Justiça e Equidade no Direito: Uma Análise da Lei Injusta e da Argumentação Jurídica
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JUSTIÇA – Conjunto de valores que impõe ao Estado e a todos os
cidadãos a obrigação de dar, atempadamente, a cada um o que lhe é devido.
A EQUIDADE (ao serviço da justiça): como resolução de conflitos jurídicos assente na aplicação da justiça conforme as circunstâncias de cada caso concreto, constitui uma medida de correção (com função dulcificadora / flexibilizadora e corretiva) da lei geral e abstrata, afastando uma lei que, se aplicada ao caso concreto, geraria injustiça ou iniquidade.
LEI INJUSTA
Por Michael que tem uma posição positivista onde diz que desde que a lei fosse validamente criada manter-se-ia em vigor fosse ou não justa. Já José Ferreira Borges diz que só será uma lei verdadeira aquela que passou pelo crivo da balança que é a base da lei, o conteúdo natural da lei é a justiça, não interessa quem a emanou.
A defesa contra leis injustas acontece pelo artigo 8/2 CC onde diz que ao cidadão que a lei é imposta, não pode ser afastada mesmo sendo imoral ou injusto o seu conteúdo legislativo. Porém é uma lógica que se aplica pois todas as leis antes de entrarem para o Código Civil passaram por um processo de revisão que dará ou não a sua validade. Este artigo não deveria constar na lei ordinária pois é contrário à Constituição — é manifestamente injusto e positivista. Porém temos as soluções do artigo 280 e 281/2/d e 2 CRP onde mostra que o artigo 2 CC viola o princípio do estado de direito democrático. A lei deve ser obedecida por ser justa e não por ser lei, a função do tribunal é fazer justiça aplicando e interpretando a lei. Presente no artigo dois está o princípio do estado democrático, é o princípio que mostra que o estado tem todos os poderes mas que estão subordinados ao princípio da justiça, daí que uma lei injusta será inconstitucional por violar o princípio do estado de direito democrático.
Natureza da lei injusta, a norma que não permita realizar concretamente a ideia de direito/justiça carece de validade e constitui preversão do poder legislativo.
Papel do juiz perante a lei injusta: A recusa da sua aplicação compete à função judicial que pode (E DEVE) ser ideologicamente neutra, devendo, para tal, ser verdadeiramente independente, e não aceitar degradar-se a mera função burocrática.
Destino da lei injusta: A única atitude legítima em face de uma «lei injusta» é a de recusar a sua aplicação.
RELAÇÃO ENTRE A ARGUMENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DO DIREITO COM A REALIDADE
Antinomias
Normas incompatíveis para um caso concreto. (imposição de duas obrigações em sentido oposto; uma permite o que a outra proíbe e a obediência a uma viola a outra). São escassas na mesma ordem jurídica e frequentes quando há contacto com leis estrangeiras. Direito Internacional Privado. (casos de matrimônio e divórcio de esposos de nacionalidades diferentes). Vidé artos 14º e seg’s C. Civil. A solução do Tratado de Roma: Considera como não válidas as leis anteriores internas que contradigam disposições do Tratado.
Lacunas
Diferença entre silêncio da lei e obscuridade/ambiguidade: O silêncio resolve-se pela integração da lacuna (enquanto atividade intelectual destinada a encontrar a solução - a norma - jurídica para um caso lacunoso (cfr. arto 10º Co Civil), em resultado da necessidade de assegurar a pax social que origina a proibição da denegação de justiça, i.é. decisões de non liquet (8º/1CC). A lacuna resolve-se pela analogia (10º/1/2) ou pela criação de norma ad hoc (10º/3) para as normas rebeldes à analogia
Relação entre antinomia e lacuna: só existe antinomia (ex. conflito com leis estrangeiras) quando não há uma regra geral que permita resolvê-la fazendo aplicar uma das regras opostas (ex. regras de DIPrivado – artos 14 a 34 do Co Civil). É um caso de lacuna. Subsiste a lacuna se as tentativas de interpretar a lei não derem um resultado satisfatório.
TIPOS DE LACUNAS:
Lacunas da lei: intra legem, praeter legam e contra legem.
- Intra laegem: há omissão voluntária ou involuntária do legislador –lacuna de construção- (ex: previsão de elaboração de legislação complementar que não se promulgou, tornando impossível a execução da anterior). É a única admitida pela exegese. Podem ser iniciais (nunca existiu solução jurídica para aquela situação concreta) ou posteriores (resultam da não aplicação de uma lei que se tornou inadequada porque a situação inicialmente prevista, evoluiu (evolução técnica, económica..).
- Praeter legem (ou axiológica) – é criada pelo intérprete que sustenta que certa matéria deveria reger-se por lei e não o está.
- Contra laegem – o intérprete deseja evitar a aplicação de uma lei a um caso concreto, e restringe o campo de aplicação da mesma mediante a introdução de um princípio geral que a limita, criando assim uma lacuna contra laegem (que vai contra as disposições expressas da lei). [estará, talvez, a ficcionar a existência de uma lacuna]
Analogia: Para esta NOVA PERSPECTIVA METODOLÓGICA, a analogia jurídica (extensio do direito), enquanto raciocínio que, partindo da semelhança entre um caso omisso (lacunoso) e outro contemplado no ordenamento jurídico, estende àquele a solução deste, constituirá uma parte da essência da interpretação que adequa a lei a casos concretos que cabem no âmbito intencional da norma. Haverá um diálogo entre a norma (solução abstrata) e as exigências normativas do caso concreto como caso análogo ao previsto. Surgindo o intérprete como mediador entre o texto problemático da lei e o caso.
Argumentação jurídica
Categoria especial da retórica/argumentação material.
Objetivo das técnicas de argumentação: Fornecer um ARSENAL de razões que podem levar a conclusões diferentes e opostas através de argumentos que se reforçam ou combatem. Aumentar o efeito persuasivo: Valorizar ou desvalorizar argumentos.
No direito: A necessidade de finalizar o debate e solucionar definitivamente os conflitos obriga a superar as dificuldades da aplicação das fórmulas gerais à solução de problemas concretos através da interpretação, da integração de lacunas e da aplicação de regras subtraídas à vontade das partes, v. g. regras processuais prévias de competência e de processo.
Uso da linguagem - escolha das palavras mais úteis à transmissão do argumento/mensagem/ solução que se defende e ao auditório a que se destina. Tipo de linguagem – natural e técnica. Necessidade de linguagem comum em função da identidade e da preparação ou profissão do auditório.
O conhecimento e especificidade do auditório como condição de sucesso. O auditório específico em tribunal: O (s) JUÍZ (es) cuja interpretação autorizada finaliza (m) o conflito comparando as alternativas oferecidas pelas várias normas e suas consequências previsíveis, escolhendo um dos sentidos da letra da lei e os argumentos de um desses sentidos (e de uma das partes) que são objeções ao outro.
PAPEL DO ADVOGADO: defender os interesses legítimos do cliente, cumprindo as normas legais, estatutárias e deontológicas.
Fatores que influenciam a argumentação do advogado
- Tribunal singular ou coletivo. (Vantagens do coletivo na aceitação da decisão, solidez das convicções. A prática de opiniões separadas como fator de verificação do direito e da sua adaptação à sociedade contemporânea).
- Tribunal de primeira instância ou superiores.
- Com juiz profissional ou jurados. (A maior impressionabilidade dos jurados)
- Tipo de processo: No civil pode ser suficiente a verdade formal “documentos”. No penal o juiz deve averiguar a verdade real ou material como fundamento da sentença.
Fases da argumentação
- Invenção: Criar, conceber o assunto e seus elementos, argumentos e provas fundamentadoras da posição a defender, para apresentar ao juiz. A recolha, exame e inventário do material, o seu arquivo cronológico, o ajustamento do campo jurídico do litígio, a elaboração do dossiê. Análise e síntese. Tomada em consideração do auditório.
- Disposição: Ordenar os argumentos/documentos/provas de forma a convencer ou persuadir.
- Elocução: Transmitir os argumentos de forma a convencer: A qualidade da expressão; o uso correto das palavras;
- Memória: Exercitar a memória. Recordar os argumentos, alegações, divisões, partes.
- Ação: os gestos; a dicção; os sublinhados das partes mais importantes; a variação de voz.
Requisitos/ qualidades da narração argumentativa
Sistemática; Sinteticidade; Segmentação; Ritmo; Personalização; Estilo; Clareza; Verosimilhança;
- Sistemática-Transmitir a informação disponível e útil à defesa da tese, de forma ordenada e selecionada por assuntos e por partes.
- Sinteticidade - Resumir os fatos ao essencial (atos, pormenores, testemunhos). Não historiar.
- Evitar alongamento da narração pois podemos correr o risco de o juiz se cansar e esquecer o essencial. Permitir repouso do tribunal. Divisão do discurso, ou seja, se a narração for necessariamente longa: Adiar para outras fases, alertando (indicarei nas alegações finais...).
- Segmentação-Fragmentação/divisão conveniente dos argumentos e fases.
- Ritmo: Imprimir uma cadência constante ao discurso. Evitar alterações.
- Personalização: Características próprias do advogado.
- Estilo: Utilizar a surpresa, efeitos imprevistos, fomentar o diálogo, despertar paixões, salvo nas causas cíveis ou de menor importância.
- Clareza: Falar com simplicidade (especialmente sobre coisas simples) evitando a digressão (salvo casos excepcionais); Uso de termos próprios e significativos; Distinguir claramente os elementos do discurso: coisas, pessoas, tempos, lugares, motivos. Ordem temporal: referir fatos por ordem, evitando voltar atrás.
- Verosimilhança - A verosimilhança depende de critérios subjetivos e implica conexão com a ideia de possibilidade e probabilidade cuja proximidade em relação à verdade resulta do debate e do contraditório pleno através da argumentação dialética. A verdade (material) será o que for mais verosímil, plausível, provável, admissível, possível, credível, tendo em conta as provas e o debate no processo. VEROSÍMIL será aquela narração ou argumento portadora de uma aparência ou de uma probabilidade de verdade.
- No final da narração: Terminar de forma curta sobre o objeto do litígio (impressionar a memória final do juiz)...
Há casos em que a narração argumentativa é dispensável: Causas simples em que há acordo das partes sobre os fatos, os casos de jurisdição voluntária em que o poder judicial apenas confirma que a vontade das partes tem acolhimento legal (ex. divórcio por mútuo acordo), casos em que os juízes já estão bastante informados (ex: casos públicos). Certas demandas de créditos – efetuado o pedido, cabe ao adversário contestar; Casos em que o fato é contrário à tese: A exposição dos fatos seria contrária à causa e/ou levaria a parte contrária a prevenir-se, ou fatos que estejam radicalmente contra o advogado.
CATEGORIAS (TIPOLOGIA) DOS ARGUMENTOS JURÍDICOS
- Argumentos de Direito: Incide sobre uma norma jurídica aplicável ao caso ou pelo que vamos invocar para as afastar dando uma qualificação jurídica aos fatos para lhe servir ao objetivo. Incidem em fontes de direito primárias ( leis, dl etc) e secundárias ( jurisprudência, doutrina etc).
- Argumentos de fato (Fácticos) – Acontecimentos e circunstâncias materiais que afetam as partes e que originam a controvérsia e fundam as suas pretensões.
- Argumentos emotivos – Visam provocar no auditório um movimento psicológico favorável à conquista da adesão. Provocar mudança no espírito que leva a um julgamento diferente do que o seria antes. Recorre à evocação de um sentimento, uma coisa ou uma emoção [Amor, ódio, alegria, tristeza, aversão, simpatia]. O Papel da emoção na argumentação judiciária é uma função representativa (sugerir imagem ou ideia), avivar as memórias, a imaginação e a razão.
- VALORATIVOS – Sinais de referência social ao nível do ideal, preferível. (Verdade, bem, justo, perfeito..)
TIPOLOGIA DE VALORES: ÉTICOS - (virtudes descritas pelos grandes sistemas de moral. Lealdade, fidelidade, solidariedade, honra, justiça, veracidade, liberdade). Ligação da ética ao ‘saber prático’, relacionado com o modo correto de agir humano. Princípios ideais/racionais do comportamento humano. ESTÉTICOS – Alheios à interpretação ética. Escasso interesse para o discurso argumentativo. RELIGIOSOS – Assimilados aos valores morais. Escapam ao domínio da norma e entram no domínio da fé.
- Argumentos legitimadores: Argumentos que validam/justificam a tese defendida, recorrendo, à invocação de perícias e a argumentos de autoridade. Isto porque, não tendo o juiz obrigatoriamente conhecimentos de cariz técnico ou científico, a lei permite que terceiros o coadjuvem.
- Argumentos personalistas: Abonatórios: Visam salientar qualidades positivas da pessoa: “Bom trabalhador, bom chefe de família, colaborador de causas sociais” — ‘Ad personam’:Contra a pessoa ignorando a causa. Atacar a pessoa independentemente do assunto, tentando fazer crer que qualquer argumento não pode ser atendível. (Contra a pessoa). Coloca em causa o caráter/personalidade da pessoa. Visam retirar credibilidade.
Principais tipos de argumentos de interpretação
- Histórico – supõe o conservadorismo do legislador e a fidelidade à forma como regulou. Leva em conta o momento de elaboração da norma.
- Psicológico– assenta na vontade do legislador e no problema que quis resolver. Ver os trabalhos preparatórios, os princípios fundamentais e os princípios gerais que referiu, as emendas ao projeto original, etc. Afasta outras interpretações que pareciam plausíveis sem aquelas indicações.
- Sociológico Procura o espírito, as causas e o contexto social da lei.
- Teleológico: Assenta na busca da finalidade da lei pretendida pelo legislador. Impõe uma argumentação mais abstrata quando o estudo histórico não permite clarificar o intérprete quanto aos objetivos iniciais do legislador, porque os problemas são novos e não se colocavam quando a lei se preparou.
- Sistemático - o sistema jurídico como coerente, ordenado, lógico e racional cujas regras e valores devem estar isentos de contradição. (Deverá conter regras para solucionar antinomias (regulação da mesma situação de formas distintas). A inserção da norma num contexto maior: o sistema jurídico. Exige que o intérprete ‘abra o campo de observação’, vendo o sistema no seu todo.
- A simili (ou por analogia): Apoia-se na comparação e semelhança com casos idênticos anteriores (precedente). Aplicando-se a um sujeito ou classe de sujeitos, aplica-se a todos os que com este tenham suficiente analogia para que a razão que levou que se aplicasse àqueles se lhes aplique também. (ex: a proibição de entrada a cães vale para outro animal incómodo). Pressupõe o tratamento igual de situações iguais.
OUTROS TIPOS DE ARGUMENTOS:
- De prova: Sobre os elementos de fato. Prova testemunhal, pericial e documental.
- De autoridade: sustentam-se em posições / argumentos de pessoas competentes e conhecidas na área (neste ou noutros casos) que o orador usa para valorizar (dar mais poder persuasivo) ao seu argumento. ex: doutrina/pareceres. Parciais: Pareceres; Imparciais - jurisprudência e doutrina.
- Ad hominem:Partir das posições já aceites pelo adversário para demonstrar que contrariam outras que ele já aceitou. Ex.: Aceitou a distração no acidente, mas defende que viu claramente a vítima atravessar fora da passadeira.
- Ad rem: Procura da verdade sobre o assunto independentemente da oposição ou concordância do adversário.
- Figurativos: uso de exemplos (ou seus elementos) de situações anteriores. Esclarecem sem constituir argumentação.
- A completudine: Parte do pressuposto de que a ordem jurídica é completa.
- Apagógico (absurdo-redução ao impossível)- Argumento que procura contestar uma proposição levando-a ao extremo e chegando a conclusões inaceitáveis/ridículas/impossíveis. “Fumo porque todos os meus amigos fumam’.
- Senso comum-Argumento que contém afirmação que reúne o consenso geral. Ex..: O dever de imparcialidade do juiz. (Não é contestável)
- De fuga - Argumento em que se procura escapar à discussão de questões cuja defesa é frágil. Ex..: Salientar boa conduta social quando há acusação de ofensas ou lesões..
- A contrario – se uma regra obriga uma classe de sujeitos, a falta de uma regra, leva a concluir que não se aplica a outra classe de sujeitos. Ex: (obrigatoriedade de serviço militar para os jovens de 20 anos. Retira-se por inferência lógica a contrario do art 122º do Co Civil ‘É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade’, que a maioridade se inicia aos 18 anos.
- A fortiori (por maioria de razão)– Apoia-se na ideia de que quem pode o mais pode o menos. Ex: Se proíbe andar na relva, proíbe arrancar. Quem, por usucapião adquire a propriedade, adquire outros direitos reais menores. Se castiga quem provoca ferimentos, castiga quem mata).