Glicólise, Gliconeogênese e Vias Metabólicas: Regulação e Funções
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Glicólise: Obtenção de Energia e Conservação como ATP
A glicólise é um processo anaeróbico que visa obter energia e conservá-la como ATP por meio da fermentação. É uma via metabólica composta de dez passos, sendo os cinco primeiros a fase preparatória. Nessas reações, a glicose é inicialmente fosforilada no grupo hidroxila em C-6. A D-glicose 6-fosfato formada é convertida em D-frutose 6-fosfato, que é novamente fosforilada, desta vez em C-1, formando D-frutose 1,6-bifosfato. O ATP é o doador do grupo fosforila nas duas fosforilações. Em seguida, a frutose 1,6-bifosfato é quebrada, liberando duas moléculas de três carbonos: diidroxiacetona fosfato e gliceraldeído 3-fosfato. A diidroxiacetona fosfato é isomerada em uma segunda molécula de gliceraldeído 3-fosfato, finalizando a primeira fase da glicólise.
Duas moléculas de ATP são investidas antes da quebra da molécula de glicose. O ganho de energia provém da fase de pagamento da glicólise. Cada molécula de gliceraldeído 3-fosfato é oxidada e fosforilada por fosfato inorgânico, formando 1,3-bifosfoglicerato. A liberação de energia ocorre quando as duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato são convertidas em duas moléculas de piruvato. A maior parte dessa energia é conservada pela fosforilação acoplada de quatro moléculas de ADP para ATP. O produto líquido são duas moléculas de ATP e duas de NADH por molécula de glicose.
Destino do Piruvato em Condições Aeróbicas e Anaeróbicas
Em condições aeróbicas, o piruvato é oxidado a acetato, que entra no ciclo do ácido cítrico e é oxidado até CO2 e H2O. O NADH formado pela desidrogenação do gliceraldeído 3-fosfato é reoxidado a NAD+ pela passagem de seus elétrons ao O2 na respiração mitocondrial. Em músculos esqueléticos muito ativos, o NADH gerado pela glicólise não pode ser reoxidado pelo O2. A incapacidade de regenerar NADH em NAD+ deixaria a célula sem receptor de elétrons para a oxidação do gliceraldeído 3-fosfato, interrompendo as reações de liberação de energia da glicose. O NAD+ precisa ser regenerado por outros processos, como a redução do piruvato a lactato, catalisada pela lactato desidrogenase.
Relação entre Glicólise e Gliconeogênese
A gliconeogênese não é uma simples reversão da glicólise. Embora compartilhem vários passos intermediários, sete das dez reações enzimáticas da gliconeogênese são inversões de reações da glicólise. Três passos da glicólise são irreversíveis in vivo e não podem ser usados na gliconeogênese:
- Conversão de glicose em glicose 6-fosfato pela hexoquinase.
- Fosforilação da frutose 6-fosfato em frutose 1,6-bifosfato pela fosfofrutoquinase-1.
- Conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato pela piruvato quinase.
Essas reações possuem variação de energia livre grande e negativa. Na gliconeogênese, esses passos são contornados por enzimas que catalisam reações exergônicas, irreversíveis na direção da síntese de glicose. As reações contornadas são:
- Conversão do piruvato em fosfoenolpiruvato (PEP).
- Conversão da frutose 1,6-bifosfato em frutose 6-fosfato.
- Conversão da glicose 6-fosfato em glicose livre.
Gliconeogênese durante o Jejum Prolongado
Em jejum prolongado, a taxa de glicose no sangue diminui. As reservas se esgotam e as proteínas das fibras musculares são catabolizadas pela gliconeogênese para produzir glicose, o principal combustível energético.
Via das Pentoses-Fosfato e Acúmulo de Ribose 5-Fosfato
Em células onde a ribose 5-fosfato não é utilizada para biossíntese, a fase não oxidativa recicla seis moléculas de pentose em cinco moléculas de glicose 6-fosfato. Isso permite a produção contínua de NADPH e a conversão da glicose 6-fosfato em CO2.
Mecanismos de Regulação das Vias Metabólicas
Quando uma perturbação altera a velocidade de formação ou consumo de um metabólito, ocorrem mudanças compensatórias nas atividades enzimáticas, retornando o sistema ao estado estacionário. Mecanismos de regulação mantêm níveis quase constantes de metabólitos importantes (ATP, NADH e glicose sanguínea), utilizando ou armazenando glicogênio conforme as necessidades celulares. A velocidade das reações limitadas pelo substrato varia com a concentração do substrato. Essas reações são exergônicas e irreversíveis, e as enzimas que as catalisam regulam o fluxo da via. A atividade enzimática pode ser regulada por:
- Alteração na velocidade de síntese ou degradação.
- Alterações alostéricas ou covalentes.
- Separação da enzima do substrato em compartimentos subcelulares.
Ajustes rápidos são alostéricos. Efeitos de hormônios ou fatores de crescimento são mais lentos, ocorrendo por modificação covalente ou alteração na síntese da enzima.
Regulação da Fosfofrutoquinase-1 (PFK-1) e Frutose 1,6-Bifosfatase (FBPase-1)
O ATP é substrato e produto final da via glicolítica. Altas concentrações de ATP indicam produção mais rápida que o consumo. O ATP inibe a PFK-1, diminuindo a afinidade da enzima pela frutose 6-fosfato. O citrato, intermediário da oxidação aeróbica, é um regulador alostérico da PFK-1. Altas concentrações de citrato aumentam o efeito inibidor do ATP, diminuindo o fluxo de glicose. O principal regulador da PFK-1 é a frutose 2,6-bifosfato, que ativa a enzima. O controle da gliconeogênese é a reação catalisada pela FBPase-1, inibida por AMP. A enzima glicolítica correspondente é estimulada por AMP e ADP, mas inibida por citrato e ATP. A gliconeogênese é favorecida quando as concentrações de acetil-CoA ou citrato são suficientes. Hormônios como insulina, glucagon e epinefrina sinalizam concentrações de glicose no sangue ou necessidade de energia, provocando modificações covalentes em proteínas-alvo.
Regulação das Isoformas da Glicogênio Fosforilase
A glicogênio fosforilase é ativada por epinefrina e glucagon, que aumentam a concentração de cAMP, ativando a PKA. A PKA ativa a fosforilase quinase, convertendo a glicogênio fosforilase b na forma ativa a. A fosfoproteína fosfatase 1 (PP1) reverte a fosforilação, inativando-a. A glicose se liga à isoenzima da glicogênio fosforilase a no fígado, favorecendo sua desfosforilação e inativação. A glicogênio sintase a é inativada pela fosforilação catalisada pela glicogênio sintase quinase 3 (GSK3). A insulina bloqueia a GSK3. A PP1 é ativada pela insulina, revertendo a inibição e desfosforilando a glicogênio sintase b. A insulina estimula a síntese de glicogênio no músculo e no fígado. No fígado, o glucagon estimula a quebra do glicogênio e a gliconeogênese, bloqueando a glicólise. No músculo, a epinefrina estimula a quebra de glicogênio e a via glicolítica, fornecendo ATP.
Função do Lactato no Metabolismo Energético
Quando o oxigênio não é levado aos músculos rapidamente para oxidar o piruvato, os músculos usam glicose armazenada (glicogênio) como combustível, produzindo ATP por fermentação, com lactato como produto final. O lactato é convertido em glicose pelo fígado, via gliconeogênese. Durante o repouso, o oxigênio é consumido até o ritmo respiratório voltar ao normal. O excesso de oxigênio consumido representa a reposição do débito de oxigênio, necessário para a neoglicogênese regenerar o glicogênio muscular e hepático.
Resumo das Vias Metabólicas
1. Via Glicolítica
Os principais pontos de regulação da glicólise são as reações de fosforilação pelas enzimas hexoquinase, fosfofrutoquinase e piruvato-quinase, reguladas alostericamente. O piruvato pode formar lactato e etanol (anaerobicamente) ou perder o grupo carboxila como CO2, formando acetil-CoA (aerobicamente), que contribui para o Ciclo de Krebs.
Esquema: Glicose → Glicose 6-fosfato → Frutose 6-fosfato → Frutose 1,6-bifosfato → Gliceraldeído 3-fosfato → Gliceraldeído 1,3-bifosfato → Glicerato 3-fosfato → Glicerato 2-fosfato → Fosfoenolpiruvato → Piruvato.
- As cinco primeiras reações: fase preparatória (fosforilação da glicose e conversão para gliceraldeído-3-fosfato).
- As cinco últimas reações: fase de pagamento (conversão do gliceraldeído-3-fosfato para piruvato e formação de ATP).
- Pontos de controle: 1, 3, 10.
- Consumo de ATP: 1, 3.
- Síntese de ATP: 7, 10 (na numeração padrão das 10 reações).
- Síntese de NADH: 6 (na numeração padrão das 10 reações).
2. Via das Pentoses-Fosfato
Dividida em duas fases:
- Fase oxidativa: glicose-6-fosfato é oxidada em ribose-5-fosfato, formando NADPH.
- Fase não-oxidativa: transferências de grupos de três e dois átomos de carbono, formando frutose-6-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato.
O fator regulador mais importante é o nível de NADP+. Se houver maior necessidade de ribose-5-fosfato do que de NADPH, funciona apenas a fase não oxidativa. Caso contrário, a ribose-5-fosfato pode se transformar em frutose-6-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato, participando da glicólise.
Funções:
- Combustão total da glicose.
- Formação de NADPH extramitocondrial.
- Conversão de hexoses em pentoses.
3. Via Gliconeogênese
Enzimas específicas: glicose-6-fosfatase, frutose-1,6-bifosfatase e fosfoenolpiruvato carboxiquinase. O principal ponto de regulação é a desfosforilação da frutose-1,6-bifosfato. O acetil-CoA regula a piruvato quinase e é um ativador alostérico da carboxilase. A frutose-2,6-bifosfato inibe a frutose-1,6-fosfatase. Precursores: lactato, glicerol e aminoácidos.
Reação global: 2 Ácido pirúvico + 4 ATP + 2 GTP + 2 NADH + 6 H2O → Glicose + 4 ADP + 2 GDP + 6 Pi + 2 NAD+ + 2H+.
4. Reações Exergônicas e Endergônicas, Anabolismo e Catabolismo
- Reação exergônica: Liberação de energia.
- Reação endergônica: Absorção de energia.
- Anabolismo: Síntese de constituintes celulares. Produtos finais: ácido láctico, CO2 e NH3. Libera energia (conservada em ATP, NADH, NADPH e FADH2).
- Catabolismo: Degradação de nutrientes. Produtos finais: carboidratos, lipídeos, proteínas, ácidos nucléicos.
Quando uma via ocorre, a outra é suprimida. Compartilham enzimas, mas passos são catalisados por enzimas diferentes, com regulação independente. Outros fatores de regulação: compartimentos celulares, concentrações de intermediários e enzimas.
Outros Pontos Importantes
- O excesso de acetil-CoA é usado na síntese de corpos cetônicos. A superprodução (cetose) aumenta o nível de corpos cetônicos na urina (cetonúria) e no sangue (cetonemia), reduzindo o pH (acidose), podendo levar ao coma e à morte.
- A elevada concentração de ATP reduz a velocidade da via glicolítica.
- Moléculas aceptoras de elétrons: NAD+, FAD e O2.
- Ciclo de Cori: No músculo esquelético e hemácias, glicose é oxidada em lactato, transportado para o fígado.
- Ciclo da alanina: No músculo esquelético, glicose é oxidada em piruvato, metabolizado em alanina (remoção de NH3), transportado para o fígado, reconvertido em piruvato e NH3 excretado como ureia. Lactato e piruvato são usados na gliconeogênese.
- Modulação alostérica: Enzimas com sítio alostérico, ligação não covalente de modulador (positivo ou negativo).
- Modulação covalente: Modificação covalente da enzima, conversão entre formas ativa/inativa (adição/remoção de fosfato).
- Metabolismo: Atividade celular coordenada, sistemas multienzimáticos atuam para obter energia, converter moléculas, polimerizar precursores e sintetizar/degradar biomoléculas.
- Vias metabólicas: Lineares, ramificadas (um precursor, diferentes produtos; diferentes precursores, um produto), convergentes (catabólicas e anabólicas) e cíclicas.