Guia de Recursos no Processo Penal: Teoria e Prática

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Teoria Geral dos Recursos

Fundamentos

  • Inconformismo: Inerente ao ser humano. Inconformado com alguma decisão, tem a chance de continuar com a ação.
  • Falibilidade Humana: O ser humano é falho e, caso ocorra falha do juiz, o Tribunal está apto para corrigir esta falha.
  • Duplo Grau de Jurisdição: Princípio implícito na CF/88, que advém de outros princípios (decorre do artigo 5º, inciso LV, da CF, do direito de ampla defesa e do devido processo legal).
  • Observação: Na Convenção Americana de Direitos Humanos, o duplo grau de jurisdição está explícito (Artigo 8º, II, “h”).
  • Argumentos Contrários: A demora da prestação jurisdicional.

Conceito

Recurso é o instrumento voluntário de impugnação de decisões judiciais, previsto em lei, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, objetivando a reforma (total ou parcial), invalidação, integração ou esclarecimento da decisão anterior.

Juízo a quo e Juízo ad quem

  • Juízo a quo: É o juízo que proferiu a decisão judicial a qual se deseja impugnar (geralmente de 1º grau).
  • Juízo ad quem: É o tribunal ou o órgão ao qual se encaminha o recurso para analisar a matéria.

Pressupostos Recursais

São requisitos essenciais que todo recurso deve ter para ser recebido no tribunal. Se faltar algum, o juiz não dá seguimento. (Mnemônico: CATRAALI)

Os 6 primeiros são objetivos e os 2 últimos são subjetivos.

C - Cabimento

Baseia-se nos seguintes princípios:

  • Princípio da Taxatividade: O recurso deve estar previsto em lei.
  • Princípio da Correspondência: Para cada decisão, há um recurso correspondente e adequado.

A - Adequação

Baseia-se nos seguintes princípios:

  • Princípio da Unirrecorribilidade (ou Singularidade): Apenas um recurso por vez para cada decisão.
  • Princípio da Fungibilidade (art. 579 do CPP): Se o recurso foi escolhido de maneira errônea, o juiz pode recebê-lo como se fosse o correto, desde que não haja erro grosseiro, má-fé e esteja dentro do prazo. Exemplo: Interpor apelação contra decisão de pronúncia, quando o correto é o RESE.

Hierarquia de instâncias:

  1. 1º grau (Ex: Comarca de Apucarana)
  2. 2º grau (Ex: TJPR em Curitiba)
  3. 3º grau (STJ em Brasília) - para violação de norma infraconstitucional (REsp)
  4. 4º grau (STF em Brasília) - para violação de norma constitucional (RE)

Exceção à unirrecorribilidade: Quando se interpõe simultaneamente um Recurso Especial (REsp) no STJ e um Recurso Extraordinário (RE) no STF.

T - Tempestividade

Refere-se ao prazo para interpor o recurso. Em regra, os recursos devem ser interpostos no prazo de 5 dias. A contagem inicia-se no dia útil seguinte à intimação. Prazos penais (direito material) contam o dia do início; prazos processuais penais (direito processual) contam a partir do dia útil seguinte.

Princípio da Dupla Cientificação (STF): Tanto o advogado quanto o réu são intimados da decisão e podem recorrer de forma autônoma e disjuntiva. O prazo começa a contar a partir da última intimação válida.

R - Regularidade

Conforme o art. 578 do CPP, o recurso pode ser interposto de duas formas:

  • Petição: Peça escrita e fundamentada.
  • Termo nos autos: Declaração de vontade de recorrer registrada no processo.

Motivação:

  • Fundamentação Livre: Pode-se arguir qualquer matéria de fato ou de direito.
  • Fundamentação Vinculada: A argumentação fica restrita a matérias específicas previstas em lei.

A - Ausência de Fatos Impeditivos

São fatos que impedem a interposição do recurso, como a renúncia ao direito de recorrer, que é um ato irrevogável.

A - Ausência de Fatos Extintivos

São fatos que ocorrem após a interposição do recurso, extinguindo o direito, como a desistência e a deserção (art. 576 do CPP). O MP não pode desistir de recurso interposto (Princípio da Indisponibilidade).

L - Legitimidade Recursal

Conforme o art. 577 do CPP, podem recorrer: o Ministério Público, o querelante, o réu, seu procurador ou defensor, e o assistente de acusação (de forma subsidiária).

I - Interesse Recursal

A parte deve ter interesse processual para recorrer, o que decorre da sucumbência, ou seja, de ter perdido total ou parcialmente a causa.

Princípios e Conceitos Relevantes

Ampla Defesa

  • Defesa Técnica: Realizada por meio de um advogado.
  • Autodefesa: Exercida pelo próprio acusado, que inclui:
    • Direito de Presença: Acompanhar os atos processuais.
    • Direito de Postulação: Recorrer da decisão.
    • Direito de Audiência: Ser ouvido e interrogado.

Questões Frequentes

  • O MP pode recorrer em benefício do acusado? Sim, pois atua como custos legis (fiscal da lei) e deve promover a justiça.
  • O acusado pode recorrer de sentença absolutória? Sim, se desejar mudar a fundamentação legal da absolvição (art. 386 do CPP).
  • Divergência de vontade entre réu e defensor? Prevalece a vontade do defensor, que possui o conhecimento técnico, conforme a Súmula 705 do STF.

Fases do Julgamento do Recurso

Juízo de Admissibilidade (Prelibação)

Análise dos pressupostos recursais para verificar se o recurso pode ser aceito. O resultado pode ser:

  • Recurso conhecido: Aceito para análise de mérito.
  • Recurso não conhecido: Não aceito por falta de algum pressuposto.

Juízo de Mérito (Deliberação)

Análise das questões de fato e de direito impugnadas. O resultado pode ser:

  • Provido: O recurso foi aceito, e a decisão foi reformada.
  • Não provido: O mérito do recurso foi rejeitado, e a decisão foi mantida.

Efeitos dos Recursos

  • Princípio Tantum Devolutum Quantum Appellatum: O tribunal só analisará aquilo que foi objeto de impugnação no recurso.
  • Princípio da Non Reformatio in Pejus: Em recurso exclusivo da defesa, a situação do réu não pode ser agravada.
  • Princípio da Reformatio in Melius: Em recurso exclusivo da acusação, a situação do réu pode ser melhorada.

Tipos de Efeitos

  • A) Devolutivo: Devolve a competência ao órgão superior (ou ao mesmo juiz, em alguns casos) para reexame da matéria.
  • B) Suspensivo: Suspende a eficácia da decisão, que não poderá ser executada até o julgamento do recurso (arts. 596 e 597 do CPP).
  • C) Extensivo: A decisão do recurso se estende aos corréus que não recorreram, desde que a decisão se baseie em motivos de natureza objetiva (art. 580 do CPP).
  • D) Regressivo (Deferido ou Iterativo): Permite o juízo de retratação, ou seja, o juiz que proferiu a decisão pode reconsiderá-la. Presente no RESE e no Agravo em Execução.

Recursos em Espécie

Embargos de Declaração (Arts. 382, 619 e 620 do CPP)

  • Vícios Sanáveis: Obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão na decisão.
  • Objetivo: Aclarar ou esclarecer a decisão, sem modificar seu mérito, em regra.
  • Prazo: 2 dias.
  • Efeito: Interrompe o prazo para a interposição de outros recursos.
  • Endereçamento: Ao próprio juiz ou relator que proferiu a decisão embargada.

Apelação (Arts. 593 e ss. do CPP)

  • Caráter Residual: Cabe apelação quando não for cabível o RESE.
  • Prazo e Procedimento: 5 dias para interposição e 8 dias para apresentar as razões.
  • Fundamentação: Livre, em regra (incisos I e II), e vinculada nas decisões do Tribunal do Júri (inciso III).
  • Efeitos: Não possui efeito regressivo. A apelação de sentença absolutória não tem efeito suspensivo (art. 596 do CPP).
  • JECRIM: No Juizado Especial Criminal, o prazo é de 10 dias (art. 82 da Lei 9.099/95).

Recurso em Sentido Estrito (RESE) (Arts. 581 e ss. do CPP)

  • Cabimento: O rol do art. 581 é considerado taxativo pela doutrina majoritária. Principais hipóteses:
    • I: Rejeição da denúncia ou queixa.
    • II: Decisão de incompetência do juízo.
    • IV: Decisão de pronúncia.
    • V e VII: Decisões sobre prisão ou fiança.
    • VIII e IX: Decisões que julgam extinta a punibilidade.
    • X: Concessão ou negação de Habeas Corpus em 1º grau.
  • Procedimento: Prazo de 5 dias para interposição e 2 dias para as razões.
  • Efeito: Possui efeito regressivo (juízo de retratação).

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