Ideologia e Bases do Regime Franquista

Classificado em História

Escrito em em português com um tamanho de 12,23 KB.

I. Ideologia e Fundamentos do Regime Franquista

Franco denominou o regime estabelecido após sua vitória na Guerra Civil, que durou de 1939 a 1975, como um regime ditatorial. Apesar de ter sofrido algumas alterações, manteve-se como uma ditadura, com Franco concentrando todo o poder e afirmando que só respondia "perante Deus e a História". Historiadores divergem sobre classificá-lo como fascista, totalitário ou autoritário, sendo um amálgama de Estado totalitário, ditadura militar, estado fascista e monarquia absoluta sem rei.

Franco culpava o liberalismo pelos males da Espanha e tentou recuperar, ou inventar, formas tradicionais de governo, como senhores da guerra e cortes. Também era obcecado pela ameaça da maçonaria e do comunismo. Aboliu a Constituição de 1931, direitos individuais e coletivos, partidos políticos, sindicatos e estatutos de autonomia, proibindo manifestações nacionalistas, incluindo o uso de línguas regionais.

1.1 Ingredientes Ideológicos

  1. Falange: Franco utilizou a Falange, apesar de nunca ter sido um falangista convicto. Com a morte de José Antonio Primo de Rivera, Franco manipulou o partido. Apesar de sua importância, a Falange nunca teve grande influência nos ministérios. A doutrina de José Antonio foi diluída e usada para manter os ideais da Revolta Nacional de 1936 e controlar a opinião pública.
  2. Nacional-Catolicismo: Desde o início da guerra, adotou-se uma mentalidade nacional-católica radical. Franco se via como o homem providencial escolhido por Deus para salvar a Espanha ("Franco, Caudilho da Espanha pela graça de Deus"). Franco entregou à Igreja o controle da educação. Organizações seculares como a Associação Católica Nacional de Propagandistas (ACNP) e a Opus Dei participaram dos trabalhos do Estado.
  3. Militar: A justificação do regime vinha da vitória na guerra. O estado de guerra durou até 1948, embora a partir de 1964 se falasse em "paz" em vez de "vitória". A mentalidade militar refletia-se em um regime autoritário, com militares em cargos importantes. O exército era o núcleo da essência da Espanha, sendo criticado apenas por alguns monarquistas e pela descolonização da África.
  4. Nacionalismo Espanhol: Fruto da Falange e do pensamento tradicionalista, servia como elemento de coesão social contra as exigências de autonomia catalã e basca. A unidade histórica da Espanha era defendida com retórica, como a "unidade do destino universal".
  5. Nacional-Sindicalismo: Em oposição ao comunismo e ao capitalismo, Franco propôs o nacional-sindicalismo, uma retórica para esconder sua falta de conhecimento econômico e os princípios liberais na apropriação e controle do trabalho, e do fascismo político.
  6. Democracia Orgânica: Rejeitando o sistema liberal de partidos, criou a Falange Espanhola Tradicionalista e das Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista (FET y de las JONS), semelhante ao partido único fascista, que se tornou o Movimento Nacional, de filiação obrigatória. A democracia orgânica não se baseava no voto de ideias conflitantes, mas na organização política através das unidades naturais da sociedade: família, sindicato e município, com um sistema de votação indireta.

1.2 Organograma do Franquismo

  1. Francisco Franco: Chefe de Estado, chefe do partido, líder da Espanha, Generalíssimo dos exércitos. Em janeiro de 1938, Franco nomeou seu primeiro governo com participação da Falange, monarquistas, militares e técnicos. Franco era chefe de Estado, do Partido, do Governo, Presidente do Conselho Nacional e nomeava o presidente do conselho político. Tinha poderes especiais para promulgar leis.
  2. Movimento Nacional: Partido único (FET y de las JONS).
  3. Sindicato Vertical (posteriormente denominado Organização Sindical): Contava com um Secretário-Geral. Baseado no fascismo, declarava que empregadores e trabalhadores seriam integrados em um único sindicato por ramos de produção. O Estado controlava todo o sistema e a filiação era obrigatória. A Organização Sindical Espanhola (OSE) tinha uma estrutura territorial nacional, outra setorial que reunia todos os produtores e, finalmente, uma união dedicada a obras assistenciais.
  4. As Cortes: "Órgão máximo de participação do povo espanhol na obra do Estado", eram meramente consultivas. Os representantes das Cortes, ou "procuradores", eram nomeados pelo poder: ministros, membros do Movimento Nacional, da organização sindical, "procuradores natos" em razão de seu cargo (prefeitos de grandes cidades, reitores de universidades, representantes da igreja, sindicatos...). Serviam para designar a "democracia orgânica".
  5. Governadores Civis de cada província. Não existia o conceito de região autônoma.
  6. Capitania Geral dos militares.

1.3 Leis Fundamentais

  • Fuero del Trabajo (1938): Delineava o direito do trabalho, inspirado em Mussolini: salários, competência, organização empresarial e propriedade, trabalho e segurança social.
  • Lei Constitutiva das Cortes (1942): De natureza consultiva. Foi corrigida pela Lei Orgânica do Estado. Representantes dos três estados: sindicatos, associações profissionais e nomeados pelo Conselho Nacional. O sufrágio era restrito.
  • Fuero de los Españoles (17 de julho de 1945): O mais parecido com uma constituição, descrevia o regime como "nacional-católico", com deveres e direitos, bem como o reconhecimento formal das liberdades individuais.
  • Lei do Referendo Nacional (1945): Sufrágio universal para qualquer modificação das leis fundamentais (após a Lei dos Princípios do Movimento, foi a exceção).
  • Lei de Sucessão na Chefia do Estado (1947): Submetida a referendo nacional. O Chefe de Estado reservava-se o direito de nomear seu sucessor. A Espanha era definida como um reino, mas Franco seria o chefe de Estado vitalício, com poderes extraordinários.
  • Lei dos Princípios do Movimento (1958): A ser seguida pela Carta dos Espanhóis em 1967 e pela Lei Orgânica do Estado em 1967, para adequar o regime à Guerra Fria.

1.4 As "Famílias" do Regime

Franco equilibrava-se entre os grupos que o apoiavam (civis, militares e eclesiásticos), variando o apoio e nunca se baseando em um único grupo político ou ideologia. A diversidade de influências refletia-se nas diferentes "famílias": grupos empresariais (Exército, Igreja), políticos (Falange), grupos de pressão (Opus Dei, "tecnocratas" dos anos sessenta). Os monarquistas, inicialmente apoiadores da revolta, distanciaram-se com o Manifesto de Lausanne (1945) de D. Juan de Borbón. Os carlistas não causaram problemas sérios. A Lei de Sucessão foi considerada ilegal por D. Juan, pois propunha seu filho como herdeiro, educado na Espanha sob os princípios do Movimento Nacional.

1.5 Bases Sociais

Além dos grupos mencionados (Falange, Igreja e Exército), Franco contava com o apoio dos grupos sociais que haviam apoiado o levante militar: latifundiários, industriais, financistas, pequena burguesia e campesinato católico do norte e centro. O apoio social aumentou com o clientelismo (nepotismo).

O apoio a Franco foi promovido nos anos sessenta com a prosperidade econômica. O crescimento econômico deu origem a uma classe média que aceitou os condicionamentos políticos em troca de bem-estar. Uma nova classe trabalhadora identificou seu progresso com o desempenho econômico de Franco, tornando-se apolítica ("estômagos agradecidos").

A pequena burguesia enriquecida com o protecionismo industrial, na Catalunha e no País Basco, e os grupos promovidos na administração pública também apoiavam o regime.

A falta de consciência política e cultural, mantida por Franco através do controle da propaganda e da educação (modelo autoritário e repressivo), contribuiu para a longevidade do regime, perpetuando o "franquismo sociológico".

1.6 Controle Social: Puritanismo Ideológico

Franco impôs uma regressão na vida cotidiana e na cultura, com uma direção "paternalista" da sociedade. Todos os elementos da vida pública e privada eram controlados pelo Estado e pelo Movimento Nacional, destacando a figura do Caudilho. A mulher perdeu o direito ao voto e foi relegada ao lar e à Seção Feminina da FET y de las JONS, encarregada de um serviço social equivalente ao militar.

A doutrinação começava nas escolas e em organizações como a Frente de Juventudes, com acampamentos organizados. A Igreja e a Falange eram responsáveis por isso. Nas escolas, foi introduzida a disciplina de Formação do Espírito Nacional. Práticas religiosas tornaram-se eventos públicos de apoio: novenas, procissões, certificados de boa conduta... Relações sociais, como bailes, filmes e outros entretenimentos, eram controlados e considerados pecado. Nas escolas, cantava-se o Cara al Sol (Hino da Falange). Valores tradicionais como autoridade, disciplina, obediência e retorno ao campo eram exaltados.

A censura de livros, jornais, filmes e obras culturais empobreceu o desenvolvimento cultural e intelectual do país.

2. Fase Azul: Pós-Guerra

Franco nomeou três governos, com atuação próxima ao Eixo Roma-Berlim-Tóquio. As pastas ministeriais foram distribuídas entre as famílias de influência política: Exército, católicos (Educação), tradicionalistas (Justiça), Falange (Agricultura, Trabalho, Sindicatos e Subsecretaria do Movimento) e conservadores (Indústria, Finanças, Obras Públicas e Comércio). O Ministério da Defesa foi dividido em três exércitos. Os monarquistas ficaram fora do regime devido ao apoio a D. Juan.

A política social foi regulamentada pela Lei do Trabalho, aprovada durante a guerra. O Estado assumiu a tarefa de assegurar aos espanhóis pátria, pão e justiça, controlando salários e estabelecendo remunerações. No entanto, os salários perderam poder de compra devido à inflação. O Estado de bem-estar tornou-se paternalista (lojas sindicais). O caráter social foi retirado do nacional-sindicalismo da Falange. Os sindicatos foram abolidos e substituídos por sindicatos verticais obrigatórios, integrando todos os elementos de cada ramo de produção. A estabilidade no emprego foi assegurada, mas as empresas não se atualizaram e as greves eram proibidas (crime de sedição). A Previdência Social foi criada em 1943 por José Antonio Girón (Seguro Obrigatório de Doença).

A lei do divórcio e os avanços sociais das mulheres foram revogados, e atitudes sexuais "atípicas" foram criminalizadas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto a Alemanha vencia, a Espanha manteve-se neutra, mas adotou uma posição de não-beligerância (apoio a um dos lados sem envolvimento militar), devido às pressões e aspirações expansionistas de Franco, especialmente da Falange (Serrano Suñer, Ministro dos Negócios Estrangeiros, germanófilo). A Divisão Azul foi enviada à Rússia para apoiar o exército alemão.

A Espanha voltou à neutralidade após a entrevista de Franco e Hitler em Hendaye (Hitler considerou excessivas as reivindicações espanholas) e o avanço dos Aliados. Uma nova reunião entre Franco e Mussolini em Bordighera (Itália) pôs fim às aspirações de entrar na guerra. O regime propagandeou que Franco havia impedido a Espanha de entrar na guerra. Serrano Suñer foi substituído, a Divisão Azul foi repatriada e tentou-se enfatizar o caráter antifascista do regime. No entanto, as potências vitoriosas rejeitaram o regime de Franco, que não foi incluído no Plano Marshall.

A situação internacional forçou Franco a mudar o governo, diminuindo a influência da Falange e reforçando o setor católico, com Martín Artajo nos Negócios Estrangeiros. A simbologia fascista foi abandonada (saudação com o braço erguido), mas Franco reagiu desconsiderando a condenação internacional como uma conspiração judaico-maçônica marxista. Foi apoiado apenas por Portugal (Salazar) e Argentina (Perón).

Entradas relacionadas: