Lei 12.403/2011: Prisão Preventiva e Medidas Cautelares
Classificado em Direito
Escrito em em português com um tamanho de 11,21 KB
O Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3.689/1941, entrou em vigor em 1942, tendo completado, em 2011, quase 80 anos. Quando comemorava seus 46 anos, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, diploma máximo do ordenamento jurídico, cujas normas conformam, obrigatoriamente, toda legislação. A partir da última década, seguiram-se diversas leis com o objetivo de atualizar o código processual, como a Lei nº 10.258/01, que alterou dispositivos relativos à prisão especial, a Lei nº 10.792/03, referente ao interrogatório no processo penal e as Leis nº 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008, modificando, respectivamente, o procedimento do júri e o procedimento comum, em especial quanto à produção das provas.
Na edição da Lei nº 12.403/2011, salta aos olhos a influência da política criminal como norteadora do legislador, neste contexto de mudanças, sem perder o foco da convergência entre a Constituição e o CPP, seja pressionado pela ineficiência e superlotação do sistema prisional, seja em resposta ao clamor das entidades de direitos humanos, cada vez mais expressivas.
Nessa linha já vinha se manifestando o Supremo Tribunal Federal:
1 Juiz de Direito da 1ª Vara de São Fidelis.
“[...] Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida.” (STF - HC 84078, Relator(a): Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 Divulg 25-02-2010 Public 26-02-2010 Ement Vol-02391-05 PP-01048).
A Lei nº 12.403/2011, em vigor desde julho passado, é resultado do Projeto de Lei nº 4.208/2001. O novel diploma legislativo tem como um dos focos principais a instituição de diversas medidas cautelares pessoais.
Durante cinco encontros essa lei foi debatida pelos magistrados em evento promovido pela Escola da Magistratura de nosso Estado (EMERJ) e restou evidenciado que muitos debates ainda se seguirão, sendo inúmeras as divergências já identificadas. Contudo, é unânime a opção legislativa pela busca de meios a promover o desencarceramento dos acusados por delitos, buscando um sistema que prime, em linhas gerais, pela proporcionalidade e razoabilidade como critérios na avaliação da necessidade da prisão.
Na análise do tema, alguns dispositivos constitucionais merecem prévio destaque para nos ajudar a melhor compreender a questão:
CF/88. Art. 5º:
- LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
- LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
- LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Inovação Legislativa: Quebra de Paradigma no CPP
Da leitura do texto constitucional resta evidente que as prisões temporária e preventiva, existentes no ordenamento jurídico, eram medidas excepcionais, antes da Lei nº 12.403/2011.
As prisões temporária e preventiva somente deveriam ser decretadas quando imprescindíveis à persecução criminal, fosse em sede de inquérito ou em juízo, premissa dos dispositivos que a regulam, em especial o art. 312 do CPP.
Na prisão cautelar, o réu está preso quando não há decisão definitiva sobre a sua culpa em relação ao crime do qual é acusado.
A medida cautelar – antes, unicamente a prisão – é precisamente a ferramenta judicial que visa a impedir que o resultado final do processo não se torne inviável, ou que a sociedade não seja exposta ao risco concreto advindo da liberdade do acusado.
Diante desse panorama constitucional, é importante reconhecer que a Lei nº 12.403/2011 não provocou tão profundas alterações na legislação processual penal, mas deixou expressa a opção do legislador em disciplinar determinadas situações, reduzindo a subjetividade do magistrado.
A Lei nº 12.403/2011 traz como uma de suas premissas que, em pequenos crimes, sem violência, é afastada a prisão provisória do acusado primário, com bons antecedentes, prisão essa que, na maioria dos casos, violava profundamente a razoabilidade porque, atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, ao final do processo a sua pena privativa de liberdade poderia ser convertida em pena restritiva de direito. A liberdade passou a ser a premissa desse timidamente renovado procedimento penal.
Analisada a atual situação caótica do sistema penitenciário brasileiro, percebe-se que a lei tenta, por via transversa, remediar este problema.
A superlotação das prisões em todo o Brasil clama por solução. O cárcere acaba por ser uma fábrica de criminosos. Desse modo, conduzir os presos provisórios a estabelecimentos com essas características traz gravames preocupantes, sobretudo àqueles que, mesmo que posteriormente condenados, nele não cumpririam suas penas.
Deve ser salientado que a Lei nº 12.403/2011 não representa a impunidade no Brasil. A impunidade acontece quando o indivíduo encontra mecanismos de evitar a aplicação da lei e da pena. Deixar de impor a prisão cautelar para decretar medidas cautelares que sejam menos prejudiciais não é fomentar a impunidade. Muitas vezes a imposição da pena definitiva é menos grave do que toda a mácula que o processo penal, em especial com prisão cautelar, já causou ao réu.
Prisão Preventiva e Medidas Cautelares Alternativas
A prisão preventiva, doravante, deve observar, além das regras gerais, estabelecidas nos arts. 282 e 283 (redação dada pela Lei nº 12.403/2011), os requisitos especiais dispostos nos arts. 311, 312 e 313.
O art. 311 prevê a legitimidade para o requerimento da prisão preventiva, a ser decretada sempre pelo magistrado. Tal qual o regramento geral das medidas cautelares pessoais, o juiz pode decretar ex officio a prisão preventiva, porém, esta faculdade somente lhe é dada quando do início da ação penal. Em outras palavras, não há decretação de prisão preventiva de ofício no curso da investigação criminal.
A legitimidade para requerer ao juiz a decretação da prisão preventiva é também precisa: a autoridade policial pode representar pela medida na fase do inquérito, enquanto que o representante do Ministério Público poderá requerê-la a qualquer tempo.
Os requisitos autorizadores da prisão preventiva seguem no caput do art. 312 do CPP, e são os já conhecidos “garantia da ordem pública”, da “ordem econômica”, “conveniência da instrução criminal” e segurança da “aplicação da lei penal”. Mas a inovação ficou a cargo do parágrafo único, inserido na lei processual com a seguinte redação:
Art. 312, parágrafo único (inserido pela Lei nº 12.403/2011). A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4°).
Dessa maneira, criou-se uma quinta possibilidade de decretação da prisão preventiva, que é justamente o descumprimento de uma das medidas previstas no novo art. 319 do CPP.
Se o art. 312 traz os requisitos autorizadores para a decretação da prisão preventiva, o art. 313 é responsável por disciplinar o cabimento da medida extrema. Perceba-se:
Art. 313 (redação dada pela Lei nº 12.403/2011). Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
- nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
- se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
- se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
- (revogado).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.”
Os critérios orientadores da decretação das medidas cautelares em geral estão previstos nos arts. 282 e 283 do CPP, verbis:
Art. 282 (redação dada pela Lei nº 12.403/2011). As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
- necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
- adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Por fim, o art. 282, II, apresenta as balizas para, com apoio no princípio da proporcionalidade, escolher o juiz quais medidas serão aplicadas.
Os dispositivos dispensam comentários por sua clareza, mas nos ajudam a responder uma indagação importante: Cabem as medidas cautelares alternativas onde não caberia a prisão preventiva?
Parece-nos que, sem dúvidas, sim, pois as medidas cautelares têm disciplina geral e cabimento consoante as situações da norma acima apontada. Vincular sua admissibilidade à hipótese da prisão preventiva seria subverter a inovação para rotulá-la apenas como substitutiva, quando é independente da prisão e serviente ao processo.
O que será incabível é a simples decretação de cautelares sem motivação; não se trata de uma simples discricionariedade.
O art. 313, II, por sua vez, disciplina que cabe a prisão preventiva quando o acusado já houver sido condenado por outro crime doloso. A condenação, respeitando a presunção de inocência, deve ter transitado em julgado. Observe-se que, nesta situação, pouco importa a pena cominada ao delito da condenação. É suficiente que sejam os dois delitos dolosos (o anterior, transitado em julgado; o atual, razão para a preventiva) para que possa ocorrer a segregação preventiva.
Fica apenas a ressalva da parte final do art. 313, II, do CPP; quando já passados 05 (cinco) anos correspondente ao período depurador, não está autorizada a prisão preventiva:
(Código Penal, Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período