Institutos Chave do Direito Penal Português

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Dolo Alternativo

Dolo, em sentido técnico penal, é a vontade de uma ação orientada à realização de um delito, ou seja, é o elemento subjetivo que concretiza os elementos do tipo. O crime é considerado doloso quando o agente prevê objetivamente o resultado e tem intenção de produzir esse resultado ou assume o risco de produzi-lo.

O dolo alternativo verifica-se quando o agente deseja, indistintamente, um ou outro resultado previstos como possíveis. É o caso do sujeito que atira contra outra pessoa, com propósito de matar ou ferir. Em caso de dolo alternativo, o agente responderá sempre pelo resultado mais grave (no exemplo, responderá por homicídio consumado ou tentado, dependendo do resultado efetivo, mas a imputação considerará a intenção mais grave). Justifica-se esse julgamento pelo facto de o Código Penal ter adotado a teoria da vontade. Existirá [dolo], na verdade, sempre que, por força de um alto e inqualificável teor de imprevisão, ou por força de uma profunda ausência de cuidado elementar, foram desrespeitadas as mais evidentes regras de cuidado para com o outro.

Dolus Malus vs. Dolus Naturalis

O dolo diz respeito à grande temática da culpa; diz respeito tanto à intenção como à consciência do agente de que está a realizar uma conduta errada que poderá eventualmente preencher um tipo penal.

Dolus Malus é o dolo qualificado pela intenção de cometer um crime, ou seja, a vontade consciente e deliberada de realizar um ato ilícito e causar um resultado típico penalmente punível. É um dolo malicioso, que implica um desejo específico de infringir a lei ou causar dano.

Exemplo: Um indivíduo que decide roubar um banco, planeia o assalto, adquire armas e, juntamente com cúmplices, executa o plano, tem dolus malus. Ele tem a intenção clara e definida de cometer o crime de roubo. Em suma, diz respeito à grande temática da culpa e é a modalidade em que o agente pratica uma infração e o motivo é reprovável; está aqui presente a factualidade típica mais a ilicitude do facto (saber mais querer).

Dolus Naturalis, por outro lado, refere-se ao dolo natural, que é a simples consciência e vontade de realizar o ato que constitui a infração penal, sem necessariamente uma malícia específica ou desejo de causar um dano. É a forma básica do dolo, presente sempre que alguém age com plena consciência de que a sua conduta corresponde a um tipo legal penal.

Exemplo: Um motorista que, consciente de que está embriagado, decide conduzir o seu carro e, como consequência dessa condução, provoca um acidente, está agindo com dolus naturalis. Ele sabe que está infringindo a lei ao dirigir embriagado, mas a sua ação não necessariamente envolve uma intenção maliciosa de causar um acidente. Em suma, tem como objeto apenas a factualidade típica e não pressupõe a consciência da ilicitude do facto.

Iter Criminis

"Iter Criminis" é uma expressão em latim no direito penal que significa "caminho do crime", sendo esta usada para se referir ao processo de evolução de um ato criminoso, descrevendo todas as suas etapas, desde a sua ideia até à consumação.

As Fases do "Iter Criminis"

O caminho do crime é constituído por várias etapas divididas em duas fases, que abrangem desde a mera cogitação (pensamento), a elaboração e até a execução do ato criminoso. As fases deste caminho são:

  • Fase Interna: Como o próprio nome deixa claro, neste momento o “crime” ocorre somente internamente para o seu futuro autor, ou seja, é a cogitação do crime. A cogitação é o plano intelectual sobre o ato delituoso, a ponderação da possibilidade da prática criminosa. Cabe lembrar que nessa fase, por mais hediondo que seja o crime cogitado, não pode haver punição para o autor do pensamento criminoso, sendo assim inimputável. Caso, após pensar e cogitar a prática criminosa, o autor venha a dar prosseguimento ao mesmo, parte-se então para a próxima fase do iter criminis.

  • Fase Externa: Esta fase engloba os atos preparatórios do delito, ou seja, viabiliza-se a execução do ato criminoso, reunindo todas as condições para que este ocorra. Esta fase é dividida em duas etapas:

    • Preparação: A preparação é o momento no qual o autor passa da mera cogitação à ação objetiva, como por exemplo, a compra de uma arma de fogo para a prática do crime de homicídio. Assim como na cogitação, nesta fase o autor também, via de regra, não será punido. Contudo, há abordagens onde o agente será punido pela preparação, como por exemplo na formação de associação criminosa, que mesmo que o grupo não venha a praticar nenhum crime, mesmo assim será punido como crime consumado, pois é um crime independente.

    • Execução: Na execução dão-se os atos direcionados diretamente à prática do crime proposto, sendo que, a partir deste momento, pode-se dar o estágio do iter criminis com a consumação do crime, onde estarão previstos todos os elementos necessários à constituição do delito.

Aberratio Ictus (Erro na Execução)

A terceira modalidade ou forma de expressão dogmática do erro sobre a factualidade típica é o erro na execução (aberratio ictus). Nesta hipótese, a conduta do agente falha no processo de execução do facto e atinge um objeto diferente do originalmente pretendido. Daí se falar em desvio da trajetória ou do golpe.

Diferentemente do que ocorre nos casos de erro sobre o processo causal, o resultado pretendido pelo agente não se realiza e a sua conduta acaba por produzir um outro resultado, de espécie diversa ou da mesma espécie. É o que acontece quando A efetua um disparo de arma de fogo contra B mas, por erro de execução, fere C, que se encontrava atrás de B.

Também neste âmbito, a solução depende do exame acerca da igualdade ou equivalência típica entre os objetos envolvidos. Se os objetos forem especialmente iguais, vale a máxima da irrelevância do erro. Por outros termos: o agente deve ser imputado pelo crime doloso inicialmente pretendido, como se de facto tivesse sido consumado. Uma outra opinião argumenta que o dolo precisa de se concretizar suficientemente num objeto determinado e, por isso, A deve ser punido por tentativa de homicídio contra B em eventual concurso com o homicídio negligente de C. Mas essa teoria da concretização falha no essencial. O dolo não precisa obrigatoriamente de se densificar num objeto tão específico como a vida de B, antes se contenta com um resultado típico genérico. Assim, de acordo com uma solução de equivalência, A deve responder por homicídio doloso consumado, pois B e C são igualmente seres humanos em geral.

Diversa será a solução quando o erro for projetado sobre objetos especificamente diferentes, pois neste caso vale o princípio da relevância do erro de execução. Assim, se D lançar uma pedra para destruir uma peça de cristal valiosa mas atingir e danificar E, que se encontra parado ao lado do objeto, D deverá responder por uma tentativa de dano em eventual concurso com ofensa à integridade física negligente.

Distinção entre Crimes de Omissão Pura e Impura

A omissão jurídico-penalmente relevante divide-se em dois tipos de crime: os crimes de omissão pura ou própria e os crimes de omissão impura ou imprópria (também designados por crimes de comissão por omissão).

Crimes Omissivos Puros ou Próprios

Caracterizam-se pela simples abstenção de agir. São crimes de mera atividade, sendo que a omissão da conduta devida lesa ou coloca em perigo o bem jurídico tutelado pela norma. Os crimes omissivos puros ou próprios são compostos por quatro elementos essenciais:

  1. Situação típica geradora de dever de agir;
  2. Imposição do dever de agir;
  3. Não realização da ação definida;
  4. Capacidade para agir.

Nos crimes omissivos puros ou próprios, a situação típica geradora do dever de agir, assim como o seu conteúdo, são normalmente expressos na letra da lei.

"Os crimes omissivos próprios (omissivos puros) são os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico. Para a existência do crime basta que o autor se omita quando deve agir. Comete crime omissivo puro quem não presta assistência a pessoa ferida ou o funcionário que deixa de responsabilizar seu subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou abandonou cargo público."

Crimes Omissivos Impuros ou Impróprios (Comissão por Omissão)

Embora também se caracterizem pela falta de atuação, a lei considera tal omissão a causa de um resultado descrito no tipo de crime (ex: homicídio), não porque seja o ato omissivo que provoca o evento, mas porque o agente não pratica o ato a que estava obrigado para evitar que tal resultado fosse produzido. Os crimes omissivos impuros ou impróprios são compostos por sete elementos essenciais:

  1. Situação típica geradora de dever de agir;
  2. Imposição legal de agir;
  3. Posição de garantia por parte do seu autor;
  4. Capacidade de ação do autor;
  5. Não realização da ação imposta pelo dever de garantia;
  6. Produção de um resultado equivalente ao que seria produzido pela ação;
  7. Causalidade hipotética.

"Nos crimes omissivos impróprios, a omissão consiste na transgressão do dever jurídico de impedir o resultado, praticando-se o crime que, abstratamente, é comissivo. A omissão é forma ou meio de alcançar o resultado (no crime doloso). Nos crimes omissivos impróprios a lei descreve uma conduta de fazer, mas o agente nega-se a cumprir o dever de agir. Exemplos são os da mãe que deixa de amamentar ou cuidar do filho, causando-lhe a morte."

Actio Libera in Causa

A dogmática do direito penal sempre conheceu aquelas situações em que o próprio agente provoca a sua inimputabilidade com a intenção de praticar um facto ilícito típico sem receber o juízo de censura da culpa. Para estes casos, a solução amplamente difundida e expressamente assumida em alguns ordenamentos jurídicos é – por mais paradoxal que possa parecer num olhar perfunctório – a afirmação da própria imputabilidade (artigo 20.º, n.º 4, do CP).

As hipóteses de ardilosa ou maliciosa autoprodução do estado de anomalia psíquica com a finalidade de cometer o facto durante o intervalo de tempo em que a capacidade de avaliação e determinação estão excluídas costumam ser dogmaticamente tematizadas sob a conhecida rubrica actio libera in causa. Neste peculiar grupo de casos, a ação não é livre nas suas consequências (no momento decisivo para a imputação segundo as regras gerais), mas pode ser considerada livre na sua origem (num ponto cronologicamente anterior). Isso vale sobretudo para as situações de intoxicação pré-ordenada. O exemplo clássico é aquele em que A, para despertar a sua personalidade e ganhar ânimo ou coragem para matar B, se coloca em estado de completa embriaguez e, durante a sua influência, pratica o facto ilícito típico planeado.

Se as consequências jurídicas são largamente inquestionadas, o mesmo não se pode dizer, entretanto, no que diz respeito à sua fundamentação dogmática. Existem basicamente duas orientações:

  • A tese da antecipação (ou "solução do tipo") sustenta que, nas situações em análise, o juízo de tipicidade da conduta deve ser temporalmente deslocado para o preciso momento em que o agente provoca a sua inimputabilidade.
  • A tese da exceção limita-se a afirmar que a punição se baseia numa pura e simples exceção à regra de exclusão da imputação (n.º 1 e 2 do artigo 20.º do CP).

Todavia, julgamos que nenhuma destas conceções pode convencer. Se a tese da antecipação encontra insuperáveis dificuldades do ponto de vista do princípio da legalidade criminal, a tese da exceção falha quando renuncia a oferecer uma explicação materialmente fundada. Seja como for, não será difícil perceber que a ordem jurídica trabalha aqui com uma ficção. Afinal, no momento do facto (homicídio), A é incapaz de distinguir o lícito do ilícito e de se determinar em conformidade com essa avaliação. Ele é inimputável e atua, portanto, sem culpa. Logo, só poderia ser punido, uma vez preenchidos os respetivos pressupostos, com uma medida de segurança.

Mas tudo isso se deve ao próprio autor. Nisto reside o aspeto essencial e decisivo. Por outros termos: a inimputabilidade e a consequente exclusão da culpa podem ser diretamente imputadas ao próprio agente. Embora não haja domínio do facto, há certamente um domínio da vontade. Por isso ele é punido como se imputável fosse. Com isso, a ordem jurídica indubitavelmente admite um certo desvio em relação ao princípio do momento da prática do facto. Um desvio que, entretanto, não deve suscitar nenhuma maior perplexidade ou dúvida quanto à sua legitimação perante a ideia de direito penal do facto.

Pois o direito penal – como de resto todo o direito, e nunca será demais insistir neste ponto – não constitui uma axiomática pura e linear, mas antes uma disciplina da razão prática e, como tal, vê-se normativamente forçado a assimilar oscilações e sinuosidades ali onde houver boas e suficientes razões para isso. Nesse horizonte de sentido, a tentativa de diferenciar entre provocação da inimputabilidade e provocação da anomalia psíquica para daí concluir que também não estaríamos diante de um facto de um imputável não passa do ensaio de uma manobra argumentativa que nada esclarece e apenas contorna o problema sem resolvê-lo.

Fora do regime de solução legal ficam os casos de provocação não intencional da situação de inimputabilidade. Pois nesta hipótese falta precisamente o elemento de malícia ou ardil que explica a ficção da imputabilidade.

Princípio da Confiança

O princípio da confiança refere-se à situação na qual uma pessoa age de acordo com as regras estabelecidas pela sociedade (para uma determinada atividade) e acredita que a outra também agirá conforme tais regras. Trata-se de um orientador da conduta humana, que visa a organizar os comportamentos sociais, de forma que um sujeito saiba o que esperar do outro. Do contrário, seria muito difícil o convívio humano.

Exemplo: Quando o pedestre atravessa a rua sobre a faixa determinada para a sua passagem, acredita firmemente que o motorista que está parado no sinal vermelho lá permanecerá.

O princípio da confiança guarda relação direta com os crimes culposos. Ele indicará, no caso concreto, se o agente agiu com imprudência ou negligência, ou se apenas atuou orientado pelo princípio da confiança. Se o agente atuou corretamente, confiando na conduta de outra pessoa, não pode ser responsabilizado por eventual resultado ofensivo a bem jurídico.

Confia-se no "outro" porque se sabe que ele também desenvolve cuidados em ordem a proteger de perigos os restantes membros da comunidade. Confia-se que cada um em particular não tenha comportamentos desconformes àquelas regras de cuidado. E a multirreciprocidade, sem exceção, faz com que o princípio da confiança emerja, em toda a linha, consolidando-se, assim, por efeito de uma legitimação cruzada, as relações que o pressupõem.

A ordem jurídica permite e quer que se desenrolem, no quotidiano, ações perigosas. Por outro lado, é a todas as luzes patente que sempre que há uma contínua inter-relação dos membros da comunidade em que os perigos são permanentes, é "natural" que, entre os membros dessa específica comunidade – por exemplo, a comunidade dos utilizadores das vias públicas por onde também circula o tráfego rodoviário – se estabeleça uma cadeia de relações de cuidado acrescido. É "natural" que se estabeleça um princípio da confiança entre todos os membros. Princípio que, obviamente, pressupõe a responsabilidade pelo sentido externo que a conduta traduz nos outros membros.

Crimes Preterintencionais

Os clássicos crimes preterintencionais tiveram grande importância ao longo da evolução da dogmática jurídico-penal. Na sua estrutura básica, o crime preterintencional é uma figura dogmática complexa que se reconduz fundamentalmente a três pressupostos:

  1. A existência de um crime fundamental doloso, de resultado ou de mera atividade;
  2. A ocorrência de um evento agravante jurídico-penalmente relevante que não foi abrangido pelo dolo do agente (como tal, preterintencional);
  3. A previsão de uma especial agravação da pena inicialmente cominada pela fusão do crime fundamental doloso com o evento preterintencional, isto é, uma agravação que excede a que teria lugar pelo concurso dos dois crimes.

Relevantes na prática eram sobretudo os casos de ofensas à integridade física produzidas a título de dolo conjugadas com o resultado morte produzido a título de negligência. Todavia, durante muito tempo, a doutrina e a jurisprudência prescindiram de toda e qualquer relação subjetiva (nexo de culpa) entre a conduta típica fundamental e o resultado agravador. A relação entre ambos os componentes era pensada em termos estritamente objetivos. Os crimes preterintencionais eram, neste sentido, uma expressão dogmática do princípio canónico "versari in re illicita operam danti rei illicitae, imputatur omnia quae sequuntur ex delicto".

E foi precisamente neste contexto, para corrigir os excessos e as injustiças que o esquema causal da teoria da equivalência das condições favorecia, que floresceu a teoria da causalidade adequada. Eis o primeiro grande contributo que a discussão em torno dos crimes preterintencionais ofereceu ao estudo do direito penal.

O passo seguinte, a tentativa doutrinal e jurisprudencial de compatibilização da figura do crime preterintencional com o princípio da culpa, só foi dado com muito custo teórico, quando se passou a afirmar que a agravação da pena exigia ainda que o resultado agravante pudesse ser imputado ao agente a título de negligência. Seja como for, o certo é que hoje, em virtude da irrestrita vigência do princípio da culpa (artigo 18.º do CP), a categoria do crime preterintencional já não suscita problemas de legitimação no que diz respeito à fundamentação da responsabilidade mais grave.

Crimes Agravados pelo Evento

Uma segunda expressão dogmática da combinação entre dolo e negligência pode ser encontrada nos crimes agravados pelo evento. Todavia, nesta hipótese, ao contrário do que sucedia nos clássicos crimes preterintencionais, o resultado desvalioso não querido pelo agente nem mesmo chega a ser um resultado jurídico-penalmente proibido. Daí se poder afirmar que, ora, a combinação entre dolo e negligência assume um sentido impróprio.

Todavia, muito embora se verifique a ausência de uma norma de proibição, o sancionamento com a pena mais grave também pressupõe, ao menos, que o resultado agravador possa ser imputado ao agente a título de negligência (artigo 18.º do CP). Também aqui fica evidente um outro nódulo problemático onde, de maneira clara e inequívoca, o legislador dá relevo substancial ao desvalor do resultado, sem, todavia, incorrer na incongruência de uma responsabilidade objetiva baseada no versari in re illicita.

Estamos a falar, é manifesto, de todas aquelas complexas infrações jurídico-criminais, com unidade de sentido dogmático, em que um dos resultados desvaliosos vai para lá da intenção inerente ao tipo fundamental doloso. Se é verdade que a problemática que estamos agora a discutir já se colocava no que toca aos clássicos "crimes preterintencionais", não é menos verdade que as coisas ganham uma maior densidade se olharmos para todas aquelas situações em que o resultado desvalioso não querido não é sequer proibido pela ordem jurídico-penal. É por isso que se fala, bom é de se ver, na estrita e bem definida categoria dos chamados "crimes agravados pelo evento", com o sentido que acabámos de emprestar.

Assim, como se sabe, se de um sequestro (artigo 158.º, n.º 2, alínea d)), de um rapto (artigo 161.º, n.º 2, alínea a)) ou de uma tomada de reféns (artigo 162.º, n.º 2) houver como resultado um suicídio, o legislador pune mais fortemente o comportamento do agente da infração. Porquê? Temos para nós que estas ilustrações expressam, de maneira firme e clara, a repercussão que o desvalor de resultado assume no ordenamento jurídico-penal.

Instigação

Esta modalidade de comparticipação vem prevista na quarta alternativa do art. 26.º do CP. Entende-se que a instigação consiste «na criação ou provocação dolosa da determinação de outrem à prática de um facto criminoso, suposto que o assim determinado o venha efectivamente a cometer como autor responsável».

Esta definição aponta já para alguns elementos fundamentais para corretamente caracterizar a instigação:

  • O carácter doloso;
  • A execução (ou início da execução) do facto;
  • A responsabilidade do instigado, que é executor ou agente imediato.

Note-se que, quando falamos aqui de instigação, não nos referimos ao comportamento de quem incentiva, aconselha, sugere, reforça o propósito ou influencia a motivação de alguém para praticar um facto ilícito típico; no fundo, de quem apenas auxilia ao facto de outrem. Estes são casos designados de cumplicidade moral e que se veem excluídos do conceito de instigação que aqui nos interessa (instigação em sentido estrito), uma vez que nestas situações não há uma verdadeira determinação de alguém ao cometimento de um crime, mas apenas indução. Assim sendo, estas hipóteses, embora se possam integrar numa noção de instigação em sentido amplo, devem ser abrangidas na cumplicidade, prevista no artigo 27.º do CP.

Portanto, o conceito de instigação engloba apenas as situações em que alguém cria noutra pessoa a resolução de cometer um facto ilícito típico, resolução essa que antes não existia no espírito do instigado. O texto legal fala em “determinar” outra pessoa a cometer um crime, o que pressupõe provocar nela essa decisão, exercendo influências na sua conduta. Necessário é que a atividade do instigador (a corrupção de um ser humano livre com vista à produção de um resultado jurídico-penalmente proscrito) esteja ligada num nexo de causalidade adequada à decisão tomada pelo agente imediato e ao facto concreto cometido pessoalmente por aquele (nos mesmos termos em que para a autoria simples se deve imputar o resultado à conduta, i.e., exigindo-se ainda a criação de um risco proibido para o bem jurídico e a materialização desse mesmo risco). O instigador fornece, portanto, o impulso inicial e decisivo para a execução do facto.

Para podermos falar de instigação bem-sucedida (leia-se, punível), têm de estar presentes dois requisitos:

  • Requisito objetivo: Traduz-se num duplo resultado (ou duplo nexo de imputação objetiva):
    1. A determinação da formação da resolução do autor em cometer um crime;
    2. A prática ou, pelo menos, o início da execução desse mesmo crime.
    Ambos devem poder ser imputados objetivamente à atividade do instigador, ou seja, devem ser a materialização do risco por este criado.
  • Requisito subjetivo: Complementa o objetivo no plano subjetivo, exigindo o duplo dolo (dolo em relação à determinação e dolo em relação à prática do crime pelo instigado).

Co-autoria

Esta é uma modalidade de autoria plural – dois ou mais autores colaboram no planeamento e na execução de um mesmo crime. Mesmo quando cada um dos comparticipantes executa apenas uma parte da tarefa global, sem que as ações individuais preencham, por si só, o tipo legal do crime, estas são-lhes reciprocamente imputadas – tudo o que cada um faça é imputável (extensível) a todos os outros, desde que dentro dos limites traçados no momento da decisão comum.

O acordo de vontades e a divisão de trabalho traduzem-se no domínio funcional do facto, partilhado por todos os autores, e é este domínio do facto coletivo que justifica a responsabilização penal de um agente que apenas realiza parte do facto. São então dois os requisitos exigidos pelo art. 26.º do CP para se poder falar de co-autoria:

  • Decisão comum: Representa o aspeto subjetivo desta modalidade de autoria e consiste na assunção pelos intervenientes de um propósito comum – o de alcançar determinado resultado típico –, assumindo cada um uma tarefa parcial mas essencial para o plano elaborado. Funciona como fundamento e limite da responsabilidade dos co-autores: é esta vinculação voluntária e consciente que, ao ligar as partes a uma atuação conjunta, justifica a já mencionada imputação recíproca das suas condutas; em caso de excesso de um deles, cada um dos comparticipantes só responderá por aquilo a que concordou. A decisão conjunta entre os co-autores é normalmente prévia à execução, mas também pode ter lugar durante a própria realização do facto – é a chamada co-autoria sucessiva. Ao mesmo tempo, tanto pode ser expressa como tácita, dependendo esta última da «existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras da experiência comum», ou seja, através de ações concludentes da existência de um acordo.
  • Execução conjunta dos factos: Representa o aspeto objetivo, onde cada co-autor contribui com uma parte essencial na fase de execução do plano.

Sem esta decisão comum, e havendo coincidência entre o resultado típico de duas condutas independentes que se podem complementar, só se pode falar de autoria colateral ou co-autoria paralela.

Autoria Imediata

É autor imediato quem realiza por si próprio algum dos tipos previstos na parte especial do CP, detendo exclusivamente o domínio do facto sob a forma de domínio da ação – é o “quem” anónimo mencionado nos tipos legais. O facto tem de ser realizado apenas por aquele agente (sem prejuízo de eventuais cúmplices), diretamente e na sua totalidade, tendo o autor de preencher em si todos os elementos objetivos e subjetivos exigidos pelo tipo legal.

Autoria Mediata

É autor mediato quem executa um facto por intermédio de outrem – quem se serve de outra pessoa como instrumento para a realização de um crime. Este "homem-da-frente", sendo embora executor, não é autor porque não consegue resistir à vontade dominante do "homem-de-trás", estando numa posição de inferioridade. É justamente este domínio da vontade que justifica a responsabilização penal de alguém que não cometeu o crime com as suas próprias mãos.

O ilícito é, assim, um facto próprio do autor mediato, dependendo a sua realização e o seu curso unicamente da vontade daquele, pelo que é em si que se devem concentrar todos os pressupostos de punibilidade. A pessoa instrumentalizada não será, portanto, punida, e é este princípio da autorresponsabilidade que permite distinguir a autoria mediata das restantes formas de autoria plural. Deixa de ser possível falar-se de autoria mediata quando o "homem-da-frente" é penal e plenamente responsável, já que nesses casos não atua sob a influência do "homem-de-trás".

Não é possível determinar a priori todos os casos de autoria mediata; o domínio do facto é um conceito aberto e que depende de concretização num plano concreto. Ainda assim, a doutrina tem vindo a identificar as situações em que, em princípio, é o "homem-de-trás" quem detém o domínio da vontade, geralmente por erro ou por coação. De forma muito sintética, haverá autoria mediata quando o instrumento atua:

  • Atipicamente (ex: sem dolo);
  • Licitamente (ex: coberto por causa de justificação que não se aplica ao homem-de-trás);
  • Sem culpa (ex: inimputável);
  • Sem a qualificação ou intenção tipicamente requeridas (ex: crimes específicos próprios).

Estamos perante autoria mediata por virtude de atuação atípica do "homem-da-frente" quando este atua sem dolo: embora a sua ação preencha os elementos objetivos típicos do ilícito, o instrumento não partilha os fins criminosos (o tipo subjetivo) do autor mediato porque age, nomeadamente, sob um erro sobre a factualidade típica dolosamente causado ou explorado pelo "homem-de-trás". Assim, por ter uma representação incorreta ou incompleta da realidade – v.g., porque a enfermeira não sabe que a injeção preparada e entregue pelo médico contém veneno –, não consegue resistir à manipulação levada a cabo pelo autor mediato. O "homem-de-trás" é autor por ser ele quem domina a situação, já que é o único a ter o conhecimento da realidade e da contrariedade ao direito da conduta do instrumento.

Nos casos em que o instrumento é ao mesmo tempo a vítima do crime, e a ação não for típica quando cometida por ele, também se pode falar de autoria mediata sempre que a vítima não possuir o domínio do facto – quando não tem liberdade para decidir devido a erro, coação ou falta de compreensão criados ou explorados pelo "homem-de-trás". O exemplo de escola é aquele de alguém que convence outro a tocar num cabo elétrico de alta tensão, sem que a vítima soubesse do que se tratava.

Excesso de Legítima Defesa

Excesso Esténico de Legítima Defesa

No Direito Penal Português, o excesso esténico de legítima defesa ocorre quando, no ato de defesa contra uma agressão, o agente excede os limites necessários para repelir a agressão, devido a um estado emocional intenso e excitado, como raiva, rancor, retaliação ou vingança. Este excesso pode ser considerado uma excludente da culpa se for demonstrado que o agente, ao defender-se, não conseguiu controlar suas ações devido à intensidade da emoção provocada pela situação (perturbação, medo ou susto - Art. 33º CP), embora a presença de sentimentos como rancor ou vingança possa dificultar essa exclusão.

Exemplo: Imagine uma pessoa que está em casa e é surpreendida por um ladrão armado que invade sua residência. Em um momento de extremo pânico e medo pela sua vida e a de sua família, essa pessoa consegue desarmar o ladrão e, ainda sob o efeito do pânico (ou raiva pela invasão), continua a agredir o invasor mesmo após ele ter sido neutralizado e não representar mais uma ameaça iminente. Aqui, o uso inicial da força pode ser considerado legítima defesa, mas a continuação da agressão, após a neutralização da ameaça, pode ser vista como excesso.

Fundamento Jurídico: O conceito de excesso de legítima defesa está previsto no artigo 33.º do Código Penal Português. Este artigo estabelece que, quando o agente excede os limites da legítima defesa devido a uma forte perturbação, medo ou susto não censuráveis provocados pela situação de agressão, pode haver uma atenuação especial da pena ou mesmo a sua dispensa.

Excesso Asténico de Legítima Defesa

No Direito Penal Português, o excesso asténico de legítima defesa ocorre quando o agente, ao defender-se de uma agressão, excede os limites necessários para a defesa devido a uma reação de fraqueza ou a uma condição emocional debilitada, como medo intenso, surpresa ou confusão, que afetam sua capacidade de avaliação e controle.

Exemplo: Imagine uma pessoa idosa que, ao ser surpreendida por um ladrão dentro de sua casa, entra em pânico. Na tentativa de se defender, essa pessoa pega um objeto contundente e atinge o ladrão várias vezes, mesmo depois de ele ter sido neutralizado e não representar mais uma ameaça imediata. Aqui, a reação desproporcional pode ser explicada pelo medo intenso e pela sensação de vulnerabilidade da pessoa idosa.

Fundamento Jurídico: O Código Penal Português, no artigo 33.º, trata dos excessos na legítima defesa, incluindo tanto o excesso esténico quanto o excesso asténico. O excesso asténico, decorrente de perturbação, medo ou susto não censuráveis, pode levar à atenuação especial da pena ou à sua dispensa, se ficar comprovado que o agente agiu sem a capacidade de controlar suas ações devido à intensidade da emoção.

Conclusão (para ambos os excessos): O excesso de legítima defesa reconhece que, em situações de extrema tensão e perigo, as reações humanas podem ser exageradas devido a fortes emoções. Se for demonstrado que o agente não teve controle sobre suas ações devido à intensidade da emoção (perturbação, medo, susto) não censurável, este excesso pode ser considerado uma causa de atenuação especial da pena ou de dispensa da mesma, dependendo da avaliação do juiz sobre as circunstâncias específicas do caso.

Tentativa Impossível e Crime Putativo

Alguns ordenamentos jurídicos punem, sob certos pressupostos, a chamada tentativa impossível ou inidónea. O legislador português fê-lo, ainda que limitadamente, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º do CP.

A primeira questão que o regime legal da tentativa impossível suscita reside em saber se a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto do crime excluem apenas a sua punibilidade ou já a própria noção de delito tentado.

A este propósito, importa esclarecer, antes de tudo, que a tentativa impossível não se confunde com o chamado crime putativo. Na verdade, trata-se de duas realidades jurídicas bem distintas. Basta pensarmos nos seguintes exemplos:

  • Tentativa Impossível: A, ao disparar sobre um cadáver, pensando que aquele corpo ainda está vivo, realiza uma tentativa impossível de homicídio (o objeto é inexistente para o crime de homicídio).
  • Crime Putativo: B, convencido de que o incesto é punido criminalmente, pratica relações incestuosas (que não são crime em Portugal). Estaremos diante de um crime putativo.

Em termos de estruturação lógico-normativa, estes dois conceitos jurídico-penais costumam ser muito justamente considerados como fenómenos de inversão do erro:

  • A tentativa impossível corresponderá, ponto por ponto, ao reverso do erro sobre a factualidade típica (o agente representa erroneamente factos que, se existissem, preencheriam o tipo).
  • O delito putativo corresponderá, também ponto por ponto, ao reverso do erro sobre a proibição (o agente conhece os factos, mas erra sobre a sua proibição penal).

Há que assinalar desde logo que o crime putativo não é punível. E não o é porque a sua punição levaria imediatamente a uma violação frontal do princípio nullum crimen sine lege (não há crime sem lei prévia). Mesmo colocando em hipótese que esta razão não era suficiente e enfileirando nas correntes mais subjetivistas, teremos de chegar à mesma conclusão, pois que a potencial perigosidade do agente – elemento base, como se sabe, para a punição da tentativa segundo estas teorias – tem de ser referida ao mundo criminal e, desta forma, ter um qualquer elemento que indicie a prática de um ilícito típico, o que, no nosso exemplo de crime putativo, não acontece.

E a tentativa impossível deverá ser punível? Para que isso aconteça é imprescindível, nos termos da lei (art. 23º, nº 3 CP), que a referida inaptidão do meio ou a inexistência do objeto não sejam «manifestas». Por outras palavras, o juízo sobre a aptidão ou inaptidão do meio ou existência do objeto deve ser:

  1. Um juízo objetivo (não releva o que o agente considera, mas sim uma avaliação objetiva).
  2. Aferido ex ante (no momento da ação), considerando o que uma pessoa normal, com os conhecimentos do homem médio e os conhecimentos especiais do agente, pensaria sobre a aptidão/existência.

Se a inaptidão do meio ou a inexistência do objeto não forem manifestas segundo este critério, a tentativa é punível (com pena especialmente atenuada). Se forem manifestas, a tentativa não é punível.

O cerne da punibilidade da tentativa impossível reside na avaliação da perigosidade da conduta do agente, aferida ex ante, que cria uma aparência de violação do bem jurídico, mesmo que este, ex post, não tenha sido efetivamente colocado em perigo (ou nem existisse).

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