Literatura, Sociedade e Adaptação: Uma Análise Crítica

Classificado em Língua e literatura

Escrito em em português com um tamanho de 18,2 KB

1. A Representação Feminina e o Contexto Social na Literatura

As obras literárias expressam as condições em que foram escritas e o contexto em que estavam inseridos os autores, o que nos permite refletir sobre o propósito de tais obras.

  • Apesar de a mulher ter pouca ação na sociedade evocada pela obra “Odisseia” de Homero, o texto “Nas Malhas de Penélope” aborda uma certa intervenção, consciente ou não, de Penélope para o desfecho da narrativa, com a morte dos pretendentes e o retorno de Ulisses (Odisseu) à Ítaca, ao seu reino.
  • As mulheres são consideradas o segundo sexo, e sua educação deve garantir que cumpram o que lhes cabe: agradar, ajudar, criar os filhos. Para elas, não foram feitos os livros e os tribunais. Sua liberdade é detestável e rebaixa a qualidade moral do conjunto.
  • A epopeia tem como característica expor o modelo posto no momento em que se escreve, é a forma enquanto forma. A “Odisseia” reflete os valores de sua época, tendo a mulher, aqui representada por Penélope, como o segundo dos pares dicotômicos. Essa ocupa apenas as atividades domésticas, sem direito a voz e ocupando uma posição vicária, mas possui a chamada métis (astúcia, desenvoltura de um logos).
  • Penélope é astuciosa e domina a métis de tecer, enquanto Ulisses domina, entre outras coisas, o arco. Ele usa sua sabedoria e habilidade para conseguir e construir novos desejos/objetivos; Penélope usa sua métis para manter o que já está estabelecido em seu meio, como ser responsável por suas obrigações domésticas e com as escravas.
  • O “dom” exposto no texto mostra ser mais um signo de uma construção discursiva que faz parte da divisão social, que começa a partir do gênero masculino (o primeiro par), que possui uma série de direitos desde que nasce, tudo isso assentado em trocas simbólicas em que ele é o privilegiado e a mulher pouco representada socialmente.
  • O mito da feminilidade vem de longas datas, e a mulher foi moldada para o imaginário da dedicação, do apego, da espera (como faz Penélope), da renúncia do corpo e de si própria. Tais ideias foram disseminadas por instituições, como a igreja, tudo isso para que a mesma não ocupasse o espaço público, pois isso desarticularia a ordem estabelecida em favor dos homens.
  • À mulher não era permitido transitar por todo o oikos (lar); os espaços onde os homens se encontravam, por exemplo, eram terminantemente proibidos para elas. A relação entre os gêneros já vem estabelecida desde o nascimento de toda e qualquer pessoa: o homem tem voz, é quem manda, é dono dos bens e do poder; à mulher, fica o encargo de zelar pela manutenção de tudo o que é dominado pelo homem. É isso que Penélope faz: trabalha para que as coisas voltem a ser como eram.
  • As mulheres da época não pensavam o contrário da estrutura estabelecida. Assim age Penélope: ela transgride para manter a ordem dominante, o mesmo que fazem os autores do cânone literário, que criticam a ordem dominante para, no final, renderem-se a ela.
  • Penélope está numa posição vicária, substituindo o marido que partiu e o filho que ainda não era homem. Quando Ulisses retorna, ela volta ao seu lugar de mulher, cuidando do lar.
  • A ordem é então restabelecida. É isso que as narrativas que estão no cânone fazem: quebram paradigmas, mas tudo retorna à ordem dominante.

2. Adaptações Literárias e Intertextualidade

Revisão: Robert Stam

  • A relação estabelecida entre a obra literária e suas várias adaptações e releituras, tirando a noção de que a anterioridade é maior ou melhor do que a posterioridade, de que a coautoria ocorre tanto em relação ao texto primeiro quanto a qualquer outro de adaptação. Vamos supor que a Revolução de 1815, na França, vai aparecer em “Os Miseráveis” e na pintura de Delacroix. Há um processo de intertextualidade contínua, que chamamos de Semiose Ilimitada, que deshierarquiza qualquer horizontalidade que afirme que o que veio ontem é maior ou melhor do que o hoje.
  • A literatura, como manifestação artística, desde o seu primórdio, sempre tendeu a representar o cânone da sociedade. Os grupos ditos marginalizados, ou o segundo dos pares, por muitos séculos, nunca foram autorrepresentados. Sua caracterização, enquanto sujeito em determinada obra, ficou a cargo de quem tinha voz naquele momento, para manter a ordem estabelecida e para que o primeiro dos pares não perdesse seus privilégios nem sua autonomia como ser social.

No decorrer da história, essa hierarquização passa a ser desvalorizada, embora de forma morosa, conforme a sociedade passa a rejeitar determinados valores, como a misoginia, o racismo e o eurocentrismo. A modernidade, no entanto, tem as obras moldadas pela censura econômica. Como argumentado por Robert Stam, as obras são feitas e adaptadas em nome da soma de dinheiro que será gasta e dos lucros que podem gerar.

  • Robert Stam também argumenta que a recriação de um romance para o cinema desmascara as facetas não apenas do romance e seu período e cultura de origem, mas também do momento e da cultura de adaptação. A releitura funciona como uma releitura da obra a partir da leitura de mundo do autor. O romance não é um objeto fixo nem acabado; ele se reinventa e se recria, tal qual a visão bakhtiniana da língua como um constante processo de “vir a ser”.
  • As obras são todas, em algum nível, “derivadas”. E nesse sentido, remodelam, transformam ou adaptam algo que veio antes.
  • Adaptações podem ser bem feitas ou mal feitas; não há uma relação de superioridade de uma em relação a outra. Os argumentos geralmente são fundamentados em suposições que não consideram os objetivos e as circunstâncias do autor e sua interpretação do romance original.
  • Às vezes, as adaptações é que tornam a obra conhecida. Pelo fato de as obras originais serem esquecidas, tais adaptações as fazem voltar à cultura de massa e, possivelmente, serem apreciadas novamente.
  • Nas adaptações, o fator ideológico pode seguir um discurso de direita, para justificar o que está estabelecido na obra, ou de esquerda, para questionar tais hierarquias.
  • Alguns chamam de pós-verdade. Não é que a verdade tenha sido desfeita, mas que aquela verdade valia como legítima para todos os atores sociais.

3. A Evolução dos Gêneros Literários: Epopeia e Romance

  • O narrador dos romances, geralmente, são homens brancos, europeus, pagadores de impostos. O olhar dos narradores será sempre hierárquico, em que o segundo dos pares será narrado à luz das representações desse homem europeu, pagador de impostos. Tal narrativa também é acatada pela moral vigente da sociedade.
  • A epopeia e o romance são narrativas que refletem momentos históricos em que o imaginário reflete o momento (Os Lusíadas, expansão marítima, por exemplo). “Os Miseráveis” fala de história, revolução, das barricadas, de Waterloo. Porque o romance está na procura do que fosse romance, encontrar o paradigma do que seja romance é muito difícil. O que se sabe é que, enquanto a epopeia relata os atos heroicos da nação, o romance vai falar do homem comum, trazendo os problemas desse homem na adaptação ao modelo burguês.
  • O discurso romanesco é composto por unidades estilísticas, entre as quais podemos destacar:
    • Estilização de diversas formas da narrativa tradicional oral.
    • Estilizações de diversas formas de narrativa.
    • Variação de formas literárias.
    • Discursos de personagens estilisticamente individualizados.

Tais unidades formam um sistema literário harmonioso, de modo que a combinação das mesmas, sem subordinação a uma única estrutura, dá forma ao gênero. Assim, apesar de ser considerado um discurso poético, não cabe na definição oficial utilizada pela estilística, baseada nas concepções de Aristóteles, que exclui uma série de gêneros, como o satírico, na medida em que os caracteriza como não oficiais. A obra considerada precursora do gênero é “Dom Quixote”, do espanhol Miguel de Cervantes, que viria a definir os rumos da prosa europeia e mundial nos séculos posteriores a seu lançamento. Segundo o teórico russo Mikhail Bakhtin, o livro consiste no “modelo clássico e mais puro do gênero romanesco (...), que realizou com profundidade e amplitude excepcionais todas as possibilidades literárias do discurso romanesco plurilíngue e internamente dialogizado” (1988: 27).

Dois séculos depois, com a Revolução Industrial e a ascensão definitiva da burguesia ao poder na política, o romance atingiu seu ápice de popularidade como objeto de entretenimento para o público consumidor recém-formado e crescente, o que o caracteriza como um gênero predominantemente popular. Publicado, em geral, de forma seriada (em capítulos) nos jornais da época, o romance representava um papel equivalente ao das telenovelas contemporâneas, tendo perdido uma parcela considerável do público com o surgimento do rádio e, posteriormente, da televisão, veículos que incorporaram as narrativas dramáticas à sua programação diária.

Entre as principais características do romance burguês, pode-se salientar o surgimento do herói problemático, que consiste no indivíduo que se debate na busca de sentido para a própria existência. Além disso, chama a atenção o recorrente uso de recursos como paródia, intertextualidade e do perspectivismo, que auxiliam na caracterização do gênero como misto e impuro.

4. Teoria Bakhtiniana, Arte e Análise de Obras

  • Na teoria bakhtiniana, diferente da concepção saussuriana, em que você é mero reprodutor daquilo que já está posto, você se coloca enquanto sujeito da enunciação e pode estar atualizando a obra, e enquanto usa o código linguístico, você também é um coautor.
  • Na medida em que a sociedade vai se adensando mais, em que as problemáticas existenciais vão sendo colocadas de forma mais incisiva através dos movimentos sociais, isso vai influenciar na estética, dando subsídios para que os escritores falem de sua vida, do seu tempo. A técnica, a história e a economia transformam-se em dimensões simbólicas e estéticas na literatura. O escritor não é um ser aurático; ele participa do mundo e tematiza esses problemas.

Análise do Quadro: A Liberdade Guiando o Povo

"A Liberdade Guiando o Povo” é uma visão romântica sobre a Revolução Francesa de 1830. Na altura, a França era governada pelo rei Carlos X, que permaneceu no poder durante seis anos. Quando Carlos X tentou abolir a liberdade de imprensa e dissolver a recém-eleita assembleia, teve início a revolução. O rei é destronado, e Louis-Philippe, um membro mais liberal da família real, assume o poder. É o último rei francês, tendo abdicado em 1848.

Eugène Delacroix não participou na revolução. Para realizar “A Liberdade Guiando o Povo”, é provável que se tenha inspirado em gravuras do conflito, especialmente no trabalho de Nicolas Charlet.

Delacroix pintou “A Liberdade Guiando o Povo” rapidamente, em pouco mais de três meses, e expôs a obra no Salão de 1831. O quadro perturbou tanto os realistas quanto os revolucionários. Foi adquirida pelo Estado por 3 mil francos e devolvida ao artista, que a deixou na casa de campo de uma tia sua. Durante muito tempo, evitou-se expor “A Liberdade Guiando o Povo” publicamente. Foi apenas em 1874 que o quadro foi adquirido pelo Louvre e exposto com honrarias.

Destaques da Obra “A Liberdade Guiando o Povo”:

  • A Liberdade

    : representada como uma deusa clássica, sinônimo de virtude e eternidade. No entanto, seus traços robustos são comuns ao povo francês, há pelos nas axilas e a mulher não flutua sobre o campo de batalha, mas mistura-se a ele, sujando as próprias mãos. Empunha uma arma moderna – um mosquete.
  • Homem sem Calças

    : Outro fator que torna a obra complexa e ambígua é a presença deste cadáver desnudado, um homem desprovido de sua dignidade. Suas roupas foram roubadas, provavelmente pelos revoltosos. Outros personagens do quadro apresentam-se com objetos roubados dos cadáveres. Assim, mesmo entre aqueles que lutam pela liberdade, há atitudes censuráveis.
  • As Bandeiras

    : Duas bandeiras são retratadas no quadro, uma empunhada pela Liberdade e outra sobre a Catedral de Notre Dame. A bandeira tricolor foi utilizada na Revolução Francesa de 1789 e nas guerras de Napoleão. Após a derrota de Napoleão em Waterloo, a bandeira não foi mais utilizada. O regresso deste símbolo é carregado de emoção, como se o povo reconquistasse seu orgulho após a restauração da monarquia.
  • O Campo de Batalha

    : O centro da revolução de 1830 foi a Ponte d'Arcole, e provavelmente este é o cenário da pintura. Porém, nenhum posto de observação permite esta vista de Notre Dame. Como outros pintores românticos, Delacroix abdica de uma fidelidade literal aos fatos em prol de um maior efeito dramático. Converte acontecimentos contemporâneos em imagens míticas.
  • A Composição

    : É uma composição clássica, em pirâmide, na qual a Liberdade ocupa o vértice da pirâmide. O mosquete com baioneta que a Liberdade empunha cria uma linha paralela com a arma empunhada pela criança. No restante do quadro, várias linhas diagonais trazem dinamismo à composição.
  • As Cores

    : As cores vivas da bandeira auxiliam o destaque para a mulher que simboliza a Liberdade. Nota-se que o vermelho da bandeira está sobre o céu azul, o que o salienta ainda mais. As cores repetem-se nas roupas do trabalhador aos pés da Liberdade. As vestes da Liberdade são pintadas num tom mais claro do que aqueles encontrados no restante da pintura, facilitando o sentido de leitura.
  • A Luz

    : Fortes contrastes de luz e sombra conferem maior dramatismo à cena. Na paisagem, a luz do entardecer mistura-se com o fumo dos canhões, dissolvendo-se num brilho marcante.
  • A Pincelada

    : As pinceladas de Delacroix são visíveis na tela, o que contraria as regras acadêmicas que determinam que a pincelada deve ser “invisível”.

Resumo de “Os Miseráveis”

O personagem central, contudo, é o herói Jean Valjean, um homem que serve 19 anos nas galés como punição por ter roubado um pedaço de pão para a família faminta. Valjean recebe liberdade condicional, mas é marginalizado pela sociedade por seu passado criminoso e não consegue nem trabalho nem um local para se abrigar. Um encontro com um padre, que consegue perdoar e aceitar Valjean, muda seu coração. Ele decide então tornar-se um homem justo e digno. Após algum tempo, Valjean assume outra identidade e torna-se um próspero dono de uma fábrica. É nessa fábrica que trabalha outra personagem central para a narrativa: a pobre Fantine. A jovem teve uma filha com um estudante e foi abandonada, precisando manter a menina sozinha. Como não era aceitável ter uma filha ilegítima, ela deixa sua pequena Cosette aos cuidados dos Thénardiers, enviando-lhes pagamentos mensalmente, sem saber que eles são cruéis e destratam a menina.

O supervisor da fábrica descobre o segredo de Fantine, e ela perde o emprego. Desesperada para conseguir o sustento de sua filha, Fantine vende os cabelos, os dentes e então recorre à prostituição. Ao descobrir o destino da moça, Valjean compadece-se e considera-se culpado, prometendo ajudá-la e uni-la com sua filha; porém, é tarde demais – Fantine morre subitamente. Enquanto isso, o policial Javert, obcecado com sua noção de justiça, busca incessantemente prender o fugido Valjean, até descobrir sua verdadeira personalidade, forçando Valjean a fugir da cidade. Há um salto temporal, e descobrimos que Valjean adotou Cosette e a criou como sua filha, livrando a menina do destrato dos Thénardiers, enquanto Javert continua procurando por Valjean. Enquanto isso, a família Thénardier entrou em declínio e agora vive de pequenos golpes. A filha mais velha dos Thénardiers, Éponine, é apaixonada por um dos estudantes que está planejando a revolução em Paris: o jovem e idealista Marius. Porém, seu amado apaixona-se à primeira vista por Cosette, partindo o coração de Éponine. O clímax é o motim organizado por Marius e seus amigos estudantes, que montam barricadas nas ruas de Paris e resistem bravamente à guarda francesa. Éponine veste-se de homem para lutar ao lado de Marius, com a esperança de que os dois morram juntos nas barricadas, um fim romântico, ainda que trágico. Contudo, a moça acaba sendo morta em combate ao salvar a vida do amado, e só então revela a ele uma carta de Cosette que ela havia escondido. Valjean descobre o amor de Cosette por Marius e teme que o rapaz morra no motim. Considerando sua idade avançada, ele parte para as barricadas com a missão de salvar a vida do rapaz.

Lá, recebe a oportunidade de matar Javert, que havia sido capturado pelos revoltosos. Contudo, ele decide libertá-lo. Ao fim, o motim é derrubado e a maioria dos estudantes é morta, tingindo as ruas de Paris de sangue. Com muito esforço, Valjean consegue salvar Marius e depois falece – o jovem casa-se com Cosette. Em conflito com sua noção de justiça, que norteou sua vida até então, Javert suicida-se.

Entradas relacionadas: