J.S. Mill: Esfera Privada, Autonomia e Limites da Lei
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1. Análise do Fragmento de "Sobre a Liberdade" (On Liberty, IV)
O fragmento de MILL, On Liberty IV defende o princípio de que "Os atos de um indivíduo podem ser prejudiciais para os outros ou ignorar que merecem a devida consideração por seu bem-estar, sem chegar a qualquer violação de seus direitos constituídos."
Neste caso, o infrator pode ser alvo de opinião pública punitiva, mas não de sanção legal. Mill estabelece uma distinção crucial:
- Se o comportamento de uma pessoa afeta de forma prejudicial os interesses dos outros (esfera pública), a sociedade tem jurisdição e a intervenção torna-se objeto de discussão.
- Se o comportamento afeta apenas os seus próprios interesses (esfera privada), o indivíduo deve desfrutar de uma liberdade perfeita, legal e social, desde que todas as pessoas afetadas sejam maiores de idade e tenham um grau normal de entendimento.
Mill defende que a liberdade é uma atividade que permite a todos agir com total autonomia, desde que não prejudique os interesses dos outros (o Princípio do Dano). Atos que afetam apenas o indivíduo que os comete não são juridicamente puníveis, mesmo que sejam malvistos pelo público. O indivíduo tem, nestes casos, a liberdade mais perfeita e é responsável pelas suas ações.
2. Discussão e Contextualização Histórica e Filosófica
Neste texto, John Stuart Mill (1806-1873) realiza uma defesa vigorosa da esfera privada que cada indivíduo possui. A liberdade é o direito de decidir individualmente sobre as próprias escolhas de vida sem interferência ou limitação legal, caso essa escolha não interfira na privacidade dos outros. Daí a escolha ser a liberdade da autonomia pessoal.
A lei regula a esfera pública e as relações sociais, mas a crença (moral, estética, etc.) não tem jurisdição legal. Cada um deve fazer da sua vida o que for mais útil para ser feliz, sem ser impedido ou censurado no campo jurídico em resultado da sua escolha pessoal. Este é um princípio central do Liberalismo Político, derivado da confiança na autonomia da razão, um legado do Iluminismo.
Mill seguiu os passos do pai do utilitarismo, Jeremy Bentham (1748-1832), mas reformulou o utilitarismo, contribuindo com uma componente qualitativa. Os eventos não são avaliados apenas pela quantidade de prazer que proporcionam, mas também pela sua qualidade.
A liberdade pessoal é um bem de natureza qualitativa, pois permite uma vida mais diversificada e criativa, em contraste com a submissão a tradições que muitas vezes perpetuam a discriminação ou o preconceito. Como contemporâneo da Revolução Industrial, Mill acreditava no progresso, mas argumentava que o desenvolvimento não pode limitar-se à tecnologia; é necessário o progresso da diversidade humana e da liberdade.
O texto refere-se, portanto, à esfera privada inviolável do indivíduo, à sua conduta em relação a si mesmo e à liberdade como condição natural do ser humano. Refere-se, em suma, ao respeito pelos limites do poder político sobre atos dos indivíduos que pertencem apenas à sua esfera privada ou que não afetem negativamente os outros.
Os sentimentos e as paixões (incluindo o direito de "amar como quiser", que Bentham foi o primeiro filósofo a reivindicar em defesa dos direitos dos homossexuais no seu tempo) devem permanecer fora do âmbito público onde a legislação não afeta os interesses coletivos. O fragmento em questão é justamente um exemplo da importância da noção de liberdade nesse autor, a partir da qual se estabelecem todas as bases da sua teoria ética e política.