Guia Completo: Como Fazer um Comentário de Texto Filosófico
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Introdução à Análise de Textos Filosóficos
A Filosofia tem uma longa história que começou com os gregos no século VI a.C. e continua até hoje. Quem sabe se um dia terá um fim ou, pelo contrário, se durará enquanto os seres humanos subsistirem. Durante estes 26 séculos de existência, sucederam-se diferentes escolas, por vezes encontrando pontos comuns nas suas abordagens, noutras, na maioria das vezes, substancialmente diferentes umas das outras. Estas sobreposições e conflitos aumentaram a vitalidade da Filosofia ao longo do tempo.
Para o estudante de Filosofia, introduzir o estudo da história é um trabalho, embora necessário, altamente sugestivo. Descobrir as diferentes filosofias, descobrir as suas raízes, discernir os problemas que surgem e as soluções propostas, analisar a sua subsequente influência sobre outras teorias, etc. Esta atividade é certamente atraente para quem começou a estudar Filosofia.
Mas conhecer a sua história é insuficiente e exige, necessariamente, ser completado lendo e estudando os textos dos próprios filósofos, e envolver-se, dessa forma, numa reflexão e diálogo com os escritos dos grandes teóricos que nos precederam. Refletir sobre os problemas filosóficos com o apoio dos principais pensadores é, portanto, um método excelente (e necessário) para se introduzir na Filosofia ou, se preferir, uma forma muito apropriada para começar a filosofar.
Saber analisar e discutir um texto filosófico é essencial para todo estudante de Filosofia. O nosso objetivo é apresentar regras claras e simples que permitam entrar facilmente no comentário de texto filosófico.
Isso foi feito em duas partes: primeiro, focando num conjunto de regras que, obviamente, não esgotam todas as possibilidades, mas são um guia possível a seguir, entre outros; no segundo, apresenta-se um exemplo prático que segue as diretrizes propostas na primeira parte. Para fazer este exemplo, selecionamos um texto de um dos maiores filósofos de todos os tempos: Platão.
Assim, o que se segue deve ser entendido como uma ferramenta de trabalho que contribui para evitar as armadilhas no caminho do estudo da Filosofia. Um instrumento essencial aberto a trabalhar em conjunto com os alunos.
Regras Fundamentais para o Comentário de Texto
1. O que é um Comentário de Texto Filosófico?
Um dos objetivos principais da Filosofia é aprender a filosofar a partir dos próprios textos filosóficos, isto é, ler e analisar obras de autores diferentes. Mas o trabalho de leitura é uma tarefa árdua, uma tarefa que exige, acima de tudo, tempo. Ler uma quantidade significativa de volume não se faz de uma semana para a outra, pode levar, no entanto, vários anos de esforço constante. Dada a impossibilidade material de ler num curto espaço de tempo as principais obras dos grandes filósofos, é conveniente, para quem está a iniciar-se no estudo da Filosofia, a leitura de pequenos fragmentos dessas obras que desempenharam um papel fundamental na História do Pensamento. A leitura deve ser acompanhada por uma atividade, que é precisamente onde iniciamos a nossa própria forma de fazer Filosofia. Desta forma, os alunos estarão aprendendo não só o que nos transmitiram os grandes sistemas filosóficos, mas também estarão a dar os primeiros passos no que chamamos de "aprender a filosofar". Esta atividade que nos leva muito nesse caminho de "aprender a filosofar" é o comentário de texto ou a análise dos mesmos.
Qual é, então, um comentário de texto filosófico? Vamos delimitar essa questão em duas esferas. Primeiro, de forma positiva, ou seja, definindo o que pode ser um comentário. Em segundo lugar, negativamente, isto é, delimitando o que não deveria ser.
Um comentário de texto é analisar uma pequena parte de uma obra filosófica. Esta análise deve abordar uma série de questões, tais como:
- O assunto sobre o qual gira o texto;
- As questões que aborda;
- A tese que defende;
- Quais são os termos relevantes do texto;
- Como o texto deve ser colocado dentro da obra do autor;
- As circunstâncias históricas e ideológicas que moldaram a obra;
- A possível relação que pode existir entre o texto em questão e outros textos filosóficos do mesmo autor ou de outros autores, etc.
Um comentário de texto é, portanto, uma análise de um trecho selecionado da obra de um autor, é interpretar as suas ideias, levantar as suas próprias perguntas, aprofundar as suas respostas, comparar com as contribuições de outros autores e, finalmente, sugerir novas perguntas e novas respostas.
2. O que *Não* é um Comentário de Texto
Como vimos, uma análise de texto envolve um aprofundamento do mesmo texto. Portanto, devemos evitar incorrer numa série de erros nos quais é fácil cair quando começamos nesta atividade. Um comentário de texto:
- Não é mencionar toda a obra do autor, ou seja, o texto não deve ser uma desculpa para falar de tudo o que se sabe sobre a obra à qual o texto pertence.
- Não é falar sobre a vida do autor; o menos importante é o lugar onde nasceu, como viveu, onde e quando o autor morreu, e assim por diante.
- Não é repetir o que o texto diz, em outras palavras, não é parafrasear o texto sem o esclarecer.
Em suma, uma análise do texto não é apenas ler, mas sim um aprofundamento de ideias, uma moagem de peças e um enriquecimento do seu conteúdo.
3. Como Iniciar a Análise de um Texto Filosófico
Antes de começar a escrever, é necessário realizar uma série de operações que são a própria condição para fazer o comentário.
Basicamente, estas são as seguintes:
- Estudo preliminar do autor e da obra, de modo que isto nos permita localizar o texto no local e no momento em que foi escrito. Suponha, por exemplo, que o texto selecionado corresponde a Platão e à sua obra. Será útil saber o contexto histórico e social em que Platão atuou, em que fase da sua vida ele escreveu a obra a que o texto pertence e qual é o tema da obra. Esta tarefa vai permitir-nos estabelecer o quadro geral em que se deve basear a nossa análise. A História da Filosofia pode ajudar-nos.
- Ler o texto. Deve ler o texto várias vezes até que realmente comece a perceber não só a tese central, mas também as principais ideias que o autor sustenta. Devemos, portanto, descobrir o significado do texto, ou seja, o que o autor quis dizer.
- Destacar os termos significativos que aparecem no texto, o que facilitará a análise posterior. Isto é selecionar três ou quatro termos que têm uma grande relevância no texto. Destes termos será realizada uma breve análise para descobrir o que eles significam para o autor e o seu papel dentro do texto.
- Identificar o tema, a tese e o problema do texto. Não estamos na fase de elaboração. Agora é o momento de registar o tema em que se transforma o conteúdo do texto, qual é a posição defendida pelo autor e qual é a questão que o texto aborda.
- O Tema será marcado por um conceito: a justiça, a liberdade, a virtude, a paz, a substância, o movimento, a alma, o conhecimento, o Estado, o mito, o poder, etc. Geralmente, mas nem sempre, o tema coincidirá com um conceito que aparece no próprio texto.
- A Tese será traduzida por uma breve declaração: "a conservação do poder é perniciosa", "é necessário fazer a distinção entre substância primeira e segunda", "deve-se defender a existência de uma sociedade justa", etc. A tese é o que o autor argumenta, a ideia principal. O mais provável é que não seja exibida de forma explícita, mas deve ser desenvolvida a partir do significado do texto.
- O Problema reside na questão (que possui duas ou mais respostas possíveis) que serve de base à tese: Quais são os meios para manter o poder? O que é "pré", o indivíduo ou o estado? Etc. O problema é a razão pela qual o texto foi escrito, aquela ou aquelas questões que são colocadas pelo autor sobre um assunto e que o moveram a escrever. Possivelmente não encontraremos o problema formulado de maneira explícita e, portanto, deve ser, como aconteceu com a tese, detetado e registado nesta fase.
Esta tarefa tríplice é essencial para, em seguida, iniciar um bom comentário. E não apenas para descobrir, após várias leituras do texto, o significado dele, mas para perceber qual é o tema, qual é a tese e qual é o problema da tese. Há, portanto, três aspetos a escrever no papel. A maneira prática de fazer isso é identificar o tema, em seguida, fazer o argumento através de uma breve declaração (em negativo ou positivo), cujo tema é o conceito identificado como um tema e, finalmente, uma questão que gira em torno deste tema. Por exemplo:
- TÓPICO: O Mal.
- TESE: O mal só pode ser feito pelo ignorante.
- PROBLEMA: Qual é a relação entre a sabedoria, a virtude e a possibilidade de fazer o mal?
Assim, o tema deve aparecer tanto na tese quanto no problema.
- Destacar as ideias principais que aparecem no texto, observando que não sejam muito longas, mas, se possível, que se limitem a uma simples declaração ou uma frase curta: "A imortalidade da alma", "a excelência da virtude", etc.
- Dividir o texto (por colchetes ou parênteses) em tantas partes quantas as ideias gerais que o texto contém. Dada a brevidade dos textos que são habitualmente fornecidos, muitas vezes a estrutura é de apenas três ou quatro partes, embora isso vá depender do texto. Dividir o texto estará a dar-lhe uma estrutura que servirá depois de uma grande ajuda para discutir de uma forma ordenada cada uma das ideias que aparecem no texto.
4. O Desenvolvimento do Comentário de Texto
Agora é a hora de começar a escrever. Quais e quantos pontos devem ser elaborados? Que normas devem ser seguidas? Na verdade, não existe um padrão estabelecido que seja aceito universalmente. Uma proposta que é muito popular e contém um grande número de itens é a desenvolvida pela Universidade de Oxford, que estrutura o comentário em quarenta e cinco secções. Talvez para um nível introdutório, que é o ponto, essas regras de Oxford sejam excessivas. Portanto, sugerimos um esquema mais simples e que realmente é apenas isso, uma sugestão. Esta é a nossa proposta, que se relaciona com as funções que acabamos de mencionar.
- Um breve resumo, em jeito de introdução, indicando o tema, a tese e o problema contidos no texto.
- Análise dos termos que apontamos anteriormente, indicando qual é o significado atribuído a eles pelo autor. Deve-se notar que um termo pode ter significados diferentes dependendo do autor que o usa. O termo *ideia*, por exemplo, tem significados diferentes em Descartes e Locke. (O uso de um dicionário de filosofia, sem dúvida, ajudará nesta tarefa.)
- Análise do Contexto em que o texto foi escrito. É a compreensão do texto, descobrindo quais são os constrangimentos que permitiram a sua conceção, ou seja, a questão é que não é um texto isolado, mas o texto está numa obra que foi escrita, e por um conjunto de circunstâncias históricas, ideológicas, culturais, filosóficas, etc., determinadas.
Portanto, deve-se prosseguir:
- Colocar o comentário de texto na obra à qual ele pertence.
- Colocar a obra dentro do corpo da obra do autor.
- Colocar a obra dentro do contexto histórico e ideológico-filosófico em que esta obra foi escrita.
- Análise do Texto. Estamos no momento mais importante da análise, portanto, também deve ser a parte mais longa. Trata-se de explicar o que o autor quis dizer nesse texto em particular, de modo a ler-se como o próprio autor disse, mas sem repetir as mesmas palavras do texto. Se repetir, é necessário recorrer a aspas: "Você poderia me dizer, Sócrates, se a virtude é algo que é ensinado?" Embora seja adequado recorrer a esta fórmula, porque concentra a análise, não é adequado abusar dela.
Neste ponto serão abordados:
- Qual é o tema e a tese central?
- Quais os detalhes de suporte que são adicionados ao assumir a tese central?
- O problema que surge com respeito à tese central?
- Como o autor justifica a sua posição?
- Que outros pontos de vista o autor contrasta com a sua própria?
- Que passos o autor utiliza para desenvolver a tese?
Isto deve ser feito respeitando a ordem lógica em que as ideias aparecem no texto. Temos de continuar, portanto, a divisão que fizemos anteriormente.
- Comentário Crítico e Conclusão. Chegamos à fase final. Agora é hora de estabelecer uma conclusão para o comentário, que de alguma forma, pode ser a resposta para algumas destas perguntas:
- Como este texto é um passo em frente ou para trás, com respeito às vistas de outros filósofos anteriores ou contemporâneos ao autor?
- Como a teoria do texto se relaciona com outros filósofos contemporâneos ou posteriores?
- Como a visão do texto afetou a entrada de outros filósofos ou posteriores?
- Qual o grau de ambiguidade ou de precisão dos termos utilizados?
- Qual o grau de consistência ou inconsistência dos argumentos na posse do autor?
O comentário final, portanto, não é uma avaliação pessoal que se limita a declarar se está de acordo ou desacordo com o argumento do autor; é necessário basear essa avaliação, apoiada por um ou mais dos pontos descritos acima.
5. Observações Finais e Dicas Práticas
A sugestão que acabei de referir não é fechada, ou seja, a sua aplicação, como foi demonstrado, dependerá do texto a comentar. Um texto pode requerer a modificação dos itens listados, quer simplesmente alterando a ordem, quer pela remoção de alguma etapa, quer pela adição de outra que não tenha sido considerada. Em última análise, cada texto a comentar terá as suas próprias características, e estas é que nos marcarão as áreas em que o progresso deve ser procurado.
Por outro lado, a extensão do comentário dependerá, entre outros fatores, do tempo disponível para a elaboração. Mas tenha em mente que das cinco partes, a mais importante é a (4), chamada Análise do Texto, esta deve ser também a mais longa, enquanto que a amplitude do restante dependerá dela. É, portanto, importante não se alongar demais em qualquer uma das outras quatro partes, e que aquilo não seja em detrimento desta parte (4). A título de orientação prática, essa parte (4) deve ter, pelo menos, a mesma extensão que todas as outras quatro partes, e estas, por sua vez, devem manter algum equilíbrio entre si.
Quanto à maneira de escrever, deve ser realizado de forma contínua, sem legendas (Introdução, Histórico, etc.) e sem quadros esquemáticos contendo chaves, setas e desenhos.
Exemplo Prático: Análise do Mito da Caverna de Platão
O Mito da Caverna é o mais famoso dos mitos de Platão, que explica a sua Teoria das Ideias, Epistemologia e Teoria Antropológica.
Na história, Platão situa-nos numa caverna onde há prisioneiros que, ao longo da sua vida, foram forçados a olhar para algumas sombras causadas por um fogo e alguns objetos em movimento. Com essa metáfora, o autor compara os prisioneiros acorrentados à alma humana, que está vinculada a um corpo terrestre e pertence ao mundo das coisas, e é, portanto, imperfeito e sensível, cujas perceções são meras sombras da realidade.
No mito, Platão imaginou o que aconteceria se um dos prisioneiros se levantasse e fosse capaz de ver o fogo e os objetos reais, dizendo que ele sentiria dor e perceberia que o que ele viu antes eram apenas sombras da realidade. E se subir à superfície, algo semelhante poderia acontecer. Esta ascensão é o que permite aos seres humanos libertarem-se do mundo dos sentidos, a fim de alcançar o mundo ideal, o que é perfeito, eterno e imutável, e pode ser acedido somente por meio da alma e da razão.
No aspeto epistemológico, o mito da caverna identifica o mundo das coisas. Nele, há imitações da superfície (o mundo das Ideias), mas elas são imperfeitas e enganosas: as sombras na parede são imitações das sombras de objetos sobre a superfície, o fogo é a imitação do Sol, etc. Neste contexto, os prisioneiros só podem saber o que eles veem, ou seja, eles só podem ver as sombras na parede, e eles as identificam com a realidade. Assim, quando um é libertado, e é capaz de ver o fogo, e outros elementos da caverna, estaria mais próximo do conhecimento verdadeiro. No entanto, esse conhecimento não seria completo, mas seria o que Platão chamou *Doxa*, ou Opinião.
Se o prisioneiro é forçado a subir para a superfície, pode observar e contemplar o mundo lá fora, o mundo das Ideias, pouco a pouco iria ver os objetos que o compõem: em primeiro lugar as sombras, depois, objetos refletidos na água, em seguida, os próprios objetos, o céu noturno, e, finalmente, o Sol, que é identificado com a Ideia Suprema do Bem. Os conhecimentos adquiridos aqui seriam o verdadeiro conhecimento, o que Platão chama *Episteme*.