Kant: Conhecimento, Experiência e Crítica da Razão

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Influências e Relevância do Pensamento de Kant

O pensamento de Kant representa um ponto culminante do pensamento moderno, sintetizando e superando as principais correntes filosóficas da época: o Racionalismo e o Empirismo.

  • Racionalismo: Na sua juventude, Kant foi influenciado por Wolff e Leibniz. Formou-se no racionalismo, que considera a razão a fonte mais importante de conhecimento. Defende que nem todo o conhecimento começa com a experiência, existindo conhecimento a priori, intuição, ideias puras (Deus, alma, mundo), tendo a matemática como modelo de ciência e valorizando a universalidade e necessidade das leis científicas.
  • Empirismo: Mais tarde, ao entrar em contacto com o empirismo e após a leitura de Hume, Kant afirmou ter "despertado do sono dogmático" em que o racionalismo o tinha mergulhado. O empirismo defende a experiência como única fonte de conhecimento, considerando a mente uma folha em branco e valorizando o método da ciência experimental (física, química, medicina).

Kant supera ambas as filosofias com o seu idealismo transcendental. Outras influências importantes incluem a física de Newton e os pensadores do Iluminismo, especialmente Rousseau. Contudo, o pensamento kantiano dialoga com toda a tradição filosófica ocidental desde os gregos, procurando superar a metafísica tradicional. A influência platónica é visível na sua ética e nos postulados, enquanto de Aristóteles retém a importância do conhecimento sensível.

Em comparação com as éticas anteriores (materiais), Kant propõe uma ética formal, sem conteúdo específico, universal e válida para todas as pessoas.

Quanto ao impacto posterior, Kant influenciou profundamente a cultura, filosofia e ciência dos séculos seguintes:

  • No idealismo alemão (Fichte, Schelling, Hegel), onde o sujeito ganha primazia sobre o objeto.
  • Na filosofia do século XIX, como reação ao idealismo: positivismo, marxismo, vitalismo, existencialismo.

Conhecimento A Priori e A Posteriori

Para Kant, um conhecimento a priori é aquele cuja verdade pode ser conhecida independentemente da experiência. Os juízos a priori são anteriores a toda a experiência, desprovidos de conteúdo empírico (são "puros"). Por isso, são universais e necessários, válidos em todos os casos e não podendo ser de outra forma. Um exemplo citado por Kant é a proposição "Toda a mudança tem a sua causa", que ele qualifica como puramente a priori. Isto distingue Kant de Hume, pois Kant diferencia as leis empíricas particulares do princípio geral da causalidade (que é a priori).

O conhecimento empírico (ou a posteriori) é aquele cuja verdade é conhecida a partir da experiência. Estes juízos requerem verificação empírica e, portanto, não são universais nem necessários.

A Origem do Conhecimento: Experiência e Estruturas do Sujeito

Quando Kant afirma que "embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele deriva da experiência", refere-se ao facto de que, embora a experiência forneça a matéria do conhecimento (dados sensíveis), são necessárias formas a priori do sujeito para organizar essa matéria e constituir o conhecimento.

Tais formas a priori da sensibilidade são o espaço e o tempo, condições transcendentais (necessárias e universais) para a possibilidade do conhecimento empírico. Kant chama-lhes "formas a priori da sensibilidade" ou "intuições puras".

  • Formas: Espaço e tempo não são impressões sensoriais particulares, mas a maneira como percebemos todas as impressões particulares.
  • A priori: Não vêm da experiência, mas a precedem, tornando-a possível.
  • Intuições: Distinguem-se dos conceitos; são únicos (há um só espaço e um só tempo), enquanto os conceitos se aplicam a múltiplos indivíduos. São condições da experiência, não formados a partir dela.
  • Puras: Vazias de conteúdo empírico; são como coordenadas onde se ordenam as impressões.

Como o espaço e o tempo são propriedades do sujeito (a sua forma de perceber), não do objeto em si, o conhecimento empírico tem uma componente subjetiva (transcendental). É neste sentido que Kant afirma que o conhecimento começa com a experiência, mas não deriva todo dela, pois requer as formas a priori do sujeito.

A Ciência na Crítica da Razão Pura

Na Crítica da Razão Pura, Kant aborda o problema da possibilidade da metafísica como ciência. A solução exige investigar as condições (empíricas e a priori) que tornam a ciência possível e verificar se a metafísica se ajusta a elas.

Kant analisa os tipos de juízos: analíticos (explicativos) ou sintéticos (extensivos), e a priori (universais e necessários) ou a posteriori (contingentes e particulares). Ele defende a existência de juízos sintéticos a priori, que ampliam o conhecimento e são universais e necessários. Os princípios fundamentais da ciência (matemática e física) são deste tipo.

Kant pergunta então como são possíveis estes juízos na Matemática e na Física, e se são possíveis na Metafísica.

Estética Transcendental: Sensibilidade e Matemática

A Estética Transcendental estuda a sensibilidade (faculdade das intuições) e a possibilidade dos juízos sintéticos a priori na matemática.

  • A sensibilidade tem duas formas a priori: o espaço (sentido externo) e o tempo (sentido interno).
  • Estas formas são condições transcendentais do conhecimento sensível.
  • Os juízos sintéticos a priori na matemática são possíveis devido ao espaço (base da geometria) e ao tempo (base da aritmética).
  • O conhecimento sensível resulta da síntese entre a matéria (impressões sensoriais) e a forma (espaço e tempo). O resultado é o fenómeno (o objeto como nos aparece), distinto do númeno (a coisa-em-si, incognoscível).

Analítica Transcendental: Entendimento e Física

A Analítica Transcendental estuda o entendimento (faculdade dos conceitos) e a possibilidade dos juízos sintéticos a priori na física.

  • A função do entendimento é pensar/compreender os fenómenos dados pela sensibilidade, referindo-os a conceitos através de juízos.
  • As formas a priori do entendimento são os conceitos puros ou categorias (doze, segundo Kant: unidade, pluralidade, totalidade; realidade, negação, limitação; substância-acidente, causa-efeito, comunidade; possibilidade-impossibilidade, existência-não existência, necessidade-contingência).
  • O entendimento aplica necessariamente as categorias para pensar os fenómenos.
  • As categorias só se aplicam validamente a objetos da experiência possível (fenómenos), não a númenos.
  • Os juízos sintéticos a priori constituem os princípios fundamentais da física. Ex: O princípio da causalidade ("Toda a mudança tem a sua causa") é sintético a priori porque a ideia de causa não deriva da experiência (é uma categoria) mas é aplicada universal e necessariamente a ela pelo entendimento.

Dialética Transcendental: Razão e Metafísica

A Dialética Transcendental estuda a razão (faculdade das ideias) e a (im)possibilidade da metafísica como ciência.

  • A função da razão é unificar o conhecimento do entendimento, buscando o incondicionado através das Ideias Transcendentais (conceitos puros da razão).
  • As Ideias são três: Alma (unidade incondicionada da experiência interna), Mundo (unidade incondicionada da experiência externa) e Deus (unidade incondicionada de toda a existência).
  • A metafísica tradicional tentava conhecer estes objetos (Alma, Mundo, Deus) como realidades em si.
  • No entanto, a estas Ideias não corresponde nenhuma intuição sensível. Sem intuição, as categorias não podem produzir conhecimento objetivo.
  • Portanto, a Metafísica como ciência teórica é impossível.
  • Contudo, a metafísica é uma "disposição natural" da razão, que tende a procurar o incondicionado.
  • As Ideias da razão têm um uso regulador: orientam o entendimento a procurar a máxima unidade e extensão do conhecimento empírico, funcionando como ideais ou focos imaginários, mas sem permitir um conhecimento constitutivo dos seus objetos. Elas marcam os limites do conhecimento humano.

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