h2 Técnicas Retrospectivas: Patrimônio, Conservação e Restauro
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1. TÉCNICAS RETROSPECTIVAS
Profa. Lilian Massumie Nakashima
Definição de Patrimônio
1. Patrimônio Cultural
O Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que entre outras medidas institui o instrumento do tombamento, define em seu artigo 1º o conceito de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Passados 51 anos, em que o País sofreu intensas e velozes mudanças, transformando-se de rural em majoritariamente urbano, a Constituição de 1988 relativiza a noção de excepcionalidade, substituída em parte pela de representatividade e reconhece a dimensão imaterial. A denominação Patrimônio Histórico e Artístico é substituída por Patrimônio Cultural. O conceito é assim ampliado de maneira a incluir as contribuições dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Essa mudança incorpora o conceito de referência cultural e significa uma ampliação importante dos bens passíveis de reconhecimento.
O artigo 216 da Constituição Federal assim conceitua patrimônio cultural:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.
2. Patrimônio Mundial
A Convenção do Patrimônio Mundial, criada em 1972 pela Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (UNESCO), tem como objetivo incentivar a preservação de bens culturais e naturais considerados significativos para a humanidade. Trata-se de um esforço internacional de valorização de bens que, por sua importância como referência e identidade das nações, possam ser considerados patrimônio de todos os povos. Cabe aos países signatários dessa Convenção indicarem bens culturais e naturais a serem inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. As informações sobre cada candidatura são avaliadas por comissões técnicas, sendo a aprovação final feita anualmente pelo Comitê do Patrimônio Mundial, integrado por representantes de 21 países. O Brasil assinou a convenção em 1977.
Mas não só de aspectos físicos se constitui a cultura de um povo. Existem também as tradições, o folclore, os saberes, as línguas, as festas, transmitidos oral ou gestualmente. Uma das formas de proteção dessa porção intangível da herança cultural dos povos é a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural, criada pela UNESCO em 2003.
O patrimônio imaterial é, para muitos povos, especialmente as minorias étnicas, uma fonte de identidade e carrega a sua própria história. Para estimular governos, ONGs e comunidades locais a reconhecer, valorizar, identificar e preservar o seu patrimônio intangível, a UNESCO criou um título internacional que destaca espaços (locais onde são regularmente produzidas expressões culturais) e manifestações da cultura tradicional e popular.
De acordo com a classificação da UNESCO, são patrimônios culturais obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais ou de caráter arqueológico, de valor universal, excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, e ainda obras isoladas ou conjugadas do homem e da natureza, de significativo valor histórico, estético, etnológico ou antropológico.
O Patrimônio cultural subaquático engloba os vestígios de caráter cultural, histórico ou arqueológico da existência do homem, submersos há pelo menos 100 anos. Já o Patrimônio natural mundial elenca as formações físicas, biológicas e geológicas excepcionais, habitats de espécies animais e vegetais ameaçadas e áreas que tenham valor científico, de conservação ou estético excepcional e universal.
O Patrimônio cultural intangível ou imaterial reúne as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
3. Cidades Históricas (Conjuntos Urbanos Tombados)
As cidades e os núcleos históricos representam as referências urbanas do Brasil. Nelas é possível vivenciar os processos de transformação do país, por meio da preservação de expressões próprias de cada período histórico. As primeiras cidades começaram a se desenvolver ainda no período colonial. São Vicente, em São Paulo, foi a primeira vila, fundada em 1532. Salvador foi a primeira cidade e também a primeira capital. A partir daí, deu-se o início do desenvolvimento de uma rede urbana que estruturou a ocupação e o desenvolvimento do país.
As primeiras vilas e cidades foram implantadas no litoral, tinham função portuária e serviam de porta para escoamento dos produtos coloniais e de entrada dos artigos provenientes da metrópole portuguesa. Em função de seu papel na história, cada um dos núcleos urbanos históricos atua como "cidades pólo" em todas as regiões do país. São sempre cidades tradicionais, marcadas por cenários urbanos diferenciados, relacionados com manifestações culturais tradicionais e com eventos históricos – como os ciclos econômicos do Açúcar, do Café, da Borracha ou do Fumo, ou mesmo o Cerco da Lapa, a Invasão Holandesa, a Inconfidência Mineira e as lutas pela Independência.
As cidades históricas também ambientam personagens que marcaram a história brasileira como Anita Garibaldi, Bento Gonçalves, Chica da Silva, Tiradentes, Aleijadinho, Antônio Conselheiro, Maurício de Nassau, entre tantos outros.
Cidades históricas são lugares especiais de uma nação e sua valorização deve ser assumida pela sociedade e pelas diversas instâncias do governo. Assumir a condição de cidade histórica significa ampliar a ação do IPHAN, dos governos locais e da sociedade, no sentido de tornar exemplar e digna de ser conhecida as condições atuais das cidades tombadas e a história que cada uma abriga.
O IPHAN se preocupa com a preservação e conservação do patrimônio edificado (casas, igrejas, mercados, comércios) e, também, com a qualidade ambiental e urbanística da cidade. Para isso, desenvolve projetos de acessibilidade e mobilidade urbana, reabilitação de áreas degradadas, normatização e produção de planos de desenvolvimento locais.
Atualmente, são 77 conjuntos urbanos tombados pelo IPHAN em todo o território nacional, lugares que fazem parte da história do país e constituem a base do patrimônio cultural brasileiro que precisa ser preservado para que as gerações futuras possam vivenciá-los.
4. Patrimônio Ferroviário
O tema Patrimônio Cultural Ferroviário vem sendo estudado pelo IPHAN há pelo menos uma década, por meio de pesquisas e busca de conhecimento, no âmbito do Patrimônio Industrial. A partir da promulgação da Lei 11.483, em 2007, o IPHAN passou a ter atribuições especificas para preservação da Memória Ferroviária:
Art. 9º Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção.
Assim, desde 2007, o Iphan tem realizado um amplo Inventário de Conhecimento do Patrimônio Cultural Ferroviário, já tendo sido catalogados mais de seis mil edifícios. Os estados de conservação são os mais diversos, sendo que muitos estão abandonados ou em condições precárias de preservação.
Em 2008 foi instituída, por meio da Portaria nº 208 do IPHAN, a Coordenação Técnica para o Patrimônio Ferroviário, com o objetivo de conhecer melhor o universo que compreende o patrimônio ferroviário, promover discussões acerca das questões conceituais e estabelecer procedimentos para lidar com as atribuições resultantes da Lei nº. 11.483/2007 e dos decretos nº. 6.018/2007 e nº. 6.769/2009.
Assim sendo, com o intuito de reforçar as ações propostas pelo Sistema Nacional do Patrimônio Cultural, o Instituto tem procurado envolver as prefeituras, os governos estaduais e a sociedade civil organizada para que os mesmos também preservem esses bens que, na sua maioria, são revestidos de um grande valor cultural, principalmente em escala regional. Afinal, muitos municípios brasileiros surgiram, e muitas regiões se desenvolveram, em função das ferrovias e de suas estações.
Patrimônio cultural http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=20&sigla=Patri monioCultural&retorno=paginaIphan
Patrimônio mundial http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do;jsessionid=D71C90 78315DDE89628B352A1A313C79?id=17155&retorno=paginaIphan
Cidades históricas http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12790&retorno= paginaIphan
Patrimônio Ferroviário http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=15825&retorno= paginaIphan
TÉCNICAS RETROSPECTIVAS
Profa. Lilian Massumie Nakashima
Teorias da Conservação e do Restauro
Teorias da Conservação e do Restauro
fig. 2 - Palazzo Ruccellai
O patrimônio cultural material tem um tempo limitado de existência. Para prolongar a sua integridade física, a conservação tem como meta estabelecer estratégias de prevenção e de intervenção. Essas estratégias devem ser fortemente embasadas por uma fundamentação teórica. Nesse sentido é importante conhecer o trabalho dos principais teóricos da conservação e as linhas predominantes, a partir do século XIX, sobretudo as idéias fundadoras no campo do restauro arquitetônico de John Ruskin, Eugéne Violet-le-Duc, Camilo Boito e Cesare Brandi.
1 - Introdução
fig. 3 - Museo di Roma Centrale Montemartini
As coleções patrimoniais são a base sobre a qual os museus constroem e reforçam o seu papel social e a identidade cultural. Permitem redescobrir os povos, as migrações, os movimentos e as idéias que criaram e deram forma às sociedades e às civilizações. O desafio consiste em preservar essas coleções patrimoniais, de modo a transmitir aspectos relacionados ao passado, enriquecer o presente e construir o futuro.
É importante esclarecer que na concepção contemporânea alargada sobre os bens culturais, a tutela não mais se restringe apenas às ‘grandes obras de arte’, como ocorria no passado, mas se volta também às obras ‘modestas’ que com o tempo assumiram significação cultural.
fig. 4 - cocar indígena, obra de Duchamp, locomotiva
Complementando esse esclarecimento, o que consideramos como patrimônio cultural material, objeto de interesse da conservação, são aqueles objetos/monumentos que se destacam dos demais por um processo de significação, que se formaliza quando da escolha para que façam parte desse conjunto. O que os diferencia dos demais, na moderna concepção pelo viés da Museologia, inclui a noção de comunicação, que pode traduzir-se de formas diferentes: significância, simbolismo, conotação cultural, metáfora, etc. Os objetos de interesse da conservação têm em comum sua natureza simbólica, são símbolos e todos têm o potencial de comunicação, seja de significados sociais, seja de sentimentais.
fig. 5 Mattatoio Roma, Panificio Verona
O patrimônio cultural da Ciência e Tecnologia (C&T) inclui o conhecimento científico e tecnológico produzido pelo homem, além de todos aqueles objetos, coleções arqueológicas, etnográficas e espécimes das coleções biológicas que são testemunhos dos processos científicos e do desenvolvimento tecnológico. Também se inserem nesse grande conjunto as construções arquitetônicas produzidas com a funcionalidade de atender às necessidades desses processos e desenvolvimentos.
2 - As Primeiras Teorias da Conservação
fig. 6 - Sir Humphrey Davy, papiros de Pompéia
A conservação com base científica inicia-se no séc. XIX, primeiramente voltada aos objetos arqueológicos. Destacam-se os trabalhos de Sir Humphrey Davy, presidente da Royal Society (1820), estudioso dos papiros de Pompéia; de C. J. Thomson, no Museu Nacional de Copenhaguen, desenvolvendo técnicas para conservar objetos arqueológicos, e com Friedrich Rathgen (Gilberg 1987), em 1888, no Museu Real de Berlim, onde criou um laboratório e desenvolveu uma série de tratamentos de conservação. Produziu, em 1898, um dos primeiros livros sobre o tema (Die Konservierung von Altumsfunden - A Conservação de Antiguidades).
fig. 7 - Goethe - Catedral de Estrasburgo
Ainda nesse século, temos o advento da ciência como caminho para a revelação da verdade e para análise da realidade, além da ampliação do acesso público à cultura. O nacionalismo exalta o valor dos monumentos nacionais como símbolos de identidade, o romantismo consagra o artista como indivíduo especial e exalta a beleza das ruínas e das artes, e os artistas têm um reconhecimento especial.
fig. 8 - John Ruskin
É nesse contexto, também moldado pela Revolução Industrial, na Inglaterra, e pelas guerras Napoleônicas, na França, que despontam os primeiros teóricos da conservação, John Ruskin (1819-1900) e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879). Suas posições, diametralmente opostas, relacionam-se diretamente com esse contexto.
JOHN RUSKIN E A ELEGIA ÀS RUÍNAS
fig.8, 9 - Ruskin, pinturas e desenhos
Ruskin foi um escritor inglês com grande influência sobre os artistas e os amantes das artes. Com idéias de cunho socialista, empenhava-se em causas sociais. É considerado um dos primeiros teóricos da restauração: publica em 1849, o livro The Seven Lamps of Architecture, obra que trouxe grande repercussão das suas idéias, e, dois anos depois, o primeiro volume de The Stones of Venice, onde advogou pelo ruinismo em detrimento da restauração.
fig. 10, 11, 12, 13 – desenhos de detalhes arquitetônicos de Veneza, Ruskin
Neles, ele defende veementemente os valores dos prédios antigos. Seu amor pelo passado era tão apaixonado que produzia um certo desprezo pelo presente. Venerava a pátina e a denominava de mancha dourada do tempo. Avesso a qualquer intervenção de restauro e da imitação da linguagem de estilos passados, alegava que o aspecto principal da preservação de um edifício é o histórico e não a sua beleza. Os materiais originais deveriam ser preservados e respeitados sem alterações e a restauração era “considerada a mais completa destruição que um edifício poderia sofrer” (Choay 1996, 155).
Fig. 14, 15, 16 - William Morris e o Movimento Arts & Crafts
Seu seguidor William Morris (1834-1896) partilhava de suas convicções sobre a importância dos materiais originais constituintes do monumento e achava que entre os agentes perturbadores, estavam aqueles que tentavam reconstruir prédios danificados.
Fig. 17 – Paisagem em ruínas, Paul Brill
VIOLLET-LE –DUC E O RESTAURO DE RECONSTRUÇÃO
fig. 18 - Viollet-le Duc
Enquanto na Inglaterra a Revolução Industrial trazia influências diversas para a sociedade inglesa, na França, um dos resultados das guerras napoleônicas foi o dano a diversas construções góticas e seu restauro foi considerado uma tarefa nacional.
fig. 19, 20, 21 - Desenhos de Viollet-le-Duc para Notre-Dame de Paris, para o Chateau de Pierrefonds.
Nesse ambiente, Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc, arquiteto responsável por muitas dessas obras (Notre Dame de Paris, Saint Chapelle, La Madeleine de Vézelay, etc.), considerava-se autorizado a preencher as lacunas deixadas pelos danos nas edificações. Foi o primeiro a compilar de forma sistemática os princípios de uma teoria de restauração arquitetônica (González-Varas 2008).
fig. 22 – desenho de Notre-Dame após o restauro de le-Duc
Para ele a edificação deveria ser restaurada ao melhor estado possível, para uma condição que poderia nunca ter existido, desde que coerente com a natureza verdadeira da concepção original da construção.
fig. 23 - Muralhas de Carcassone
Em 1866, após vários anos de prática em obras de restauração, publica o oitavo volume do seu Dictionnaire Raisonné de l'Architecture Française du XIème au XVIème Siècle, onde apresenta sua definição para restauração - “Restaurar um edifício não significa repará-lo, reconstruí-lo ou mantê-lo. Significa restabelecê-lo no seu estado mais completo, que pode até nunca ter existido” (Viollet-le-Duc 2000, 17).
fig. 24, 25 - aparência final do restauro de Viollet-le-Duc
Em seus trabalhos de restauro, Viollet-le-Duc realizava diversas intervenções, muitas vezes “corrigindo” o projeto que lhe parecia defeituoso. Acreditava que através do conhecimento profundo de um sistema, poderia criar uma forma ideal para impô-la no monumento a ser restaurado. Por outro lado, defendia a pesquisa detalhada sobre o objeto do restauro e a ampla documentação sobre as intervenções realizadas, princípios válidos até os dias atuais.
fig. 26, 27 – outras obras de le-Duc
http://midas.revues.org/131 MIDAS - MUSEUS E ESTUDOS INTERDISCIPLINARES baseado no texto de Marcus Granato e Guadalupe do Nascimento Campos
TÉCNICAS RETROSPECTIVAS
Profa. Lilian Massumie Nakashima
Teorias da Conservação e do Restauro (continuação)
CAMILO BOITO E A INTERVENÇÃO MÍNIMA
fig. 10 - Camillo Boito
Entre as duas posições extremadas de Ruskin e de Violet-le-Duc, vários teóricos apresentaram idéias intermediárias. Destacamos o arquiteto italiano Camillo Boito (1836-1914) que estabeleceu alguns princípios que ainda hoje são bem aceitos:
Fig. 11 - exemplo de mínima intervenção e reversibilidade, Carmassi
por exemplo: a necessidade clara de diferenciações entre as partes originais e as restauradas; a mínima intervenção ou reversibilidade, dentre outros. Boito elaborou uma teoria intermediária, favorável à conservação dos acréscimos incorporados à obra arquitetônica.
Fig, 12 – consolidação da estrutura do Coliseu por Stern (1805) e Valadier(1823).
Em 1884, realiza-se o Congresso de Engenheiros e Arquitetos, em Roma, e Boito propõe os oito princípios básicos do Restauro Arqueológico, onde se aceita apenas a consolidação e recomposição das partes desmembradas e a conservação para não ser preciso restaurar, afirmando alguns dos princípios de Ruskin e Morris.
fig. 13, 14 - Valor de Antiguidade (Arco de Constantino), valor histórico (Palácio de Versailles), valor rememorativo intencionado (lager alemão)
No início do século XX, o historiador da arte austríaco Alois Riegl considerava que o objeto existe enquanto um elemento a ser preservado quando lhe é atribuído um valor histórico, artístico e cultural. A análise de Riegl se estrutura através de categorias de valores, os que chama de rememorativos, ligados ao passado, que necessariamente fazem parte da memória:
- valor de antiguidade;
- valor histórico;
- valor rememorativo intencionado.
Junto a eles os chamados “de contemporaneidade”, que pertencem ao presente:
- valor instrumental; e valor artístico, dividido em:
- de novidade;
- artístico relativo.
Para Riegl os critérios de preservação dos monumentos eram aplicados para qualquer obra humana com certa antiguidade e simbolismo sentimental ou social e não apenas pela singularidade e excepcionalidade histórica ou artística.
fig. 15 - Palazzo Gonzaga, Carmassi Studio
Em 1912, o pensamento evolui com a Teoria do Restauro Científico, de Gustavo Giovannoni, Luca Beltrami e Camillo Boito, dentre outros, como sendo a operação de tão somente consolidar, recompor e valorizar os traços restantes de um monumento. A teoria defende antepor a conservação em relação à restauração, não a excluindo, mas aceitando-a com limitações e como forma de consolidação.
fig. 16 - Palazzo Gonzaga externo
A restauração científica sustentava-se em evidências documentais, evitava tanto o fatalismo passivo de Ruskin como o intervencionismo de Viollet-le-Duc. Caracterizava-se por métodos e conhecimentos próprios das ciências humanas, sendo também denominada de arqueológica, histórica ou filológica.
fig. 17 - capa Carta de Atenas e Le Corbusier
Nesse período, as várias teorias sobre a conservação de patrimônio provocavam muitas discussões, gerando muitas divergências e críticas. Para tentar minimizar essas discussões, muitos profissionais e instituições se debruçaram na tentativa de normalização de procedimentos básicos, que geraram as chamadas “Cartas Patrimoniais”, documentos normativos que resultam do acordo entre especialistas e conservadores profissionais.
fig. 18 - Firenze e Dresden bombardeadas
No rastro da Segunda Grande Guerra Mundial, muitos monumentos e coleções inteiras ficaram danificados, gerando um movimento de questionamento dos conceitos do "Restauro Científico" que exigiam postura de quase neutralidade do arquiteto/conservador em relação ao bem cultural.
CESARE BRANDI E O RESTAURO CIENTÍFICO
fig. 19 - Cesare Brandi, Neues Museum
Uma nova postura prevaleceu, o Restauro Crítico, com uma atitude mais flexível por parte dos profissionais, principalmente europeus, face à pressão social e política pela recomposição de monumentos e objetos danificados. Em 1964, durante um congresso em Veneza, os princípios do Restauro Científico voltam a prevalecer, sendo ampliados e revistos na Carta Italiana de Restauro de 1972, por Cesare Brandi.
Nascido em Siena, Brandi foi professor universitário, crítico de arte e musicólogo, e o primeiro diretor do Istituto Centrale di Restauro, a primeira instituição desse tipo, fundada em Roma em 1939. Brandi produziu o primeiro sistema de pensamento completo e orgânico na área de restauração.
fig. 20 - Teatro Verdi, Pisa interno e escada de segurança
A sua teoria do restauro é inspirada pela filosofia de Benedetto Croce; do historicismo derivou um conceito fundamental que continua plenamente válido: o caráter transiente, parcial e relativo de qualquer restauração, mesmo a mais habilidosa, por ser sempre marcada pelo clima cultural no qual é realizada.
fig. 21 - produtos industriais (maquina de escrever Olivetti) e obras de arte (quadro Durer)
Brandi dividia os objetos, em relação à restauração, em dois grupos: os produtos industriais e as obras de arte. Em relação ao primeiro grupo, o propósito fundamental da restauração seria restabelecer as propriedades funcionais do produto. Nesse aspecto a teoria de Brandi é limitada e cabe ressaltar que também devem ser considerados aspectos estéticos e históricos na conservação desse tipo de objetos que compõem em grande parte o patrimônio científico e técnico.
fig. 22 - Coliseu incisão e foto restauro Valadier
Brandi definia restauração como o momento metodológico no qual a obra de arte é apreciada em sua forma material e dualidade histórica e estética, com uma visão de transmiti-la para o futuro. Essa visão humanista, que sublinha sua concepção de restauração, é um aspecto muito valioso da teoria de Brandi.
fig. 23 - Alegoria da Primavera antes e depois do restauro
Para ele a restauração não é uma técnica auxiliar, mas um momento de apreciação crítica do objeto; em outras palavras, é um aspecto da pesquisa estética e filológica em direção à sua compreensão. A restauração recriaria a unidade do objeto perdida pelos efeitos do tempo ou de restaurações anteriores. Para alcançar esses objetivos a restauração deveria concordar com princípios históricos (não destruir os traços da passagem do tempo e da intervenção humana) assim como os estéticos (remover acabamentos errados e alterações inapropriadas). Na prática, as exigências estéticas freqüentemente prevaleciam sobre as históricas no pensamento de Brandi.
Publicou em 1963 a Teoria do Restauro, texto que defende a relevância de um fator quase sempre negligenciado na conservação científica: o valor artístico do objeto.
http://midas.revues.org/131 MIDAS - MUSEUS E ESTUDOS INTERDISCIPLINARES baseado no texto de Marcus Granato e Guadalupe do Nascimento CamposTÉCNICAS RETROSPECTIVAS – LILIAN NAKASHIMA Cartas Patrimoniais Conservação e restauro fig.03 Arena, Verona, Itália vista aérea A conservação e restauro de obras de arte é uma atividade que tem por objetivo a reparação ou atuação preventiva sobre qualquer obra que, devido a sua antiguidade ou estado de conservação, tenha necessidade de uma intervenção para preservar sua integridade física, assim como seu valor artístico, respeitando ao máximo a essência original da obra. fig. 04 Arena, Verona, Itália projeto de cobertura Segundo Cesare Brandi, "a restauração deve se dirigir ao reestabelecimento da unidade potencial da obra de arte, sempre que isso seja possível, sem cometer uma falsificação artística ou uma falsificação histórica, e sem apagar pegada alguma do transcurso da obra de arte através do tempo. fig. 05 Piazza San Pietro antes e depois do projeto de Bernini Na arquitetura, a restauração é em grande parte funcional, para preservar a estrutura e a unidade do edifício, reparar rachaduras ou imperfeições que podem surgir nos materiais. Até o século XVIII, as restaurações arquitetônicas preservavam sobretudo as obras de culto religioso, dado seu caráter litúrgico e simbólico; outros tipos de edifícios não eram normalmente considerados e restaurados a partir do seu estilo original. Por fim, desde o auge da arqueologia ao final do século XVIII, especialmente com as escavações de Pompeia e Herculano, se tendeu a preservar, a medida do possível, qualquer estrutura do passado, sempre e quando possuísse um valor artístico e cultural. fig. 06 escavações de Pompéia e Herculano Ainda assim, no século XIX os ideais românticos levaram a buscar a pureza estilística do edifício, e a moda do historicismo levou a planejamentos como os de Viollet-le-Duc, defensor da reconstrução estilística dos monumentos com grande liberdade de ação. Na atualidade, se tende a preservar ao máximo a integridade dos edifícios históricos. História fig. 07 maquete de Roma Antiga e reconstrução tridimensional de Constantinopla Já no período do Império Romano, o imperador Alexandre Severo, no século III, determinou a aplicação de multas a quem adquirisse uma casa com o a finalidade de demolí-la. O Império possuía um código de posturas que visava a conservação da imagem da cidade. Essa preocupação transmitiu-se ao Império Bizantino, que, já ao final do século IV, possuía leis que proibiam a desfiguração das fachadas e dos seus ornamentos. fig. 08 Codex Atlantico, Leonardo da Vinci. Scuderie ducali, Vigevano, da Vinci. No início da Idade Moderna, no período do Renascimento Italiano, conhecem-se novas medidas de proteção do patrimônio, por iniciativa da Igreja, visando a conservação de documentos e dos seus edifícios. fig. 09 Palais du Louvre, foto aérea. Mais tarde, durante o barroco, tiveram lugar obras de conservação e reconstrução de antigos castelos e catedrais, tanto na Alemanha quanto na Itália. Na França, à época da Revolução Francesa, publicou-se um decreto que considerava propriedade pública todas as obras de arte e antiguidades nacionais. fig. 10 Carta de Atenas, CIAM No início do século XIX, na Alemanha, se tomou uma resolução de proteção ao patrimônio, mas a moderna legislação sobre o tema iniciou-se em outubro de 1931, com a chamada Carta de Atenas. Deste então, mais de quatro dezenas de normas de conduta internacionais voltadas para a preservação do patrimônio histórico e cultural tem sido publicadas. Cartas Patrimoniais fig. 11 Cartas de Atenas As chamadas cartas patrimoniais são documentos – em especial aquelas derivadas de organismos internacionais – cujo caráter é indicativo ou, no máximo, prescritivo. Como já mencionado, medidas administrativas foram adotadas em vários períodos históricos para a proteção de edificações consideradas importantes para a cultura dos mesmos. A partir do século XIX um pensamento mais estruturado sobre a proteção do patrimônio cultural começa a ser organizado. Mas somente no início do século XX que posturas, legislações e atitudes mais abrangentes e concretas são postas em prática. Em 1931, surge a Carta de Atenas, que discute a racionalização de procedimentos em arquitetura e propõe normas e condutas em relação à preservação e conservação de edificações, de caráter internacional, com o intuito de garantirem a perpetuação das características históricas e culturais nos monumentos a serem preservados. As técnicas e as teorias dominantes a cada momento da evolução do pensamento preservacionista, muitas vezes provocaram a descaracterização de prédios de valor histórico, ao permitirem certas adaptações de técnicas construtivas ou ao consentirem a modernização de instalações para a readequação dos espaços às demandas da vida moderna. Os documentos gerados inicialmente, em geral, não têm maior grau de observância com a explicitação de detalhes para o restauro ou para outras intervenções nos monumentos de patrimônio histórico. Assim, com a evolução do pensamento, e frente a avaliações de casos ocorridos, outras regulamentações e orientações foram sendo editadas, no esforço de controle das modernizações que eram introduzidas pelas intervenções, e para o equacionamento de diretrizes de resgate da memória e da cultura na conservação do patrimônio edificado. Fig. 12 carta de Veneza Uma maior e mais criteriosa abordagem sobre restauro aconteceu em 1964, com a elaboração da Carta de Veneza, chamada Carta Internacional do Restauro. As cartas ao longo do tempo, permanecem atuais e são complementadas por novas normas e recomendações que nos descortinam novos ou mais amplos procedimentos na preservação do patrimônio cultural. Muitas cartas, recomendações e leis propõem atitudes em relação aos bens patrimoniais, as quais devem ser analisadas para se proceder em uma intervenção consciente na adoção de políticas preservacionistas do patrimônio. Fig. 13, 14, 15 Legislação Cartas sobre restauro · 1931 - Carta de Atenas · 1932 - Carta Italiana de Restauro · 1964 - Carta de Veneza - com preâmbulo e todos os 16 artigos em sete línguas, assim como sobre um modelo complementar focalizando as reformas em edifícios existentes e no contexto histórico (em parte em português). · 1972 - Carta de Restauro · 1987 - Carta da Conservação e do Restauro de Objetos de Arte e Cultura 2000 - Carta de Cracóvia Cartas Patrimoniais · 1931 (outubro) - Carta de Atenas, Escritório Internacional dos Museus Sociedade das Nações (em português) · 1933 (novembro) - Carta de Atenas, Assembléia do CIAM (em português) · Recomendação de Nova Delhi · 1962 - Recomendação de Paris · 1964 (maio) - Carta de Veneza [1], II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos/ICOMOS · 1964 - Recomendação de Paris · Normas de Quito · 1968 - Recomendação de Paris · 1970 - Compromisso de Brasília · Compromisso Salvador · Carta do Restauro, Ministério da Instrução Pública do Governo da Itália] (em português), de 6 de abril de 1972 · Declaração de Estocolmo, Assembléia Geral das Nações Unidas/UNEP] (em português), de 05 a 16 de junho de 1972 · Recomendação Paris 1972 · Resolução de São Domingos · Declaração de Amsterdã · Manifesto Amsterdã · Carta do Turismo Cultural · Recomendações de Nairóbi · Carta de Machu Picchu · Carta de Burra · Carta de Florença · Declaração de Nairóbi · Declaração Tlaxcala · Declaração do México · Carta de Washington 1986 · Carta Petrópolis · Carta de Washington 1987 · Carta de Cabo Frio · Declaração de São Paulo · Recomendação Paris 1989 · Carta de Lausanne · Carta do Rio · Conferência de Nara · Carta Brasília 1995 · Recomendação Europa de 1995 · Declaração de Sofia · Declaração de São Paulo II · Carta de Fortaleza · Carta de Mar del Plata · Cartagenas de Índias - Colômbia · Recomendação Paris 2003 · Autores · Cesare Brandi · Eugène Viollet-le-Duc · Friedrich Rathgen · Garry Thomson · Gettens and Stout · Harold Plenderleith · John Ruskin · Philip Webb · William Morris · Especialidades · Conservação preventiva · Conservação e restauro de pedra · Conservação e restauro de escultura · Conservação e restauro de papel · Conservação e restauro de metais · Conservação e restauro de bens arqueológicos · Conservação e restauro de bens etnográficos · Conservação e restauro de azulejo cerâmica e vidro · Conservação e restauro de mobiliário · Conservação e restauro de instrumentos musicais · Conservação e restauro de fotografia · Conservação e restauro de instrumentos musicais · Conservação e restauro de pintura · Conservação e restauro de pintura mural · Centros e Institutos internacionais · ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios · IRPA - Institut Royal do Patrinoine Artistique (Bruxelas,1937) · ICR - Istituto Central del Restauro (Roma, 1940) · ICOM - International Council of Museums (Paris,1946) · IIC - International Institut for Conservation (Londres, 1950) · ICCROM - Centro Internacional para o Estudo da Conservação e da Restauração (1956). · Bibliografia · MIGUEL, Ana Maria Macarrón. Historia de la conservación y la restauración: desde la Antigüedad hasta finales del siglo XIX. Madrid: Tecnos, 1995. · PERGOLI CAMPANELLI, Alessandro. Cassiodoro e o nascimento do restauro, ao final do império romano do ocidente. Pós. Revista do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da FAUUSP, 2014, XXI, 35, pp. 245-257. referências do texto http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=26
TÉCNICAS RETROSPECTIVAS – LILIAN NAKASHIMA Cartas Patrimoniais Conservação e restauro fig.03 Arena, Verona, Itália vista aérea A conservação e restauro de obras de arte é uma atividade que tem por objetivo a reparação ou atuação preventiva sobre qualquer obra que, devido a sua antiguidade ou estado de conservação, tenha necessidade de uma intervenção para preservar sua integridade física, assim como seu valor artístico, respeitando ao máximo a essência original da obra. fig. 04 Arena, Verona, Itália projeto de cobertura Segundo Cesare Brandi, "a restauração deve se dirigir ao reestabelecimento da unidade potencial da obra de arte, sempre que isso seja possível, sem cometer uma falsificação artística ou uma falsificação histórica, e sem apagar pegada alguma do transcurso da obra de arte através do tempo. fig. 05 Piazza San Pietro antes e depois do projeto de Bernini Na arquitetura, a restauração é em grande parte funcional, para preservar a estrutura e a unidade do edifício, reparar rachaduras ou imperfeições que podem surgir nos materiais. Até o século XVIII, as restaurações arquitetônicas preservavam sobretudo as obras de culto religioso, dado seu caráter litúrgico e simbólico; outros tipos de edifícios não eram normalmente considerados e restaurados a partir do seu estilo original. Por fim, desde o auge da arqueologia ao final do século XVIII, especialmente com as escavações de Pompeia e Herculano, se tendeu a preservar, a medida do possível, qualquer estrutura do passado, sempre e quando possuísse um valor artístico e cultural. fig. 06 escavações de Pompéia e Herculano Ainda assim, no século XIX os ideais românticos levaram a buscar a pureza estilística do edifício, e a moda do historicismo levou a planejamentos como os de Viollet-le-Duc, defensor da reconstrução estilística dos monumentos com grande liberdade de ação. Na atualidade, se tende a preservar ao máximo a integridade dos edifícios históricos. História fig. 07 maquete de Roma Antiga e reconstrução tridimensional de Constantinopla Já no período do Império Romano, o imperador Alexandre Severo, no século III, determinou a aplicação de multas a quem adquirisse uma casa com o a finalidade de demolí-la. O Império possuía um código de posturas que visava a conservação da imagem da cidade. Essa preocupação transmitiu-se ao Império Bizantino, que, já ao final do século IV, possuía leis que proibiam a desfiguração das fachadas e dos seus ornamentos. fig. 08 Codex Atlantico, Leonardo da Vinci. Scuderie ducali, Vigevano, da Vinci. No início da Idade Moderna, no período do Renascimento Italiano, conhecem-se novas medidas de proteção do patrimônio, por iniciativa da Igreja, visando a conservação de documentos e dos seus edifícios. fig. 09 Palais du Louvre, foto aérea. Mais tarde, durante o barroco, tiveram lugar obras de conservação e reconstrução de antigos castelos e catedrais, tanto na Alemanha quanto na Itália. Na França, à época da Revolução Francesa, publicou-se um decreto que considerava propriedade pública todas as obras de arte e antiguidades nacionais. fig. 10 Carta de Atenas, CIAM No início do século XIX, na Alemanha, se tomou uma resolução de proteção ao patrimônio, mas a moderna legislação sobre o tema iniciou-se em outubro de 1931, com a chamada Carta de Atenas. Deste então, mais de quatro dezenas de normas de conduta internacionais voltadas para a preservação do patrimônio histórico e cultural tem sido publicadas. Cartas Patrimoniais fig. 11 Cartas de Atenas As chamadas cartas patrimoniais são documentos – em especial aquelas derivadas de organismos internacionais – cujo caráter é indicativo ou, no máximo, prescritivo. Como já mencionado, medidas administrativas foram adotadas em vários períodos históricos para a proteção de edificações consideradas importantes para a cultura dos mesmos. A partir do século XIX um pensamento mais estruturado sobre a proteção do patrimônio cultural começa a ser organizado. Mas somente no início do século XX que posturas, legislações e atitudes mais abrangentes e concretas são postas em prática. Em 1931, surge a Carta de Atenas, que discute a racionalização de procedimentos em arquitetura e propõe normas e condutas em relação à preservação e conservação de edificações, de caráter internacional, com o intuito de garantirem a perpetuação das características históricas e culturais nos monumentos a serem preservados. As técnicas e as teorias dominantes a cada momento da evolução do pensamento preservacionista, muitas vezes provocaram a descaracterização de prédios de valor histórico, ao permitirem certas adaptações de técnicas construtivas ou ao consentirem a modernização de instalações para a readequação dos espaços às demandas da vida moderna. Os documentos gerados inicialmente, em geral, não têm maior grau de observância com a explicitação de detalhes para o restauro ou para outras intervenções nos monumentos de patrimônio histórico. Assim, com a evolução do pensamento, e frente a avaliações de casos ocorridos, outras regulamentações e orientações foram sendo editadas, no esforço de controle das modernizações que eram introduzidas pelas intervenções, e para o equacionamento de diretrizes de resgate da memória e da cultura na conservação do patrimônio edificado. Fig. 12 carta de Veneza Uma maior e mais criteriosa abordagem sobre restauro aconteceu em 1964, com a elaboração da Carta de Veneza, chamada Carta Internacional do Restauro. As cartas ao longo do tempo, permanecem atuais e são complementadas por novas normas e recomendações que nos descortinam novos ou mais amplos procedimentos na preservação do patrimônio cultural. Muitas cartas, recomendações e leis propõem atitudes em relação aos bens patrimoniais, as quais devem ser analisadas para se proceder em uma intervenção consciente na adoção de políticas preservacionistas do patrimônio. Fig. 13, 14, 15 Legislação Cartas sobre restauro · 1931 - Carta de Atenas · 1932 - Carta Italiana de Restauro · 1964 - Carta de Veneza - com preâmbulo e todos os 16 artigos em sete línguas, assim como sobre um modelo complementar focalizando as reformas em edifícios existentes e no contexto histórico (em parte em português). · 1972 - Carta de Restauro · 1987 - Carta da Conservação e do Restauro de Objetos de Arte e Cultura 2000 - Carta de Cracóvia Cartas Patrimoniais · 1931 (outubro) - Carta de Atenas, Escritório Internacional dos Museus Sociedade das Nações (em português) · 1933 (novembro) - Carta de Atenas, Assembléia do CIAM (em português) · Recomendação de Nova Delhi · 1962 - Recomendação de Paris · 1964 (maio) - Carta de Veneza [1], II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos/ICOMOS · 1964 - Recomendação de Paris · Normas de Quito · 1968 - Recomendação de Paris · 1970 - Compromisso de Brasília · Compromisso Salvador · Carta do Restauro, Ministério da Instrução Pública do Governo da Itália] (em português), de 6 de abril de 1972 · Declaração de Estocolmo, Assembléia Geral das Nações Unidas/UNEP] (em português), de 05 a 16 de junho de 1972 · Recomendação Paris 1972 · Resolução de São Domingos · Declaração de Amsterdã · Manifesto Amsterdã · Carta do Turismo Cultural · Recomendações de Nairóbi · Carta de Machu Picchu · Carta de Burra · Carta de Florença · Declaração de Nairóbi · Declaração Tlaxcala · Declaração do México · Carta de Washington 1986 · Carta Petrópolis · Carta de Washington 1987 · Carta de Cabo Frio · Declaração de São Paulo · Recomendação Paris 1989 · Carta de Lausanne · Carta do Rio · Conferência de Nara · Carta Brasília 1995 · Recomendação Europa de 1995 · Declaração de Sofia · Declaração de São Paulo II · Carta de Fortaleza · Carta de Mar del Plata · Cartagenas de Índias - Colômbia · Recomendação Paris 2003 · Autores · Cesare Brandi · Eugène Viollet-le-Duc · Friedrich Rathgen · Garry Thomson · Gettens and Stout · Harold Plenderleith · John Ruskin · Philip Webb · William Morris · Especialidades · Conservação preventiva · Conservação e restauro de pedra · Conservação e restauro de escultura · Conservação e restauro de papel · Conservação e restauro de metais · Conservação e restauro de bens arqueológicos · Conservação e restauro de bens etnográficos · Conservação e restauro de azulejo cerâmica e vidro · Conservação e restauro de mobiliário · Conservação e restauro de instrumentos musicais · Conservação e restauro de fotografia · Conservação e restauro de instrumentos musicais · Conservação e restauro de pintura · Conservação e restauro de pintura mural · Centros e Institutos internacionais · ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios · IRPA - Institut Royal do Patrinoine Artistique (Bruxelas,1937) · ICR - Istituto Central del Restauro (Roma, 1940) · ICOM - International Council of Museums (Paris,1946) · IIC - International Institut for Conservation (Londres, 1950) · ICCROM - Centro Internacional para o Estudo da Conservação e da Restauração (1956). · Bibliografia · MIGUEL, Ana Maria Macarrón. Historia de la conservación y la restauración: desde la Antigüedad hasta finales del siglo XIX. Madrid: Tecnos, 1995. · PERGOLI CAMPANELLI, Alessandro. Cassiodoro e o nascimento do restauro, ao final do império romano do ocidente. Pós. Revista do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da FAUUSP, 2014, XXI, 35, pp. 245-257. referências do texto http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=26