História e Evolução do Documentário: De Lumière a Grierson
Classificado em Artes e Humanidades
Escrito em em português com um tamanho de 6,86 KB
1. Os Inícios do Documentário: Os Filmes Lumière
Os inícios do cinema, ou seja, os filmes Lumière, marcam, também, o início do documentário. Em geral, os pioneiros das imagens em movimento deslocavam-se aos locais onde decorriam os acontecimentos a fim de os registarem. Este constitui-se como o primeiro gesto documental e o fundamento do documentário.
Ou seja, o documentário é, por princípio, um filme cujas imagens são registadas fora de estúdio e as pessoas e acontecimentos registados têm existência fora dessas imagens. Os inícios do cinema definem os procedimentos que são próprios ao documentário, como sejam:
- O registo in loco;
- A utilização de cenários naturais;
- Intervenientes (“atores”) que se representam a si próprios;
- Temáticas similares às dos filmes Lumière, por exemplo: o dia a dia da vida das pessoas, acontecimentos ou eventos de importância social ou política, hábitos culturais de diferentes países;
- A encenação de acontecimentos quando, por qualquer motivo, não foram registados no momento em que decorreram.
Quanto à abordagem estilística, os filmes Lumière marcam, também, o estilo mais típico e clássico do documentário: uma abordagem direta e simples ao objeto a filmar (ou seja, a tentativa de uma representação realista do mundo), sem utilização de qualquer tipo de efeito visual mais elaborado.
O contributo dos inícios do cinema para a identidade do documentário foi mostrar a capacidade do aparelho cinematográfico de dar a ver o mundo, seja aquele a que temos acesso pelos nossos sentidos, seja aquele que de nós é distante, seja aquele que está mesmo ao nosso lado e que, por qualquer dificuldade, não vemos. Assim, e muito resumidamente, é o registo in loco que encontramos nos inícios do cinema que se constitui como princípio identificador do documentário. Princípio este que o documentário irá manter, independentemente das inovações estéticas da sua evolução histórica.
2. Construção da Identidade do Documentário (Anos 20)
O impulso para a prática documental surge nos anos 20 com Robert Flaherty e com Dziga Vertov. Nenhum deles se apelidava de documentarista nem dizia produzir documentários; as palavras viriam mais tarde.
Com estes filmes e autores, ficou definido que, no documentário, é absolutamente essencial que as imagens do filme digam respeito ao que tem existência fora dele. Esta é a principal e primeira característica do documentário. A segunda, já em estúdio, é a organização das imagens obtidas in loco (este material poderá, eventualmente, ser interligado com, por exemplo, imagens de arquivo, legendas, sons, etc.).
Este trabalho de estúdio obriga a que o filme não se paute por uma mera descrição, apresentação descaracterizada ou sucessão sem propósito aparente das imagens obtidas in loco. O documentarista, por seu lado, é o garante das características enunciadas. O impulso em registar o mundo é essencial para o documentário; a câmara de filmar sai para fora do estúdio, as imagens são recolhidas in loco e, posteriormente, trabalhadas numa forma fílmica/dramática.
Em suma, neste período de construção da identidade do documentário, podemos afirmar que o registo do mundo e a reflexão desse mundo e/ou desse registo têm, no documentário, um lugar privilegiado.
3. Afirmação da Identidade e Reconhecimento do Género (Anos 30)
A afirmação do documentário passa, necessariamente, pelo seu reconhecimento enquanto género. Isso aconteceu, nos anos 30, com o movimento documentarista britânico. O aparecimento e utilização do termo documentário e documentarista e a efetiva afirmação e desenvolvimento de uma produção de documentários por profissionais do género liga-se, inegavelmente, a esse movimento e à sua figura mais emblemática: o escocês John Grierson (1898-1977). Com Grierson e a sua escola, o documentário ganhou autonomia e assumiu uma identidade própria.
Na edição de 8 de Fevereiro de 1926 de The New York Sun, John Grierson, fundador do movimento documentarista britânico, publicou um texto sobre o filme Moana (1926), de Robert Flaherty, intitulado “Flaherty’s Poetic Moana”. Foi neste texto que, pela primeira vez, usou o termo “documentário”. Usado enquanto adjetivo para qualificar o filme Moana de Flaherty, Grierson diz que esse filme é o resultado da relação que a imagem estabelece com o que tem existência fora dela.
Para Grierson, Moana não é apenas um registo ou uma descrição da vida de uma família polinésia. O seu “valor enquanto documentário” ou, dito de outro modo, o seu “valor fotográfico” é secundário em relação à sua poética, à sua capacidade em transmitir a beleza e harmonia da relação que o homem estabelece com a natureza circundante. Essa capacidade resulta da competência artística de Flaherty.
Grierson exaltou em Flaherty a sua consciência artística e intenso sentimento poético. Mas, ao contrário de Flaherty, para Grierson o documentário deve abordar os problemas sociais e económicos e a solução para esses mesmos problemas. Embora admirador de Flaherty, Grierson questiona os seus filmes por não apresentarem soluções para os problemas dos povos que filma. Assim, Grierson encontra no documentário princípios que lhe permitiram explorá-lo como um instrumento de utilidade pública e, tal como já anteriormente considerara, a capacidade fotográfica do medium é algo secundário. A sua principal motivação na realização/produção de documentários consistia em utilizá-los para fins educacionais e as suas preocupações centravam-se no papel que o cinema podia desempenhar na sociedade. No trabalho que desenvolveu nas diferentes Film Units, Grierson colocou a estética ao serviço de uma educação nacional.
Exemplos de Film Units e Atividades de Grierson:
(Fonte: Ian Aitken, Film and reform John Grierson and the documentary film movement, Routledge, 1990)
- EMB (Empire Marketing Board Film Unit): de 1927 a 1933.
- GPO (General Post Office Film Unit): de 1933 a 1936.
- Em 1936, Grierson fundou o Film Centre, que realizava e produzia filmes para patrocinadores.
- A partir de 1939, Grierson foi para o Canadá, onde se tornou Film Commissioner da recém-criada National Film Board of Canada.
- A partir de 1946, foi Head of Information na UNESCO.
Dois filmes de referência dos anos 30:
- Housing Problems (1935), de Arthur Elton e Edgar Anstey;
- Night Mail (1936), de Harry Watt e Basil Wright.