A Jurisdição do Espanhol: Direitos e Deveres na Ditadura de Franco

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Nota Introdutória

Este texto aborda a Jurisdição do Espanhol, um documento jurídico circunstancial da ditadura de Franco. Foi emitido em 17 de julho de 1945, tendo sido aprovado por aclamação no Parlamento quatro dias antes, coincidindo com o fim da Segunda Guerra Mundial para os Aliados. Trata-se de um catálogo de direitos e deveres do espanhol, sob o prisma de Franco, composto por 36 artigos. Fernando Castiella, membro da Associação Nacional Católica, foi responsável pela elaboração da Carta dos Espanhóis, juntamente com muitos intelectuais de sua própria associação. Fernando Castiella foi um dos 113 ministros de Franco (Ministro das Relações Exteriores) e, de sua posição, defendeu a questão de Gibraltar.

Contexto Histórico: Espanha e a Segunda Guerra Mundial

O contexto histórico é o fim da Segunda Guerra Mundial. Franco, no início da Segunda Guerra Mundial, declarou-se neutro poucos dias após o início do conflito, enquanto a Falange, liderada por Serrano Suñer, aplaudia a ofensiva alemã. A política externa do governo de Franco defendia a integração no bloco do poder fascista. Em troca de apoio, Franco esperava receber parte do império colonial francês na África. No entanto, esse desejo de participação de Franco colidiu com a miséria e a extrema situação nacional que impediam qualquer ação.

Franco chegou a condicionar a entrada da Espanha na guerra ao envio, pela Alemanha, de armas, alimentos, matérias-primas e à satisfação de aspirações coloniais. Contudo, essas exigências pareceram excessivas a Hitler, e Franco não participou do conflito. Em outubro de 1940, Franco e Hitler reuniram-se em Hendaye para discutir o papel da Espanha na guerra, mas esta reunião foi um fracasso. Assinaram um protocolo secreto em que a Espanha concordava em ir à guerra, mas não especificava a data, e não houve acordo sobre as reivindicações de Franco em relação às colônias.

Em 1941, a Espanha mudou seu estatuto de neutro para não-beligerante, dando apoio logístico a navios, submarinos e aviões alemães. A invasão da URSS foi entendida na Espanha como o fim do bolchevismo, e então formou-se uma divisão chamada Divisão Azul para combater o comunismo. Mas, com a duração da guerra e a percepção de que a vitória do Eixo não era certa, a Espanha tornou-se um estado neutro em 1943, eliminando a Divisão Azul, mas continuando a ajudar a Alemanha enviando tungstênio. Com a vitória dos Aliados, Franco mudou de rumo e procurou esconder os traços de sua política fascista. Uma das ações de Franco foi a mudança do governo.

Análise e Comentário da Jurisdição do Espanhol

O fim da Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos Aliados, trouxe a condenação internacional do regime de Franco. Para contrariar esta situação, o líder iniciou uma série de medidas para dar à sua autocracia uma aparência democrática, de acordo com o novo clima político na Europa. A Carta dos Espanhóis foi uma resposta à Conferência de Potsdam (cujos participantes eram URSS, Reino Unido e Estados Unidos, ou seja, os mais poderosos Aliados vencedores da Segunda Guerra Mundial). Nesta conferência, o regime de Franco foi condenado. Diante disso, Franco procurou evitar o ostracismo da ONU, apresentando-se como o titular de um Estado com liberdades civis.

Outras leis fundamentais do regime de Franco incluíam:

  • O Fuero del Trabajo
  • A Lei das Cortes Espanholas
  • A Lei do Referendo Nacional
  • A Lei Orgânica do Estado

Outras medidas tomadas foram a remodelação do governo, que aconteceu no mesmo dia em que a Jurisdição do Espanhol foi promulgada. Inclusive, excluiu-se a saudação fascista (braço levantado), que havia sido oficializada em 1937, e perdoaram-se presos por rebelião militar.

A Jurisdição do Espanhol também tentou acalmar a crescente oposição dos monarquistas, que se intensificava a partir do Manifesto de Lausanne de Don Juan de Borbón, que aparecia como uma alternativa política a Franco. Em resposta a este anúncio, Franco planeou a futura conversão do Estado espanhol em uma monarquia através da Lei de Sucessão. O plano de Franco era apresentar o regime como democrático, removendo componentes e sinais totalitários.

A Jurisdição do Espanhol chegou a ser a declaração de direitos contida na Constituição. Os 36 artigos foram distribuídos em três títulos da seguinte forma:

  • A primeira parte constitui o prólogo do documento.
  • Os demais artigos são declarações de direitos e deveres dos espanhóis, além de caracterizar o regime como um Estado católico e de direito, embora também mencione o direito à liberdade religiosa e à privacidade de suas práticas.

Durante esses anos, a Igreja Católica gozava de privilégios, e o ensino religioso era obrigatório até o nível universitário.

O Estado também era definido como representativo (Art. 10), mas de acordo com uma democracia orgânica: a representação era feita pela família, pelo município e pelo sindicato. A soberania não residia no povo, mas no Estado, personificado em Franco. Falava-se também de Estado de Direito, mas isso não significava que todos eram iguais perante a lei, e sim que todos eram protegidos pela lei.

De acordo com a Jurisdição, o espanhol tinha o direito de:

  • Respeito pela sua família e sua honra pessoal.
  • Receber educação e instrução.
  • Participar na vida política, não só para votar, mas também para ocupar posições e cargos públicos. No entanto, isso não era extensível às mulheres.

A liberdade de expressão e o direito de reunião e de associação eram limitados ou inexistentes. A censura controlava todos os meios de comunicação e diversos eventos culturais (com a supressão da liberdade de imprensa). O único partido político permitido era o do Estado: o Movimento Nacional (FET y de las JONS). Também não havia o direito à segurança jurídica, que garante que ninguém seja privado de sua liberdade, exceto pela lei, e não por suas opiniões. Contudo, isso não acontecia na prática.

Como dever, os espanhóis estavam subordinados ao Estado, não apenas obedecendo às leis, mas prestando um serviço fiel à pátria, cumprindo o serviço militar obrigatório e contribuindo fiscalmente de acordo com seu desenvolvimento econômico. A corrupção do regime, no entanto, era notória. Como o Estado era de Franco, os espanhóis deviam obediência a ele, que era também o Chefe de Governo e Generalíssimo dos três exércitos. Essa fidelidade a Franco era nutrida pela parafernália do culto ao líder que distinguia o regime.

Conclusão: Um Instrumento de Legitimidade Autocrática

A Jurisdição do Espanhol foi uma medida oportunista, resultado da situação internacional democrática que emergiu no final da Segunda Guerra Mundial com a vitória dos Aliados e, por outro lado, do interesse de Franco em permanecer no poder. Ou seja, foi uma mudança de fachada para esconder uma realidade autocrática, mantendo uma autocracia absoluta sob o nome de "democracia orgânica".

Prova disso é que era um documento sem força real, e um de seus artigos reconhecia a possibilidade de suspensão das garantias por decreto-lei. Além disso, as garantias eram decretadas apenas para os partidários do regime, os "servidores do país", leais ao seu Chefe de Estado. Os "vermelhos" não tinham nenhuma liberdade. Em 1967, a Lei Orgânica do Estado fez algumas modificações nela, e a Jurisdição do Espanhol foi totalmente revogada pela Constituição de 1978.

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