Hobbes, Bentham: Contrato Social, Dilema e Utilitarismo

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O Contrato Social de Hobbes e o Dilema do Prisioneiro

O dilema do prisioneiro surgiu da ferramenta conceitual denominada **Teoria dos Jogos** ou Teoria da Estratégia, e se refere a um **modelo matemático** que busca explicar o comportamento dos indivíduos em relação à cooperação, desconsiderando a psicologia humana.

O dilema é baseado em ofertas feitas pelo promotor a dois prisioneiros, separadamente. Cada um deles deve optar por cooperar (calar-se) ou não cooperar (confessar) para um procedimento criminal. As consequências são:

  • Se A e B se calarem (cooperação mútua), cada um fica 1 ano na cadeia.
  • Se A se cala e B confessa (defeito de B), A fica 5 anos na prisão e B não vai preso.
  • Se A e B confessarem (defeito mútuo), cada um recebe 3 anos de prisão (pena diminuída pela confissão).

O dilema **antagoniza o dever de cooperar e a adoção de uma estratégia egoísta**, a qual poderá gerar uma vantagem máxima para alguém, à custa da outra pessoa. Do ponto de vista moral, devemos cooperar. Mas do ponto de vista egoísta, isto é, sem ter em consideração quaisquer considerações morais, a estratégia dominante é a confissão (não cooperar).

Assim, **quem confessa realiza um ato individualista (de defecção), enquanto aquele que se cala age de maneira cooperativa** (com o parceiro). Nessa hipótese, aquele que confessou e não cooperou com o parceiro passa a ter uma vantagem perante o Estado, e aquele que se calou passa a estar em evidência contra o Estado, visto que agora há provas contra si, já que o outro indivíduo confessou. Neste caso, o que confessou ficará em liberdade, e aquele que permaneceu calado será preso.

Para Hobbes, nesse contexto, a natureza humana é tão violenta que cada um tentará tomar vantagem para si, e por isso não há confiança mútua entre os indivíduos, resultando numa situação em que nenhum dos dois permaneceria calado.

O grande problema da melhor decisão é a falta de confiança mútua entre os indivíduos, visto que a natureza humana determina essa falta de confiança, pois naturalmente o ser humano pretende o melhor para si, buscando se dar bem à custa dos outros.

O que se busca demonstrar com o dilema dos prisioneiros não é a natureza humana, mas a relação de **racionalidade e de confiança**. O direito positivo pode ser um mecanismo para haver confiança no âmbito das relações sociais. Para Hobbes, o estado de incerteza e de falta de confiança é resolvido, o dilema dos prisioneiros é superado, e o indivíduo deixa de ser ameaça para o outro com o advento do **Contrato Social**, através do qual se cria um Estado soberano. Para este Estado, todos, em acordo de vontades, abrem mão de suas liberdades e autoridade em nome da paz social. O Contrato Social põe fim ao estado de natureza. A criação de leis passa a conferir maior segurança aos indivíduos que devem orientar seus comportamentos na direção das normas que agora não são impostas por si próprios, mas por um soberano, que diante de descumprimentos estará apto a aplicar-lhes punições. Permanece, porém, o estado de natureza entre soberanos (entre dois países – não há confiança – têm de se preparar para guerra – o dilema do prisioneiro não é superado).

O Estado de Natureza em Hobbes

Para Hobbes, o **Estado de Natureza nunca ocorreu na história** da humanidade, à exceção dos primitivos povos selvagens, que refletem uma vida de desconfiança e disposição para guerra, e dos estados soberanos, que por causa de sua independência vivem em constante rivalidade e em atitude de guerra, prontos para proteção de seu território. Ressalte-se que tais exceções não se referem propriamente a um conflito interno entre pessoas de uma sociedade.

A Crítica de Bentham ao Direito Natural (Jusnaturalismo)

Bentham critica o jusnaturalismo de Locke e Rousseau, que informa que existiria uma moralidade anterior ao surgimento do Estado que poderia ser usada para avaliar a legitimidade do Estado. **Para o autor, não existem direitos naturais, anteriores ao Estado, já que este é a única fonte de direito.** Qualquer lei seria sempre positiva e não decorrente de direitos anteriores pré-estabelecidos, naturais (o que existe antes é o desejo de ter direitos). Assim sendo, o critério para saber se uma lei positiva é justa ou não, não residirá no direito natural. A justiça é garantida aos cidadãos, mas não há como avaliar se o Estado é ou não justo. **Para Bentham, o direito é sempre positivo, sendo qualquer tipo de direito uma invenção humana.** Anteriormente ao Estado apenas existem desejos, que gostariam de levar à criação de algo. As pessoas, seres racionais, seriam movidas pelo prazer, para evitar a dor, em sentido amplo, e não por aspectos morais. Assim, o impulso do desejo para superar a fome, através da razão, cria-se o pão. Um governo será melhor quanto mais esse Estado maximizar esses prazeres e minimizar as dores. É relevante notar que o desejo de ter direitos não se confunde com o próprio direito. O que move as leis são os desejos sem nenhum vínculo qualitativo.

Não há direitos anteriores às leis, e estas são criadas pelo governo. Confundir a existência de um direito somente pela necessidade de querer ter esse direito seria o mesmo que confundir uma necessidade. Direitos são criações humanas, por meio de leis, com o fim de que outros direitos sejam protegidos (os quais não seriam protegidos caso não houvesse essas leis). A criação de um direito justifica-se para a proteção de um outro direito ainda mais essencial e fundamental, o direito à vida.

Críticas Naturalistas e a Neutralidade dos Desejos

É possível aceitar que não existiam direitos naturais, mas sim desejos (motivações), mas há uma ideia evidente de que alguns desejos são mais nobres (fundamentais) do que outros. Como classificar um desejo como mais nobre do que outro? Quais os critérios de classificação, em contraposição aos desejos antissociais? Segundo Bentham, **desejos são normativamente neutros, e por isso mesmo não devem ser analisados e criticados ou idealizados, sendo mais ou menos nobres** (morais ou imorais). Há uma impossibilidade de aceitar e atender a todos os desejos dos indivíduos, sem gerar um conflito social pela satisfação desses desejos, os quais elas sequer deveriam ter. Por esse motivo, os desejos são normativamente neutros.

Os desejos, segundo Bentham, e sua consequente realização pelo indivíduo, significaria a felicidade do indivíduo (utilidade), um benefício ao mesmo. Entretanto, a felicidade de um não pode e nem deve significar a felicidade e a paz social de todos, pois existem desejos perversos. Maximizar a felicidade de alguns equivale a decrescer a felicidade de outras pessoas. Bom é o sistema de governo que permite o máximo de felicidade para o maior número de pessoas possíveis, e não aquele governo que governa por somente governar apoiando-se no direito e em seu próprio poder. Entretanto, para atingir a maximização da felicidade coletiva da maioria, deve-se limitar alguns desejos de uma minoria, que pretende atingir sua própria felicidade por desejos perversos, que gerariam desarmonia e conflito social.

Bentham, assim, não propõe uma revolução, mas de fato propõe uma reforma institucional com o fim de gerar felicidade coletiva, permitindo que o direito limite os desejos perversos, e a sociedade como um todo evolua e se desenvolva de forma feliz.

Teoria da Moralidade no Direito Positivo de Bentham (Utilitarismo)

Como o autor não concebia a existência de direitos naturais, não havia parâmetros para avaliação moral do direito positivo. Para solucionar a questão, Bentham valeu-se do **Utilitarismo**, segundo o qual os sentimentos de busca de prazer e de evitar a dor servirão de balizadores para avaliação dos critérios benefício, felicidade e utilidade, relacionados à lei positiva. Para o autor, a natureza nos colocou submissos a dois aspectos: prazer e dor. Não elenca nenhum tipo de prazer que seja moralmente preferível. Não há hierarquia qualitativa do prazer. Cada tipo de prazer não possui caráter moral. A filosofia moral só é mensurável do ponto de vista quantitativo.

Bentham reconhece na natureza humana apenas o desejo de buscar o prazer e a felicidade, maximizados de modo quantitativo, quanto à intensidade e duração. Cabe ao Estado regular a maximização de prazer, fazendo que ele seja maximizado para o máximo de pessoas possível e não para um ser de forma isolada, mesmo que algumas pessoas fiquem insatisfeitas. O autor busca a escolha do melhor prazer em termos quantitativos, que é medido pelo mais intenso e duradouro, e não qualitativos. Por isso, eles são amorais.

O **Princípio da Utilidade**, para o autor, é aquele que faz aprovar ou desaprovar qualquer ação, segundo a tendência que tem a aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa (particular ou governo) cujo interesse está em jogo. Será aprovada a ação se ela for capaz de produzir prazer, e reprovada se tendente a produzir dor. Utilidade seria sinônimo de felicidade, ou seja, a propriedade existente em qualquer coisa em virtude da qual proporciona vantagem, benefício, felicidade, prazer ou impede dano, dor, infelicidade.

A comunidade seria uma espécie de agregado de indivíduos, sendo o interesse da comunidade o somatório dos interesses dos indivíduos que constituem a moralidade coletiva. O Estado deve preservar a felicidade da comunidade, sendo moralmente certo que defenda o interesse representado pelo maior número de felicidade de seus membros, considerados de forma igualitária, antecipando a ação que aumentará a quantidade de felicidade naquela comunidade. Nenhum desejo ou interesse é intrinsecamente reprovável. O único óbice de desejos pérfidos ocorre quando eles representam muita infelicidade aos demais.

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