Os Heterónimos de Fernando Pessoa: Caeiro, Reis e Soares
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Análise dos Heterónimos de Fernando Pessoa
Alberto Caeiro: O Mestre
- Paganista existencial, poeta da Natureza e da simplicidade.
- Interpreta o mundo a partir dos sentidos, focando-se na realidade imediata e objetiva que as sensações lhe oferecem.
- Nega a utilidade do pensamento, assumindo uma postura antimetafísica.
Ricardo Reis: O Discípulo de Caeiro
- Defensor do epicurismo (carpe diem) e da disciplina estoica.
- Caracterizado pela indiferença cética e pela busca da ataraxia (tranquilidade da alma).
- Adota um estilo classicista e semipagão, recorrendo frequentemente à forma da ode.
- A sua obra reflete o drama da fugacidade da vida e da fatalidade da morte.
Bernardo Soares: O Semi-Heterónimo
Autor do Livro do Desassossego, uma obra de natureza fragmentária, Bernardo Soares explora temas como:
- Mundo onírico: A constante presença do sonho e da imaginação.
- Inquietação existencial: Um permanente desassossego perante o quotidiano.
- Imaginário urbano: Descrição do ambiente físico e da paisagem humana através dos sentidos.
- Deambulação e sonho: Apresenta imagens fragmentárias captadas no percurso de um observador acidental.
- Transfiguração poética do real: Viaja para uma realidade transfigurada pela sua perceção e imaginação.
A Filosofia de Ricardo Reis
Apresentado por Pessoa como discípulo direto de Caeiro, Ricardo Reis diferencia-se do Mestre por uma abordagem distinta da realidade. Reconhece a inevitabilidade da passagem do tempo e a dor provocada pela natureza efémera do ser humano. Consciente do poder implacável do Destino (fatum), que condiciona a existência a uma mera passagem com a morte como fim ("passamos como um rio"), Reis adota uma filosofia de vida estoico-epicurista.
- Do epicurismo, retira o ideal de usufruir de um prazer moderado e em paz (carpe diem), procurando a ausência de dor.
- Do estoicismo, herda a disciplina, a abdicação de lutar contra o destino e a busca pela virtude através da impassibilidade perante as circunstâncias.
Para alcançar a felicidade (ataraxia), Reis sugere um esforço de autocontrolo que evite as paixões que causam sofrimento. Transforma a emoção em indiferença através da razão, aceitando o destino e a morte. Ao contrário de Caeiro, que se foca na sensação pura, Reis tenta fazer da vida uma arte, onde o sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo e se torna rei de si mesmo.
Comparação: Bernardo Soares e Alberto Caeiro
Embora distintos, Bernardo Soares e Alberto Caeiro partilham o foco na perceção do real. No entanto, abordam-no de formas opostas.
Para Bernardo Soares, a linguagem verbal é o "meio por excelência da visão", harmonizando sonho e realidade. A observação do real, através dos sentidos, é transformada pela escrita, que cria a ilusão de um "novo mundo" imaginado, distinto do exterior.
Alberto Caeiro, por sua vez, finge estar despojado de pensamento, construindo uma filosofia de vida baseada em sensações. Apresenta-se como o "guardador de rebanhos" que vive apenas o que os sentidos captam, assumindo que "pensar é estar doente dos olhos".
Em suma, enquanto Soares demonstra o seu desassossego metafísico através da transfiguração do real, Caeiro nega o pensamento e foca-se na simplicidade imediata das coisas, apreendida unicamente pelos sentidos.