Funcionalismo e Estruturalismo na Antropologia
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O Funcionalismo
Em antropologia, o funcionalismo corresponde à doutrina que pretende privilegiar o estudo da função dos elementos sociais em detrimento do estudo da sua forma. O conceito de forma social designa qualquer aspecto de um complexo de civilização cujas expressões podem ser observadas e transmitidas de uma sociedade para outra.
Os funcionalistas consideram o estudo da sociedade em termos de organização e funcionamento. O objetivo é evidenciar as relações causais, funcionais e interdependência entre os factos sociais e as instituições de uma dada sociedade.
O fundador e o mais notável representante do funcionalismo antropológico foi Malinowski. Este tentou ilustrar o postulado funcionalista em várias obras da sua autoria, em particular nos Argonautas do Pacífico Ocidental (1922). Mas Radcliffe-Brown (1881-1955) esteve igualmente na origem da teoria funcionalista que mais tarde viria a ser desenvolvida por M. Fortes (1906-1983).
Para Malinowski, a identidade real de uma cultura parece repousar sobre a conexão orgânica de todas as suas partes, sobre a função que um determinado pormenor preenche no interior do seu sistema, sobre as relações entre o sistema, o meio e as necessidades humanas.
O fundamento da necessidade e resposta à necessidade, postulado por Malinowski, leva-o a criar uma tipologia distinguindo entre:
- As necessidades primárias a que o homem está adstrito por razões biológicas, algumas delas universais por essa razão (como a necessidade de se alimentar);
- As necessidades derivadas, próprias da condição humana e específicas das sociedades (tais como a educação, a linguagem);
- As necessidades sintéticas que correspondem a motivações características do psiquismo humano (como os ideais, a religião).
Os analistas da teoria funcionalista moderna, expurgada dos seus aspectos mais contestáveis, apresentam o funcionalismo como sendo simultaneamente uma doutrina e um método. Como doutrina, quando postula uma orientação geral segundo a qual a utilidade é a finalidade absoluta do estado da sociedade ou cultura.
Como método, quando considera que os factos descritos devem ser recolocados no seu contexto e interpretados em relação a este.
O funcionalismo corresponde ao postulado metodológico doutrinal que consiste em estudar, na sincronia, os factos sociais e as instituições não só em si, mas fundamentalmente nas suas relações funcionais com a totalidade do conjunto social onde operam. Segundo os funcionalistas, o facto social ou a instituição em causa só revela a sua razão de ser quando apreendidos nas suas relações funcionais com os outros factos ou instituições constituintes da totalidade social.
Encontra-se implícito no funcionalismo uma hipótese holística e um princípio utilitarista.
Para autores não deterministas (sociólogos interacionistas, etnometodólogos) a carga do princípio utilitarista do funcionalismo significa atribuir um peso desmesurado ao determinismo do quadro social, no seio do qual os atores sociais se movem, sem que este permita a menor liberdade de ação.
Certas críticas feitas ao funcionalismo vieram em particular dos antropólogos dinamistas e da corrente marxista (muito representada em França, por investigadores como C. Meillassoux, E. Terray, F. Rey, M. Godelier) que contestaram a sua postura anti-história. Estes, contrariamente aos funcionalistas, consideram que as sociedades não são sistemas delimitados e equilibrados, se o fossem não seria possível dar conta das tensões sociais e da mudança social observável.
Mas é sobretudo Lévi-Strauss que exemplifica nos melhores termos os excessos do raciocínio funcionalista:
Dizer que uma sociedade funciona é um truísmo; mas dizer que tudo numa sociedade funciona é um absurdo.
Em avaliações sucessivas, o funcionalismo foi retificando os seus excessos iniciais. Na prática atual, da maioria dos investigadores, a análise funcional consiste em tratar qualquer facto do ponto de vista das relações relativas que ele mantém, sincronicamente, com outros factos sociais no seio de uma totalidade.
Na sua definição mais recente, a noção de função não deve ser entendida como um facto de causa a efeito, mas somente como uma relação de interdependência relativa entre os factos, sendo que as relações existentes entre eles não representam relações de determinação ou leis de funcionamento. Nestas condições, a função não tem valor explicativo em si, mas unicamente um valor heurístico.
O Estruturalismo
C. Lévi-Strauss foi, sem dúvida, nos anos sessenta, o grande representante do estruturalismo em antropologia social.
O interesse pela linguística resulta da convicção de que esta ocupava um lugar cimeiro no conjunto das ciências sociais e que neste conjunto foi a que de longe realizou os maiores progressos: a única, sem dúvida, a poder reivindicar o nome de ciência e a ter conseguido, ao mesmo tempo, formular um método positivo e conhecer a natureza dos factos submetidos à sua análise.
Segundo Lévi-Strauss, o objeto estrutural consiste em procurar pelo método dedutivo as estruturas particularmente inconscientes que podem ser evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos, como: as regras de parentesco, a mitologia, as práticas culinárias, as classificações culinárias, a arte, etc.
Análise estrutural significa procurar e estudar a estrutura inconsciente subjacente a cada instituição, o sistema no qual ela assenta e o modo de funcionamento das relações entre todos os elementos constituintes desse sistema.
As estruturas não correspondem à realidade empírica, mas aos modelos que são construídos a partir dela, os quais devem satisfazer três condições:
- Apresentar um carácter de sistema onde todos os elementos são solidários uns dos outros, de tal modo que nenhum se pode modificar sem que esta mudança afete todos os outros;
- Tornar possível uma série de transformações ordenadas, conduzindo a um ou vários grupos de modelos do mesmo tipo;
- Permitir prever de que forma reagirá o modelo se um ou vários dos seus elementos for modificado.
A noção de estrutura é antiga, assim como a sua utilização em antropologia social cuja definição varia segundo os autores. Para alguns destes autores, designadamente sociólogos, a noção de estrutura corresponde à organização social e às respetivas relações sociais efetivas ou ao sistema de interações observáveis entre os diferentes patamares sociais existentes numa sociedade.
Como vimos, a perspetiva é diferente no estruturalismo de Lévi-Strauss. Segundo o autor, a estrutura só se revela através dos modelos construídos a partir da realidade empírica observada e descrita pela etnografia. Ou seja, a estrutura não existe em si. Ela só se revela em função dos elementos que ela conjuga: o princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos a partir dela.
É neste sentido que o autor define estrutura: uma estrutura oferece um carácter de sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificação qualquer num deles conduz a uma modificação de todos os outros. Em segundo lugar, qualquer modelo pertence a um grupo de transformações em que cada uma corresponde a um modelo da mesma família. Em terceiro, as propriedades indicadas em cima permite prever de que modo reagirá o modelo no caso de modificação de um dos seus elementos. Finalmente, o modelo deve ser construído de tal forma que o seu funcionamento possa dar conta de todos os factos observados.
Outra das características do estruturalismo de Lévi-Strauss é querer explicar a relação do universal com o particular, com fundamento em relações de transformação dos modelos sociais.
A questão central, em Lévi-Strauss, é a explicação do tipo de fenómeno em causa: a essência da natureza humana. O autor, face às diferentes realidades sociais, aplicou-se a estabelecer uma divisão metodológica na procura dos fenómenos, o que em nada afeta a tomada em consideração da história, mas desembaraça a antropologia e clarifica o seu objeto.
É precisamente no estudo dos mitos que Lévi-Strauss vai igualmente aplicar a análise estrutural depois da sua obra monumental sobre as Estruturas Elementares do Parentesco.
Todavia, o estruturalismo antropológico não se resume a Lévi-Strauss, nem este é exatamente o mesmo que o dos sociólogos ou de antropólogos como Radcliffe-Brown, designadamente, o qual define a estrutura como tendo uma disposição ordenada de partes ou de elementos que a compõem. Segundo esta proposta, os elementos da estrutura são pessoas, seres humanos, considerados não como organismos, mas como ocupando um lugar na estrutura social. Quanto à estrutura social, esta designa a rede complexa de relações sociais existindo realmente e reunindo seres humanos individuais num certo ambiente natural.
Ou seja, para Radcliffe-Brown, a estrutura tem uma existência concreta, provida de elementos na forma de indivíduos, com lugar marcado na estrutura social, a qual ela própria resulta de relações interindividuais reais.
A perspetiva de Radcliffe-Brown nunca chegou a revelar-se, no sentido moderno da definição da palavra, uma abordagem dos fenómenos sociais dita estruturalista. A razão prende-se com o facto de considerar a natureza da estrutura como a soma dos seus elementos constituintes e estes elementos de estrutura como tendo um papel funcional concreto no sistema social. Por esta razão, Radcliffe-Brown não é considerado um estruturalista, mas fundamentalmente um estruturo-funcionalista.