivos estatutos e regulamentos internos.
Asnormascorporativasnãopodemcontrariarasdisposiçõeslegaisdecarácterimperativo.
“A questão, nos seus recortes tradicionais, não parece ser de enorme atualidade e muito menos universal. Ela resultará da consagração geral autónoma de um tipo de normativos, que são, latu sensu, leis, embora lhes possa faltar o carácter de estadualidade. Porém, o mundo informacional tende para a criação de entidades mais ou menos autónomas, efémeras algumas, que possuem, pela própria natureza das coisas, uma vocação e uma ação normativa. Certamente teremos de considerar, pelo menos numa fase de transição, certos aglomerados de associação humana (“comissões especiais” numa designação clássica, certamente) como verdadeiras pessoas morais que funcionam como “legisladores” hoc sensu, produtores de normas corporativas… Há entidades do tipo “agências reguladoras” que, como o próprio nome indica, possuem uma vocação para a produção normativa. A complexidade da normogénese atualmente cresce, e, evidentemente, o problema da hierarquia normativa se põe. As regras clássicas, porém, não podem permitir que uma entidade pública ou privada afaste os preceitos constitucionais, e designadamente os respeitantes a direitos, liberdades e garantias, que são diretamente aplicáveis e vinculam tanto o Estado e seus entes como os particulares (art.º 18.º, n.º 1 CRP).”
“O problema das normas corporativas, como veremos, ganharia antes de mais com a desdramatização do nome. A nosso ver, trata-se do Direito em geral não fundamentalmente estatal, mas produzido voluntariamente (fonte intencional) através de instrumentos normativos gerais – desde os estatutos de um sindicato aos de uma sociedade comercial, passando por um contrato coletivo de trabalho. Mas não deixando de ter de considerar-se incluídas na categoria, latu sensu, as normas de uma comunidade de internautas num ou noutro aspeto da vida e seus interesses comungando, algures num nicho qualquer do universo virtual.”
“Sempre existiram este tipo de normas de grupos sociais organizados, desde que na sociedade se foram constituindo pessoas coletivas, grupos de interesses associativos do mais diverso cariz. Também se podendo designar por pessoas morais.”
“Hoje em dia, porém, há o muito discutível hábito de “aportuguesar” como “corporação” a palavra inglesa “corporation”. Ora não é de modo nenhum dessas “corporações” que se trata quando, em sede de fontes, se fala ainda em “corporações”. Mas fala-se hoje cada vez menos.”
“Porém, não há dúvida também de que as verdadeiras e próprias “corporations”, empresas e rede de empresas, e afins, são grandes produtores de normatividade, e parceiros em novas geometrias e geografias normativas relacionais. A questão é de saber se têm autonomia para essas fórmulas contratuais para além da liberdade contratual clássica e com as suas limitações de bons costumes, ordem pública, e as gerais que proscrevem o abuso de direito, obrigam à boa fé, etc., e se têm poder legítimo para a normatividade praeter legem e eventualmente contra legem que editem.”
Por exemplo: uma empresa nacional x ou y do país x ou y, que tem a língua oficial n, e só essa língua oficial, poderá impor na comunicação interna da empresa, oralmente e por escrito, uma língua diferente da língua oficial do país em que está sediada, e aos seus funcionários da mesma nacionalidade? Este exemplo comporta variantes específicas, e todas elas colocarão problemas. Estamos em crer que nem por motivos de marketing, show off, e muito menos por preconceito linguístico ou nacional, nenhuma empresa pode mudar a língua oficial do seu país num reduto utópico ou enclave “corporativo”. Coisa diferente, e a ponderar, é uma multinacional, com pessoal de muitos países, operando em muitos estados, que determine uma língua oficial muito conhecida (no caso, seria certamente o Inglês), no momento) para comunicações gerais, salvo se outra língua não for do melhor conhecimento de todos os intervenientes numa dada conversa, oral ou _
_ escrita. Porque é obvio que entre dois nacionais do mesmo país (ou de um brasileiro e um português, por exemplo) uma empresa de qualquer país não poderá razoavelmente impor uma terceira língua.”
“Note-seaindaumoutrousodaexpressão“corporativo”.Dizem-setambém“corporativos”interesses particularistas , não atendendo ao Bem Comum, egoístas de uma classe. Por exemplo: se um certo tipo de profissionais detém importantes alavancas sociais, é capaz de fazer parar um país, etc., e se usa esse poder como chantagem para reivindicações desmesuradas, pode dizer-se que está a fazer uma pressão “corporativa”. Ou então se pode falar nos interesses específicos e egoístas de um grupo de profissionais como interesses “corporativos”. É claro que, por vezes, a expressão não é usada com propriedade, mas como estigma, arma de arremesso contra grupos ou suas reivindicações., que podem ser respeitáveis e legítimas.” (PFC, pp. 194-196)
AEQUIDADE(?)
Artigo4.ºCC
(Valordaequidade) Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
Quandohajadisposiçãolegalqueopermita;
Quandohajaacordodaspartesearelaçãojurídicanãosejaindisponível;
Quandoaspartestenhampreviamenteconvencionadoorecursoàequidade,nostermosaplicáveisà
cláusula compromissória.
“Aequidaderefere-seaumaparticularformadeadaptaçãodogeralaoconcreto,desuavizaçãoe adequação das normas, de atenuação do brocardo da decadência romana dura lex sed lex. Numa perspetiva positivista, é, sem dúvida, um amortecedor da dureza da lei. Já, contudo, para quem entenda o Direito como subordinado a princípios fundamentais e à Justiça, pode parecer tautológico. Toda a Justiça é, por natureza, équa. Só um direito estritamente legal necessita dessa válvula de segurança, como entidade autónoma.”
“(…) Os resultados práticos poderão ser, certamente, mais positivos. Há, efetivamente, recurso à equidade na jurisprudência. Por exemplo, no Supremo Tribunal de Justiça assim se começou por sumariar num Acórdão: “É possível ao Supremo Tribunal de Justiça aplicar critérios de equidade, nomeadamente ao nível indemnizatório, não se aderindo ao entendimento segundo o qual tal categoria pertenceria ao domínio do facto e não do direito. Além disso, um “controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” na grande maioria dos casos, conseguirá obter resultados muito idênticos, se não até exatamente os mesmos, ao uso da equidade tout court.”” (PFC, pp. 196-197)
ONEGÓCIOJURÍDICO(?)
“No elenco abstrato das fontes de Direito, poder-se-ia ainda pensar na hipótese de considerar o negócio jurídico. E há quem o sugira. De fato, é ele um facto normal de que derivam direitos e obrigações. Uma doutrina francesa tradicional lembra (com alguma razão) que o contrato (o mais “célebre” negócio jurídico, nisso não há qualquer dúvida) é lei entre as partes.”
Simplesmente,àexceçãodocaso(jácontempladonoutra(s)fonte(s)doscontratoscoletivos,pornormaos direitos que dele resultam são direitos subjetivos de indivíduos mais ou menos singulares hoc sensu (ainda que possam ser pessoas coletivas, claro), isto é, não criam normas com generalidade e abstração, mas imposições (ou faculdades, prerrogativas…) concretas, para pessoas determinadas e em dada situação. E são “obrigações” com alguma reciprocidade: Fulano faz isto para que Beltrano faça aquilo, Fulana dá isto para que Beltrana dê aquilo, etc.. Parece, pois, estar-se a confundir duas situações distintas. Uma fonte de Direito, lembremo-lo, é um modo de formação ou manifestação de Direito em sentido normativo, não meramente subjetivo, não meramente pessoal ou circunscrito a um grupo, um contrato, um negócio jurídico, etc. esses direitos e obrigações concretamente mantidos, nascentes, modificados, extintos, etc., por essas vias, acabam por ter como fonte outra norma mais a montante. Ainda que seja somente lei geral que os permite… Mesmo que apenas com o princípio (legal) da liberdade contratual como regra.” (PFC, p. 197)
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO – análise especial
Comojáfoitransmitidoemaulasanteriores,existepolémicaemrelaçãoaotema“princípiosgeraisde direitoeprincípiosgeraisdo direito”- v.g., no que respeitaàs fontes externas. O artigo 8.º da CRP - quer quanto à sua inclusão no categoria de fontes do direito, como o seu próprio reconhecimento como espécie de norma e tanto quanto à sua equivalência ou diferença em relação aos princípios jurídicos e constitucionais (recordemos as ideias de Princípios Gerais ou Princípios Comuns do Direito).
PauloFerreiradaCunhaalerta,umavezqueremetemparaquestõesdiversas,quedevemosconvocar a doutrina internacionalista para esclarecer que não é indiferente aludir-se a Princípios Gerais do Direito e Princípios Gerais de Direito. Os segundos, são princípios de direito interno.
Miguel Reale define Princípios Gerais de Direito como sendo “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. São eles as “bases teóricas ou as razões lógicas do ordenamento jurídico”, um “modelo teórico ou dogmático que diz qual é o significado do modelo jurídico (legais, costumeiros, jurisprudenciais ou negociais)”.
Defende-sequeosPrincípiosGeraisdeDireitossão,efetivamente,normas,emconsonânciacomacorrente doutrináriamajoritária.Tambémseacreditaqueosprincípiosgeraisdedireitosejamacategoriamaisamplade princípios,dosquaisfazemparteosprincípiosjurídicos,osprincípiosconstitucionaiseosprincípiosdedireito defamília.Entretanto,todosestesprincípiostêmamesmaforçavinculante.
OsPrincípiosGeraisdoDireito,portanto,regrasmáximasouaforismos,adágiosebrocardos,i.e.,conceitos expressosporsimplesebrevespalavrascomo,porexemplo,indúbioproreo,princípiodajustiça,princípiodo contraditório, da igualdade e da boa-fé…, são enunciados de forma condensada ou sintética, não se constituem em frases longas ou raciocínios complexos e concatenações de argumentos sofisticados, antes se traduzem em uma frase com duas ou três palavras conhecidas.
1) Alguns exemplos de Princípios gerais do direito positivados e não positivados: Pacta sum servanda (os pactos devem ser obrigatoriamente cumpridos pelas partes); Dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é lei). A lei deve ser aplicada mesmo que pareça imoral ou injusta, vide art. 8.º, n.º 2 do CC; Ignorantia iuris neminem excusat (a ignorância da lei a ninguém escusa. A ninguém é dado alegar ignorância da lei, vide art. 6.º do CC); Alterum non laedere (não prejudicar ninguém; dever jurídico geral de não causar dano a outrem, vide art. 483.º do CC); Suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu); Princípio da plenitude da ordem jurídica;
_; Princípio do acesso ao direito, vide art. 20.º, n.º 1 da CRP; Princípio da proibição da denegação de justiça, vide art. 20.º, n.º1, parte final da CRP; Princípio da não retroatividade da lei, vide art. 12.º, n.º 1 do CC; Princípio da boa-fé, vide art. 762.º, n.º 2 do CC; Nom bis in idem (ninguém deve ser condenado duas vezes pela mesma coisa), etc…
2) São Princípios Gerais de Direito segundo Ferreira de Almeida (PFC. p. 199) “o princípio do enriquecimento sem causa; o princípio da boa fé; o princípio da responsabilidade baseada na culpa; o princípio da reparação integral do prejuízo; o princípio segundo o qual a lei especial prevalece sobre a lei geral; o princípio do ónus da prova; o princípio da igualdade das partes; o princípio dos direitos adquiridos; o princípio de estoppel (ninguém se pode prevalecer das suas próprias faltas ou, num processo, adotar uma atitude contrária a algo previamente, por si, admitido, com prejuízo para a contraparte – venire contra factum proprium non valet); princípio do efeito útil; o princípio do caso julgado; princípio da segurança jurídica; etc.”
SãoPrincípiosGeraisdoDireito,v.g.,“osprincípiosdenãointervenção,danãoingerênciaemassuntos particularesdosEstados,daobrigaçãodacooperaçãodosEstadosentresi,primaziadostratadossobre
_torial ou a independência politica de qualquer Estado, solução pacífica as controvérsias, igualdade soberana entre Estados, o direito de passagem inocente de navios mercantes em tempo de paz, a liberdade dos mares, a autodeterminação dos povos, a boa-fé, o respeito universal e efetivo dos direitos humanos, as normas de jus cogens, entre outros (…)”. (PFC., p. 200)
3)OsprofessoresJosédeOliveiraAscensãoeCarlosAlbertodaMotaPinto,emsuasTeoriasGeraisdo Direito Civil, consideram como princípios fundamentais do Direito Civil Português oito grandes temas, sendo a maioria deles, senão todos, devidamente regulamentados e tipificados como grandes regras do Código Civil: Reconhecimento da pessoa e dos direitos de personalidade; Liberdade Contratual/ autonomia privada; Responsabilidade civil; Boa-fé; Concessão da personalidade jurídica às pessoas coletivas; Propriedade privada; Relevância jurídica da família; o fenómeno sucessório.
O facto de um Código Civil silenciar a expressão, contrariamente a Espanha e ao Brasil, parece-nos mais uma escolha de prudência (a qual não é, caso único), modo de evitar uma polémica algo nominalista entre pluralismo e monismo, do que uma rejeição do que, em boa vontade, não poderia rejeitar.
“Acolhidosexpressamenteounão,ocertoéqueosprincípiosfundamentaisegerais,senãoporejam emcadalinhadaLei,pelomenossepressentemcomoessêncianasuaglobalidade.Eécuriosonotar- secomo,calandootodo,oCódigoportuguês,porexemplo,vemaceitarexpressamenteumaboaparte detaisprincípios:defacto,aoreferir-seaovalordaequidade,outracoisanãoestaafazerquerealçara importância de um desses princípios, o princípio dos princípios, a Justiça, a qual não existe sem equidade.” (…) Em Portugal, afigura-se-nos que o excesso de principiologia ainda não terá chegado, e espera-se que se aprenda com a experiência alheia. A verdade é que, sendo os princípios mais vastos e profundos que as leis, não se pode prescindir destas. De novo a remissão para o equilíbrio, a prudência e o bom senso terá que fazer-se.” (PFC., pp. 201-203)
Assim, os princípios gerais do direito são cânones que não foram ditados explicitamente pelo legislador, mas que estão contidos, de forma imanente, no ordenamento jurídico. Eles não têm existência própria, estão ínsitos no sistema, mas, cabe ao juiz ou jurista descobri-los, para lhes atribuir força e vida. Disso decorre que os princípios gerais do direito são regras de conduta a nortear o juiz na interpretação da norma inconclusiva, do ato ou negócio jurídico.
Os princípios gerais do direito, desde logo, também se inspiram em valores superiores da humanidade civilizada, mergulhado em suas regras e já incorporadas ao património cultural-jurídico, por ser uma fonte da maior importância. No entanto, são de difícil perceção e aplicação, porque eles exigem do jurista ou do juiz experiência e afinidade com instrumentos mais abstratos e complexos, porém, adotando ideias de maior teor cultural, a fim de permitir ao aplicador da norma suprir a deficiência legislativa, haja vista ser relativa à presunção de que o legislador elabora as normas mais adequadas e justas em benefício do povo.
Ointérpreteperquirindoopensamentofilosóficoproeminenteaosistema,ouasideiasestruturaisdo regime,aplicaaregrapossivelmenteencobertanoordenamentojurídiconacional…
Asfonteseos“regatos”
Admitimos com Paulo Ferreira da Cunha como fontes de Direito todas as referidas, menos a equidade e o negócio jurídico. E mesmo a equidade ( que consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça) se acaba por admitir como uma espécie de exceção prática. Sem se olvidar que ela é uma dimensão e parte da própria Justiça. Há legislações que tomam posição diversa. Ou deixam margem para que tal se pense.
Vejamos,porsuavez,CastroMendes.Oautorconsidera5asfontesdodireitoemsentidotécnico-jurídico(p. 78):Lei;Costume;Usos;Jurisprudência;Doutrina.
Hierarquia das fontes de Direito
Consideradadeumpontodevistadoutrinal,varia,portanto,consoanteoposicionamentofilosófico-
jurídicodosjurisconsultos.
“Se um positivista legalista colocará no topo da pirâmide normativa, como norma fundamental, a Lei (provavelmente, se estiver mais atualizado, o texto da Constituição, lei das leis, um jusnaturalista pode dar o primado aos princípios fundamentais de Direito, ou eventualmente ao costume, e mesmo que se decida pelo primado da Constituição, poderá ver acima da Constituição escrita normas supraconstitucionais, no fundo uma Ordem de Valores (Wertordnung), ou seja, brevitatis causa, uma estruturada articulação de princípios fundamentais hierarquizados.” (PFC., 321)
DeacordocomPFC(pp.321-322),notopodapirâmidetemos:
A lei;
As normas corporativas ou das pessoas morais, em alguns casos;
Os usos;
Os costumes;
Aequidade;
A jurisprudência;
Adoutrina.
JoséFalcão,et.al.(cfr.pp65-74)consideraquetemos,nestedomínio,começarpeloestabelecimentodahierarquiadas leisdeorigeminternamastambémobservandoasfontesdeorigemexterna(UniãoEuropeia).
-DistinguimosassimentreLeisConstitucionais,LeisOrdináriaseRegulamentos:
LeisConstitucionais–normasjurídicascriadasnoexercíciodeumpoderconstituinte.
LeisOrdináriasouatoslegislativos–normasjurídicascriadasporórgãocomcompetêncialegislativanormal,noexercício dessacompetênciaesegundooprocessoconstitucionalmenteprevisto(cfr.artigo112.º/1daCRP).
Os Regulamentos – normas jurídicas emanadas duma autoridade administrativa sobre matéria da sua competência .
Inclui-senanoçãodeleiparaefeitosdoartigo1.º/2doCC.Éleiemsentidomaterialmasnãoformal.
- Quantos às fontes de origem externa:
Direito originário ou primário – é constituído pelas normas constantes dos Tratados que instituíram e modificaram as Comunidades Europeias e a União Europeia.
Direito derivado ou secundário – constituído pelo conjunto de atos e normas adaptados pelos órgãos da União Europeia no exercício de uma competência normativa conferida pelos respetivos Tratados.(cfr. Tratado do Funcionamento da União Europeia (TFUE)).
12.Dacodificaçãoecompilaçãoàstécnicas legislativas
Temos, ao longo do semestre, indagado sobre a codificação do direito – e inclusive já tratamos vários aspetos essenciais e fundamentais sobre esta temática -, restando agora apenas dedicar um brevíssimo resumo sobre este domínio.
Com Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão (p. 261 e ss.), relembramos que todo o mundo, mesmo o leitor mais afastado do mundo do Direito, sabe associar-lhe a ideia de Código, ou de Códigos (relembrando alguns: Código Civil; Código Administrativo; Código Penal, Código do IRS ou do IVA, etc.). Os códigos, são portanto, um instrumento precioso na estruturação do Direito, motivo pelo qual o movimento codificador foi e é decisivo no desenvolvimento da técnica jurídica.
Um código, distinguindo-se das antigas compilações de leis, isto é, da recolha de legislação avulsa, por ordem cronológica e/ou temática com o fim de facilitar a consulta e aplicação de normas dispersas, é uma lei que disciplina unitária, científica e sistematicamente os aspetos fundamentais de uma determinada matéria jurídica. Em regra, de um ramo do Direito.
A necessidade de codificar surge no decurso da história (sobretudo após o séc. XVIII) pela necessidade de, ao contrário das compilações das leis, admitir em «código» as novas leis «sintéticas, científicas e sistemáticas».
Vantagens da codificação: ultrapassou-se arcaísmos; limitou a fragmentação do direito e a multiplicidade confusa
das ordens consuetudinárias. Assim, algo mais sólido e perene ficou:
A facilitação na apreensão do Direito;
A coerência sistemática das soluções jurídicas;
A segurança das referencias integradas no trabalho do jurista.
Desvantagens em codificar - fundamentalmente duas:
O sistema tende a tornar-se rígido;
O jurista sente-se tentado a uma atitude meramente contemplativa e exegética.
Marcelo Rebelo de Sousa (p. 261 e ss.) aponta que um código «é o resultado de um enorme esforço de elaboração. De um trabalho de anos. Todas as alterações exigem uma meditação profunda. É bem pesada a sua solidez. Já a vida é permanente mutação, pulsar contínuo e imparável. Homens e instituições em constante movimento, num percurso de que se não adivinha o fim. É, por isso, quase fatal que exista algum desfasamento. O preço de uma sistematização unitária e científica bem pode estar na desesperada tentativa de fixar o dinamismo da existência.
Neste sentido, deve caber ao jurista um papel decisivo - adaptar o Direito à vida; adaptar respostas consolidadas à permanente mudança de problemas e exigências. Embora Porém, não tem sido esta tendência que a prática vem desvendando. «Fomenta-se o apego aos textos, elogia-se a exegese arguta. Esquece-se a dimensão verdadeiramente criadora do trabalho do jurista. Esquece-se a procura do Direito justo. O jurista contempla o que lhe é dado e torna-se estruturalmente conservador. (…) um futuro (…) a consciência da comunidade jurídica parece definitivamente desperta. Porque a codificação é uma exigência dos nossos dias e a completa realização dos seus desígnios exige o compromisso sério de todos.»
DEFINIÇÃO DE CÓDIGO: Organização sintática, sistemática e científica, estabelecida por via legislativa, de certo ramo do direito.
LEI MATERIAL: regula unitariamente um ramo de direito; contém a disciplina fundamental desse ramo
É SISTEMÁTICO E CIENTÍFICO ( porém depende das conceções específicas de cada época)
COMPILAÇÃO: coletânea que junta as diversas leis vigentes e fontes
CONSOLIDAÇÃO
ESTATUTOS
LEI ORGÂNICA
MICROCÓDIGO: ex: lei da publicidade
OBSERVAÇÃO:leis que efetivam adições aos códigos são denominadas por leis avulsas ou extravagantes
(quanto mais antigo é o código mais leis deste tipo existem)
Vetores: Justificação e necessidade.
Jusnaturalismo: Direito escrito em código era o máximo possível o “espelho” da racionalidade
Iluminismo
A política: melhor método para evitar privilégios (país subscrevia-se a um código único e geral)
Classe burguesa exigia segurança e certeza jurídicas nos seus negócios - Necessidade Prática
vantagens:
Conhecimento fácil;
Unificação;
Aplicação mais segura;
Simplificação estrutural e sistematizado na revelação dos grandes princípios que constituem as suas “traves mestras”.
Desvantagens:
Rigidez (tendência para que as normas permaneçam inalteradas)
Ajuda a criar uma atitude inconscientemente conservadora nos juristas
Inadequado para resolver os problemas de uma sociedade em constante e acelerada mutação
A legislação avulsa ou extravagante pode crescer rapidamente e eliminar algumas vantagens da codificação: veja-se, por exemplo, o caso dos contratos que têm a sua “sede” de normas no Código Civil porém existe um ser numeroso de normas avulsas a serem aplicadas.
Observação: A codificação por si só não institui um sistema fechado. Ela é um projeto em aberto que evolui
constantemente.
A realidade Portuguesa:
Código de Seabra (1867 - data da entrada em vigor):
Foi obra de jurisconsulto que se dedicou alguns anos a esta tarefa.
Código Jusnaturalista: Razão dominada na época e considera-se que alguém detentor da razão poderia realizar-se esta obra.
Estrutura frásica elegante: sendo elaborado por um só haver permita espalhar o movimento de influencia da época (Romantismo)
Código Civil Atual (1966- data da entrada em vigor)
Os criadores eram quase todos académicos de renome
Forte influência do Código Civil Napoleónico:
Individualismo (Proteção do indivíduo).
O Código torna-se objeto criticável: não referia o indivíduo em relação jurídica com os restantes indivíduos.
Um código é uma lei em sentido material, tem a força própria da lei que o aprova ou na qual está contido e tanto pode ser uma lei da Assembleia da República como um Decreto-Lei do Governo ou qualquer outro diploma.
Contudo não é uma lei como qualquer outra no sentido em que contém a disciplina fundamental de certa matéria ou ramo de direito organizada de forma cientifico-sistemática e unitária. Desta forma distingue-se assim de uma simples compilação de leis.
As matérias reguladas nos códigos, são edifícios legislativos destinados a longa duração, mas acabam sempre por ser objeto de várias leis que lhes introduzem alterações. A essas leis damos o nome de leis avulsas ou extravagantes, não estão integradas nos códigos apesar de lhe causarem alterações.
Um dos argumentos muito utilizados para criticar a codificação é o facto de esta formalizar e rigidificar o Direito o que a torna inadequada para resolver os problemas de uma sociedade em mutação constante e acelerada. É o pressuposto de que a sistematização inerente às codificações não permite ao julgador ter em conta a novidade das situações da vida e o obriga a descobrir sempre na lei a solução dos casos gozando assim o código de uma espécie de “plenitude lógica”.
Este argumento é refutado pelo facto de que a codificação não é um sistema fechado. “Codificar” como já vimos, não é apenas sistematizar e ordenar racionalmente as matérias e os problemas a regular. A codificação é um projeto a ser executado e a ser complementado por “projetos de execução” cuja necessidade muitas vezes só se descobre na implementação prática da lei.
Olhando agora para o Código Civil denotamos desde logo um imperativo de técnica legislativa que conduz à elaboração das chamadas “partes gerais” (Disposições Gerais). A existência destas “partes gerais” ou “disposições gerais” resulta de uma exigência técnica jurídica: trata-se de evitar repetições, de fixar desde logo aqueles princípios gerais e aquelas disposições normativas que, de outro modo, teriam de ser repetidas, de dar resposta antecipada a um catálogo de questões preliminares particulares que a lei vai estabelecer. As disposições contidas nestas “partes gerais” têm um domínio/campo de aplicação muito vasto.
Exemplo: estamos perante determinado contrato, concluído entre duas pessoas. Para sabermos se esse contrato é vinculante ou válido, precisamos de responder primeiro à questão prévia de saber quem tem em geral capacidade para celebrar negócios jurídicos. A esta questão prévia responde-nos uma disposição do Titulo II da Parte Geral do Código. E esta resposta é válida para qualquer tipo de contrato e relativamente a qualquer contrato em concreto.
O Título I – Das Leis, Sua Interpretação e Aplicação (Livro I) não se confina a matérias do Direito Civil, mas antes é constituído por um conjunto de princípios gerais e fundamentais de todo o ordenamento jurídico: as normas aí estabelecidas são normas sobre normas, constituindo no seu conjunto e nas suas implicações, aquilo a que se poderia chamar uma “Teoria Geral da Lei”. (Define normas gerais de aplicação da lei e conceitos fundamentais para aplicação da mesma.
Técnicaslegislativas(outécnicasnormativas):
Afirma PFC (p. 343): “As técnicas normativas dizem respeito às formas exteriores e globais de produção normativa, à leitura e arrumação das leis. Aí, tem particular importância a distinção entre técnica de codificação e das fórmulas normativas (leis) avulsas ou extravagantes. Há ainda vários tipos de leis, quanto às técnicas – estatutos, leis orgânicas, leis de bases, leis-quadro, todas com vocação mais totalizante que as leis simples, tout court. Ao nível intralegal ou microjurídico, isto é, dentro das várias leis, aparecem-nos diferentes fórmulas normativas”:
As PARTES GERAIS (ou disposições gerais) – exigência técnica para evitar repetições num diploma geral.
A REMISSÃO é uma técnica legislativa da qual o legislador se serve com frequência para evitar a repetição de normas.
São normas remissivas (ou indiretas), de uma maneira geral, aquelas em que o legislador, em vez de regular diretamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal (remissão intra-sistemática).
Normalmente a remissão vai dirigida à estatuição da norma ad quam (norma para que se remete).
Exemplo: artigo 678.º do Código Civil: “são aplicáveis ao penhor, com as necessárias adaptações, os artigos 692.º, 694.º a 699.º e 701.º e 702.º (disposições estas relativas à hipoteca).
Mas pode verificar-se uma remissão apenas para efeitos de definir a hipótese legal.
Exemplo: o artigo 974.º do Código Civil, ao pretender definir os casos de ingratidão suscetíveis de justificar a
revogação da doação estabelece:
“A doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação”.
Este texto remete-nos, portanto, para as disposições que definem os casos de indignidade sucessória e os casos em que se justifica a deserdação.
Noutros casos, em vez de uma remissão com função genérica, temos uma disposição legal que
expressamente prevê desde logo a extensão do regime de certo instituto a outro ou outros.
Exemplo: o artigo 939.º do Código Civil manda aplicar as normas da compra e venda a outros contratos
onerosos.
As normas remissivas utilizam quase sempre a expressão: “com as necessárias adaptações”, ou “com as adaptações devidas”, pois os casos regulados pelas normas invocadas não são casos iguais, mas casos análogos.
Nas hipóteses em que o legislador recorre a normas remissivas é ele próprio que se dá conta da existência da
analogia.
Existem ainda remissões extra-sistemáticas, isto é, remissões para sistemas jurídicos diferentes (estranhos
ou estrangeiros) do sistema a quo.
Acontece por exemplo às normas e princípios do direito internacional geral ou comum, por força do artigo 8.º da Constituição da República.
FICÇÕESLEGAIS
Outro processo técnico-legislativo utilizado é o das FICÇÕES LEGAIS.
Estas funcionam como remissões implícitas: em vez de expressamente remeter para normas determinadas que regulam determinados factos ou situações, o legislador estabelece que o facto ou situação a regular é ou se considera igual àquele facto ou situação para que já se acha estabelecido um regime na lei. Trata-se da assimilação fictícia de realidades factuais diferentes, para efeito de as sujeitar ao mesmo regime jurídico.
O jurista-intérprete tem muitas vezes de reconduzir realidades novas, porventura ainda não conhecidas no tempo em que a lei foi elaborada, a conceitos legais pré-existentes.
PFC (p. 334) indica que “as ficções são fórmulas que provam a capacidade e a necessidade de invenção dos juristas. Trata-se do tratamento equiparado de realidades sabidas como diferentes, devido a razões de fundo, à necessidade de atingir relações justas. Opera-se uma modificação jurídica da essência do ente em causa. Assim, as pessoas coletivas são tratadas como pessoas. E os ovos ou o leite, ou as rendas são ditos todos frutos.”
Nos sistemas jurídicos modernos é mais frequente o legislador recorrer a remissões expressas do que a ficções legais. Em todo o caso, podemos dar alguns exemplos:
A alínea c) do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil estabelece que se o próprio devedor impedir a interpelação, se considera interpelado na data em que normalmente o teria sido. Nas obrigações sem prazo certo, e que não tenham a sua fonte num facto ilícito, o devedor só fica constituído em mora e sujeito ao regime e consequências desta depois de interpelado. Se ele, porém, se furta, à interpelação, ou por outra forma impede esta, considera-se a interpelação verificada.
Observação: a funcionalidade da ficção legal é um imperativo da tecnicidade do processo jurídico, com a finalidade de suprir eventuais “lacunas” das leis naturais, quando, elas, se estendem aos atos humanos.
A técnica da definição é também bastante utilizada e o nosso Código Civil está recheado de DEFINIÇÕES LEGAIS.
Exemplos: artigos 202.º a 212.º (noção e classificações de coisa) – a Lei n.º 8/2017 viria, entretanto, redefinir o estatuto jurídico dos animais, alterando vários passos do Código Civil e do Código Penal -, art.º 216.º (noção e classificação de benfeitorias).
Os enunciados legais que se limitam a estabelecer definições e classificações não são, evidentemente, normas autónomas e completas: contêm apenas partes de normas que hão de integrar outras disposições legais, resultando dessa combinação uma norma completa.
PRESUNÇOESLEGAIS
As presunções legais são ilações retiradas de um facto conhecido para firmarem um facto desconhecido. A lei extrai de um facto empiricamente verificado um facto construído não empiricamente verificado. Estas são ilidíveis mediante prova em contrário (regra-geral).
As presunções legais são:
Juris et de jure - quando não admitem prova em contrário;
(Literalmente "de direito e por direito", é aquela que não admite prova em contrário. Por exemplo: a paternidade estabelecida através do ADN ou a propriedade do imóvel pela certidão do registo predial).
Juris tantum - quando podem ser afastadas por prova que se lhes oponha.
No primeiro caso, impede-se a prova em contrário; no segundo, inverte-se o ónus de prova: “Artigo 342.º CC (Ónus da prova)
Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”
Ex: o art. 2198.º do Código Civil consagra uma presunção juris et de jure.
As presunções legais funcionam como modo de ultrapassar as dificuldades de prova, por se referirem, por exemplo, a factos que não se objetivam pela sua própria natureza, havendo uma aparência que merece proteção - oponibilidade a terceiro de ação de simulação registada, seja também quando é mais difícil de produzir para quem teria normalmente que suportar o ónus probatório (relevatio ab onere probandi).
Das presunções, ocupam-se os artigos 349.º a 351.º do Código Civil, sendo de considerar o que determina o n.º 2 do artigo 350.º: “As presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir.”
Seguindo VAZ SERRA, «Provas (direito probatório material)» in Boletim do Ministério da Justiça, n.os 110- 112, p. 35, as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções juris et de jure a exceção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado.
No mesmo sentido, Mário de Brito, Código Civil Anotado, I, p. 466, e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 429.
As CLÁUSULAS GERAIS são standards, padrões, referências, causas delimitadoras, diretrizes genéricas e abstratas, coordenadas que determinam o alcance da norma e a diversidade de comportamentos que esta comporta. Cláusulas gerais são, portanto, normas com diretrizes indeterminadas, que não trazem expressamente uma solução jurídica (consequência). A norma é inteiramente aberta.
Uma cláusula geral, noutras palavras, é um texto normativo que não estabelece "a priori" o significado do termo (pressuposto), tampouco as consequências jurídicas da norma (consequente).
Exemplos: Justa causa de despedimento; Fixação de indemnização razoável; Função social do contrato.
CONCEITOS INDETERMINADOS são conceitos intencionalmente indeterminados de forma a forçar o julgador a configurar de forma mais exata a situação jurídica, em forma das intenções da norma genérica aplicada às circunstâncias do caso. São realidades cambiantes ou ainda pouco conhecidas que envolvem a adequação do alcance da norma ao caso concreto.
Exemplos: Interesse público; Motivo grave; Necessidade; Boa-fé; Bons costumes; Caso de urgência; Perigo eminente; Atividade de risco; Ordem pública.
“O princípio da proporcionalidade entre a infração e a sanção disciplinar é consagrado no artigo 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho. Este princípio impõe ao empregador que proceda a um juízo de adequação entre a infração cometida e sanção a aplicar, com base na gravidade da infração e no grau de culpa do trabalhador. Em desenvolvimento desde o princípio no âmbito do despedimento, o art.º 351.º, n.º 3 determina que a apreciação da infração disciplinar tenha em conta, no âmbito da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, as suas relações com o trabalhador, e entre este e os colegas, e as demais circunstâncias relevantes no caso. Embora esta norma reporte especificamente à apreciação da infração disciplinar que consubstancia justa causa para despedimento, ela fornece critérios gerais para a aferição da gravidade do facto e da culpabilidade do trabalhador em qualquer infração disciplinar.»”
(…) Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º -A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pelo relator. Lisboa, 8 de julho de 2020
António Leones Dantas (Relator), Júlio Gomes, Chambel Mourisco,
Identifique e defina a fonte do direito em causa.
A referida fonte é fonte imediata do direito?
A fonte do direito em causa é jurisprudência. A jurisprudência é o conjunto das decisões proferidas pelos tribunais. Essas decisões denominam-se sentenças quando são proferidas por um tribunal singular e acórdãos quando são proferidas por um tribunal coletivo, como é o caso.
Não. A jurisprudência é uma fonte mediata do direito, sendo fonte de inspiração para a uniformização de julgados.
Considere a seguinte norma:
Art.º 1158.º Código Civil (Gratuidade ou onerosidade do mandato)
“(…) 2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada
pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.”
Identifique e classifique em fontes imediatas e mediatas a(s) fonte)s) do direito presente(s) na norma.
Estão em causa as seguintes fontes do direito: lei ordinária (fonte imediata, uma vez que tem força vinculativa
própria – artigo 1.º CC; usos (fonte mediata, só são juridicamente atendíveis quando a lei o determine – artigo
º CC; equidade (fonte mediata – artigo 4.º, a) do C.C.).
Atente no seguinte texto:
“O regime da adaptabilidade permite (…) uma maior eficácia, uma vez que a flexibilização dos limites ao período normal de trabalho, facilita a organização proporcionando que as empresas possam distribuir as horas de trabalho em função da necessidade sem que, para tal, tenham de suportar gastos com o pagamento de trabalho suplementar. Deste modo, o recurso ao regime da adaptabilidade não prejudica os limites legais ao período normal de trabalho nem o horário de trabalho dado que, o período normal de trabalho diário e semanal é calculado em termos médios sem que ultrapassem num período de referência os referidos limites legais.”
David Falcão e Sérgio Tenreiro Tomás (2021). Lições de Direito do Trabalho. Coimbra. Almedina, p. 188.
Identifique e defina a fonte do direito em causa.
A referida fonte é fonte imediata ou mediata do direito?
O conjunto de opiniões dos juristas sobre matérias do Direito designa-se por doutrina, na qual se incluem
pareceres, artigos, dissertações, inter alia.
A doutrina não é fonte imediata do direito. Há autores que também consideram não ser fonte mediata, o que não concordamos. A doutrina é uma fonte de inspiração nas decisões dos tribunais e na posterior formação das leis. Daí que se inclua no elenco tradicional das fontes do direito, no sentido de ser um modo de revelação das normas jurídicas.
Considerando a estrutura da norma jurídica, designadamente a distinção de um antecedente e um
consequente, ou seja, uma previsão (ou hipótese) e uma estatuição, analise o seguinte exemplo:
O n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil dispõe: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.».
Previsão ou hipótese – Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, causando danos.
Estatuição – Fica obrigado a indemnizar (por esses concretos danos) o lesado.
O aluno deverá, ainda, expressar três ideias centrais:
A primeira, é que num caso concreto se pode tornar difícil saber o que pertence à previsão e o que faz parte da estatuição. É o caso do artigo em apreço: “danos resultantes da violação”, que cabe tanto na previsão como na estatuição;
A segunda, é que devemos estar prevenidos contra a ambiguidade da palavra “facto” referida a propósito da previsão e da estatuição. Quando se fala em “facto” isso não quer dizer que se trate de uma realidade naturalista, fáctica. Podem figurar entre eles dados normativos, i.e, qualidades, situações ou posições jurídicas que, por seu turno, são já o resultado da aplicação de outras normas jurídicas;
Terceiro, a última observação recai sobre o entendimento de que o nexo entre a hipótese e a consequência tem de ser entendido no sentido normativo e não de causa e efeito naturalístico.
Caso 4:
Considere o artigo 74.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2007, de 30 de julho, na sua redação atual ( Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido)
“1 - Quem impedir ou perturbar o exercício da actividade televisiva ou a oferta ao público de serviços audiovisuais a pedido, ou apreender ou danificar materiais necessários ao exercício de tais actividades, fora dos casos previstos na lei e com o intuito de atentar contra a liberdade de programação e informação, é punido com prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias se pena mais grave lhe não couber nos termos da lei penal.”
Atendendo aos dois elementos que constituem a estrutura de uma norma jurídica, identifique-os nesta
disposição legal.
Resposta:
Previsão (hipótese): Quem impedir ou perturbar o exercício da atividade televisiva ou a oferta ao público de serviços audiovisuais a pedido, ou apreender ou danificar materiais necessários ao exercício de tais atividades, fora dos casos previstos na lei e com o intuito de atentar contra a liberdade de programação e informação”.
Estatuição (consequência): “é punido com prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias se pena mais grave lhe
não couber nos termos da lei penal.”
Atentemos no art 1.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação atual, e procuremos mencionar qual(is) a(s) técnicas utilizada(s) pelo legislador.
“1 - Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.
2 - Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.”
Resposta:
Quer no n.º 1, quer no n.º 2 do artigo 1.º do CPA, o legislador utiliza a DEFINIÇÃO LEGAL, dando a noção de procedimento administrativo e processo administrativo, respetivamente.
Consideremos a seguinte norma:
Artigo 1158.º
(Gratuidade ou onerosidade do mandato)
“1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.”
Apuremos qual(ais) a(s) técnica(s) legislativa(s) utilizada(s) pelo legislador na norma em causa.
Resposta:
A técnica que o legislador recorre no n.º 1 do artigo 1158.º CC é a da PRESUNÇÃO LEGAL.
Estamos perante PRESUNÇÕES LEGAIS IURIS TANTUM, o que significa que podem ser ilididas mediante prova em contrário (arts. 349.º e 350.º CC).
Artigo 1796.º CC (Estabelecimento da filiação)
“1. Relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento e estabelece-se nos termos dos artigos 1803.º a 1825.º”
“2. A paternidade presume-se em relação ao marido da mãe e, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento.”
Consideremos o artigo supramencionado: diga qual(is) a(s) técnica(s) utilizada(s) pelo legislador.
Resposta:
O legislador no artigo 1796.º, n.º 1 do CC, utilizou a REMISSÃO LEGAL (remete o intérprete para a leitura dos arts. 1803.º a 1825.º CC).
Por sua vez, o artigo 1796.º, n.º 2 do CC, integra uma PRESUNÇÃO LEGAL, o que significa que se dispensa ao
marido da mãe o ónus da prova do facto a que a presunção conduz – a paternidade.
Todavia trata-se de uma PRESUNÇÃO JÚRIS TANTUM, o que significa que poderá ser ilidida, mediante prova em contrário (arts. 349.º e 350.º CC).
Relembrar que a “Presunção legal ou presunção de Direito é, portanto, uma ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Por exemplo, no artigo 488.º, n.º 2 do CC, o legislador presume a falta de imputabilidade nos menores de sete anos (i.e., corresponde à capacidade de atribuir a alguém a responsabilidade).
Neste caso, o facto conhecido é a menoridade de sete anos; e
O facto desconhecido, provado por presunção, a falta de imputabilidade.
Ora, o beneficiário de uma presunção legal não tem de fazer a prova do facto, cabendo, em princípio, à outra parte fazer a prova em contrário. Ou seja, o beneficiário da presunção fica dispensado de provar o facto presumido.
No exemplo apresentado, o menor de sete anos não tem de fazer a prova de que é inimputável. Apenas tem de
provar que é menor de sete anos, para beneficiar da presunção.”
Atente no artigo 226.º, n.º 1 e n.º 4 do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro:
“1 - Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho. (…)
Na situação referida na alínea f) do n.º 3, o trabalho prestado para compensação não pode exceder os limites diários do n.º 1 do artigo 228.º.”
Refira qual(is) a(s) técnica(s) legislativa(s) utilizada pelo legislador:
Resposta:
No artigo 226.º, n.º 1 do CT, o legislador enuncia o que é trabalho suplementar, utilizando a técnica de
DEFINIÇÃO LEGAL;
Já no artigo 226.º, n.º 4 do CT, o legislador remete o intérprete para a leitura de outro artigo e, assim sendo,
estamos perante uma REMISSÃO LEGAL.
Enuncie a técnica legislativa utilizada pelo legislador no artigo 275.º, n.º 2 CC:
“2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.”
Resposta:
Na norma contida no artigo 275.º, n.º 2 CC, o legislador recorre à técnica da FICÇÃO LEGAL, caso em que se tem por verificada a situação jurídica preenchidos certos pressupostos.
Considere a seguinte norma constante num contrato de trabalho individual, nos termos do nº 2 do artigo 351º
do Código do Trabalho :
“Considera-se motivo de despedimento por justa causa por iniciativa do empregador, os seguintes
comportamentos:
(…)
“Violar direitos e garantias de trabalhadores da empresa e provocar repetidamente conflitos com colegas;”
Resposta:
Na norma contida está implícita a técnica legislativa de CLÁUSULAS GERAIS, uma vez que decorre do n.º 2 do art. 351.º do CT atribuir competência à entidade patronal de, no caso em apreço, aferir quais as diretrizes indeterminadas e respetivas condutas mensuráveis e censuráveis que violam a norma. Veja-se que as cláusulas gerais não trazem expressamente uma solução jurídica (consequência).
Atente à seguinte norma e refira qual(is) a(s) técnica(s) legislativa(s) utilizada pelo legislador:
Artigo 239.º (Integração)
“Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”
Resposta: No artigo 239.º, o legislador enuncia que à falta de disposição especial sobre lacunas e mútuo acordo entre as partes a declaração negocial está sujeita ao princípio da boa-fé. Assim, o legislador integrou a técnica legislativa de CONCEITOS INDETERMINADOS que são, portanto, conceitos intencionalmente indeterminados de forma a forçar o julgador (ou, neste caso concreto como estamos perante negócios jurídicos, os declarantes)a configurar de forma mais exata a situação jurídica, em forma das intenções da norma genérica aplicada às circunstâncias do caso.
13. Aplicação do Direito e Hermenêutica jurídica: fins, elementos e resultados – o art. 9.º do CC.
Observação: relembra-se que os “apontamentos” são meramente orientadores e não substituem a frequências das aulas nem a leitura e estudo dos autores indicados na ficha programática da UC.
Sabemos, portanto, que norma é a regra de conduta - o termo deriva do latim norma que significa régua ou
esquadro.
Igualmente, a norma decorre do dispositivo ou artigo (ou o símbolo gráfico da Lei), que é o seu ponto de
partida objetivo, enquanto a norma decorre da apreensão do significado do dispositivo.
A aplicação do Direito consiste em fazer valer no caso concreto a hipótese prevista na norma jurídica; é cumprir a tutela jurídica ao interesse individual ou coletivo que deve se efetivar em cada caso.
A aplicação do Direito é muito mais do que simplesmente aplicar a letra do texto da Constituição ou da lei. Não se aplica simplesmente a lei, mas o Direito da qual a lei é um segmento, mas não o todo.
Acompanhemos e analisemos, agora, as seguintes notas preambulares de Paulo ferreira da Cunha (pp. 309-310) no
âmbito da “Aplicação do Direito” :
“A razão de ser da norma é, pois, teleologia de diversos níveis, mas encontra-se também em diálogo com o
concreto. E assim se fecha o círculo hermenêuticovalorativo.”
“A partir de uma vontade de Justiça a aplicar a um conjunto de situações se elabora a norma, e assim se impõe o comando, com a mesma vontade se aborda a norma, para a compreender nos meios que ela disponibiliza nessa senda, e descoberta em cada caso a ratio legis, há que aplicar os meios normativos dessa justiça assim feita ato.”
“Nesta descoberta-criação, não há apenas momentos analíticos e cognitivos”
“A própria consideração do elemento racional como um elemento teleológico evolutivo e multiforme (e não racional lógico, abstrato, ou racionalista) apela para outro tipo de preocupações. Isto significa que, em todos os momentos e influindo em todos os tópicos interpretativos, mas ganhando um relevo autónomo em sede racional, uma dimensão valorativa, axiológico-normativa, faz sentir a sua presença irrecusável e inconfundível. Trata-se de sempre referir a valores, a princípios, a paradigmas ético-jurídicos os resultados de cada demanda.”
“Pouco importa um lugar paralelo se ele manifestamente revela um erro de avaliação, ou comete uma injustiça; de nada serve uma instituição historicamente consagrada, e eventual fonte da agora considerada, se estiver em oposição aos valores hoje vigentes na consciência axiológicojurídica. E esta ideia de valores situados, não sendo, de modo algum, capitulação sociologista, vem lembrar-nos que não se trata somente de normatividade abstrata, de uma juridicidade pretensamente eterna. Mas, pelo contrário, de uma autêntica valoração com tempo e lugar, sem prescindir do universal, mas atenta ao particular.”
“Uma prudência feita de uma atenção especial aos valores de sempre e aos valores situados, uma dimensão normativo-praxeológica (ou axiológica-prática) tem de constituir pano de fundo de toda a retórica e de toda a dialética interpretativa no domínio do Direito.”
Também devemos considerar a teleologia hermenêutica (seus fins e seus limites): a interpretação-criação pode funcionar, grosso modo, como sintonia, complemento, restrição, aperfeiçoamento ou extrapolação face à norma – desde a conformação quase literalista até uma hermenêutica interventiva.
MIGUEL REALE, nas suas magníficas “Lições Preliminares de Direito”, sob a epígrafe “Compreensão Atual do Problema Hermenêutico”, sublinha que o exegeta (o intérprete) deve buscar a finalidade da lei em seu todo, correlacionando “o todo da lei e as partes” - o que exige que se empreenda, desde início, uma análise de cada preceito isoladamente para, depois, reuni-lo com os demais, para, ao final, atingir o “sentido global da lei”.
Para o presente autor, a interpretação moderna da lei é estrutural, pois, ao lermos cada palavra, vai-se, automática e inexoravelmente, captando o seu sentido e alcance e, ao mesmo tempo, inserindo e fixando o seu sentido e alcance dentro do sistema da lei e do ordenamento jurídico do país, daí por que a interpretação é, a um só tempo:
Gramatical (determina-se o significado das palavras);
Lógica (estabelece-se o sentido e o alcance da norma);
Sistemática (firma-se o sentido e o alcance da norma no contexto do direito positivo);
Finalista (visa-se a definir o escopo da lei); e
Axiológica ou valorativa (procura-se o valor por ela almejado).
Por fim, pontifica Miguel Reale que: “dessa compreensão estrutural do problema resulta, primeiro, que o trabalho do intérprete, longe de reduzir-se a uma passiva adaptação do texto, representa um trabalho construtivo de natureza axiológica, não só por se ter de captar o significado do preceito, correlacionando-o com outros da lei, mas também porque se deve ter presente os da mesma espécie existentes em outras leis: destarte, a sistemática jurídica, além de ser lógico-formal, como se sustentava antes, é também axiológica ou valorativa”.
Relembremos:
Apuramos que a Ordem Jurídica se exprime por regras, sendo a Regra jurídica um critério material de decisão de casos concretos. Mediante a norma, o intérprete atinge a solução mais conveniente para cada caso concreto. Neste sentido, dissemos que a Regra Jurídica é qualificada pela sua abstração e generalidade.
Dizemos que a Regra Jurídica é abstrata pois os factos e as situações nela previstas não hão de estar já concretizados, sendo apenas potencial a sua verificação futura. Vejamos que parte da doutrina entende que a abstração da norma resulta da natureza da previsão nela contida; outra, entende que muito embora a previsão normativa se refira a factos e situações, não a acontecimentos já planeados e verificados, a verdade é que as regras jurídicas retroativas destinam-se a abranger situações passadas, logo sendo possível contestar a sua abstração. Quanto à generalidade, contrapõe-se à individualidade. A norma jurídica fixa categorias, não entidades individualizadas.
De facto, uma regra jurídica que, por exemplo, obriga os comerciantes a registar a sua atividade económica em
livros próprios não se refere ao comerciante «A» ou à sociedade comercial «B», mas a toda uma categoria de indivíduos e entidades, qualificadas pelo próprio Direito em atenção ao papel económico que desenvolvem na comunidade.
O artigo 1.º, n.º 2 do Código Civil qualifica expressamente como leis todas as disposições genéricas, logo, dotadas de generalidade. Recordemos que enquanto estrutura numa regra jurídica, distinguem-se sempre dois elementos, a saber: previsão e estatuição:
Previsão ou facti species, porque em toda a regra jurídica se prevê um acontecimento ou estado de coisas;
Estatuição ou efeito jurídico, porque em toda a regra jurídica se estatuem consequências jurídicas para o
caso da previsão se verificar historicamente.
Falamos, até agora, da regra na sua forma primária, composta sobretudo de previsão, estatuição, generalidade e abstração. Regra Jurídica, no sentido restrito desta expressão.
Castro Mendes indica que a regra jurídica stricto senso é o elemento da ordem jurídica referido na definição: sistema de normas de conduta social, assistido de proteção coativa. O conteúdo do sistema jurídico é formado por normas em sentido restrito.
Sem prejuízo do que já foi transmitido no tópico direito e normas jurídicas, o domínio das normas lato senso através do exame de tipos diversos e regra geral contrapostas, por vezes em termos de formar uma classificação, outras vezes não. Encontramos, neste âmbito, as seguintes contraposições – revisitemos a matéria:
Normas imperativas;
Normas permissivas;
Normas supletivas;
Normas interpretativas.
A norma imperativa é aquela que impõe um dever, isto é, é a norma stricto senso. Verificada a previsão, a conduta que esta norma estatui é obrigatória.
Como já sabemos, as normas imperativas distinguem-se:
Normas proibitivas, isto é, as que impõem ao sujeito passivo da relação jurídica uma conduta negativa, uma omissão ou abstenção, um non facere – ex: artigos 989.º e 1458.º do CC.
Normas perceptivas, isto é, as que impõem ao sujeito passivo da relação jurídica uma conduta positiva, ou ação, um facere – ex: artigos 1323.º e 1944 do CC.
Norma permissiva, estatui uma permissão, uma faculdade, uma possibilidade jurídica de ação ou resultado. Esta permissão pode ser pura, dirigida a atos materiais (ex: artigos 1450.º, 1453.º, 1459.º, do CC.) ou a concessão da autonomia da vontade, para produção de efeitos jurídicos (ex: artigos 223.º e 2188.º do CC.).
Uma norma de outro tipo (imperativa ou permissiva), é a norma supletiva à qual acresce uma nota
essencial particular: aplica-se aos negócios jurídicos só se as partes não tiverem excluído a sua aplicação.
Por norma interpretativa definimos aquela que esclarece o sentido de outro trecho com valor jurídico: lei ou negócio jurídico. Por consequência, há normas interpretativas da lei e normas interpretativas do negócio jurídico.
Como podemos observar, e é de extrema importância sublinhar, A FONTE NÃO É REGRA. A fonte é o MODO DE REVELAÇÃO DA REGRA.
Temos, assim, que determinar as regras que as fontes contêm. Para tal, recorremos a três processos
fundamentais:
A INTERPRETAÇÃO;
A INTEGRAÇÃO (DE LACUNAS);
A APLICAÇÃO DAS LEIS: NO TEMPO E NO ESPAÇO.
Nota: Neste ponto do nosso conteúdo programático, daremos análise à interpretação (determinação ou fixação do sentido e alcance da lei (artigo 9.º, n.º 1 CC), sendo que a integração (de lacunas) será tratada em campo próprio, e a aplicação do direito ( é o uso da lei para resolver certos casos concretos, i.e., determinar, face à múltiplas situações que a vida oferece, a conduta a seguir) que, apesar de ser sempre objeto de análise em articulação com os dois primeiros processos fundamentais, vai ocupar um lugar especial no ponto 15 do nosso
programa.
AHERMENÊUTICAJURÍDICA:
A interpretação da Lei vem regulada no artigo 9.º do Código Civil.
Noção: Interpretação significa esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão, etc. Para a Lei, interpretação é a atividade que nos permite, a partir da fonte, chegar à regra que ela alberga, isto é, à norma. A interpretação é a determinação ou fixação do sentido e alcance da lei – art. 9.º, n.º 3 do CC.
- Interpretar uma lei consiste na determinação ou fixação do sentido exato com que ela deve valer -
Por vezes, supõe-se que a lei clara não necessita de interpretação, princípio expresso no velho aforismo in claris non fit interpretatio, o que é um erro, pois toda a norma exige um maior ou menor trabalho de interpretação na busca do seu espírito ou conteúdo.
Pode qualquer disposição legal mostrar-se por demais evidente ao jurista, mas, apesar disso, é-lhe necessário um trabalho de interpretação, embora quase instantâneo, para poder afirmar que o texto não apresenta problemas especiais de compreensão. Uma boa parte do trabalho do jurista é, como nos indica CASTANHEIRA NEVES, um firme exercício de interpretação.
A técnica de interpretação chama-se HERMENÊUTICA. GADAMER demonstrou que «toda a compreensão assenta numa pré-compreensão, pois esta é indispensável para permitir a “antecipação de sentido” que guia o intérprete na compreensão do texto”.
E, neste sentido, vejamos:
A função de um jurista (ou julgador) é a de observar a redação das leis e, através da técnica, expressar a regra mais fiel quanto possível ao pensamento do legislador, retirando o exato sentido pretendido na hora de se elaborar a legislação;
Em muitos casos, a própria lei já especifica parâmetros para a sua interpretação, mas também pode ser feita através de princípios, a fim de se compreender o modo que a lei deve ser interpretada.
Em todo caso, uma ausência de regras de análise levaria à insegurança jurídica, o que é prejudicial para o ordenamento jurídico como um todo, em que poderiam existir diversas interpretações completamente opostas de uma mesma norma, por simples divergências de leitura – algo que, sabemos, ainda assim acontece, mas que poderia se intensificar significativamente.
São, como temos observado, muitos os fatores que tornam a interpretação uma necessidade. Para citar alguns basta lembrar que o texto pode comportar múltiplos sentidos, por conter por vezes termos ambíguos ou obscuros, conceitos de difícil determinação e por a própria formulação legislativa aparecer frequentemente em termos de grande generalidade, uma vez que a norma jurídica não se dirige a um caso concreto mas a uma série indefinida de casos e a uma generalidade mais ou menos ampla de indivíduos.
Daí ser a interpretação uma tarefa bastante complexa, pelo que se torna necessário fixar diretivas ou critérios gerais orientadores da atividade interpretativa, até para se garantir um mínimo razoável de uniformidade de soluções e a indispensável segurança jurídica, como já dissemos.
Esse conjunto de critérios ou princípios gerais constituem o que pode chamar-se de METODOLOGIA DA INTERPRETAÇÃO ou HERMENÊUTICA JURÍDICA.
Consideremos, agora, recorrendo ao critério da sua fonte e valor, duas espécies de interpretação:
Quanto à fonte e valor;
Segundo a sua finalidade.
Espécies de interpretação segundo a sua fonte e valor (isto é, consoante o «agente da interpretação» e a «força
vinculativa» da interpretação.
Atendendo ao critério da sua fonte e valor, costuma-se distinguir dois tipos de interpretação, a saber: (I)
interpretação autêntica e (II) interpretação doutrinal.
I - Interpretação autêntica é a realizada pelo próprio órgão com competência legislativa mediante uma lei de valor igual ou superior à lei interpretada. A essa lei, que fixa o sentido decisivo da lei interpretada, chama-se lei interpretativa (cf. art. 13.º CC). Esta forma de interpretação é vinculativa, isto é, tem a força vinculante da própria lei.
Ex: Se uma lei, após promulgação, suscitar fortes dúvidas acerca do seu exato sentido e alcance, pode o órgão de onde emanou (por exemplo a Assembleia da República) fazer a sua interpretação através de uma nova lei (lei interpretativa).
Observação: Certos autores, consideravam interpretação autêntica a realizada pelos assentos uma vez que
eram vinculativos e lhes reconheciam a natureza de leis interpretativas. Ideia que atualmente, como vimos em
aula anterior, está afastada (art. 2.º CC).
II - Interpretação doutrinal é a efetuada por jurisconsultos ou outras pessoas não revestidas de autoridade.
Não tem força vinculativa, mas apenas a força ou poder de persuasão que resulta do prestígio do intérprete ou da utilização de uma metodologia jurídica correta.
O Código Civil, nos artigos 6.º e 8.º, n.º 3, refere-se, respetivamente, à interpretação realizada por qualquer pessoa e pelo julgador.
Observação:
Autores como Castro Mendes ainda distinguem da interpretação doutrinal a interpretação judicial, que é a realizada pelos Tribunais num processo, a qual só tem valor vinculativo nesse processo e em relação às partes envolvidas;
Outros, ainda referem a interpretação oficial como sendo a que é feita em lei (em sentido lato) de valor
inferior ao da regra interpretada (v.g., por exemplo, art. 112.º, n.º 5, da CRP).
Espéciesdeinterpretaçãosegundoafinalidade.
A interpretação visa esclarecer o verdadeiro sentido da lei. Mas, a este respeito, a opinião dos juristas diverge e as primeiras posições que nos surgem acerca do que se entende por verdadeiro sentido da lei estão representadas pelas correntes: subjetivista e objetivista.
Para a primeira, subjetivista, o sentido da lei é aquele que lhe foi atribuído pelo próprio legislador ao criá-la, tendo em conta os fins que se propôs atingir. Deste modo, a finalidade da interpretação é reconstituir o pensamento do legislador – mens legislatoris.
Por sua vez, a teoria objetivista defende que a lei é uma realidade objetiva com individualidade própria, que vale por si, independentemente dos desígnios que o legislador teve ao elaborá-la. Assim, procura-se determinar o sentido da lei, desligando-o de quem a fez, ou seja, através do sentido objetivado no texto – mens legis.
Os defensores desta última orientação criticam a primeira pelo facto de, em geral, serem muitos os intervenientes na elaboração da lei e ser difícil, no meio de tantos, averiguar qual a vontade e intenção decisiva, por vezes até por falta de elementos informativos que o permitam fazê-lo.
No mesmo sentido, invocam a maior justeza que a interpretação objetivista pode trazer ao Direito, pelo facto de esta permitir extrair dos textos o sentido mais conforme com as exigências da justiça e com as modificações da vida social, em cada momento da sua aplicação.
Pelo contrário, os subjetivistas defendem que, na determinação do verdadeiro sentido da lei, é fundamental o dever de obediência ao legislador e ao poder constituído, o qual deve vincular o intérprete à vontade do legislador, já que daí advirão maiores garantias de segurança para os cidadãos e uma maior uniformidade nas soluções.
De uma outra perspetiva, duas outras correntes são possíveis, embora correlacionadas com as primeiras: historicista e
atualista.
Historicista – o sentido da lei é o do momento da sua criação e entrada em vigor;
Atualista – o sentido da lei é o do momento em que é efetuada a sua aplicação.
Esta distinção não levantou a polémica anterior, já que pode haver um subjetivismo histórico ou atualista e também um
objetivismo histórico ou atualista.
Sabemos, portanto, que é o Código Civil (artigo 9.º CC) que regula a «interpretação da lei», contendo regras
não específicas de Direito Civil, mas comuns a todo o nosso Direito:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
O n.º 1 do artigo transcrito refere que na interpretação se deve reconstituir, a partir dos textos, o «pensamento
legislativo»:
Alguns autores, consideram a expressão ambígua e que foi utilizada intencionalmente pelo legislador para não tomar partido nem pelos subjetivistas nem pelos objetivistas, procurando colocar o Código acima dessas querelas.
Por outro lado, o mesmo artigo, na medida em que manda atender «às condições específicas do tempo em que a lei é aplicada», perfilha a interpretação atualista.
Alguns dos autores enunciados por nós ao longo do nosso semestre, entre eles Sofia Galvão e Marcelo Rebelo de Sousa, seguem a orientação OBJETIVISTA ATUALISTA - e é aquela que efetivamente tem o maior número de defensores.
Reproduzimos aqui um pequeno texto:
«Conclui-se por uma objectivação inevitável de todas as leis, desde o momento em que são criadas, imposta pela própria natureza do acto legislativo, vocacionado para vigorar e se aplicar, em regra, duradouramente, de modo autónomo relativamente à vontade do legislador.
Conclui-se por uma actualização da análise jurídica, fundada numa lei que se entende, agora, como um projecto de
aplicação continuada e um repositório das transformações do dever colectivo.
Deve, hoje, sem hesitações, optar-se por uma orientação objectivista actualista na interpretação da lei.»
No mesmo sentido, também Castro Mendes (p. 187) indica que «em momentos anteriores já foi visto o alcance destes vários pontos: a necessidade de ter em conta, mas igualmente a possibilidade de superar o texto da lei, a referência especial ao elemento sistemático e à occasio legis, a consagração da presunção de que a ordem jurídica é perfeita, a opção por um sistema atualista e, portanto, objetivista.»
II - Elementos da Interpretação:
Em grande parte dos ordenamentos jurídicos, a interpretação da lei está sujeita a regras legais, fixando a própria
lei critérios gerais sobre a maneira de fazer a sua interpretação.
Como já fizemos referência, o Código Civil contém regras sobre interpretação, estabelecendo, no seu artigo 9.º
diretivas para a sua realização.
O n.º 1 deste artigo, transcrito no ponto anterior, refere-se aos elementos de interpretação que podemos designar como os vários fatores ou critérios de que se socorre o intérprete para determinar o verdadeiro sentido e alcance da lei.
É frequente reduzir a quatro os elementos fundamentais da interpretação:
O elemento gramatical ou literal, constituído pelo texto legislativo - «a letra da lei»;
O elemento lógico, constituído pelo seu sentido profundo - «espírito da lei»;
O elemento sistemático, constituído pela «colocação no sistema»;
O elemento histórico, constituído pela determinação da evolução e origem do sentido da lei.
É importante destacar que os elementos gramatical e lógico têm de ser sempre utilizados conjuntamente, pois complementam-se no exercício da atividade interpretativa.
A interpretação literal e lógica não se contrapõem, nem são duas interpretações distintas, mas duas fases da mesma interpretação). O art. 9.º do CC refere-se a ambas como:
A letra da lei – enquanto elemento gramatical;
Ao pensamento legislativo (espírito da lei) – enquanto elemento lógico.
Oelementogramaticalouliteral(aletradalei)
A letra da lei representa o ponto de partida da interpretação, a exegese da lei, é o seu elemento base, pois «a principal tarefa do intérprete é ler a lei e ver o que aí se diz.»
Podemos dizer que o elemento gramatical consiste na utilização de palavras da lei, isoladamente e no seu contexto sintático, para determinar o seu sentido possível.
Tem este elemento uma primeira função negativa: a de excluir de entre os sentidos possíveis da lei aqueles que não tenham qualquer apoio ou correspondência nas suas palavras.
Também lhe cabe uma função positiva: perante aquelas normas que comportam mais do que um sentido, o que em regra acontece, traduz-se esta função em sugerir fortemente a um deles, aquele que corresponda ao significado mais natural e direto das expressões utilizadas.
Porém, o exame literal do texto não nos resolve todos os problemas da interpretação. Torna-se, assim, necessário:
Recorrer a outros elementos, devido às dificuldades que o texto legislativo frequentemente comporta e que dificultam a determinação do seu sentido e alcance;
Por vezes, surgem expressões que têm sentidos diversos, um sentido na linguagem vulgar, outro na linguagem técnico-jurídica; ou mesmo vocábulos ambíguos e que não têm sempre o mesmo sentido da lei.
Como exemplo, podemos apontar o termo «ausência», que, em sentido corrente, significa a simples «não presença», enquanto no sentido técnico-jurídico significa a «não presença de uma pessoa ignorando-se o seu paradeiro» -artigos 89.º e seguintes do CC.
A linguagem pode ser técnica ou vulgar; presume-se que o legislador usa a primeira (art. 9.º, n.º 3, CC).
O elemento literal é necessário, mas não o suficiente. Diz o artigo 9.º, n.º 2 do CC: «Não pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cf. também, no âmbito da interpretação da declaração negocial, art. 238.º, n.º 1 do CC).
Por tudo isto, se compreende, que além da letra da lei, é indispensável considerar o espírito da lei, pois
apreender o sentido das leis não é só conhecer as suas palavras, mas penetrar na sua força e poder.
Oelementológico
Este elemento é constituído por todos os outros fatores a que se pode recorrer para determinar o verdadeiro sentido e alcance da lei, isto é, socorrer-se para além da letra da lei de todas as potencialidades de transmissão de pensamento que a frase legal encerra - encerra as potencialidades que são postas em causa pela análise jurídica. Nisto se cifra o elemento lógico ou racional na interpretação das leis.
Afirma CASTRO MENDES (p. 178 e ss.): certos processos de dedução jurídica encontram-se já tipificados. É o caso de duas séries de regras, que dizem respeito às relações entre mais e menos e às relações entre meios e fins.
Sobre as relações entre mais e menos, pode dizer-se o seguinte:
A lei que permite o mais permite o menos. Chama-se argumento a maiori ad minus.
Ex: Uma lei que permite vender certa coisa (a propriedade plena dela), permite, por regra, vender uma quota em compropriedade ou um direito real menor (como, por exemplo, o usufruto (cf. art. 1439.º CC).
A lei que proíbe o menos proíbe o mais. Chama-se por vezes argumento a minori ad maius.
Ex: A regra que proíbe o depositário de usar a coisa, sem licença (art. 1189.º CC), só por si permitiria concluir que não pode consumi-la.
A argumentos deste tipo e que repousam numa maior justificação lógica da solução (permitir, proibir) para outros casos que não o previsto, chamam-se argumentos por maioria de razão, expressos frequentemente pela expressão latina a fortiori.
Sobre as relações entre meios e fins, dir-se-á o seguinte:
A lei que permite o fim, permite os meios necessários à consecução desse fim;
A lei que proíbe o fim, proíbe os meios que necessariamente a ele conduzem;
A lei que permite os meios, permite o fim a que eles necessariamente conduzem;
A lei que proíbe os meios, proíbe o fim a que eles necessariamente conduziriam.
Na fixação do sentido lógico (ultraliteral) da lei avulta o elemento teleológico (recordemos PFC): considera a razão de ser da lei - ratio legis; no fim que o legislador teve em vista ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim é extremamente importante para determinar o sentido da norma, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias históricas particulares em que ela foi elaborada (occasio legis).
O artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil manda considerar as circunstâncias especiais do tempo em que é aplicada a lei, podendo inferir-se desse preceito que a finalidade da lei é também tomada em consideração como elemento para a sua interpretação.
Outro processo de dedução lógica do alcance e sentido da lei é o argumento a contrario sensu:
Enuncia-se, por vezes: «sabido que certa regra é excecional, conclui-se que a regra geral é contrária; e, portanto, qualquer caso não contido na previsão da regra excecional, está sujeito ao regime contrário. Deve, no entanto, acrescentar-se algo mais: quando uma regra limita a sua previsão a certas hipóteses, presume-se que, para fora dessas hipóteses, não se aplica a estatuição respetiva.
Oelementosistemático
Aponta Castro Mendes (p. 181): «A ordem jurídica forma um sistema de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras – cada regra e conjunto de regras funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação».
O artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil refere-se a este elemento quando manda ter em conta a unidade dos
sistema jurídico.
Como já referimos, cada norma jurídica constitui mero elemento de um ordenamento global e unitário – a Ordem Jurídica. Daí resulta que a interpretação de qualquer regra não se faça isoladamente, mas numa perspetiva de globalidade e unidade, dentro do espírito do sistema. Por isso, quando recorremos ao elemento sistemático, o intérprete deve, antes demais, «situar» a norma a interpretar no ordenamento jurídico, atendendo ao espírito e unidade que lhe são próprios, e ponderar as relações que essa norma tem com as outras.
Aqui considera-se aquilo a que se chama de contexto da lei e os lugares paralelos:
Através do contexto da lei, ponderam-se as relações que a norma a interpretar tem com o conjunto de disposições a que ela pertence e que regulam a mesma matéria ou instituto.
Por sua vez, nos lugares paralelos consideram-se as relações que a norma a interpretar tem com outras disposições legais, que embora distanciadas, regulam problemas normativos paralelos ou afins.
Como exemplo, vamos supor a interpretação de uma norma sobre o «contrato de depósito» (artigo 1185.º do CC.):
Considerando o contexto da lei, deverão examinar-se as conexões dessa norma com outras que regulam o mesmo tipo contratual;
O recurso aos lugares paralelos levar-nos-ia a examinar as disposições sobre outro contrato de prestação de serviços – o «contrato de mandato» - artigo 1157.º e seguintes do CC - , que nos podem elucidar sobre as disposições do contrato de depósito que pretendemos interpretar.
Elemento histórico:
Este elemento compreende todos os dados ou acontecimentos históricos que expliquem a criação da lei e
socorre-se de vários meios, a saber:
Precedentesnormativos;
Trabalhospreparatórios;
Occasio legis.
Os precedentes normativos são constituídos tanto pelas normas que vigoram em períodos anteriores e que são objeto da História do Direito, como pelas normas de Direito estrangeiro que tiveram influência na formação da lei (Direito Comparado).
Pode ser de grande utilidade para a interpretação das normas do atual Código Civil a consideração de regras do
Código Civil de 1867 ou dos Código francês ou alemão.
Os trabalhos preparatórios são os estudos prévios, os anteprojetos e projetos da lei, as respostas a críticas feitas aos projetos, as atas das comissões encarregadas da elaboração do projeto ou da sua discussão, que precedem a lei e documentam o processo da sua elaboração.
Todos estes elementos podem ser úteis para a definição da vontade real do legislador e para afastar interpretações que não estejam em consonância com o que ele pretendia.
Occasio legis é todo o conjunto de circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, e assim por diante) que envolveram e influenciaram o aparecimento da lei - «as circunstâncias em que a lei foi elaborada», a que se refere o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil.
Este elemento é muito importante, especialmente na legislação de emergência.
Ex: «Na sequência de uma vaga de terrorismo, é publicada legislação extremamente severa sobre deslocações de pessoas e veículos. Passada essa vaga, a legislação permanece em vigor enquanto não for revogada, embora aplicada a circunstâncias normais. Deste modo, o intérprete não pode deixar de ponderar as circunstâncias especiais que levaram ao aparecimento dessa legislação e faz a sua interpretação à luz desse condicionalismo.» ). “Oliveira Ascensão”
Algumas regras fundamentais de interpretação que devemos reter:
Presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados (art. 9.º, n.º 3 CC);
Presume-se que na lei não há regras, frases ou mesmo só palavras inúteis;
A lei não impõe impossíveis (impossibilita nemo tenetur);
Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus) – mera presunção, o intérprete pode concluir que o legislador usou uma expressão demasiado geral na relação entre previsão e estatuição.
III-Resultados(oumodalidades)deinterpretação(art.9.ºdoCódigoCivil):
Feita a interpretação da lei com o auxílio dos elementos referidos anteriormente, o intérprete chegará a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação, consoante a relação da letra da lei com o seu espírito:
Interpretaçãodeclarativa;
Interpretaçãoextensiva;
Interpretaçãorestritiva;
Interpretaçãoenunciativa;
Interpretaçãoab-rogante.
Antes de incidirmos sobre a análise das 5 modalidades (espécies) de interpretação enunciadas, façamos três
observações genéricas sobre as fontes de “IDEIAS SOBRE INTERPRETAÇÃO” no que respeita ao seu resultado:
Modelo Tradicional: A norma não é de aplicação automática: ter de conceber/produzir jogo(s) de linguagem; observar e analisar a relação entre significado e significante: significado - relação entre a norma e a aplicação na realidade; significante: texto da norma.
Teoria Clássica: Escolas Hermenêuticas
Sentido da norma plural e móvel: altera-se consoante os contextos
As palavras criam coisas coisas criam palavras
Relações entre o significado e o significante
A coisa interpretada tem sempre influências do intérprete
Teoria da Linguagem: o texto da norma tem sentido subjacente ou anterior
Sintaxe: relações entre palavras mudam com o contexto local
Pragmática: intenção com que a norma foi dita ou referida (o que pretende proteger)
Semântica: a relação do mundo com as coisas pode alterar
Teoria da Receção: o intérprete tem influência sobre a coisa interpretada
Novo Modelo Ocidental
O legislador não se pode focar só na vontade originária da elaboração da norma.
Há uma relação de duas partes: a pessoa que interpreta a norma tem de a entender e o legislador tem de entender o porquê de criar a norma.
A solução? Uma Teoria da Resolução?
Olhar a norma e encontrar a solução jurídica que melhor se adapta à sociedade e que a mesma a compreenda, excluindo as intervenções do legislador.
Interpretaçãodeclarativa:
Diz-se que há interpretação declarativa quando o sentido que o intérprete fixou à norma coincide com o significado literal ou um dos significados literais que o texto comporta, por ser o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser lata ou restrita, consoante se considere o sentido mais amplo ou mais restrito de algumas palavras da lei que têm mais do que um significado. Em ambos os casos, trata-se de sentidos que cabem dentro do texto e não ultrapassam o significado gramatical do termo ou expressão que se interpretou. Apenas se escolhe aquele que estiver mais de harmonia com o espírito da lei.
Ex: A palavra «homem» pode ser interpretada:
Num sentido mais lato – ser humano (artigos 362.º, 1320.º do CC);
Num sentido mais restrito – ser humano do sexo masculino (interpretação declarativa restrita).
Interpretaçãoextensiva:
Verifica-se a interpretação extensiva quando o intérprete chega à conclusão que a letra da lei fica aquém do seu espírito, porque o legislador disse menos do que no fundo pretendia – minus dixit quam voluit.
Nestes casos, torna-se necessário alargar o texto legal, dando-lhe um alcance conforme o pensamento legislativo fazendo corresponder a letra da lei ao seu espírito.
Ex: artigo 877.º, n.º 1 do Código Civil – (venda a filhos ou netos) - «Os pais e avós não podem vender a filhos
ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda (…)».
Pode, aqui, entender-se que, designadamente, quanto aos bisavós também parecem estar abrangidos pela proibição, pois não se justificaria apenas para os dois primeiros graus, pelo que se deve alargar o preceito a outros ascendentes – interpretação extensiva.
Interpretaçãorestritiva
A interpretação restritiva é, como se depreende, o contrário da anterior.
Neste caso, a letra da lei vai além do seu espírito, porque o legislador disse mais do que aquilo que pretendia
– maius dixit quam voluit.
O intérprete deve, então, restringir o texto, isto é, encurtar o significado das palavras utilizadas pela lei, de
modo a harmonizá-las com o pensamento legislativo.
Ex: Certa lei mencionava o «menor», quando no fundo se pretendia significar o «menor não emancipado», e,
como tal, foi esse o sentido que se fixou.
Interpretaçãoenunciativa
Esta modalidade de interpretação surge quando o intérprete deduz, de uma norma interpretada outras que nela estão implícitas, utilizando para tal certos processos lógicos-jurídicos.
Dito de outro modo (Castro Mendes, p. 185), a modalidade de interpretação surge «quando o intérprete deduz da regra interpretada outras regras, afins ou periféricas, usando designadamente os argumentos por maioria de razão.
Ex: Se uma lei proíbe a atividade cambiária aos estrangeiros, podemos inferir que também o comércio bancário lhes é vedado. Funcionou o principio lógico de que «quem não pode o menos, não pode o mais» (argumento a minori ad maius).
Como inferimos no elemento lógico uma série de argumentos lógicos e de máximas sobre interpretação, sublinhamos, agora, que este método é, na prática jurídica, usado há muito tempo.
Exemplo: «a lei que permite o mais, permite o menos» (argumento a maiori ad minus) – a lei que permite vender
certos bens, também permite usar, locar ou onerar esses bens.
A interpretação enunciativa deve ser realizada com as maiores precauções, porquanto se vão inferir, através de processos lógicos, outras regras que não se encontravam formuladas e que são diversas da regra inicialmente interpretada.
Interpretação ab-rogante
Diz-se que há interpretação ab-rogante quando o intérprete chega à conclusão que o sentido da norma é indecifrável, não sendo possível apreender o seu conteúdo, pelo que a reputa inexistente.
Esta situação é raríssima, porquanto se presume a racionalidade da legislação, mas pode verificar-se nalguns casos.
Exemplos:
A lei não comporta qualquer sentido possível e remete para um regime inexistente;
A mesma lei apresenta disposições contraditórias, ou duas leis publicadas na mesma data têm disposições
inconciliáveis.
Verificados estes factos, o intérprete deve esforçar-se por resolver a contradição. Não sendo possível, deve sacrificar a norma ou trecho da norma menos adequado. Na hipótese de haver duas leis incompatíveis, terá de se examinar se alguma delas é aproveitável ou se ambas deixarão de se aplicar.
14. Plenitude do ordenamento jurídico e lacunas – o artigo 10.º do CC.
I – DA PLENITUDE DA ORDEM JURÍDICA em especial
Elementoscaracterizadores
Decorrente dos três processos fundamentais que enunciamos no tópico anterior (interpretação, integração e aplicação do
Direito), relembremos que o sistema jurídico compreende (ou pressupõe) três elementos caracterizadores da ordem jurídica: 1.º
- o seu âmbito; 2.º - o princípio da plenitude da ordem jurídica; 3.º - a presunção de perfeição da ordem jurídica:
Âmbito de aplicação da ordem jurídica: o Direito não visa, jamais, regular todas as questões da vida social, ainda que
num contexto histórico de híper legiferação, como aquele que denotam as sociedades evoluídas nos nossos dias;
O princípio da PLENITUDE DA ORDEM JURÍDICA: no seu âmbito de aplicação, isto é, no quadro das situações da vida que se deseja regular juridicamente, o Direito pretende ter resposta para todas as questões que, efetiva ou potencialmente, se coloquem;
A presunção de perfeição da ordem jurídica: o Direito não pode evoluir mas em cada momento a aplicação da lei vigente é inquestionável. Dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é lei).
Uma certeza: O Direito apresenta lacunas reais…
É do PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ORDEM JURÍDICA e no seu âmbito de aplicação, isto é, no quadro das situações da vida que se deseja regular juridicamente e às quais o Direito pretende ter resposta para todas as questões que, efetiva ou potencialmente, se coloquem, que se resulta a ideia de se pretender que o Direito seja um sistema perfeito. E um sistema perfeito que se apresente de tal modo a que possa prever e regular tudo o que deve regular, sem lacunas reais e apenas com lacunas aparentes, como, na perspetiva de Marcelo
R. de Sousa e Sofia Galvão, pretendem os positivistas normativos, e que corresponde aquilo a que poderíamos chamar uma «sublimação do sistema e, em particular da lei. Daqui resulta a conclusão que o facto de a integração de lacunas ser quase sempre possível não significa a consagração da bondade deste princípio.
II – A INTEGRAÇÃO DA NORMA JURÍDICA:
A OBRIGAÇÃO DE JULGAR
Ainda que se verifique uma lacuna, o caso concreto tem de ser resolvido, pois de outro modo estraríamos a violar o disposto no artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil e no artigo 3.º, n.º 3 da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS), que proíbem a denegação da justiça.
E, para dar cumprimento a estes preceitos, há que recorrer à INTEGRAÇÃO DA LEI, atividade que, repetimos, consiste no preenchimento das lacunas da lei e que está regulada fundamentalmente no artigo 10.º do Código Civil. Dito de outro modo, vamos apreciar a atividade de colmatar omissões ou vazios em domínios que o Direito deveria atuar.
O artigo enunciado consagra dois métodos para a consagração de casos omissos:
A ANALOGIA: artigo 10.º, n.º 1 e n.º 2 do CC;
O método previsto no n.º 3 do mesmo artigo: «Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a
norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.»
lacuna jurídica decorre da inexistência de uma regra para regular um caso jurídico, pelo que, numa fórmula concisa, pode dizer-se que existe uma lacuna quando há caso mas não há regra - a lacuna é sempre uma incompletude, uma falha ou uma falta.
Nenhum legislador é capaz de prever todas as relações da vida social merecedoras de tutela jurídica, por mais diligente e precavido que seja. Contudo, só existe uma lacuna quando de nenhuma fonte de direito possa ser inferida uma regra para regular o caso.
A integração supõe a interpretação. Para haver integração tem de se partir da verificação de que não há regra aplicável, conclusão esta que pressupõe uma tarefa de interpretação das fontes. A interpretação supõe sempre a existência da lei. Busca-se o conteúdo ou o sentido real de algo que existe. A interpretação é, por natureza, prévia à integração de lacunas. Só depois de interpretadas as leis vigentes se pode concluir que há lacuna ou vazio de lei sobre certa matéria.
Nota: A interpretação extensiva pressupõe que dada hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está todavia no seu espírito: há ainda regra visto que o espírito é decisivo.
De acordo com o artigo 8º do CC, há a obrigação de julgar e dever de obediência à lei:
“1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.
Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e
aplicação uniformes do direito.
A leitura do artigo comprova a obrigação dos juízes de julgarem casos que careçam de tutela jurídica, no entanto há casos que excedem o “âmbito jurídico” e interferem no “espaço jurídico” mas que têm de ser julgados. Dito de outro modo, o princípio da proibição do non liquet dita que o “juiz tem de julgar, não podendo alegar a obscuridade da lei ou dos factos (art.º 8.º,1 C.C.)” (PFC, p. 318)
Também o artigo 3º/3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelece a proibição de “non liquet”: “Os magistrados judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado”. Porém, a obrigação de decidir no caso omisso requer que seja o próprio sistema jurídico a facultar ao juiz os meios necessários para a integração da lacuna.
Portanto, a obrigação de decidir casos omissos e a possibilidade de completar o sistema são realidades correlativas dado que
aquela só pode ser cumprida se esta possibilidade existir.
II)DAINTERPRETAÇÃOEINTEGRAÇÃODANORMAJURÍDICA
Decorre, portanto, que nem sempre o Direito escrito regula diretamente qualquer relação da vida social, por lateral e irrelevante que fosse. Existe, neste sentido, uma LACUNA JURÍDICA (caso omisso) quando uma determinada situação, merecedora de tutela jurídica, não se encontra prevista na lei (art.º 10.º CC). Torna-se, então, necessário perante estas situações, não previstas na lei mas carecidas de regulamentação jurídica, fazer aquilo a que se chama a INTEGRAÇÃO DE LACUNAS, i.e., atividade que visa precisamente encontrar solução jurídica para os casos omissos.
Para haver INTEGRAÇÃO, há que se averiguar primeiramente que não há nenhuma regra aplicável, i.e., que o caso em apreço não está especificamente regulado, o que pressupõe, obviamente, uma tarefa prévia de interpretação. Esta atividade visa, conforme já estudamos, a fixação do sentido e alcance da lei, só depois de efetuada se pode concluir que dada situação não está abrangida nem na letra da lei, nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes.
Veja-se que «a integração supõe a interpretação (em sentido técnico) mas não é ela própria interpretação, recordemos.
Poderá parecer estranho que a ordem jurídica contenha lacunas, mas, por mais competente que seja o legislador, nunca consegue prever todas as relações da vida social com relevância jurídica. Várias são as razões que estão na origem do problema das lacunas.
Observemos algumas:
Certas situações são imprevisíveis no momento da elaboração da lei, enquanto outras, embora previsíveis, escapam à previsão do legislador em face da enorme complexidade de formas de vida social.
Ex: Se com avanço da técnica se começarem a processar transportes regulares no espaço sideral, é evidente que essa atividade precisará de disciplina, mas de início provocará uma lacuna, porque não há ainda leis que se lhe apliquem.
Por vezes, o próprio legislador, intencionalmente, sobretudo em matérias novas ou complexas, abstém-se de regulá-las diretamente, pelas dificuldades que sente em fazê-lo convenientemente.
Com Marcelo R. Sousa e Sofia Galvão (p. 66 e ss.) apuramos que só há lacuna jurídica quando se verifique a falta de uma regra jurídica para reger certa matéria. Matéria essa que tem de ser prevista e regulada pelo Direito, e que assentam em dois pontos definidores: tem de haver, cumulativamente, ausência de disciplina jurídica e imprescindibilidade dessa mesma matéria. Portanto, em primeiro lugar, tem de haver um vazio jurídico; em segundo lugar, o vazio tem de respeitar a matéria que o Direito não pode ignorar, matéria que deve ser juridicamente conformada.
A lacuna jurídica supõe a ausência de lei e a ausência de costume – se perante um vazio legal houver uma regra não escrita costumeira ou consuetudinária aplicável ao caso, então não existe lacuna. Há, basicamente, dois tipos de lacunas:
As lacunas de previsão – traduzem-se na falta de previsão de uma certa situação de facto;
As lacunas de estatuição – revelam a ausência das consequências a que o Direito faz corresponder a verificação de determinado facto. Ex: alguém violou uma obrigação legal sem que o ordenamento jurídico forneça a consequência para tal acto.
Temos, porém, que afastar alguns critérios ou processos que, embora sejam úteis, não nos servem:
Se um acto legislativo vem fazer desaparecer uma lacuna jurídica – aqui, a lacuna desaparece;
Se um órgão da administração pública actuar ao abrigo do poder discricionário que a lei lhe confere – aqui,
não existe qualquer lacuna;
Se um juiz resolve um caso concreto com recurso ao critério da equidade – aqui, não há qualquer preocupação normativa, i.e., não está em causa a determinação ou a aplicação de qualquer regra.
ALACUNAJURÍDICA.
O recurso à analogia: a analogia legis (analogia da lei) e a analogia juris (analogia do Direito) e o método previsto no n.º 3 do art.º 10.º CC.
Decorrendo dos critérios anteriormente enunciados, são dois os processos de integração de lacunas no Direito português: a analogia legis e a analogia juris, e a norma que o intérprete criaria (a norma ad-hoc).
Sempre que seja possível, recorre-se à analogia, que consiste em aplicar ao caso omisso a norma reguladora de qualquer caso análogo. Assim, por exemplo, a circulação aérea, quando surgiu, provocou uma lacuna da lei durante algum tempo, mas as normas que existiam sobre a navegação e transportes marítimos puderam, em grande parte, aplicar-se por analogia, pelas muitas semelhanças que havia entre os dois tipos de transporte.
O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento de lacunas justifica-se por uma questão de coerência normativa do próprio sistema jurídico. De facto, tal circunstância exige que casos semelhantes devem merecer do direito o mesmo tratamento, favorecendo assim em larga medida a certeza e a segurança jurídica.
A aplicação analógica, relembremos, distingue-se da interpretação extensiva. E distingue-se porque esta pressupõe que determinada situação, não estando compreendida na letra da lei, o está no seu espírito; enquanto a analogia leva a uma aplicação da lei a situações não abrangidas, nem na letra, nem no seu espírito. «É também de sublinhar que a própria lei remete em casos particulares para a analogia: ver, por exemplo, no Código Civil o art. 157.º, 274.º, n,º 2, 289.º, n.º 3, e 295.º.
O fundamento do recurso à analogia é o de que se uma norma dispõe de certa maneira para um caso, será natural que um caso idêntico não regulado por qualquer norma seja resolvido da mesma forma que o primeiro, desde que procedam os fundamentos materiais, ou razões justificativas da regulação do caso que uma dada norma em vigor prevê.
Sendo a analogia uma forma de “lógica parcial”, o método que envolve a sua utilização na integração de lacunas traduz-se numa operação de comparação de um caso concreto com outro, de forma a identificar as suas diferenças e semelhanças e verificar se estas últimas são suficientemente relevantes e, portanto, mais fortes que as diferenças que as separam, de modo a que se possa enquadrar ou subsumir o referido caso omisso, na estatuição da norma que regula o caso análogo.
É o art.º 10.º do Código Civil que disciplina a matéria em apreço. E fá-lo identificando três degraus que caracterizam o processo de integração de lacunas: 1) A analogia da lei, ou analogia legis, com recurso a uma regra determinada, normalmente legal; 2) A analogia do Direito, ou analogia juris, com recurso a um princípio jurídico determinado, normalmente induzido das regras gerais; 3) A norma que o intérprete criaria, que apela ao espírito global do sistema jurídica português.
Dimensão problemática:
Por vezes (Castro Mendes, pp. 191-192), a distinção entre ANALOGIA LEGIS e ANALOGIA JURIS não é univocamente entendida. A ideia geral é a da contraposição entre a aplicação analógica de regras e a aplicação analógica de institutos jurídicos (como comércio marítimo ou aéreo ou da escritura comercial aos comerciantes).
Observação: v.g., no âmbito da norma que o intérprete criaria (art. 10º/3 CC). A norma que o intérprete criaria (um apelo ao espírito geral do sistema), para muitos autores, isto é analogia juris, para outros, ainda é analogia legis; para outros autores, ainda temos analogia legis e juris no número 1, e espírito geral do sistema no número 3, que é ainda analogia juris para uns, para outros é já um escalão superior.
I – DA ANALOGIA:
Haverá ANALOGIA LEGIS sempre que, perante um caso concreto a decidir que se confronte no plano regulatório com uma lacuna, ou seja, com um vazio normativo ou uma situação omissiva derivada de uma falha de regulação, esta última é preenchida ou integrada através de uma norma existente que disponha sobre casos análogos.
O artigo 10.º do Código Civil dispõe sobre a integração de lacunas através do recurso à analogia legis. A norma do n.º 1 do preceito prevê o recurso à analogia ao dispor que : “Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”. Por seu turno, o nº 2 define analogia: “Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.”
A primeira coisa a fazer na integração de lacunas é procurar uma situação de facto similar àquela que não encontra previsão legal. Depois, e só depois, a partir da referida situação de facto e da descoberta do respetivo regime jurídico, haverá que aplicar analogicamente a lei (ou o costume) ao caso concreto que reclamava a disciplina jurídica – sublinhemos que aqui o mais interessa não é a similitude material entre factos, mas a sua caracterização pelo Direito. Só se houver uma identidade de razões é que é legítimo estabelecer-se uma relação de analogia.
A distinção deve fazer-se consoante a analogia funcione pelo recurso a uma precisa solução normativa, que pode ser transposta para o caso omisso, ou supõe a mediação dum princípio elaborado a partir de várias regras singulares, só ele permitindo a solução daquela hipótese. No primeiro caso, utiliza-se uma disposição normativa; no segundo, um princípio normativo.
Ex. analogia legis: “é o do recurso à lei que regula a difusão televisiva por sistema hertziano tradicional para reger matérias de televisão por cabo, relativamente às quais exista lacuna legal”
A ANALOGIA JURIS surge em momento logico-essencial subsequente à análoga legis, i.e., recorre-se à analogia juris quando não foi possível descobrir uma disciplina aplicável pela via da analogia legis. Por outras palavras, envolve a integração de uma lacuna através de um princípio geral de direito já aplicado em caso semelhante.
Não havendo, portanto, norma de direito positivo (como uma lei ou um regulamento) que disponha sobre uma determinada situação que careça de regulação, a disciplina jurídica desta última faz-se com apelo a um princípio geral de Direito que tenha sido aplicado a um caso análogo, a partir do qual se deduzirá uma regra que reja o caso concreto.
Embora o artigo 10.º do Código Civil não se refira expressamente à analogia juris, a mesma encontra-se compreendida no n.º 2 do mesmo preceito quando este estatui que: “Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.” Ora, a norma aplicável não é, necessariamente uma regra legal, podendo assumir a natureza de um princípio geral, expresso ou implícito, do ordenamento, já que presentemente é dogmaticamente incontestável que as normas se dividem em regras e princípios.
O princípio jurídico do qual defluirá a construção de uma regra para o caso concreto pode encontrar-se enunciado previamente na Constituição ou na lei (veja-se o caso da boa-fé), pode deduzir-se de outros princípios (como é o caso da proteção da confiança, extraído pela jurisprudência do princípio da segurança jurídica e este, do princípio do estado de direito democrático) ou ser revelado, por abstração, a partir da conjugação de um conjunto de regras.
II – O MÉTODO PREVISTO NO N.º 3 DO ART.º 10.º CC
Esgotado o processo anterior, e verificando-se, portanto, uma lacuna na lei, e na falta de caso análogo – as chamadas lacunas rebeldes à analogia -, é o artigo 10.º, n.º 3 do Código Civil que manda que a situação seja «resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.».
Aqui, o intérprete não é remetido para juízos de equidade, i.e., para a justiça do caso concreto, antes tem de decidir segundo uma regra que contemple a categoria de casos em que se enquadre o caso omisso, válida apenas para esse caso. Isto significa, que essa norma não têm carácter vinculante para futuros casos ou para outros julgadores. «Mesmo na hipótese de lacuna rebelde à analogia, pode partir-se do princípio de que só há uma solução (a regra) jurídica exacta (vigente). Essa solução pode ser conhecida ou ignorada, mas só existe uma.» (Castro Mendes, p. 194.). A reter:
O legislador não remete o intérprete para juízos de equidade, para a justiça do caso concreto, mas incumbe-o de elaborar e formular uma “norma”, isto é, uma regra geral e abstrata que contempla o tipo de casos em que se integra o caso omisso.
Esta norma será uma simples norma “AD HOC”, apenas para o caso sub judice, sem que de modo algum adquira carácter
vinculante para futuros casos ou para outros julgadores.
Nestes termos, apuramos que uma norma ad hoc é uma regra temporária, criada para resolver uma situação específica, e que não se aplica a outras circunstâncias; o seu uso deve ser restrito e bem fundamentado, visando garantir a segurança jurídica e o respeito aos direitos e deveres das pessoas envolvidas.
Geralmente, as normas ad hoc são utilizadas em situações de emergência, onde é preciso criar regras temporárias para resolver um problema imediato. Essas normas não tem a mesma estabilidade e durabilidade de outras normas, sendo criadas e aplicadas apenas enquanto durar a situação que as gerou.
Um exemplo de norma ad hoc seria uma regra criada por um grupo de trabalho para resolver um problema específico, sendo aplicável apenas naquele contexto e não sendo incorporada formalmente ao conjunto de regras da organização.
É importante destacar que, apesar de serem criadas para uma finalidade específica, as normas ad hoc devem ser elaboradas com rigor e coerência, respeitando os princípios éticos e legais que regem a tomada de decisão.
Ex:
Ana é uma jovem empreendedora e cheia de energia. É licenciada em Solicitadoria pelo IPMAIA, pratica desportos radicais, é voluntária no Hospital Dia da Maia e ainda tem tempo para namorar. Um dos seus desejos para 2025 é celebrar um contrato de franchising, a fim de comercializar um determinado tipo de produto. Todavia, fica deveras espantada ao concluir que não há uma lei que regule este contrato. Pode, Ana, celebrar este contrato e de que forma poderá ser colmatada esta omissão da lei?
No caso em apreço, Ana pode celebrar um contrato de franchising, ao abrigo do PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL, consagrado no artigo 405.º CC. Esta omissão da lei, à qual se dá o nome de LACUNA (falta de previsão ou mera regulamentação), poderá ser colmatada através do recurso à analogia: casos análogos merecem um tratamento semelhante, de acordo com o artigo 10.º, n.º 1 e n.º 2 CC.
Neste caso, aplicar-se-ão, entre outras normas, as regras que regulam o contrato de agência. Todavia, se não existisse um caso análogo, o julgador teria que criar uma norma AD HOC, que valeria apenas para este caso, por força do artigo 10.º, n.º 3 CC.
A analogia é PROIBIDA em certas situações, (cfr., particularmente, o artigo 11.º do Código Civil).
Analisemos, então, a proibição do seu uso pela lei:
Nas REGRAS (normas) EXCECIONAIS (sejam estas legais ou consuetudinárias) – art. 11.º do Código Civil;
Nas REGRAS PENAIS POSITIVAS (normas que definem os crimes ou estabelecem as penas e os seus efeitos) –
art.º 29 da CRP e art. 1.º do Código Penal;
Em geral, às REGRAS RESTRITIVAS DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS – art.º 18.º, n.º 2 CRP.
Observação: As normas gerais constituem o regime-regra para o sector da vida que regulam; por sua vez, as normas excecionais recortam uma parte daquele sector e estabelecem para essa parte restrita, por razões privativas dele, UM REGIME OPOSTO àquele regime-regra. (…) . A distinção é muito importante porque o artigo 11.º do CC dispõe que “as normas excepcionais não comportam aplicação analógica”. Existem muitos preceitos jurídicos nestas condições, mas veja-se, por exemplo, o caso da legislação concernente às touradas, impedindo por regra a morte do animal e o diploma que permite o tal desenlace, proibido na norma geral, em Barrancos.
Observemos, seguidamente, cada uma delas:
Normas excecionais (artigo 11.º do Código Civil) – significa esta disposição que se excluem da aplicação analógica as regras que contrariam princípios fundamentais informadores da ordem jurídica ou de um ramo de Direito em particular, só podendo utilizar-se, neste caso, a interpretação extensiva.
Nas normas penais incriminadoras (art. 1.º do Código Penal): «3 - Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.»
Evidentes razões de salvaguarda individual contra eventuais abusos do poder estão na base desta disposição. Essas razões levam a afastar também a interpretação extensiva, pela possibilidade de, a pretexto desta interpretação, se poder aplicar a analogia.
A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 29.º, o princípio da legalidade no âmbito criminal, no sentido de que só é crime o facto expressamente qualificado pela lei como tal, enquanto tal lei estiver em vigor.
Normas de Direito Fiscal, relativamente às normas de incidência do imposto e às que definem garantias
dos contribuintes (art. 103.º, n.º 2 da CRP.):
Em Direito Fiscal também não é permitida a analogia em relação às normas de incidência e às que definem as garantias dos contribuintes, devido ao preceito contido no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.
Essas normas não são suscetíveis de aplicação analógica, em virtude do princípio da legalidade do imposto definido no n.º 3 do mesmo artigo, pois o recurso à analogia equivaleria à formulação de uma nova norma, destinada a regular a situação omissa. Esta nova norma, não tendo sido criada por via legal, contrariava o preceito na Constituição.
14. Aplicação das leis no espaço e no tempo: critérios gerais – do art.º. 15.º a 65.º do C.C, e do art.º. 12.º e 297.º do CC.
A APLICAÇÃO DA LEI:
A aplicação da lei envolve dois aspetos:
A determinação da regra aplicável - enquadrar o caso concreto na previsão de certa norma;.
A fixação da estatuição: estabelecemos qual a estatuição correspondente. Este segundo aspeto é pura
interpretação – fixação do sentido e alcance de um dos elementos da regra (a estatuição).
O primeiro – determinação da regra aplicável – é mais complexo. Há dois fatores a considerar: a regra e o facto. É preciso encontrar-se a regra que se ajuste ao facto. Isso exige que o facto seja traduzido em conceitos recognoscíveis nas previsões das regras.
Exemplo: A entregou 250 euros a B para que este lhe desse em troca o objeto x.
Esta descrição dos factos está feita em linguagem vulgar, e a previsão das regras consta normalmente da linguagem
jurídica. É preciso traduzir os factos daquela nesta – é o que se chama de qualificação.
Assim, o facto atrás descrito é qualificado como contrato de compra e venda, o que permite procurar a regra
aplicável no círculo (mais restrito) de preceitos sobre esse contrato (art.º. 874.º a 938.º CC).
A análise dos factos para serem juridicamente regulados, diz-se subsunção, e nela avulta a qualificação
como tarefa fundamental. Subsumem-se os factos à regra; aplica-se a regra aos factos.
Mais: a aplicação da lei resulta de duas tarefas que, partindo de polos opostos (factos, regra), se vão sucessivamente aproximando: a subsunção dos factos à regra, a determinação da regra aplicável e a fixação da sua estatuição.
Assim, a determinação da regra aplicável envolve dois aspetos por seu turno: a seleção da norma; o controlo
da sua validade e vigência.
Como estudamos, o Direito é, na sua essência, um ordenamento normativo e coativo das relações sociais. Ora, a evolução da vida social vai refletir-se necessariamente nas relações sociais que a constituem, e o Direito, que na sociedade encontra a sua razão de ser – ubi societas, ibi ius – não pode ignorar tal evolução.
Daí provém a mutabilidade do Direito e o aparecimento de novas normas que vão substituir outras, que
melhor se adaptem às modificações que vão surgindo na sociedade.
Porém, o facto de surgir uma nova lei não implica o corte radical na continuidade da vida social, pois há situações jurídicas que, tendo-se constituído no passado, i.e., antes da entrada em vigor da nova lei, se prolongam no futuro, sob a vigência desta, entrando, assim, em contacto com duas ou mais leis que se sucedem no tempo. A essas situações, que lei se aplica? A antiga ou a nova?
Por outro lado, as relações jurídicas não se desenvolvem apenas no quadro nacional, pois também podem entrar em contacto com mais de um ordenamento estadual, ou porque os sujeitos da relação pertencem a Estados diferentes ou porque o próprio objeto a que ela respeita se situa noutro Estado, ou porque os seus efeitos se vão produzir noutro, e assim por diante. A essas situações, que lei se aplica? A nacional ou a estrangeira?
Surgem, assim, duas questões de grande importância e complexidade no domínio da seleção da norma aplicável, que iremos seguidamente analisar: a aplicação das leis no tempo; a aplicação das leis no espaço.
A aplicação das leis no tempo – do art.º. 12.º e 297.º do CC.
Vamos supor os seguintes casos:
Dois indivíduos celebram um contrato quando a lei não exigia escritura pública para a sua realização. Entretanto, surge uma nova lei que vem exigir essa formalidade para esse tipo de contratos.
Deverá, por força da lei nova, considerar-se formalmente inválido aquele contrato?
O regime de administração de bens do casal é alterado por uma nova lei.
Deverá esta aplicar-se aos casamentos anteriores?
Determinado indivíduo pratica um facto, que na altura era considerado criminoso e punível com prisão até seis meses. Entretanto, antes do julgamento surge uma lei nova, que deixa de considerar tal facto punível. Qual das leis deverá aplicar-se?
Casos como estes e outros mais complexos surgem constantemente, pois cada vez são mais numerosos e frequentes as alterações e inovações legislativas, o que acontece com particular acuidade na nossa época. Uma das soluções possíveis para os problemas da sucessão de leis no tempo, motivados pela entrada em vigor de uma nova lei, são as DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS fixadas nessa mesma lei e que se destinam a regular a transição de um regime legal para outro.
Exemplos elucidativos são-nos dados pelas várias disposições do Decreto-lei n.º 47.344, de 25 de novembro de 1966, que aprovou o Código Civil de 1966, e os artigos 177.º e seguintes do Decreto-lei n.º 496/77 de 25 de novembro, que introduziu alterações no mesmo Código.
Porém, na maior parte das vezes e na grande maioria dos casos, o legislador nada diz sobre a lei aplicável a situações em que se suscita um problema de aplicação de leis no tempo. Daí a necessidade de se recorrer a princípios doutrinais e gerais, que orientem o jurista na resolução destes conflitos. Neste caso, o princípio que se pode invocar e para o qual é remetido o jurista é o da não «retroatividade da lei», de harmonia com o preceituado no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil. Este artigo e o artigo 13.º do CC (seguidamente transcritos) contêm os princípios gerais sobre a aplicação das leis no tempo para todo o nosso ordenamento jurídico.
Artigo 12.º
(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)
A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os
efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Este princípio não tem carácter absoluto, pois pode haver, em determinados domínios, a possibilidade de leis retroativas, como se prevê no próprio artigo 12.º, n.º 1 do CC: «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa».
Mas a regra é a de que a lei só dispõe para o futuro, i.e., não tem efeitos retroativos. De outro modo, atentar-se-ia contra a certeza e a segurança do Direito, valores fundamentais para a vida das pessoas e que contribuem para que cada um, com base em expectativas firmes, estabeleça os seus planos de vida.
Como exceção àquela regra, temos a lei interpretativa, que tem efeitos retroativos, porque se integra na lei
interpretada – artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil.
Artigo 13.º
(Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas)
“1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.
A desistência e a confissão não homologadas pelo tribunal podem ser revogadas pelo desistente ou confitente a quem a lei interpretativa for favorável.”
(Exemplo a explicar na aula):
Jurisprudência
1. Ac. do STJ de 08.02.2018 Alimentos devidos a filhos maiores. Lei interpretativa. Aplicação da lei no tempo. Maioridade - A Lei n.º 122/2015, de 01-09, é lei interpretativa, conforme disposto no art.º. 13.º, n.º 1 do CC, na parte em que alterou o art.º. 1905.º do CC que passou a prescrever no aditado n.º 2 que para efeitos do disposto no artigo 1880.° entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade. II - Assim sendo, o n.º 2 abrange todos aqueles que viram a sua pensão de alimentos fixada durante a sua menoridade, ainda que tenham atingido a maioridade em data anterior a 1 de outubro de 2015.
Já que as leis interpretativas são aquelas que fazem a interpretação autêntica de outras leis anteriores, entende-se que são retroativas, porque atuam sobre o passado. Então, como a lei interpretativa é retroativa, há a necessidade de garantir a estabilidade das situações já consumadas, pois, de outro modo, poder-se-iam provocar grandes perturbações nas relações sociais. Assim, o próprio artigo 13.º, n.º 1 do CC. estabelece que ficam «salvos, porém, os efeitos já produzidos (…).».
Vejamos que há países cujas Constituições não admitem em absoluto a retroatividade das leis. Nas Constituições
modernas, o princípio da não retroatividade não é princípio constitucional, a não ser no domínio do Direito Penal.
Entre nós, é constitucionalmente proibida a retroatividade em matéria de lei penal incriminadora, da lei que venha instituir penas ou medidas de segurança, ou venha agravar penas ou medidas de segurança anteriores – artigo 29.º, n.º 1, 3 e 4 da CRP. No entanto, nesta matéria, podem aplicar-se «retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido» - artigo 29.º, n.º 4 da CRP.
Exemplo: Um determinado indivíduo comete um crime punido pela lei do tempo da prática do delito em 3 anos de prisão. Antes do julgamento, leis posteriores fixam para o mesmo crime uma pena de 2 anos e depois de 1 ano. Deverá ser-lhe aplicada a pena mais leve, 1 ano.
O princípio da retroatividade, aplicando a lei mais favorável ao arguido, vem também desenvolvido no artigo 2.º do Código Penal:
Artigo 2.º (Aplicação no tempo)
- As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
- O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.
- Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período.
- Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.
CASTRO MENDES (pp. 199-200) infere neste quadro pelo menos três graus de retroatividade que devemos reter e analisar:
1.º Grau: Privação para o futuro das consequências que a lei antiga ligou ao ato
Suponha-se que a lei nova exige a forma escrita para o aluguer de certos móveis, e determina que os alugueres celebrados, mesmo, validamente, sem ser por escrito, passaram a ineficazes a partir da entrada em vigor desta lei. A pessoa que alugou deve restituir o móvel e deixar de pagar o aluguer.
2.º Grau: Anulação mesmo das consequências passadas dos factos
No caso atrás referido, a lei nova obrigava a restituir os alugueres anteriormente pagos.
3.º Grau: Anulação de uma categoria muito especial de efeitos da lei antiga: os casos julgados.
Os juízes julgaram de certo modo à sombra da lei antiga. Os processos reabrem-se e são julgados de novo pela lei
nova.
Sustemos, assim, que o princípio geral é o da não retroatividade da lei. Todavia, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1 CP, que se refere à aplicação da lei penal no tempo, “as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”.
De igual modo, temos que considerar ainda o artigo 29.º, n.º 4 da CRP que expressa: “ ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
Aplicação da Lei no Tempo – artº 12º do Código Civil
A (comprador) e B (vendedor) celebram em Janeiro de 2023 um contrato de compra e venda relativo a um prédio rústico cujo preço resulta de uma avaliação feita por C conhecido de B. Fica estabelecido entre as partes, que no momento da celebração do referido contrato A entregaria a B 65% do valor da coisa, e em Setembro de 2023, entregar-lhe-ia o restante montante, e receberia em contrapartida o prédio rústico em causa.
Sucede porém, que em Março de 2023 A conclui, ao submeter o prédio rústico a uma nova avaliação que o preço fixado inicialmente é exorbitante e foi fixado de má-fé por acordo entre B e C.
Sustentando-se nesta má-fé, A introduz em tribunal um pedido de resolução deste contrato, em Maio de 2023, altura em que a Lei que vigorava em Janeiro de 2023 já havia sido substituída por uma Lei Nova.
Colocado perante esta questão, o Juiz depara-se com uma necessidade de definir que factos serão regulamentados pela Lei em vigor, no momento da celebração do negócio jurídico e que outros serão regulamentados pela Lei em vigor no momento que o pedido é introduzido em Tribunal.
De acordo com o disposto no artº. 12º, nº 1 – 1ª parte, a Lei Nova só dispõe para o futuro, isto é, só se aplica a factos constitutivos, modificativos ou extintivos de relações jurídicas, bem como, os efeitos que tenham ocorrido após o início da sua vigência. Porém, a Lei Nova também deve aplicar-se aos factos ocorridos após o início da sua vigência que se encontram retroconectados com factos passados e que não têm natureza constitutiva.
Sendo assim, no exemplo mencionado, a obrigação que sobre B impende, de restituir a A o que este pagou, no momento da celebração do negócio jurídico deve ser regulada pela Lei Nova, porque se trata de um facto que encontra o seu pressuposto material de existência num outro que é anterior mas não tem natureza constitutiva (prestação feita pelo sujeito A no momento da celebração do contrato que é o facto que vai determinar a existência da obrigação de restituir que impende sobre o sujeito B caso o contrato seja resolvido).
O artº. 12º, nº 1 do Código Civil consagra portanto um importante princípio transpositivo – o princípio da não retroatividade da Lei, que por seu turno, é uma enunciação de um outro princípio, mas agora suprapositivo – o princípio da formalização.
Este princípio é uma exigência imediata do polo da responsabilidade que a par com o da igualdade surge como polo constitutivo do reconhecimento do homem como pessoa dotado de um núcleo irredutível de dignidade e é por esta razão que o princípio da formalização estabelece que em certas hipóteses devam ou tenham mesmo de existir limites ao princípio da não retroatividade das Leis.
Consideremos e analisemos as generalidades dos prazos:
Artigo 297.º do CC.
Alteração de prazos/O tempo e sua repercussão nas relações jurídicas
A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o
tempo decorrido desde o seu momento inicial.
A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.
Artigo 296.º do CC. (Contagem dos prazos)
As regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei,
pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.
Duas dimensões problemáticas se apresentam: o conflito entre leis relativamente a prazos só existe se o caso ainda estiver em curso. Se o prazo já tiver terminado quando sai uma lei nova, a ampliá-lo ou a reduzi- lo, essa lei nova já não contende com a nossa situação - e aí não existe nenhum verdadeiro conflito porque para existir conflito é preciso dois pressupostos:
Que duas leis sucessivas digam coisa diversa; e,
É preciso que essas duas leis toquem numa relação jurídica ainda a produzir os seus efeitos.
Vejamos, por exemplo, no que respeita ao alargamento de prazos:
Se eu tenho uma lei que diz que eu tenho 10 dias para responder a um requerimento e se depois dos
10 dias decorridos, ou seja, 20 dias depois, surge uma lei a dizer que a resposta aquele
requerimento agora só pode ser dada em 5 dias, esta lei já não sei aplica.
Por sua vez, no que respeita à dimensão problemática da redução de prazos, admitimos que se o interesse do legislador é fazer com que a pessoa disponha para aquele ato de menos prazo do que aquele que já tinha, a intenção dele é reduzir.
Quando a lei nova vem reduzir prazos, temos de contar o prazo antigo até ao fim, desde o momento em que o prazo antigo começou até ao fim e apontamos a data.
A lei nova que encurtou o prazo, traz um prazo mais curto, o que fazemos? A contar da data em vigor da lei
nova contamos o novo prazo e apontamos a data. O que acabar primeiro é a lei que se aplica.
Não se pode confundir estes prazos, com os prazos pressupostos. Este é uma condição de validade substancial (não se aplica o artigo 297º). Temos de olhar para o prazo e para a forma como ele está descrito. Há que diferenciar os prazos tratados no artigo 297º CC dos chamados prazos pressupostos.
Ex: Vamos fazer uma compra e venda da nossa casa, vamos ao cartório notarial e dizemos que queremos fazer a escritura. A “funcionária” vai solicitar e verificar os devidos documentos e condições, licença de utilização para habitação, etc. Se formos informados de que temos de esperar 20 dias, este prazo é considerado uma condição como outra qualquer. Este pressuposto que a lei impõe é uma condição como outra qualquer.
Os casos dentro dos quais nós devemos praticar um certo ato, aplicamos portanto o artigo 297º. do CC. Ex:
Um prazo dentro do qual eu deva contestar; um prazo dentro do qual eu deva intentar uma ação.
Retroconecção
Ex: uma educadora de infância vai se candidatar e uma das condições é precisamente que nos últimos anos não tenha sido condenada por crimes de violência contra menores. Isto é retroconecção com factos passados. Ou seja, a lei hoje para definir as suas condições de aplicabilidade a quem é que se vai aplicar e em que condições é que se vai aplicar. A lei vai conectar-se com factos ocorridos no passado.
Diferente de retroatividade, na retroconecção ainda não temos uma relação jurídica constituída. O que nós temos é que, para aceder a uma determinada relação jurídica, e de acordo com o regime jurídico vigente este, está a pedir-nos para nós considerarmos factos passados como nossos – aqui não podemos ter a espectativa que a lei nunca vai mudar.
A aplicação das leis no espaço - do art.º. 15.º a 65.º do C.C:
As leis, assim como são limitadas no tempo, são-no também no espaço.
Como observamos, cada Estado tem a sua própria ordem jurídica interna, o seu Direito. Porém, as relações sociais transcendem o âmbito dos Estados e estabelecem-se, quer entre indivíduos de Estados diferentes, quer entre os próprios Estados. Estes, formam também entre si uma verdadeira sociedade internacional, cada vez mais complexa e exigente, e que dá origem a uma Ordem Jurídica comum – a Ordem Jurídica internacional.
Deste modo, resulta que os Estados não aplicam exclusivamente o seu Direito interno no seu espaço, e têm por vezes de aplicar nos seus tribunais as leis de outros Estados. Leis estrangeiras entram, assim, em concorrência com as leis do próprio Estado, dentro do seu próprio território, quando uma situação jurídica se produz de modo a relacionar-se com mais de um ordenamento jurídico estadual:
Quer pela nacionalidade ou domicílio dos sujeitos;
Quer pelo lugar da prática do facto constitutivo da relação ou do lugar onde os seus efeitos se vão produzir;
Quer pelo lugar da situação do seu objeto, etc…
Quando se deve aplicar a lei nacional e quando se deve aplicar a lei estrangeira?
Surgem, assim, os conflitos das leis no espaço, que são decididos mediante as regras de conflito, que permitem determinar qual de entre as leis em contacto com a situação deve ser declarada competente para a regular. Tais regras constituem o objeto do Direito Internacional Privado (e estão contidas, por exemplo, nos artigos 15.º a 65.º do nosso Código Civil) - o Direito Internacional Privado é o conjunto de normas jurídicas que indicam a lei reguladora das relações que estão em conexão com mais de um sistema jurídico.
Para melhor compreensão, vejamos o seguinte exemplo:
Uma empresa alemã contrata com uma empresa americana a compra de determinada mercadoria, situadas no México, para serem entregues em Itália. Como a relação estabelecida está em conexão com quatro Ordens Jurídicas potencialmente aplicáveis, cabe à regra de Direito Internacional Privado, nos termos anteriormente enunciados, determinar qual a lei que deve regular a relação estabelecida.
Ou, em caso de conflito de leis (v.g.):
Castro Mendes (p. 205): «Por força das regras de conflitos portuguesas, a lei portuguesa pode aplicar-se ou não a um acidente ocorrido em Marrocos e que envolva só portugueses (art.º. 45.º, n.º 3, CC.); aplica-se se a presença dos portugueses for ocasional (art.º. 45.º, n.º 3, CC.), não em caso contrário (emigrantes, por exemplo). Mas, na perspetiva das regras de conflitos portuguesas, a lei portuguesa já se aplica ao divórcio de dois portugueses, mesmo no estrangeiro (art.º. 55.º e 52.º CC.).» (Castro Mendes, p. 205)
16.Dailicitude:conceito,natureza,elementosconstitutivos;daresponsabilidadecivil–
responsabilidadecontratualeresponsabilidadeextracontratual;causasdeexclusãoda ilicitude.
I – CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA:
Sendo de particular objeto de estudo da relação jurídica, convém aqui sublinhar que os atos jurídicos, consoante a sua conformidade ou desconformidade com a Ordem Jurídica, distinguem-se em atos lícitos e ilícitos:
Os atos jurídicos lícitos são aqueles que estão em conformidade com a Ordem Jurídica, como por exemplo o
casamento, a doação, o mútuo;
Os atos jurídicos ilícitos são aqueles que contrariam a Ordem Jurídica e implicam uma sanção para o seu autor. Ex:
o homicídio, o furto.
Os efeitos jurídicos resultantes da prática de um ato ilícito traduzem-se numa sanção para o seu autor, por este ter
realizado um ato proibido pela Ordem Jurídica.
A responsabilidade traduz-se precisamente na situação, mais ou menos grave, em que se coloca o infrator da norma, com a consequente sujeição à aplicação de sanções.
A ilicitude, qualidade do ato ilícito, consiste, assim, na violação de uma norma e do dever jurídico que ele
impõe. Logo, é ilícito, por exemplo, furtar, difamar ou não cumprir uma obrigação.
A natureza da ilicitude varia consoante o dever jurídico violado e, assim, existem ilícitos civis, penais ou criminais, disciplinares, administrativos.
Seguidamente iremos, prima facie, apurar a classificação dos factos ilícitos, bem como algumas espécies de ilicitude.
II-ELEMENTOSCONSTITUTIVOS:
IlícitoIntencionaleIlícitoMeramenteCulposo
Facto jurídico “é todo o facto, natural ou humano, do qual o Direito retira consequências. Enquanto relação jurídica pressupõe uma relação social pré-existente, o facto jurídico pode ter carácter primariamente individual (a morte natural é um facto jurídico – tem, desde logo, a consequência da sucessão), ou até não ser pessoal (um violento tremor de terra é um facto jurídico – quantas coisas não deixam de existir por sua causa: por exemplo, prédios; o mesmo se diga de uma inundação, um vendaval, etc.. (…) Considera-se facto jurídico todo o sucesso ou acontecimento, seja natural ou voluntário, que a ordem jurídica considere relevante para a criação, modificação, ou extinção de direitos (…)” (PFC., p. 325)
Os factos ilícitos classificam-se em intencionais e meramente culposos: os primeiros, são praticados com a intenção de prejudicar, causar dano (dolo), enquanto nos segundos não existe essa intenção, mas apenas imprudência ou negligência do seu autor (culpa em sentido estrito).
Aos factos ilícitos intencionais chama-se delitos e aos meramente culposos quase-delitos.
O autor da prática de tais atos, quer os tenha praticado com intenção ou mera culpa é sempre obrigado a indemnizar o lesado por perdas e danos.
O Código Civil considera de interesse prático essa distinção entre dolo (art.º. 253.º) e mera culpa; assim, por exemplo, nos artigos 814.º, n.º 1, e 1681.º, n.º 1, a obrigação de indemnizar pressupõe o dolo.
Embora a responsabilidade civil vise reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do CC), a ordem jurídica admite uma limitação equitativa da indemnização no caso de mera culpa.
Determinamos, assim, que a natureza da ilicitude varia consoante o dever jurídico violado que se traduzem em:
ilícitos civis, penais ou criminais, disciplinares, administrativos.
Ilícito Civil e Ilícito Criminal:
É particularmente importante a distinção entre atos ilícitos civis e penais ou criminais, que se baseia na diferente natureza das sanções que a lei lhes faz corresponder. Os atos ilícitos civis, porque violam uma norma de Direito Privado, atingem simples interesses particulares e dão lugar às sanções civis As formas mais importantes de sanções civis são a reintegração in natura e reintegração por mero equivalente.
Neste tipo de sanções, o que interessa verdadeiramente é a restituição dos interesses lesados da pessoa ofendida. Daí que sejam privadas e disponíveis.
Exemplo: O pagamento de uma indemnização O facto de as sanções civis terem carácter “disponível” significa que o lesado pode prescindir livremente da sua aplicação. Ex: um caso de indemnização por danos, pode o lesado deixar de exigir a reparação devida.
A prática de atos ilícitos civis pode desencadear a responsabilidade civil, na qual está subjacente a ideia da reparação patrimonial de um dado privado, pois o dever jurídico infringido foi estabelecido diretamente no interesse da pessoa lesada.
Vejamos um ato puramente civil que implica apenas uma responsabilidade civil: “O não pagamento de uma dívida em tempo devido.”
O Código Civil sistematiza a responsabilidade civil nos artigos 483.º e seguintes, 562.º e ss., e 798.º e ss.:
Artigo 483.º (Princípio geral)
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO:
Artigo 562.º
(Princípio geral)
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o
evento que obriga à reparação.
FALTADECUMPRIMENTOEMORAIMPUTÁVEISAODEVEDOR:
Artigo 798.º
(Responsabilidade do devedor)
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Os atos ilícitos criminais, porque violam uma norma de Direito Penal (Direito Público), atingem interesses gerais e valores básicos da sociedade e dão origem às sanções criminais. Estas visam defender a sociedade e têm por fim reprovar os crimes, prevenir a sua futura repetição e readaptar socialmente o criminoso. Daí o seu carácter público e indisponível (ninguém pode dispor delas, logo não pode impedir a sua aplicação).
Exemplo: A pena de prisão; medidas de segurança.
A prática de atos ilícitos criminais desencadeia a responsabilidade penal ou criminal, que aparece como uma defesa para os autores de factos que atingem a ordem social, visando assim satisfazer os interesses da comunidade. Neste caso, e ao contrário da responsabilidade civil, o dever jurídico infringido foi estabelecido no interesse geral da coletividade.
Vejamos atos ilícitos puramente criminais que implicam apenas responsabilidade criminal: “Tentativa de crime ou crime frustrado; uso de arma de fogo sem licença”.
Apesar das diferenças existentes entre estas duas formas de responsabilidade, elas não se excluem necessariamente, embora por vezes se nos deparem atos ilícitos que apenas dão lugar ou a uma sanção civil ou a uma sanção penal, de que já demos exemplos. Sucede, porém, o mesmo facto poder reunir as duas qualificações, i.e., ser simultaneamente ilícito civil e ilícito criminal, dando assim lugar à coexistência das duas formas de responsabilidade.
Consideremos o exemplo já referido em ponto anterior, o «homicídio»: A lei civil obriga o autor do facto a indemnizar os prejuízos que causar aos familiares da vítima, e a lei penal aplica-lhe uma pena das mais graves – privação da liberdade.
Nos pontos seguintes, vamos estudar alguns aspetos principais da responsabilidade civil pela grande importância que esta assume no direito atual, devido à própria evolução da vida moderna, quer sob o ponto de vista científico, quer tecnológico. A responsabilidade criminal, pelo seu carácter específico, não cabe no âmbito desta unidade curricular.
IlícitoDisciplinar
Há ilícito disciplinar quando um funcionário ou agente integrado em certa organização pratica um ato voluntário que infringe alguns dos deveres decorrentes da função que exerce, violando regras que disciplinam o funcionamento dessa organização.
Exemplo: Falta de assiduidade e de pontualidade, desobediência às ordens dos superiores hierárquicos, incompetência, ausência ilegítima, abandono do lugar/local de trabalho.
O autor do ilícito disciplinar incorre em responsabilidade disciplinar e, consequentemente, na aplicação de sanções disciplinares. Estas vão desde a mera repreensão até à suspensão ou, em casos muito graves, à demissão.
Note-se que ao mesmo ato, por estar inserido em duas ou mais formas de ilicitude, podem corresponder
cumulativamente várias modalidades de sanções.
Exemplo: o ato de um funcionário público que, no exercício das suas funções, pratica um roubo, é ilícito civil, penal e disciplinar, podendo dar lugar a indemnização, prisão, e demissão, simultaneamente.
IlícitodeMeraOrdenaçãoSocial:
O Código Penal Português introduziu uma separação radical entre duas espécies de infrações: crimes e contraordenações. O DL n.º 433/82, de 27 de outubro (atualmente com o texto alterado pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro), veio contribuir para a criação de um ramo de direito punitivo autónomo e distinto do Direito Penal - o Direito das Contraordenações.
O conteúdo deste direito punitivo já não é o ilícito penal, mas o ilícito de mera ordenação social, que abrange as contraordenações e que consiste no desrespeito de regras que visam proteger valores coletivos de segunda relevância.
No ponto 1 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 433/82 afirma-se que: «Resumidamente, o aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc.»
«(…) A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções. Só que tal não pode fazer-se, como unanimemente reconhecem os cultores mais qualificados das ciências criminológicas e penais, alargando a intervenção do direito criminal. Isto significaria (…) a impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas da prevenção e repressão da criminalidade mais grave (…)
No ponto 2 do mesmo diploma afirma-se ainda:
(…) No mesmo sentido, ou seja, no da urgência de conferir efectividade ao direito de ordenação social, distinto e autónomo do direito penal, apontam as transformações operadas ou em vias de concretização no ordenamento jurídico português, a começar pelas transformações do quadro jurídico-constitucional. Por um lado, com a revisão constitucional aprovada pela Assembleia da República o direito das contra-ordenações virá a receber expresso reconhecimento constitucional (cf. v. g. os textos aprovados para os novos artigos 168.º, n.º 1, alínea d), e 282.º, n.º 3).
(…) o direito criminal deve apenas ser utilizado como a ultima ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à convivência humana, não sendo lícito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal. (…) o novo Código Penal (…) deixa aberto um vasto campo ao direito de ordenação social naquelas áreas em que as condutas, apesar de socialmente intoleráveis, não atingem a dignidade penal.»
Refere também o ponto 3 do mesmo diploma:
«(…) importava introduzir algumas alterações no regime geral das contra-ordenações. Tratava-se, fundamentalmente, de colmatar uma importante lacuna, estabelecendo as normas necessárias à regulamentação substantiva e processual do concurso de crime e contra-ordenação, bem como das vicissitudes processuais impostas pela alteração da qualificação, no decurso do processo, de uma infracção como crime ou contra-ordenação.
Para além disso e das alterações introduzidas quanto às autoridades competentes para aplicar em primeira instância as coimas (retirando-se tal competência aos secretários das câmaras municipais), manteve-se, no essencial, inalterada a lei das contra- ordenações. Apesar de se tratar de um diploma de enquadramento, manifesta-se a vontade de progressivamente se caminhar no sentido de constituir efectivamente um ilícito de mera ordenação social.
Manteve-se, outrossim, a fidelidade à ideia de fundo que preside à distinção entre crime e contra-ordenação. Uma distinção que não esquece que aquelas duas categorias de ilícito tendem a extremar-se, quer pela natureza dos respectivos bens jurídicos quer pela desigual ressonância ética. Mas uma distinção que terá, em última instância, de ser jurídico-pragmática e, or isso, também necessariamente formal.»
III-ResponsabilidadeCivilExtracontratualeResponsabilidadeCivilContratual
O ilícito pode ser contratual e extracontratual.
A chamada responsabilidade civil contratual consiste na infração de uma relação obrigacional ou de
crédito, que existia entre o lesante e o ofendido.
Ex: a responsabilidade consequente ao não pagamento de uma dívida. O Código Civil trata esta forma de
responsabilidade nos artigos 798.º e seguintes.
Por sua vez, a responsabilidade civil extracontratual resulta da infração de um dever ou vínculo jurídico geral, i.e., um daqueles deveres gerais de abstenção impostos a todas as pessoas e que correspondem, como já estudamos, aos direitos absolutos. Ex: a responsabilidade resultante da violação de um direito de propriedade, ou de um direito de personalidade (direito à vida, à honra, etc.).
O Código Civil refere-se a esta forma de responsabilidade no art.º. 483.º (que iremos estudar) e seguintes.
À responsabilidade contratual e extracontratual interessam ainda os artigos 562.º e ss., do CC., respeitantes «à obrigação de indemnização» seja qual for a sua origem.
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL:
A responsabilidade extracontratual ou aquiliana é aquela que deriva de um ilícito extracontratual, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, consoante o art. l56.º do CC, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual.
Não nos vamos deter na análise da responsabilidade civil extracontratual, porque o seu regime é fundamentalmente idêntico ao da
responsabilidade contratual.
Alguns aspetos sucintos de distinção:
A responsabilidade por factos ilícitos;
A responsabilidade objetiva ou pelo risco;
A responsabilidade por factos lícitos danosos.
ii) RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – (iii) da responsabilidade por factos ilícitos:
Formas de ilicitude:
Importa fazer referência às duas formas de ilicitude referidas no art. 483.º do CC.: “violação de um direito de outrem” e “violação da
lei que protege interesses alheios”.
Na primeira forma de comportamento ilícito referida – violação de direitos subjetivos – incluem-se especialmente as ofensas aos direitos absolutos, como os direitos reais e os direitos de personalidade, que podem dar lugar à obrigação de indemnizar.
Ex: a perturbação do exercício do direito do proprietário, mediante a emissão de fumos, cheiros, ruídos, etc. (art. 1346.º do CC); a usurpação do nome; a publicação de cartas confidenciais.
Na segunda forma de ilicitude, trata-se da infração de leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respetivos titulares quaisquer direitos subjetivos; e ainda a infração de leis que, visando a proteção de interesses coletivos, atendem também aos interesses particulares subjacentes.
Ex: infração de uma lei aduaneira que proteja a indústria do país; violação das regras de trânsito ou de lei que proíba o estacionamento
de veículos em certos locais; infração de uma lei que imponha certas medidas sanitárias.
Apuramos que é o artigo 483.º do CC que consagra o princípio geral desta matéria.
Da análise efetuada, destaca-se que o dever de indemnizar resulta dos seguintes 5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL:
O facto – tem de existir um facto voluntário do agente e não um mero facto natural produtor de danos;
A ilicitude – é necessário que o facto do agente seja ilícito;
Imputação do facto ao lesante – importa também que a violação ilícita dos direitos ou interesses de outrem esteja ligada a uma pessoa que tenha agido com culpa;
O dano – é ainda necessário que o facto ilícito culposo tenha causado um dano ou prejuízo a alguém, pois sem dano não existe responsabilidade civil;
Nexo de causalidade entre facto e o dano - por último, deve existir também uma ligação entre estes dois elementos, de modo a concluir-se que o facto constitui a causa do dano.
Às duas situações atrás referidas deve acrescentar-se como conduta geradora da responsabilidade
extracontratual «o abuso do direito».
Esta figura ocorre quando um determinado direito é exercido de modo a que ofenda o sentimento de justiça
dominante na comunidade social e encontra-se prevista no art. 334.º do CC.:
Artigo 334.º (Abuso do direito)
«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
Exemplo: o titular de direito de propriedade tem a faculdade de abrir poços no seu prédio, como decorre dos artigos 1305.º e 1348.º do CC.; no entanto, se o titular do direito, com a abertura do poço, privar do abastecimento de água a comunidade em que vive, é óbvio que esta sua conduta se enquadra na figura de abuso do direito.
ResponsabilidadeObjetivaoupeloRisco:
Em regra, a ilicitude e a culpa são, como já vimos, requisitos da responsabilidade civil extracontratual. Daí que só exista a obrigação de reparar quando os prejuízos causados a terceiro provêm de um facto ilícito imputável a conduta culposa.
A evolução do mundo contemporâneo, fortemente tecnológico e industrializado, bem como o desenvolvimento de certas atividades e profissões do Homem fizeram multiplicar os riscos. Também, com frequência, os factos causadores de danos não se podem atribuir a um só indivíduo, mas a um conjunto de pessoas. É o que acontece na realização de certas tarefas envolvendo processos de trabalho muito complexos e a cooperação de muitas pessoas, onde é difícil, senão impossível, determinar o exato culpado.
Esta alteração de condições levou a encarar o problema da responsabilidade civil sob um novo ângulo, surgindo assim ao lado da responsabilidade subjetiva ou baseada na culpa, uma outra responsabilidade, independente da culpa, ainda que em casos excecionais – a responsabilidade objetiva ou pelo risco (art. 499.º e ss. do CC).
Os acidentes de trabalho e os de circulação rodoviária foram importantes para o desenvolvimento da responsabilidade objetiva, vindo-se-lhes a juntar depois outras situações expressivas. Assim, embora predomine o princípio da responsabilidade subjetiva, existem determinadas situações de responsabilidade objetiva ou pelo risco que obrigam à reparação, sem que tenha havido qualquer dolo ou culpa por parte do agente. Nestes casos, o dever de indemnizar não resulta forçosamente de um ato ilícito do responsável, mas tão só de uma conduta perigosa.
O código Civil considera a responsabilidade baseada na culpa como regime geral e limita a responsabilidade objetiva (art. 499.º e ss.) a certos casos especiais, designadamente os relativos a danos causados por animais e os acidentes causados por veículos. Entre as causas de exclusão da responsabilidade objetiva neste tipo de acidentes, cita-se «causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo». Importa distinguir, a propósito dos acidentes causados por veículos, caso fortuito de caso de força maior. O primeiro consiste em qualquer risco natural das coisas ou maquinismos utilizados pelo agente (ex: rebentamento de um pneu; quebra de direção, etc…); o segundo, deve-se a uma força da natureza estranha a essas coisas ou maquinismos (ex: um ciclone que arremesse um veículo contra um transeunte ou prédio; faísca elétrica que provoca um incêndio, etc…).
De acordo com o art. 505.º do CC., só se afasta a responsabilidade no caso do acidente resultar «de causa de força
maior estranha ao funcionamento do veículo».
Responsabilidadepor factos lícitos danosos
Por último, surge-nos a responsabilidade extracontratual resultante da prática de um ato lícito, que obriga no entanto o seu autor a reparar o prejuízo que porventura tenha causado a terceiros. Pode parecer uma contradição o que acaba de se expor, mas pode ao mesmo tempo não ser justo uma pessoa lesar, em beneficio de um direito ou interesse juridicamente protegido e mediante a prática de ato lícito, um direito de outrem, sem nenhuma compensação deste. Por isso se impõe nuns casos e se admite noutros a fixação de uma indemnização ao lesado, a cargo do agente ou beneficiário do ato praticado.
Não existe na nossa legislação uma norma genérica acerca da responsabilidade por factos lícitos que ocasionem dano. Porém, no Código Civil e em diplomas avulsos estão previstos vários significativos, como os que seguidamente apresentamos:
Ex: O «Estado de necessidade» previsto no art. 339.º do CC., em que a necessidade de remover perigo atual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro, pode legitimar a destruição ou do dano da coisa alheia.
Contudo, a licitude do ato não exime o seu autor do dever de indemnizar o prejuízo sofrido pelo dono da
coisa destruída, danificada ou usada.
Ex: captura de enxames de abelhas (art. 1322.º do CC); apanha de frutos (art. 1367.º do CC).
Citamos exemplos compreendidas no Direito Privado, mas do mesmo modo, em outras situações abrangidas pelo Direito Público, como no caso das expropriações por utilidade pública (art. 1310.º do CC.), vigora o mesmo princípio.
IV - CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
As causas de exclusão da ilicitude não são mais do que circunstâncias que retiram ao facto que ocasionou
determinado dano a sua ilicitude e excluem a responsabilidade civil.
De entre as causas de exclusão da ilicitude referiremos:
A ação direta;
A legítima defesa;
O estado de necessidade;
O consentimento do lesado.
Antes de passarmos a analisar cada uma destas figuras, salientamos que é usual tratá-las a propósito do
«Exercício e Tutela de Direitos», mais propriamente na Tutela Privada e Autotutela, que assume caráter de exceção, face ao artigo 1.º do CPC.
A ação direta:
É a situação em que se considera justificado o recurso à força com o fim de preservar ou realizar o próprio direito, quando se verifique a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais e desde que o agente use da força apenas na medida necessária para evitar o prejuízo. Encontra-se prevista no artigo 336.º do CC.
Ex: um filho menor é confiado à guarda do pai pelo tribunal, a mãe apodera-se da criança e tenta fugir com ela: é licito o impedimento pela força, feito pelo pai, para evitar a fuga, contanto que não exceda os limites em que a lei lhe consente esta ação direta.
Alegítimadefesa:É a situação em que se considera justificado o ato destinado a afastar qualquer agressão dirigida contra o agente ou terceiro, desde que na agressão e na defesa se verifiquem os requisitos que a lei enumera: “agressão atual e ilícita” e “defesa necessária e proporcional”.
Artigo 337.º do CC. (Legítima defesa)
Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
O acto considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima defesa, se o excesso for devido a
perturbação ou medo não culposo do agente.
Exemplo: António está para lançar fogo a uma seara de Bento. Carlos, que ao passar pelo local se apercebe da situação, imobiliza António, impedindo-o assim de consumar o ato. Ora, a conduta de Carlos é lícita na medida em que visa defender o património de Bento e não usou mais do que os meios necessários para isso.
Jurisprudência
1. Ac. do TRP de 13.06.2018 Responsabilidade civil. Atropelamento na sequência de assalto. Legítima defesa putativa. Erro desculpável. Responsabilidade pelo risco. Concurso de responsabilidade pelo risco com culpa.
- Age num quadro de legítima defesa própria e de terceiro (o seu filho de dois anos), o condutor que em resposta a uma agressão iminente de uma pessoa, encapuçada, que lhe apontava uma pistola e que acabara de cometer um roubo, avança em frente com o veículo que tripulava, colhendo essa pessoa que se colocou na frente do veículo, a fim de o imobilizar.
- Ainda que se deva concluir tratar-se de uma legítima defesa putativa, em virtude da arma apontada pelo peão atropelado contra o condutor do veículo FM não ser verdadeira, nas circunstâncias do caso, o erro sobre a natureza da aludida arma deve considerar-se desculpável, não havendo por isso obrigação de indemnizar.
- Sendo o falecido que intencionalmente se colocou na frente do veículo que o veio a atropelar, ameaçando o seu condutor com uma arma que depois se veio a verificar ser falsa, na mira de o imobilizar e, certamente, de se apoderar do mesmo e de nele fugir do local onde acabara de cometer um crime de roubo, deve considerar-se que o atropelamento se deve exclusivamente ao peão mortalmente atropelado, excluindo-se a responsabilidade pelo risco, e, por maioria de razão, o concurso da responsabilidade pelo risco emergente da circulação do veículo com a culpa do peão atropelado.
Estadodenecessidade:
É a situação de constrangimento em que fica quem sacrifica coisa alheia com o fim de afastar um perigo atual de um perigo manifestamente superior. Em estado de necessidade, atua-se por iniciativa própria e como meio de defesa para afastar um perigo que pode ter variada proveniência, mas nunca a agressão de outrem.
O estado de necessidade torna lícitos certos atos que, de outro modo, não o seriam.
Artigo 339.º do CC. (Estado de necessidade)
É lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano
manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.
O autor da destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade.
Exemplo:
Para apagar um incêndio em certa propriedade, causam-se danos na propriedade contígua. A obrigação de indemnizar pertence ao dono da que foi incendiada.
Abel, para conduzir o seu irmão em estado grave ao hospital, utiliza um automóvel alheio, tendo-lhe causado alguns danos. Abel deverá indemnizar o proprietário do referido automóvel pelo prejuízo causado.
Oconsentimentodolesado:
O consentimento do lesado é também considerado uma causa justificativa do facto ou de exclusão da ilicitude, nos termos do art. 340.º do CC. Como a própria designação aponta, consiste no consentimento do titular do direito à prática de um determinado ato que, sem esse consentimento constituiria uma violação desse direito ou da norma que tutela o respetivo interesse.
Artigo 340.º do CC. (Consentimento do lesado)
O acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão.
O consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes.
Tem-se por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.
Exemplo:
Se ricardo autoriza Luís , seu vizinho, a entrar na sua casa quando ele se ausenta, para ler o seu correio ou colher os frutos do seu pomar, não haverá ilicitude nestes actos, que de outro modo teriam esse carácter, dado que houve por parte de Ricardo autorização para serem realizados (art. 340.º, n.º 1 do CC.);
Se no decorrer da cirurgia a que António se submeteu para extrair o apêndice e para a qual deu o seu consentimento, o seu médico descobrir que outro órgão está gravemente afetado, tendo assim que alargar a sua intervenção, presume-se que António deu também o seu consentimento para a realização deste ato, que foi no seu interesse (art. 340.º, n.º 3 do CC.)