Iusnaturalismo e os Valores Chave do Direito

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ITEM 15: A Corrente Iusnaturalista

A corrente iusnaturalista saúda todos os que defendem a existência de uma ordem objetiva superior: ela é permanente e universal. Neste contexto, os seres humanos podem descobrir os critérios que orientam o seu comportamento, que também deve orientar a lei. Podemos distinguir entre um Direito Natural que, em geral, coincide com o objetivismo jurídico e é encontrado nas teorias que colocam a base dos critérios de ordem jurídica positiva fora deles, e um Direito estritamente natural que se refere apenas àqueles que entendem que os atuais critérios de orientação são uma lei superior. Se o legislador quer que as regras da lei sejam autênticas, devem ser utilizadas pelo teor deste Direito Natural.

As posições do Direito Natural defendem a existência de um sistema legal dual: o Direito Natural (sistema ideal) e o Direito Positivo (que deve refletir devidamente o primeiro). Se mantivermos a visão que considera que o Direito Positivo é autêntico apenas na medida em que reflete os critérios naturais, e se se afastar deles não é um sistema jurídico, só se está realmente a defender a existência de uma única lei: a natural. Comum a todas as posições é a crença no Direito Natural, uma ordem normativa que precede o Direito Positivo.

Concepções do Termo "Natural"

O Professor Pérez Luño agrupa as diversas concepções do termo "natural" ou da natureza em três categorias:

  1. A natureza entendida como uma criação divina e o Direito Natural como uma manifestação da vontade de Deus.
  2. Como cosmos, ou leis que regem o mundo físico.
  3. Natureza e da Razão: o atual quadro jurídico fundamental.

VALORES CHAVE: O Valor Justiça

A Justiça é considerada o valor jurídico fundamental. Alguns autores veem-na, ao invés de como um valor, como uma das funções básicas do Direito. No entanto, acreditamos que este é um valor fundamental do qual o restante dos valores deve realmente derivar.

Inter-relação entre Direito e Justiça

Para explicar a inter-relação entre o Direito e a Justiça, existem diferentes posições doutrinárias:

  1. Posição do Direito Natural: Justiça e Direito estão ligados de uma forma essencial. Não se pode conceber um sem o outro. O que é lei identifica-se justamente com os conteúdos da Justiça. Alguns autores consideram que: ou não há lei que seja justa, o que significa que leis injustas não são leis (Santo Agostinho), ou que são leis de corrupção (São Tomás de Aquino), mas não representam o Direito real.
  2. Posição Positivista: A ideia de Justiça não é intrínseca à lei, mas está vinculada a julgamentos morais. Quando se diz que uma disposição particular é justa ou injusta, está-se a realizar uma avaliação moral e subjetiva. Uma regra é legal porque atende a certos requisitos formais, independentemente de o seu conteúdo ser justo ou não. Para alguns setores positivistas, o que é certo e errado é marcado pela lei como tal. Portanto, a partir daqui, pode-se manter o que existe também uma identificação entre lei e justiça, embora, neste caso, seja a lei que determina a segunda.
  3. Posição Eclética: Argumenta-se que a Justiça não é um elemento da essência do Direito, mas um valor ou princípio ideal que ele deveria tentar alcançar. Porque nenhum sistema pode satisfazer plenamente as exigências do ideal de justiça, ninguém pode pregar ser radicalmente justo. Esta tese combina as duas posições anteriores.

Conceções Clássicas de Justiça

Tal como acontece com os outros valores, é difícil definir o conteúdo da Justiça e obter uma definição amplamente aceita.

Platão (A República)

Platão, em sua obra A República, contém três principais conceções de justiça:

  • A Positivista: Como a vontade do mais forte, que aparecerá nas leis.
  • A Posição Formal: Como a atitude de dar a cada um o que lhe é devido, com o consequente problema de definir o que é deles.
  • A Posição Material (Pessoal de Platão): Plenitude e harmonia das virtudes nos indivíduos e na sociedade, o bem supremo, que só poderá vir ao seu conhecimento através da contemplação.
Aristóteles

Aristóteles distingue dois tipos de justiça:

  1. A Justiça Geral: Soma total de todas as virtudes. Conceito ético de justiça.
  2. A Justiça Particular: Conceito político de justiça que ocorre nas relações intersubjetivas na sociedade. Sua meta é a igualdade. No entanto, tratar de forma idêntica todos os casos pode levar à injustiça, o que o leva a distinguir dois tipos:
  • A Distributiva ou Proporcional: É o critério para dividir ou distribuir proporcionalmente ao mérito.
  • A Correlativa ou Sinalagmática: Baseia-se no valor das coisas, visando a igualdade estrita. Por sua vez, está dividida em:
    • Comutativa: Quando a vontade das partes estabelece a igualdade.
    • Judicial: Quando o juiz impõe a igualdade.

Aristóteles também estabelece uma nova distinção entre Direito Natural e Direito Legal. O Direito Natural é considerado justo em qualquer lugar e cultura, é imutável. O Direito Legal depende das disposições de cada lei, é variável e deve ser esticado para a equidade, pois é inadequado quando aplicado a casos específicos que têm características não previstas na norma.

Conceção de Kelsen

Na segunda metade do século passado, várias tendências doutrinárias continuaram a reflexão, considerando as mesmas questões (Ross, Hart, Rawls, Kjelsås, etc.). Vamos nos concentrar na defendida por Kelsen. H. Kelsen, em seu ensaio O que é Justiça?, define-a a partir de duas perspetivas:

  1. É essencialmente um recurso possível e não necessariamente de uma ordem social.
  2. Secundariamente, é uma virtude humana, pois atua apenas como o comportamento que corresponde justamente à ordem social.

Valores Jurídicos Coletivos

São os valores que incluem os interesses do grupo social. Consideramos os mais relevantes:

A. Paz Social

É uma aspiração de qualquer grupo que deseja que as relações sejam conduzidas de forma pacífica, sendo o valor resultante da Justiça.

B. O Bem Comum

Não se pode pensar que é possível obter o benefício de uma comunidade se os seus membros estiverem insatisfeitos e incapazes de comportamento individual. A Justiça é uma condição necessária para o Bem Comum.

C. A Segurança Jurídica

Emerge com a modernidade e está ligada ao conceito de Estado de Direito. A existência do Estado é uma fonte de segurança por garantir o monopólio da coerção e por agir por meio de normas jurídicas. Para alguns autores, ao invés de um valor, já é um dos elementos essenciais do Direito. Pode-se distinguir duas dimensões da segurança jurídica: a certeza da ordem jurídica e a confiança no sistema legal.

Os elementos básicos da segurança jurídica são:

  • Generalidade
  • Publicidade
  • Clareza
  • Estabilidade (para permanecer em vigor por um prazo razoável)
  • Irretroatividade
  • Plenitude (para que não haja casos ou situações deixadas sem cobertura jurídica)

Valores Jurídicos Individuais

Afetam os interesses dos indivíduos e tornaram-se o eixo em torno do qual se concentrou a reivindicação dos direitos humanos. São eles:

  1. Dignidade Pessoal

    Para Luño, não é apenas a garantia negativa de que a pessoa não será submetida a insultos ou humilhações, mas envolve a afirmação positiva do pleno desenvolvimento de sua personalidade, o reconhecimento total da autodisponibilidade e autodeterminação. Para De Castro, também é evidente a autoconsciência, o homem é capaz de ter consciência de sua própria maneira de estar no mundo. Um segmento importante dos autores afirma que a dignidade é o fundamento do valor de base de outros valores individuais e dos direitos humanos. Alguns autores argumentam que o papel da dignidade da pessoa é indicar locais onde o nível das questões que realmente contam, tornando-se o princípio de justiça material, um limite do Direito Positivo.

  2. Liberdade Pessoal

    Para Luño, é necessário especificar o quê, para quem e de graça. Alguns autores falam de autonomia pessoal, que requer o reconhecimento da liberdade de escolha sobre os seus próprios interesses, desde que não afete terceiros.

  3. Igualdade Pessoal

    Alguns comentadores consideram-no um princípio normativo ou um artefato, porque a realidade empírica mostra que as diferenças entre os homens são múltiplas. Mas, com base na dignidade da pessoa, pode-se declarar que todos os seres humanos são basicamente os mesmos e assim devem ser tratados. Reconhecem-se duas formas do valor igualdade:

    1. Formal: Igualdade perante a lei. Isso resulta numa série de pressupostos:
      • A lei geral: As normas jurídicas e os tribunais devem ser os mesmos para todos.
      • Alinhamento da lei: Irrelevância de certas diferenças.
      • Diferenciação nos termos da lei: Diferenças essenciais devem ser tratadas de forma diferente.
    2. Material: Equilíbrio de bens e situações socioeconómicas.

    Estas observações levam-nos a um conceito dinâmico de igualdade que pode evitar a injustiça de um igualitarismo uniforme.

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