Fundamentos do Direito Internacional Público (DIP)

Classificado em Direito

Escrito em em português com um tamanho de 10,82 KB

Origem e Conceitos Fundamentais do DIP

Origem Histórica

O surgimento do Direito Internacional e do Estado moderno está associado ao Tratado de Paz de Vestfália, que colocou fim à Guerra dos Trinta Anos.

Características do Direito Internacional Público

  • Soberania: É essencial para o DIP, pois representa o limite desse direito.
  • Coordenação: Decorre da soberania e da ausência de subordinação. Um Estado não se subordina a outro, mas pode atuar conjuntamente.
  • Ausência de poder central: Não há um poder legislativo mundial para a produção e execução de normas.
  • Normas criadas pelos próprios destinatários: Os Estados, que são os destinatários das normas, são também os seus criadores, por meio dos Tratados.
  • Obrigatoriedade: A norma torna-se obrigatória porque o Estado se submeteu ao tratado por meio de sua concordância.
  • Jurisdição: Existem jurisdições internacionais, mas sua aceitação é, em regra, facultativa.
  • Hierarquia: Na esfera internacional, não há hierarquia formal entre as normas, mas uma norma pode ser mais específica que outra em determinado assunto.

Fundamento da Obrigatoriedade do DIP

O que torna o Direito Internacional obrigatório? Duas teorias principais tentam explicar:

  • Teoria Voluntarista (ou Positivista): O DIP é obrigatório porque resulta da vontade dos Estados, que consentem em se submeter a ele. Esta teoria é criticada por valorizar excessivamente a soberania.
  • Teoria Objetivista: Existem regras e princípios essenciais à manutenção e sobrevivência da sociedade internacional. A vontade do Estado não é o fator principal; o direito apenas reconhece essas normas necessárias, e os Estados devem consentir por necessidade. Esta teoria é criticada por não dar espaço suficiente à soberania.

Teoria Adotada: Pacta Sunt Servanda

As duas teorias se complementam, formando a base do princípio Pacta Sunt Servanda (os pactos devem ser cumpridos). Os Estados, por serem soberanos, consentem em firmar acordos para garantir sua própria sobrevivência e coexistência. Essa é a teoria adotada atualmente.

Os princípios considerados essenciais e de observância obrigatória são chamados de ius cogens. São normas imperativas, geralmente de origem costumeira, que não podem ser revogadas por tratados ou outros costumes.

Relação entre Direito Internacional e Direito Interno

As normas internacionais não se confundem com as normas internas. Para que os tratados tenham validade no ordenamento jurídico de um país, é necessário um processo de incorporação, momento em que pode ocorrer um choque entre as normas.

Teorias de Incorporação

  • Dualismo Radical: Exige que o tratado seja transformado em uma lei interna para ter validade.
  • Dualismo Moderado (ou Mitigado): Adotado no Brasil, exige um ato de incorporação (decreto presidencial), mas não a transformação do tratado em lei.
  • Monismo: Entende que o ordenamento jurídico é um só. Uma vez celebrado, o tratado já passa a fazer parte do ordenamento interno.

Tratados de Direitos Humanos no Brasil

  • Status de Emenda Constitucional: Tratados de direitos humanos aprovados no Congresso Nacional pelo mesmo rito das emendas constitucionais (duas casas, dois turnos, 3/5 dos votos) integram o chamado bloco de constitucionalidade. Atualmente, o principal exemplo é o Tratado sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
  • Status Supralegal: Tratados de direitos humanos anteriores à Emenda Constitucional nº 45 de 2004, ou que não seguiram o rito especial, possuem status de norma supralegal, ou seja, estão acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição Federal.

Sujeitos do Direito Internacional

Personalidade é a aptidão para ser titular de direitos e obrigações na ordem internacional. Capacidade é a aptidão efetiva para exercer esses direitos e contrair obrigações.

  • Primários ou Originários: O Estado, pois é dele que surgem os demais sujeitos.
  • Derivados ou Secundários: Organizações Internacionais, que dependem da vontade dos Estados para existir.
  • Fragmentados ou Atípicos:
    • Indivíduos, ONGs e Empresas: Possuem personalidade limitada a certas áreas, como direitos humanos e direito humanitário (Cruz Vermelha). Empresas podem criar normas de soft law (protocolos de intenção sem força obrigatória).
    • Beligerantes: Grupos que, em uma guerra civil, alcançam um nível de organização que se equipara ao de um Estado em uma parte do território, podendo ser reconhecidos como sujeitos de direito e obrigações.
    • Insurgentes: Grupos que causam instabilidade interna, mas com menor organização que os beligerantes. Podem ser reconhecidos como sujeitos em certas circunstâncias.
    • Movimentos de Libertação Nacional: Buscam a independência de um povo em relação a um Estado, sem necessariamente alterar as estruturas políticas.
    • Santa Sé: Representação da Igreja Católica. É um ente anômalo, pois possui território (Vaticano) e soberania, mas não tem povo. Exerce o direito de legação (enviar e receber missões diplomáticas).

O Estado no Direito Internacional

Elementos Constitutivos do Estado

  • Povo: Conjunto de indivíduos ligados ao Estado pelo vínculo jurídico-político da nacionalidade, estejam no território ou no exterior.
  • Território: Espaço físico delimitado (terrestre, marítimo, aéreo e subsolo) sobre o qual o Estado exerce sua soberania. Não precisa ser contínuo nem ter fronteiras totalmente estabilizadas.
  • Soberania: Poder político e jurídico supremo. Internamente, é o poder de se auto-organizar; externamente, é o direito de não sofrer intervenção e o dever de não intervir em outros Estados.

Observação: Nas embaixadas, o território pertence ao Estado que a recebe, mas a jurisdição é exercida pelo Estado que envia a missão diplomática.

Alterações e Reconhecimento do Estado

Formas de Alteração

  • Secessão: Parte de um Estado se separa para formar um novo Estado.
  • Fusão: Estados se unem para formar um único novo Estado.
  • Desmembramento: Um Estado deixa de existir, dando origem a outros. Ex: Iugoslávia, que deu origem à Bósnia, Sérvia, Montenegro, etc.

Quando um Estado deixa de existir, os novos Estados formados devem, em regra, aderir novamente aos tratados.

Reconhecimento de Estado e de Governo

O reconhecimento de Estado é o ato pelo qual a comunidade internacional admite que uma nova entidade possui os elementos constitutivos de um Estado. É um ato declaratório e irrevogável.

O reconhecimento de governo é o ato pelo qual se admite um novo governo como representante legítimo de um Estado já existente nas relações internacionais. Um Estado pode existir sem que seu governo seja reconhecido por outros.

Doutrinas sobre Reconhecimento de Governo
  • Doutrina Tobar: O reconhecimento só deveria ser concedido a governos que contam com apoio popular, como forma de desestimular golpes de Estado.
  • Doutrina Estrada: O reconhecimento ou não reconhecimento expresso de um governo configura intervenção indevida em assuntos internos. Em caso de insatisfação, o Estado deve simplesmente romper relações diplomáticas.

Imunidade Diplomática e Consular

A imunidade de jurisdição impede que um Estado seja julgado pelos tribunais de outro, com base no princípio da igualdade soberana (par in parem non habet judicium).

Diplomata

O diplomata representa o Estado em questões políticas e goza de imunidade ampla.

  • Matéria Civil: Imunidade total, não podendo ser processado ou sequer servir como testemunha (extensível aos familiares). Exceções: atividades profissionais privadas, ações sobre imóveis particulares ou questões sucessórias.
  • Matéria Penal: Imunidade absoluta. Não pode ser processado no país onde atua. Exceção: crimes de competência do Tribunal Penal Internacional (crimes de guerra, contra a humanidade, etc.).
  • Matéria Tributária: Isenção de impostos diretos.

Cônsul

O cônsul trata de questões de interesse privado dos cidadãos de seu país (vistos, registros, etc.). Suas imunidades são restritas aos atos praticados no exercício da função.

Imunidade do Estado

A imunidade do Estado não é absoluta. Distingue-se entre:

  • Atos de Império (acta jure imperii): Atos inerentes ao poder soberano (guerra, paz, tratados). Gozam de imunidade.
  • Atos de Gestão (acta jure gestionis): Atos em que o Estado se equipara a um particular (contratos de trabalho, relações comerciais). Não gozam de imunidade.

Mesmo quando o Estado é condenado em um ato de gestão, seus bens afetos à missão diplomática não podem ser penhorados.

Princípios e Deveres dos Estados

Princípios das Relações Internacionais

A atuação dos Estados na esfera internacional é guiada por princípios fundamentais:

  • Independência nacional
  • Prevalência dos direitos humanos
  • Autodeterminação dos povos
  • Não intervenção
  • Igualdade entre os Estados
  • Defesa da paz e solução pacífica dos conflitos
  • Repúdio ao terrorismo e ao racismo
  • Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade
  • Concessão de asilo político

Direitos e Deveres Fundamentais

Consagrados em fontes como a Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados:

  • Direito de existir, independentemente de reconhecimento.
  • Direito de defender sua integridade, independência e existência.
  • Direito à autodeterminação.
  • Dever de respeitar os direitos de outros Estados.
  • Dever de não intervenção.
  • Dever de solucionar pacificamente as controvérsias.

Entradas relacionadas: