Igreja, Missões e Revolução: Séculos XVII e XVIII

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Expansão da Fé: Movimentos Missionários e a Propaganda Fidei

A Propaganda Fidei, criada em 1622 pelo Papa Gregório XV, surgiu para driblar o controle do Padroado — sistema pelo qual Espanha e Portugal nomeavam bispos e controlavam a Igreja nas colônias.

Propaganda Fidei vs. Padroado

  • Propaganda Fidei: Dependia diretamente do Papa, possuía financiamento próprio e buscava organizar uma legislação missionária autônoma, com formação espiritual e científica dos missionários, valorizando a adaptação cultural e a formação do clero indígena.
  • Padroado: Refletia o Regalismo e o absolutismo estatal, que limitavam a autonomia e expansão da Igreja, tornando a evangelização uma extensão do poder colonial e político.

Em contrapartida, a Propaganda Fidei propôs a separação da missão religiosa da política e do comércio, criando o cargo de Vigário Apostólico para retirar do Padroado a autoridade sobre nomeações e manter o foco espiritual.

O contexto histórico da expansão missionária inclui a divisão do mundo pelo Tratado de Tordesilhas (1494) e a bula Inter Caetera (1493), que legitimaram a evangelização associada à colonização europeia. A evangelização era vista como missão civilizadora e imperialista, com tensões internas entre missionários de diferentes nações e ordens religiosas (jesuítas, dominicanos, franciscanos).

Destaca-se a Controvérsia dos Ritos Chineses, debate sobre a inculturação do cristianismo na Ásia — uso de termos locais para Deus, culto aos ancestrais e adaptação de práticas religiosas — que gerou condenações e marcou as estratégias missionárias. Mudanças nas missões passaram a valorizar as culturas locais, focando nas elites intelectuais e utilizando a ciência como meio de aproximação. As consequências foram a expansão do cristianismo para além da Europa, a formação de igrejas locais e a consolidação da Propaganda Fidei como órgão central da evangelização mundial.

O Iluminismo: Razão, Crítica e o Desafio à Fé

O Iluminismo foi um movimento intelectual europeu que valorizou a Razão em detrimento da fé, criticando o Absolutismo e o obscurantismo religioso. Originou-se das correntes filosóficas do Empirismo e Racionalismo do século XVII, que colocavam o sujeito e a experiência sensível ou racional como única fonte de conhecimento, rejeitando o que transcende a razão humana.

Princípios Centrais do Iluminismo

  • Fé na Razão: Apresentava o Direito Natural como criação humana, desvinculado de Deus e da Igreja, promovendo um Deísmo em que Deus é um “relojoeiro” que não intervém no mundo.
  • Confiança na Natureza Humana: O homem é bom por natureza, não corrompido pelo pecado original, e capaz de alcançar felicidade e verdade por seus próprios recursos. Surge o mito do “bom selvagem”.
  • Crítica à Igreja: Havia desprezo pelo passado, especialmente pela Igreja, vista como responsável pela “idade das trevas” e pela opressão da razão. Isso gerou forte hostilidade à instituição e aos jesuítas.
  • Otimismo Profético: A razão eliminaria todos os obstáculos para uma nova era de luz, progresso e felicidade.

Iluminismo e a Sociedade

  • Religião: Rejeitava-se toda revelação ou dogma; prevalecia um deísmo naturalista que negava intervenção divina, valorizando apenas o aspecto ético. O ateu era visto como honesto, enquanto a classe eclesiástica era associada à corrupção.
  • Moral: As normas derivam da razão e vontade humanas, não mais de uma lei divina eterna.
  • Pedagogia: Defendia-se que o adolescente deve chegar livremente à verdade, guiado por seu instinto e razão (exemplo: Emílio de Rousseau).
  • Política: O soberano absolutista deveria garantir a felicidade dos súditos, regulando suas vidas, limitando privilégios e promovendo igualdade jurídica — é o Despotismo Iluminado.

Quanto à Igreja, sua fraqueza no século XVIII também decorreu da complacência interna e do Galicanismo (sob influência estatal), mas o ataque principal veio das ideias racionalistas e naturalistas do Iluminismo, que rejeitavam toda autoridade transcendente.

A Revolução Francesa (1789–1799)

A Revolução Francesa foi um ciclo revolucionário ocorrido na França entre 1789 e 1799, marcando o fim do absolutismo e o início da Idade Contemporânea. Com base nos ideais do Iluminismo, teve caráter burguês, forte participação popular e grande radicalismo, sendo impulsionada por uma grave crise econômica, social e política.

Causas e Contexto

A sociedade francesa estava rigidamente dividida em Primeiro Estado (clero), Segundo Estado (nobreza) e Terceiro Estado (povo), sendo este último o mais oprimido, composto por camponeses e burgueses, sem privilégios e sobrecarregado por impostos. O regime absolutista, encabeçado por Luís XVI, mantinha privilégios para o clero e a nobreza, resistindo a reformas e aprofundando a desigualdade. A crise se agravou com os altos gastos do Estado, inclusive com o apoio à Revolução Americana, e pelas más colheitas de 1788, que elevaram o custo de vida.

Em meio à convulsão social, foram convocados os Estados Gerais (não reunidos desde 1614), mas o voto por Estado impediu avanços para o Terceiro Estado, levando à criação da Assembleia Nacional Constituinte. Quando o rei tentou fechar a Constituinte, a população rebelou-se e, em 14 de julho de 1789, tomou a Bastilha, evento que simbolizou o início da Revolução.

Fases da Revolução Francesa

  1. 1ª Fase (1789–1792): Assembleia Nacional Constituinte e Assembleia Legislativa

    A partir da Queda da Bastilha, o movimento espalhou-se. No Grande Medo, camponeses atacaram propriedades aristocráticas exigindo o fim dos impostos e acesso a alimentos. Em agosto de 1789, foram abolidos os privilégios feudais, e foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que defendia a igualdade jurídica. A Constituição de 1791 instaurou uma monarquia constitucional, o que frustrou os que esperavam uma república. Foi também promulgada a Constituição Civil do Clero (1790), subordinando a Igreja ao Estado. O rei tentou fugir em 1791, mas foi capturado. Surgiram dois grandes grupos políticos: Girondinos, mais moderados, e Jacobinos, radicais. A França declarou guerra à Áustria e à Prússia em 1792, o que acirrou o processo revolucionário.

  2. 2ª Fase (1792–1795): Convenção Nacional

    Com o apoio dos sans-culottes, foi proclamada a República, e a Assembleia Legislativa foi substituída pela Convenção, eleita por sufrágio universal masculino. O rei foi executado em janeiro de 1793, acusado de traição. Iniciou-se então o Período do Terror, sob liderança dos Jacobinos, comandados por Maximilien Robespierre, que governaram por meio do Comitê de Salvação Pública. Houve repressão violenta aos inimigos da Revolução e intensa agenda de reformas sociais e políticas. Contudo, os excessos dos jacobinos levaram à sua queda em 1794.

  3. 3ª Fase (1795–1799): Diretório

    Com a queda dos jacobinos, os girondinos e a alta burguesia assumiram o controle, elaborando uma nova Constituição com voto censitário. O período foi autoritário, com uso do exército contra revoltas populares e resistência de jacobinos e monarquistas. A instabilidade, agravada pela crise econômica e guerras externas, levou a elite a buscar uma liderança forte. Surge então o apoio a Napoleão Bonaparte, que, com o Golpe do 18 de Brumário (1799), assume o poder e dá início ao Período Napoleônico.

Consequências da Revolução Francesa

  • Fim dos privilégios de classe e do feudalismo na França;
  • Queda do absolutismo e início da república;
  • Popularização da democracia representativa;
  • Separação entre os três poderes;
  • Igualdade perante a lei;
  • Inspiração para movimentos de independência nas Américas;
  • Consolidação do capitalismo e difusão dos direitos individuais.

O Conflito entre a Revolução e a Igreja Católica

A Revolução Francesa (1789–1799), embora não tenha tido como premissa destruir a Igreja Católica, acabou assumindo um caráter antirreligioso conforme se radicalizava. Inicialmente voltada contra o absolutismo, a Revolução foi impulsionada por causas políticas, sociais, econômicas e, em parte, filosóficas, especialmente as ideias do Iluminismo, que exalta a razão e critica tanto a autoridade política quanto eclesiástica. Esse pensamento iluminista denunciava, por exemplo, o abismo entre alto e baixo clero e a indiferença da Igreja diante das misérias populares. A Igreja Católica enfrentou grandes sofrimentos e perseguições nesse contexto, mas conseguiu resistir e retomar seu caminho posteriormente.

A Revolução foi um marco de transformação da sociedade medieval (dividida entre clero, nobreza e artesãos) para uma sociedade burguesa-industrial, com novas classes e um novo sistema de produção. Esse sistema, impulsionado pelo capitalismo, trouxe consigo uma profunda exploração humana (longas jornadas, êxodo rural, marginalização social, etc.).

No início, a relação entre a Revolução e o clero não era de conflito direto. Em 5 de maio de 1789, os Estados Gerais foram convocados, e muitos membros do Primeiro Estado (clero), inclusive 149 padres e 4 bispos, uniram-se ao Terceiro Estado, formando a Assembleia Nacional em 23 de junho de 1789. Na Tomada da Bastilha (14 de julho de 1789), ainda não havia hostilidade clara à Igreja, embora já ocorressem ataques a conventos e igrejas nas províncias.

Logo depois, a Assembleia Nacional proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sob a invocação do Ser Supremo, estabelecendo princípios como a liberdade, igualdade, propriedade, soberania nacional e liberdade de expressão e religião (desde que não perturbasse a ordem pública). Esses princípios serviram de base para a reorganização social e política, rompendo com os privilégios eclesiásticos e monárquicos.

Um ponto de ruptura importante foi a Constituição Civil do Clero, votada em 12 de julho de 1790 e sancionada por Luís XVI em 24 de agosto do mesmo ano, embora contrariado. Esta lei aboliu a Concordata de Bolonha (1516) e reestruturou a Igreja na França sem consultar Roma. Criou-se a Igreja Constitucional, transformando os padres em funcionários públicos pagos pelo Estado, obrigando-os a prestar juramento de fidelidade ao novo regime. Isso dividiu o clero em dois grupos: o clero juramentado (favorável à Revolução) e o clero refratário (fiel ao Papa), tornando o segundo inimigo político da Revolução.

Em 1792, com o recrudescimento do movimento revolucionário, o cristianismo foi abolido e instaurado o Culto à Razão, com a entronização simbólica da deusa da Razão na catedral de Notre Dame, substituindo o culto cristão tradicional. Em 1795, a Separação entre Igreja e Estado foi estabelecida por lei, e as perseguições ao clero se intensificaram com prisões e deportações. A repressão religiosa só cessou com o golpe de 9 de novembro de 1799, quando Napoleão Bonaparte, então um jovem general, assumiu o poder e pôs fim ao Diretório. Para Napoleão, a religião era um instrumento político, e sua chegada ao poder marcou o fim das perseguições abertas à Igreja na França.

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