Jürgen Habermas: Vida, Obra e o Paradigma da Comunicação

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Jürgen Habermas

Jürgen Habermas nasceu em Düsseldorf em 1929. Colaborou com Adorno no Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, entre 1956 e 1959. Dedicou-se ao ensino e a analisar a relação entre ciência e sociedade. Hoje é considerado um dos filósofos mais proeminentes a nível global. Em 2003 recebeu o Prémio Príncipe das Astúrias. Entre suas obras, Conhecimento e Interesse, Teoria da Ação Comunicativa, O futuro da natureza humana.

Um Novo Paradigma para a Filosofia: Crítica à Racionalidade Instrumental

Ao longo da história da filosofia, especialmente a partir do pensamento de Descartes, o paradigma que dominou foi o de entender uma relação entre sujeitos e objetos em que o sujeito pensa que tudo o que o rodeia é um possível objeto de conhecimento e um possível objeto da sua atividade. O sujeito é um observador que domina tudo à sua volta (essa ideia vem da filosofia moderna, e mais especificamente da filosofia cartesiana). A racionalidade é usada como meio-fim: os objetos são instrumentos ou meios para atingir fins que são propostos pelo sujeito. Sabemos as coisas para dominar e manipular o ambiente. Isto é o que é chamado de racionalidade instrumental. Desta forma, ao compreender a realidade, o sujeito está sozinho. Ao nosso redor há apenas objetos que posso utilizar para obter lucro. Mas há algo ou alguém a quem possa dar o mesmo estatuto que o meu eu.

Mas, diz Habermas, essa relação gera muitos problemas. Não só isso, mas está esgotado como paradigma filosófico. O sujeito reduz tudo ao objeto e instrumento, incluindo a si próprio e aos outros sujeitos. Esta é uma razão que, baseada na ciência e na tecnologia, nos diz objetivamente quais são as melhores ferramentas para um propósito particular. O domínio da razão instrumental conduz a uma forma de ver a realidade que designamos por "cientificismo", que afirma que a ciência é a única forma genuína de conhecimento. O cientificismo implica que a ética é incapaz de intersubjetividade e que as questões morais são subjetivas e irracionais. Ou seja, o cientificismo afirma que existe apenas a racionalidade científica, na medida em que é científica. Além disso, o monopólio da razão instrumental implica o monopólio de especialistas e técnicos que dominam a arte de aplicar meios a fins, o que, de facto, implica a redução da racionalidade à técnica, retirando à maioria das pessoas que não são especialistas a capacidade de pensar racionalmente sobre as suas próprias vidas.

Esta conceção instrumental da racionalidade, por outro lado, concebe tudo como meio para algo, e não admira que o próprio ser humano seja concebido como um mero meio e seja reificado. Mesmo a arte e o pensamento são considerados como um meio para satisfazer as massas, sendo o mercado a determinar o seu valor, por exemplo, o de uma imagem ou de um livro, resultando numa cultura de massa que, em vez de promover o desenvolvimento de indivíduos autónomos e solidários, promove indivíduos heterónomos e solitários. E como pano de fundo, uma democracia desenraizada, cujas raízes, os valores fundamentais como a liberdade, a igualdade e a solidariedade, se encontram enfraquecidas, por serem considerados valores subjetivos e relativos.

Da Racionalidade Instrumental à Racionalidade Comunicativa

Esta lógica deve ser superada. Isso não significa que toda a filosofia moderna deva ser eliminada. Há muitas ideias da filosofia que devem ser mantidas. Mas o paradigma da racionalidade instrumental deve ser substituído por um novo paradigma, o da intersubjetividade e da comunicação. Em vez de compreender qualquer relação como a de um sujeito com um objeto que posso utilizar, devemos compreender uma comunicação orientada para a compreensão mútua entre indivíduos, o que é possível através da linguagem. O mundo já não se reduz a um Eu, mas também a um Tu com quem se interage. Entre eles, estabelece-se uma relação interpessoal, quando Eu realizo um ato de linguagem ao qual Tu tomas uma posição. Em todo ato de comunicação, os participantes mantêm uma expectativa de entendimento mútuo. Temos de nos colocar, em certa medida, na perspetiva do outro, abandonando assim a atitude que caracteriza o indivíduo isolado da racionalidade instrumental.

Assim, Habermas defende uma nova racionalidade, a racionalidade comunicativa. Esta opção implica a necessidade de analisar a linguagem como veículo fundamental da comunicação. Para isso, o foco deve ser a linguagem tal como é falada, tal como é usada, não a linguagem perfeita, lógica, formal, mas a linguagem que as pessoas realmente falam, ou seja, a dimensão pragmática da linguagem.

Linguagem, Racionalidade e Moralidade

Sempre que entramos num diálogo, partimos do pressuposto de que podemos chegar a um consenso sobre os assuntos que os outros possam entender; caso contrário, não há sentido para a discussão. A linguagem pode ser usada para falar sobre o mundo ou para dirigir a ação, mas em ambos os casos a condição de possibilidade da linguagem é que exista uma comunidade de sentido, um certo consenso (nunca me posso comunicar com outra pessoa se não partilharmos uma compreensão do significado das palavras, por exemplo). Esta comunidade, este acordo, é inerente à linguagem humana. Mas para que haja diálogo, todos os participantes devem ser tratados de forma justa e igualitária; caso contrário, não há participação real.

A partir destas ideias, Habermas levanta a questão de como defender se uma regra moral é correta ou não. Por um lado, há a posição relativista, que afirma que qualquer regra tem o mesmo valor que qualquer outra. Por outro lado, há o ceticismo, que diz que nunca podemos saber com certeza qual a regra é mais correta do que outra. Habermas defende a ideia de que as pessoas devem refletir sobre as razões pelas quais uma regra está correta e porque outra regra está errada. Quando alguém diz "tens de fazer isto", não está apenas a dizer-me que existem razões claras para eu fazer alguma coisa, mas de certa forma está a apelar para a minha razão.

A Ética do Discurso e a Situação Ideal de Fala

O problema é que existem regras que algumas pessoas entendem que há razões para acreditar que estão corretas, mas parte da população entende que existem razões para provar que estão erradas. Ao longo da história, quando houve um conflito, a solução tem sido a violência, as armas, até que um grupo superou os outros e impôs as suas regras. Mas, diz Habermas, há na verdade apenas uma solução moral: o consenso baseado no diálogo, ou seja, baseado na racionalidade comunicativa. Mas quais são as condições para que, neste caso, haja racionalidade comunicativa para chegar a um acordo, ou seja, para que exista um verdadeiro argumento racional em ética? Têm de ser o que Habermas chama de "situação ideal de fala" ou, como ele diz, "condições de simetria". Seriam:

  • a) Qualquer pessoa pode participar no discurso.
  • b) Qualquer pessoa pode problematizar qualquer afirmação.
  • c) Qualquer um pode fazer qualquer declaração.
  • d) Qualquer um pode expressar suas posições, desejos e necessidades.
  • e) Não pode haver coerção externa ou interna, de modo que nenhum falante exerça domínio sobre os outros.

Esta não é uma teoria a priori sobre o diálogo ético, nem derivada de uma teoria metafísica ou da experiência; estas são apenas as condições necessárias para que haja um debate que não seja imoral; são a condição de possibilidade da racionalidade comunicativa ética. Apresenta-se agora o primeiro princípio moral, que Habermas chama de "postulado universal", porque nestas condições de "simetria" só se chega a acordo sobre padrões éticos quando todos os envolvidos concordam. Portanto, o princípio da universalidade estabelece: a regra é válida se todos aqueles afetados por ela livremente aceitarem as consequências. A exigência de tal regra representa a sua gestação a partir de interesses universalizados.

O Princípio da Universalidade e o Postulado do Discurso Ético

Do princípio da universalidade obtemos um critério para decidir qual é o procedimento correto para aceitar padrões éticos quando há conflitos éticos. Este é o "postulado do discurso ético": as normas aplicam-se apenas se encontrarem aceitação por todos os envolvidos como participantes de um discurso ético. Na medida em que no nosso mundo temos muitos conflitos morais, esta seria a solução.

Conclusão: A Importância da Ética Dialógica

Em conclusão, a importância da ética dialógica, aspeto da própria racionalidade comunicativa, reside, em primeiro lugar, na individualidade e liberdade do indivíduo (não há nada que impeça, dogmaticamente, moralmente falando, que todos pensem e digam o que pensam) e, por outro lado, tem uma dimensão universal de solidariedade, porque, como dissemos, a imparcialidade e a universalidade estão realmente presentes em qualquer debate racional e moral. Com esta ética, Habermas não cai no dogmatismo, acreditando que uma regra é completamente correta sem aceitar qualquer possibilidade de crítica ou de diálogo; por outro lado, não cai no relativismo, que afirma que não há padrão que possa ser mais bem-sucedido do que outro. O mesmo se aplica à ética: não devemos defender dogmaticamente uma verdade ou uma teoria científica, porque talvez em alguns anos se mostre falsa. Mas também não devemos ser relativistas e acreditar que nenhuma teoria científica é mais correta ou melhor que outras.

O importante, diz Habermas, é a atitude subjacente a esta lógica. A possibilidade de diálogo, de dar argumentos, de encontrar pontos em comum com as perspetivas dos outros. É aceitar o pluralismo cultural em que vivemos, e tentar viver sem resolver os conflitos com violência, mas com razão, à procura de coisas que temos em comum uns com os outros. Isto não é excluir qualquer posição, mas aceitar a opinião de qualquer sujeito capaz de falar e pensar. É uma mistura de universalismo, pois os resultados afetam todos os participantes, e a aceitação das diferenças, pois todas as posições são aceites no diálogo, e não há nenhum conteúdo moral a ser imposto dogmaticamente. Poderíamos dizer também, como observamos na discussão da ética do discurso, que é um conjunto de princípios morais que estão presentes nas condições de um diálogo ético: a igualdade de todos os seres humanos, a imparcialidade, a universalidade.

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