História da Saúde Pública no Brasil: Do Império ao SUS
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Saúde no Brasil Colonial e Imperial (1500-1889)
De 1500 até o Primeiro Reinado, o Brasil, um país colonizado basicamente por degredados e aventureiros desde o descobrimento até a instalação do Império, não dispunha de nenhum modelo de atenção à saúde da população, nem mesmo interesse, por parte do governo colonizador (Portugal), em criá-lo. Deste modo, a atenção à saúde limitava-se aos próprios recursos da terra (plantas, ervas) e àqueles que, por conhecimentos empíricos (curandeiros), desenvolviam suas habilidades na arte de curar. A vinda da Família Real ao Brasil criou a necessidade da organização de uma estrutura sanitária mínima, capaz de dar suporte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro.
Até 1850, as atividades de saúde pública estavam limitadas ao seguinte:
- Delegação das atribuições sanitárias às juntas municipais;
- Controle de navios e saúde dos portos.
Verifica-se que o interesse primordial estava limitado ao estabelecimento de um controle sanitário mínimo da capital do Império, tendência que se alongou por quase um século. O tipo de organização política do Império era de um regime de governo unitário e centralizador, incapaz de dar continuidade e eficiência na transmissão e execução a distância das determinações emanadas dos comandos centrais.
A carência de profissionais médicos no Brasil Colônia e no Brasil Império era enorme. Para se ter uma ideia, no Rio de Janeiro, em 1789, só existiam quatro médicos exercendo a profissão (Salles, 1971). Em outros estados brasileiros, eram mesmo inexistentes. A inexistência de uma assistência médica estruturada fez com que proliferassem pelo país os boticários (farmacêuticos). Aos boticários cabia a manipulação das fórmulas prescritas pelos médicos, mas a verdade é que eles próprios tomavam a iniciativa de indicá-los, fato comum até hoje. Não dispondo de um aprendizado acadêmico, o processo de habilitação na função consistia tão somente em acompanhar um serviço de uma botica já estabelecida durante um certo período de tempo, ao fim do qual prestavam exame perante a Fisicatura e, se aprovado, o candidato recebia a “carta de habilitação” e estava apto a instalar sua própria botica (Salles, 1971).
Em 1808, Dom João VI fundou na Bahia o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da cidade de Salvador. No mês de novembro do mesmo ano, foi criada a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro, anexa ao Real Hospital Militar.
O Regime Militar e a Saúde (1964-1984)
1ª Fase: Institucionalização da Ditadura (1964-1968)
Este período do regime militar foi marcado por:
- Governos militares, eleições indiretas para presidente, intervenção nos sindicatos, cassação de mandatos e medidas autoritárias.
- Oposição Militar: Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
- Representação Militar: Aliança Renovadora Nacional (ARENA).
Saúde:
- Unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), criando o Instituto Nacional de Previdência e Assistência Social (INPS), que uniformizou os benefícios para todas as categorias.
- O INPS contratava serviços privados de saúde, estimulando um padrão de organização da prática médica pela lógica do lucro.
- Favorecimento da medicina em grupos: empresas contratavam uma empresa médica para dar assistência aos seus empregados, deixando de contribuir para o INPS.
2ª Fase: O “Milagre Brasileiro” (1968-1974)
A segunda fase da ditadura teve início em dezembro de 1968 com o AI-5. Foi um período de grande crescimento econômico, conhecido como “Milagre Brasileiro”, caracterizado por:
- O PIB brasileiro crescia a uma taxa de quase 12% ao ano, com a inflação beirando 18%.
- Altos investimentos internos e empréstimos do exterior.
- Construções de obras faraônicas: Rodovia Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, usinas nucleares, Usina de Itaipu, Zona Franca de Manaus.
- Brasil tricampeão de futebol no México.
- Investimento em siderurgia, petroquímica, naval e hidrelétrica.
- Slogan: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
- Geração de milhões de empregos.
- Dívida externa muito elevada para os padrões econômicos nacionais.
- Aumento da concentração de renda, mas também da pobreza.
Saúde:
- O Ministério da Saúde perde poder e privilégios, tornando-se ineficiente, e os sanitaristas são desvalorizados.
- Ações reduzidas ao controle e erradicação de algumas endemias pela SUCAM (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública).
- O sistema previdenciário desvincula-se do Ministério do Trabalho e subordina-se ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) em 1974. Com isso:
- Criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, cujos recursos eram destinados ao financiamento da construção de hospitais.
- Criação do Plano de Pronta Ação (PPA), que ampliava a contratação de hospitais e clínicas particulares para atendimento de urgência de qualquer pessoa.
- Continuidade do que já acontecia na 1ª fase e expansão da assistência médica da previdência a trabalhadores rurais, empregadas domésticas, trabalhadores autônomos, entre outros.
O aumento de gastos, que já eram elevados, somado a um modelo assistencial de alto custo e pouco resolutivo, gerou insatisfação, revoltas e mobilizações. A assistência médica era insuficiente para a demanda, houve menor arrecadação em tempos de crise, agravamento dos problemas sociais e questões relacionadas à forma de contrato.
3ª Fase: Crise Econômica e Abertura Política (1974-1984)
Este período do regime militar foi marcado por:
- O partido MDB sai vitorioso na maioria das grandes cidades.
- Ernesto Geisel como presidente.
- Crescimento do processo de redemocratização do país.
- Lei da Anistia.
- Crise econômica e recessão mundial (guerras), crise do petróleo.
- Esgotamento do modelo: concentração de renda para a minoria.
- Surgimento de movimentos sociais em todo o país.
- Aumento da participação social e fortalecimento dos sindicatos.
- Movimento “Diretas Já”.
- Clima que favorece o fortalecimento do debate e o surgimento de propostas para reformulação do setor de saúde.
Saúde:
- Movimento da Reforma Sanitária.
- 1975: V Conferência Nacional de Saúde. Neste evento, propôs-se um sistema nacional de saúde, mas empresários da saúde dificultaram o processo. Mesmo assim, o governo manteve os programas “Materno Infantil”, “Programa Nacional de Imunização”, “Programa Nacional de Alimentação e Nutrição” e “Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica”.
- Criação do PIASS (Programa Nacional de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento).
- 1978: O INPS se desmembra, criando o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica). Hoje, o INAMPS é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O instituto tinha a finalidade de prestar atendimento médico e dentário somente aos contribuintes da previdência social e seus dependentes.
- 1978: Conferência de Alma-Ata, com o lema “Saúde para todos no ano 2000”, preconizava a atenção primária à saúde, medicina comunitária, desmedicalização, autocuidado e participação comunitária.
- 1981: Criação do Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária, ligado ao INAMPS. Este criou as AIS (Ações Integradas de Saúde), que articulavam todos os serviços que prestavam assistência à saúde da população de uma região e integravam ações preventivas e curativas com vista à integralidade da atenção, construção de unidades básicas e contratação e capacitação de recursos humanos para os serviços.
A Nova República e a Consolidação do SUS (1984-1996)
Período da Nova República (1984-1988):
- 1985: Tancredo Neves é eleito nas eleições diretas, mas falece. José Sarney assume a presidência.
- Novas conquistas obtidas através da Reforma Sanitária:
- Redução das doenças imunopreveníveis.
- Redução da mortalidade infantil.
- Manutenção da mortalidade por doenças cardiovasculares e neoplasias.
- Aumento da mortalidade por causas externas (acidentes, violência).
- Aumento da epidemia de HIV/AIDS.
- Surgimento das epidemias de dengue.
- 1986: Realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, que defendeu a saúde como direito e foi um espaço para debate dos problemas dos sistemas de saúde, propondo a reorientação da assistência médica e de saúde pública.
- 1987: Ulysses Guimarães começa a elaborar a nova Constituição com a participação social.
Saúde na Constituição de 1988:
Os artigos 196 a 200 da Constituição Federal de 1988 referem-se ao sistema de saúde:
- Art. 196: A saúde é um direito de todos e um dever do Estado.
- Art. 197: Define as ações e serviços de saúde como sendo de relevância pública.
- Art. 198: Trata da regionalização, hierarquização, diretrizes e financiamentos.
- Art. 199: Garante a assistência à saúde livre à iniciativa privada.
- Art. 200: Define as competências do Sistema Único de Saúde (SUS).
Implementação do SUS (Pós-1988):
- 1990: Governo Fernando Collor de Mello.
- Retardamento da regulamentação das leis.
- Redução de quase metade dos recursos para o setor da saúde.
- Aumento das diversas modalidades de assistência médica supletiva com interesse de lucro na saúde.
- Implantação distorcida do SUS.
- Após a promulgação da Constituição, muitos de seus artigos deveriam passar por um processo de regulamentação no prazo de 180 dias. Porém, esse processo demorou mais tempo em virtude da política interna. Com isso, somente em agosto de 1990 a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080) foi aprovada. No entanto, a mesma sofreu vários vetos, principalmente na questão de financiamentos e controle social. Em dezembro de 1990, após negociações, a Lei 8.142 foi aprovada, recuperando alguns vetos da Lei 8.080. Ambas as leis são denominações das Leis Orgânicas de Saúde (LOS).
Conferências Nacionais de Saúde
As Conferências Nacionais de Saúde iniciam-se com o artigo 90 da Lei nº 378 de 13 de janeiro de 1937 e foram mantidas pela Lei nº 8.142 de 1990. Elas servem para:
- Facilitar o governo federal no conhecimento das atividades de saúde.
- Orientá-lo na execução dos serviços.
- Avaliar e propor diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis municipais, estaduais e federais.
- São espaços destinados a analisar os avanços e retrocessos do SUS.
Desde 1990, instituiu-se que este evento deve acontecer a cada 4 anos, devendo contar com movimentos sociais organizados, participação de entidades de classes ligadas à saúde, gestores e prestadores de serviços de saúde.
Linha do Tempo da Saúde no Brasil: Um Século de História
- 1904: Revolta da Vacina – Oswaldo Cruz.
- 1917: Reforma do Porto de Santos.
- 1923: Lei Eloy Chaves – Criação das CAPS (Caixas de Aposentadorias e Pensões).
- 1933: Criação dos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões).
- 1942: I Conferência Nacional de Saúde e criação do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública).
- 1953: Criação do Ministério da Saúde.
- 1963: III Conferência Nacional de Saúde – Campanha pela municipalização (Governo João Goulart).
- 1964: Golpe Militar – Retrocesso (centralização).
- 1966: Unificação dos IAPs e criação do INPS.
- 1975: Lei 6.229 que cria o Sistema Nacional de Saúde (SIMPAS = INAMPS + INPS + IAPAS).
- 1983: AIS (Ações Integradas de Saúde) – Início da interiorização das ações e serviços.
- 1986: VII Conferência Nacional de Saúde.
- 1987: SUDS (Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde) – Descentralização via convênios.
- 1988: Constituição Federal – Criação do SUS.
- 1990: Sanitarismo Campanhista.
Principais Conferências e Declarações da Saúde: Cronologia
- 1941: 1ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1950: 2ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1963: 3ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1967: 4ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1975: 5ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1977: 6ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1978: 1ª Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde em Alma-Ata.
- 1980: 7ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1986: 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Ottawa.
- 1986: 8ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1988: 2ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Adelaide.
- 1991: 3ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Sundsvall.
- 1992: Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Bogotá.
- 1992: 9ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1993: 1ª Conferência de Promoção da Saúde no Caribe, em Port of Spain.
- 1996: 10ª Conferência Nacional de Saúde.
- 1997: 4ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Jacarta.
- 2000: 5ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde no México.
- 2000: 11ª Conferência Nacional de Saúde.
- 2003: 12ª Conferência Nacional de Saúde.
- 2005: 6ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Bangkok.
- 2007: Conferência Internacional de Saúde para o Desenvolvimento em Buenos Aires.
- 2007: 13ª Conferência Nacional de Saúde.
- 2011: 14ª Conferência Nacional de Saúde.
8ª Conferência Nacional de Saúde (1986)
Impulsionada pelo movimento da Reforma Sanitária, foi a primeira vez que a população participou das discussões da conferência. Suas propostas foram contempladas tanto no texto da Constituição Federal de 1988 quanto nas Leis Orgânicas de Saúde nºs 8.080/90 e 8.142/90. Os principais temas foram:
- Saúde como direito.
- Reformulação do sistema nacional de saúde.
- Financiamento setorial.
9ª Conferência Nacional de Saúde (1992)
Indicou o caminho da:
- Descentralização.
- Municipalização.
- Participação social.
Descentralizando e democratizando o conhecimento, com o lema “Municipalização é o caminho”.
10ª Conferência Nacional de Saúde (1996)
O principal assunto abordado foi a questão da construção de um modelo de atenção à saúde. Nesse mesmo ano (1996), foi criada a NOB 96 – Norma Operacional Básica do SUS, com preocupação na questão do financiamento da saúde e necessidade de aumento desse financiamento. Os temas abordados foram:
- Saúde, cidadania e políticas públicas.
- Gestão e organização dos serviços de saúde.
- Controle social na saúde.
- Financiamento da saúde.
- Recursos humanos para a saúde.
- Atenção integral à saúde.