História do Direito Internacional Privado: Da Antiguidade ao Brasil

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Direito Internacional Privado: Esboço Histórico

Introdução: O Direito Internacional Privado (DIP) regula as relações jurídicas com elementos de conexão internacional. Este esboço histórico traça sua evolução desde a antiguidade até o Brasil.

1. Antiguidade

Na antiguidade, não existiam regras de DIP. Estrangeiros eram vistos com desconfiança e hostilidade, devido a diferenças religiosas, tradições e costumes. Eram frequentemente considerados inimigos potenciais.

Exemplo: “Gênesis, cap. 43, vers. 32”: um egípcio não podia comer pão com um estrangeiro.

2. Roma e Atenas

Estrangeiros eram proibidos de possuir propriedades, casar, herdar, contratar ou praticar comércio.

3. China

Em alguns casos, permitia-se o sacrifício de estrangeiros e o saque de seus pertences.

4. Grécia

Estrangeiros eram chamados de “metecos”. Mesmo domiciliados, não tinham status de cidadão e pagavam uma taxa para exercer o comércio.

  • Polemarca: Judicatura especial para julgar casos envolvendo estrangeiros, protegendo seus bens e família.
  • Próxeno: Cidadão grego que orientava estrangeiros em relações comerciais e zelava por seus interesses.

Tratados entre cidades-estados (“asília”) visavam proteger súditos contra violência. O “meteco” passou a gozar de direitos políticos e civis, sendo chamado de “isótele”.

5. Roma (Evolução)

Estrangeiros eram capturados e vendidos como escravos, com seus bens sequestrados. Evoluiu para “peregrino”, com direitos no “jus gentium” (242 a.C.).

O “pretor peregrino” solucionava questões entre romanos e estrangeiros, ou entre estrangeiros residentes em Roma. Exercia o poder jurisdicional dos reis, com autoridade suprema na administração da justiça.

6. Egito

No tempo de Amenófis III (1500 a.C.), firmaram-se tratados de comércio com babilônicos e hititas.

7. Passagens Bíblicas

Algumas passagens bíblicas mostram aspectos positivos em relação aos estrangeiros. Exemplos: “Não afligirás o forasteiro, nem o oprimirás, pois o forasteiro foste na terra do Egito” (Êxodo, cap. 22, vers. 20) e “se o estrangeiro peregrinar na vossa terra não o oprimireis” (Levítico, cap.19, vol. 33).

A ausência de participação dos estrangeiros na vida jurídica e a não colisão entre direitos locais e externos impediam conflitos e o estudo de uma disciplina autônoma. Vigorava a territorialidade da lei.

8. Queda do Império Romano (476 d.C.)

A coexistência de pessoas de diferentes línguas, raças e condições econômicas sob a mesma soberania alterou a situação.

Surge a personalidade das leis. Cada indivíduo era julgado pelas leis de sua tribo. O romano respeitava a lei e os costumes nativos, como no julgamento de Cristo pelos hebreus.

Com a invasão dos bárbaros, suas leis vigoraram onde imperavam. O caráter territorial das leis cedeu ao jus sanguinis. Os bárbaros permitiam que cada um se regesse por suas próprias leis, com a lei dos vencedores prevalecendo em caso de conflito.

O julgador perguntava aos conflitantes sob qual lei viviam para julgar a contenda. Em uma reunião, cinco indivíduos podiam estar sujeitos a cinco ordenamentos distintos.

A miscigenação fez desaparecer o regime jurídico da personalidade do direito, extinguindo-se na Espanha no século VIII com o Codex Wisigothorum, que unificou a legislação. A morte de Carlos Magno no século IX restabeleceu a territorialidade das leis.

9. Feudalismo

A pouca força dos sucessores de Carlos Magno resultou no surgimento do Feudalismo. A realeza reforçou o poder do “senhor feudal”, que agia como rei em seu território, aplicando sua própria lei (jus soli).

No norte da Itália, o intercâmbio comercial e industrial entre cidades como Florença, Veneza, Perusa, Bolonha e Módena impediu a consolidação do feudalismo. Eram repúblicas autônomas com direito próprio (statuta), em oposição à Lex (direito romano).

Os Estatutos das cidades:

Gênova (1145), Pisa (1161), Ferrara (1208), Milão (1216), Módena (1218), Verona (1228) e Veneza (1242).

Os Estatutos continham prescrições administrativas, penais, civis e comerciais.

O intercâmbio entre as cidades começou a enfrentar fatos que requeriam soluções jurídicas não dirimidas da mesma forma em seus estatutos. Não havia normas de DIP para disciplinar tais relações.

10. Glosadores e Escolas Estatutárias

Em 1100, Irnerius instituiu o ensino do direito romano na Escola de Bolonha. Estudando o Digesto, colocava notas marginais explicativas (glosas), confrontando textos e buscando um entendimento harmonioso. A escola ficou conhecida como “escola de glosadores”, com destaque para Accursius, Bulgarus e Iacobus.

A escola de glosadores colhia tudo o que existia no Direito Romano relacionado ao convívio de Roma com os estrangeiros.

O mais antigo vestígio de DIP, segundo Almicar de Castro, é o parecer encontrado por Karl Neumeyer: “Mas, pergunta-se: se homens de diversas províncias, as quais têm diversos costumes, litigam perante o mesmo juiz, qual desses costumes deve seguir o juiz que recebeu o feito para ser julgado? Respondo: deve seguir o costume que lhe parecer mais preferível e mais útil, porque deve julgar conforme aquilo que a ele, juiz, for visto como melhor. De acordo com Aldricus”.

Nos séculos XIII e XIV, surgiu a escola dos pós-glosadores, comentaristas ou bartolistas, em Perusa, Pisa e Pávia. Bartolo (1314-1357), de Sexaferrato, é considerado o pai do Direito Internacional Privado. Os pós-glosadores redigiam comentários próprios sobre as glosas, buscando e criando um novo direito, comum, de possível aplicação às situações de seu tempo. Destacam-se Cino de Pistóia e Baldo de Ubaldis.

Bartolo dividiu os estatutos em reais (lei da situação da coisa) e pessoais (ligados à pessoa).

Em resumo, a solução dos conflitos preconizada pelo sistema estatutário italiano e que vem sendo adotada até hoje era:

  • Bens Imóveis: Localização da coisa.
  • Sucessão: Domicílio do falecido. Formalidade na sucessão: Lugar de elaboração do ato.
  • Contratos e seus efeitos: Lugar da celebração (para as obrigações) e da execução (para negligência e mora).
  • Delitos: Lei do lugar do ato.

Além da italiana, as escolas ou sistemas estatutários compreendem a francesa, holandesa e alemã.

Escola Estatutária Francesa: Criada por D’Argentr~e (1519 – 1590), distinguiu os estatutos reais (coisas) e os pessoais. Mais tarde admitiu os mistos. O estatuto pessoal devia acompanhar o cidadão. O estatuto real era a regra e o pessoal a exceção. Charles Dumoulin (1500-1566) criou a teoria da autonomia da vontade.

Escola Estatutária Holandesa: Tem como expoentes Bulgarus, Chistian Rodenburg e Ulrich Huber. Adota critério absoluto da territorialidade de todos os estatutos (reais e pessoais), aceitando a cortesia internacional (comitas gentium).

Escola Estatutária Alemã: Pouca contribuição ofereceu, não sendo admitida pela maioria dos tratadistas como sistema autônomo.

11. Codificação da Doutrina Moderna

O século XIX assistiu ao surgimento de normas de DIP em códigos civis de vários países, como França (1804), Itália (1865) e Alemanha (1896), fenômeno chamado de direito internacional privado legal.

Em 1855, apareceu o Código Civil do Chile, de Andrés Bello, primeiro autor de obra sobre DIP na América.

Exemplo: art. 57: a lei não reconhece diferença entre o chileno e o estrangeiro quanto à aquisição e gozo dos direitos civis que regra este código.

Joseph Story publicou em 1834 seu Conflict of Laws, revolucionando a Europa com sua concepção baseada na equidade dos conflitos entre as leis, criando o nome da disciplina – direito internacional privado.

Sua doutrina estabelece a lei do domicílio para a capacidade das pessoas, com exceção para a capacidade para contratar, que deve ser a do local do contrato. Para os bens imóveis, a lei da situação dos mesmos. Para o casamento, a lei do lugar da celebração. E para o divórcio e as relações conjugais, a lei do domicílio atual.

Friedrich Carl von Savigny defendia que o “interesse dos povos e dos indivíduos exige igualdade de tratamento das questões jurídicas”. Pensava no domicílio como elemento de conexão por excelência.

Pasquele Mancini embasou sua doutrina na nacionalidade, com restrições, influenciando a Europa.

Direito Internacional Privado no Brasil

1. Império

Antes da independência, vigiam no Brasil as leis portuguesas, com inspiração estatutária oriunda da Europa, tendo como base o princípio do lócus regit actum para os contratos e a necessidade de prova do direito estrangeiro.

2. Teixeira de Freitas

O Regulamento 737 de 1850 complementava o princípio (lócus regit actum), determinando a lei do lugar da execução para os contratos comerciais.

Em 1860, foi publicado o Esboço do Código Civil do Império, elaborado por Augusto Teixeira de Freitas, que influenciou a codificação do direito sul-americano.

Freitas propôs as questões dos conflitos de leis, quer no espaço, quer no tempo, num sistema novo, inspirado na teoria de Savigny, adotando o domicílio como principal elemento de conexão.

3. Pimenta Bueno

Em 1863, lançou a obra Direito Internacional Privado e Aplicação de seus Princípios com Referência às Leis Particulares do Brasil. Inspirou-se no Código Napoleônico e na obra Foelix, propondo a nacionalidade como principal elemento de conexão.

4. Clóvis Beviláqua

Em 1906, publicou a obra Princípios de Direito Internacional Privado. Defendeu a nacionalidade em alguns pontos. Foi o principal autor do Código Civil brasileiro de 1916, que consagrou a nacionalidade como o motivo de ligação mais importante no conflito de leis no espaço.

A vigente Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), adotou o domicílio como principal elemento de conexão, dando então razão à tese historicamente defendida por Teixeira de Freitas.

Outros autores importantes incluem Rodrigo Otávio, Eduardo Espínola, Pontes de Miranda e Carvalho Santos. Tratadistas como Haroldo Valadão, Oscar Tenório, Amílcar de Castro, Osíris Rocha, Agenor Pereira de Andrade, Irineu Strenger e Jacob Dolinger também se destacam.

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