h3>Causalidade vs. Imputação: A Teoria Pura de Kelsen
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CAUSALIDADE (SER) E IMPUTAÇÃO (DEVER-SER)
Segundo Kelsen, na Teoria Pura, o princípio da imputação (responsabilização) nas proposições jurídicas tem função análoga à do princípio da causalidade nas leis naturais. Uma lei natural liga dois elementos: se "A" é, "B" é (causalidade). Uma proposição da ciência jurídica liga dois elementos: se "A" é, "B" deve ser (imputação).
A diferença reside no fato de que, na proposição da ciência jurídica, a ligação entre os elementos fáticos é produzida por uma norma jurídica, um ato de vontade autorizado. A norma jurídica não descreve fatos sociais, mas interfere na ordem natural ou social, qualificando imperativamente as condutas (atribuindo responsabilidades, conferindo poderes ou interditando condutas). Tais relações jurídicas, constituídas por essa imperatividade formalmente autorizada, devem ser descritas pelo cientista como uma relação de imputabilidade.
O conteúdo das normas (fatos e valores) deve permanecer intocado. Criticam-se, por inviabilidade científica, as proposições de uma teoria metafísica do Direito. A ciência jurídica, limitada às descrições normativas, não deve investigar a eficácia da norma (se é vivenciada como regra social), pois isso implicaria juízos sobre a realidade (o ser). Assim, não cabe à ciência jurídica dizer se uma norma é justa ou obedecida, mas sim se é válida formalmente e se tem vigência.
Kelsen ressalva que, embora se utilize a expressão "dever-ser", seu sentido na proposição da ciência jurídica é meramente descritivo, mesmo que o objeto dessa descrição – a norma jurídica – seja um dever-ser. O jurista científico apenas descreve o Direito, afirmando a ligação entre dois fatos, tal como o físico em relação ao seu objeto. Mesmo considerando que o objeto da ciência jurídica seja constituído pelas normas e valores, as proposições científicas são descrições alheias a valores.
Kelsen compara as leis naturais (descrição da ordem natural - ser), elaboradas pela Física, com as proposições descritivas da ordem jurídica, produzidas pela ciência jurídica. Estas últimas são denominadas leis jurídicas, que não são as normas jurídicas (dever-ser), mas apenas a sua descrição científica.
Essa analogia entre Direito (objeto) e ciência jurídica (sujeito), na formulação positivista de Kelsen, pode gerar confusão. Ao recorrer à analogia com as ciências naturais para justificar funções idênticas (descrição de seus objetos: fatos naturais e normas jurídicas), a norma jurídica é equiparada a um objeto reificado, um dever-ser-que-é válido formalmente. Embora sejam realidades ontologicamente diversas, podem ser descritas pelo conhecimento científico, desde que aplicados princípios explicativos diferentes: causalidade e imputação. São ciências distintas, mas comungam da mesma metodologia positivista.