Gênero, Poder e Violência: Uma Análise Crítica
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O problema é que o poder continua a ser visto como realidade masculina. Não podemos considerar, a partir de generalizações, que toda mulher biográfica meritocrática exerce o poder como o homem, porque a questão reside na identificação do poder feminino na lógica do poder masculino.
A primeira coisa a perceber é o conceito de gênero, que parece um contexto simples, mas é muito complexo. Não existem pessoas sem gênero e não existe realidade humana que não seja, de alguma forma, violência. Gênero é a diferença entre feminino e masculino. É uma realidade cultural, uma construção cultural, ou seja, uma construção social e sociocultural.
Gênero não é uma coisa com que a pessoa nasce, porque é a sociedade que produz conceitos de homem e mulher. As pessoas nascem com sexo, mas adquirem um gênero. O gênero é a cultura, que é artifício, mudando com a época da história, e a cultura muda os padrões de identidade de gênero. O gênero transforma-se de acordo com a transformação da sociedade ou de acordo com a sociedade em que estamos.
Por naturalização de gênero, entende-se a tendência tradicional para considerar que o gênero é natural. Considerar que o gênero é um dado natural é considerar o discurso supremacista sobre o poder do homem, favorecendo a ideia de que a mulher está abaixo do homem, perante Deus e perante a natureza.
Hoje, é favorecida a igualdade de gênero, sendo relações simétricas. O gênero é a primeira identidade; não há identidade sem gênero.
Outro conceito importante é perceber o que é violência de gênero, mas antes temos de perceber o conceito de violência. A violência é uma forma de abuso que tem, em paralelo, situações de vulnerabilidade. É um conjunto de ações aplicadas contra pessoas, contra o que elas são, têm e representam. O abusador/agressor aproveita-se da vulnerabilidade da vítima, ou seja, a violência é a intersecção do abuso, vindo da parte do abusador, e da vulnerabilidade da vítima. O homem é o polo dominante, e a mulher é o polo dominado. A vulnerabilidade muda de pessoa para pessoa.
O abuso tem sempre a ver com a hierarquia do poder, sendo importante diferenciar abuso de outro tipo de agressão. Violência não é apenas agressão; é a agressão no campo de relações de poder. Nem todas as formas de violência são abuso.
Na violência de gênero, o campo mais conhecido é o abuso doméstico, devido à assimetria entre homens e mulheres. A mulher é o objeto de abuso, sendo inferiorizada, e o homem é o abusador. A violência de gênero é a hierarquia familiar baseada na sociedade patriarcal. Patriarca vem de sociedades tradicionais, em que o pai é o líder e o chefe de casa, que tem uma mulher e é dono dela. O pai é supremacista, em que a família é o seu reino. O homem é mais importante que a mulher, e a família é o espaço de poder próprio. Mesmo que o homem não tenha poder na sociedade, ou seja, não tenha dinheiro – porque dinheiro é igual a poder social –, tem poder dentro de casa. Homem que não manda na mulher não manda em nada, porque, quando não se tem nada, tem-se a mulher e os filhos para mandar.
Numa sociedade patriarcal, o casamento é a medida das coisas, e a família é a medida de tudo. Tudo o que tem a ver com a mulher tem a ver com o marido.
O poder masculino é um círculo reservado de poder. Não existe nada mais raro que poder. Precisamente porque os homens não têm poder no mundo masculino, as mulheres servem de objeto compensatório nas relações de desigualdade. O homem não tem poder na sociedade, mas tem o agregado familiar. A questão fundamental do poder masculino não é a desigualdade de poder de homens e mulheres, mas sim entre homens, que é resolvida tornando a mulher objeto compensatório de poder. O que é grave na opressão feminina é que esta é masculina também.
A lógica do poder masculino é baseada na frustração, sendo a mulher usada para acabar com essa frustração. O homem que se sente frustrado na sociedade tende a expressar a sua frustração com os membros da família, que estão no seu reino. Homens sem poder tendem a transformar a esfera doméstica em esfera de terror, porque é apenas ali que se sentem homens.
A frustração está sempre na base das questões de violência; só regulando a frustração é possível regular a violência.
Atualmente, vivemos numa sociedade pós-patriarcal, onde o lugar de homens e mulheres não é definido no lugar de uma família, ou seja, a identidade de gênero de homens e mulheres não é dependente de padrões de reprodução familiar e assimetria de gênero. Na sociedade atual, altamente tecnológica, a identidade da mulher é definida pelo seu lugar no campo de trabalho, educação e tecnologia. Uma sociedade de tecnologia está sempre em atualização. O gênero é uma identidade de gêneros diferentes, e sexo é a anatomia sexual, uma realidade biológica.
No entanto, como gênero e poder são papéis sociais que se assumem, este “círculo reservado de poder masculino” pode incluir frequentemente mulheres que funcionam na lógica do poder masculino, ou seja, uma lógica de exclusão.
Da mesma forma que há mulheres que funcionam como homens, ou seja, têm poder porque poder é ser homem, existem homens que funcionam como mulheres, sem poder.
A mulher com poder trata toda a gente como “mulheres”, sendo homens ou mulheres, ou seja, objetos emasculados. Toda a intenção de representação das mulheres é a questão clássica do poder masculino. O problema do poder feminino é que é uma cultura de emasculação, tratar os homens como “mulherzinhas”, tendo respeito por determinados homens que consideram mesmo ser homens. Um problema também é quando as mulheres acham que representam as mulheres, quando a representação das mulheres é uma questão fundamentalmente da hegemonia masculina.
A mulher representa-se a ela própria; a libertação implica sempre autodeterminação. A mulher não serve para representar valores masculinos nem símbolos, ou seja, a mulher emancipada nem os representa. Mulher emancipada é igual a mulher autodeterminada.
Normalmente, as perspectivas feministas, mesmo enfatizando a ideia de papel de gênero, ou seja, a mulher é subalterna porque foi o papel que lhe foi imposto, porém, não abordam as relações de violência como papéis possíveis, alteração de papéis, mas, ao mesmo tempo, enfatizam o fato de que a violência pode ser também um papel. As perspectivas feministas tendem a ver a mulher como vítima, tão traumatizadas que imitam o agressor. Na verdade, a violência de gênero deve ser perspetivada como expressão de uma cultura de violência, onde a violência pode ser fonte de poder. Neste sentido, a mulher responde, por exemplo, ao abuso do marido sendo ela a opressora da esfera doméstica, onde a mulher não está traumatizada; apenas considera que dá poder ser o agressor. Têm obsessão pelo poder masculino. A mulher que copia o homem é, de facto, para agir como ele.
Pior que ser feminista é ser pró-feminista, em que a mulher é apenas agente de abuso. Ser simplesmente a favor da mulher é tão mau como ser contra a mulher.