Lodo de Esgoto como Fertilizante Orgânico para Alface
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A alface (Lactuca sativa L.) é a hortaliça folhosa de maior valor comercial cultivada no Brasil, com cerca de setenta e cinco cultivares comerciais, das quais, aproximadamente dezoito são nacionais. É consumida, com maior frequência, em saladas cruas e sanduíches, sendo que as regiões Sul e Sudeste são as maiores consumidoras. É considerada planta de propriedades tranquilizantes, com alto conteúdo de vitaminas A, B e C, além de cálcio, fósforo, potássio e outros minerais (Viggiano, 1990). A planta é exigente nas características físicas e químicas do solo. Por ser de ciclo curto e hortaliça cuja parte consumida são as folhas, responde ao fornecimento de nitrogênio. O solo ideal para o seu cultivo é o areno-argiloso, rico em matéria orgânica e nutrientes (Ferreira et al., 1993; Filgueira, 2000). A adubação orgânica com estercos de animais e compostos orgânicos tem sido amplamente utilizada na produção de alface, com o objetivo de reduzir as quantidades de fertilizantes químicos e melhorar as qualidades físicas, químicas e biológicas do solo (Kiehl, 1985; Silva et al., 2001). Sua utilização tem proporcionado aumento na produção e no teor de nutrientes em plantas de alface (Santos, 1993; Ricci et al. (1994); Vidigal et al. (1995); Santos et al. (1997); Vidigal et al. (1997); Rodrigues e Casali, 1998).
Santos et al. (1999), trabalhando com composto orgânico de lixo urbano na cultura da alface, verificaram acréscimo no conteúdo de matéria orgânica do solo. Por outro lado, a utilização de adubo orgânico para fertilizar o solo aumenta a capacidade de troca de cátions (CTC), a porosidade e a aeração, com redução do encrostamento da sua superfície, proporcionando maior volume de água disponível, devido à melhoria das condições físicas do solo (Kiehl, 1985; Raij, 1987). Ferraz Junior et al. (2003) verificaram que a aplicação de lodo de cervejaria na cultura da alface proporcionou aumento nos teores de fósforo e nos valores de pH do solo, com efeitos similares àqueles obtidos com esterco de galinha. O manejo da matéria orgânica num sistema de produção é essencial, já que ela é uma das principais fontes de reservas de N e responde por grande parte da CTC do solo, cerca de 56% a 82% nos solos tropicais (Raij, 1969).
A disposição final do lodo de Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) é uma preocupação mundial, em razão do crescente volume produzido. A utilização agrícola deste resíduo já ocorre atualmente em muitos países. O sistema de coleta e tratamento de esgotos domésticos é um dos pressupostos básicos para um ambiente saudável, garantindo qualidade de vida e preservação do meio ambiente. Para a reciclagem agrícola do lodo de esgoto, é necessário o conhecimento do impacto causado no meio biótico e abiótico pela sua utilização, bem como o estudo e aprimoramento de tecnologias que permitam a sua inserção nos sistemas agrícolas (Andreoli et al., 1997).
Estudando uma alternativa para a reutilização da água associada ao tratamento de esgoto doméstico, através do sistema de bacia de infiltração, Andreoli et al. (1999) demonstraram a possibilidade de sua utilização direta em irrigação de parques, jardins, campos de golfe e lagos artificiais, em processos industriais ou, indireta, na recarga de aquíferos. Como adubo para produção de milho, Biscaia e Miranda (1996) verificaram que o lodo de esgoto pode ser empregado em doses de 60 t ha-1, não apresentando toxicidade ao desenvolvimento e produtividade da cultura. Em sistema de produção de bracatinga, na mesorregião de Curitiba (PR), Lourenço et al. (1996) verificaram que o lodo de esgoto pode apresentar efeito residual para as culturas subsequentes, quando empregado em doses elevadas.
A utilização do lodo se defronta, contudo, com problemas como o aumento da concentração de metais pesados e de agentes patogênicos no solo. Os metais pesados são elementos que possuem peso específico maior do que 5 g cm-3 ou número atômico maior do que 20 (Malavolta, 1994). A quantidade de agentes patogênicos no lodo depende de sua origem, da época do ano e do processo de tratamento ao qual foi submetido. A utilização do lodo não higienizado como adubo orgânico em culturas com ciclo de vida curto, cujas partes comestíveis tenham contato direto com o solo e que sejam consumidas in natura apresenta grande risco para a saúde humana e animal. Para reduzir esse risco, o lodo deve ser tratado com os processos de digestão anaeróbia, calagem ou compostagem, antes de ser utilizado. A compostagem, quando bem controlada, pode melhorar as características físico-químicas do lodo urbano, podendo este ser posteriormente empregado para os mais variados fins. Os autores recomendam que o teor de matéria seca seja superior a 20% para se obter maior percentual de redução de ovos de helmintos (Soccol et al., 1999).
Este trabalho teve como objetivo avaliar a produção de alface em solo tratado com diferentes doses de lodo de esgoto como fonte de matéria orgânica.
Material e Métodos
O trabalho foi desenvolvido de maio a dezembro de 1998, em casa de vegetação da UFES, localizada em Alegre (ES), mesorregião sul do estado, apresentando altitude de cerca de 250 metros.
O solo utilizado na composição dos substratos foi proveniente da camada arável de um Aluvial Eutrófico, textura média, amostrado na Área Experimental da UFES, e apresentou as seguintes características: pH = 5,0; Al3+ = 0,10 cmolc dm-3; Ca2+ = 1,0 cmolc dm-3; Mg2+ = 0,8 cmolc dm-3; P = 2,0 mg dm-3; K = 0,15 cmolc dm-3 e MO = 2,7 g kg-1. Antes de ser misturado, o solo foi peneirado em malha de 4 mm, sendo a seguir adicionado calcário dolomítico (38% CaO, 15% de MgO e PRNT de 88%) na dose de 0,53 g dm-3.
O lodo utilizado foi oriundo da ETE do município de Jerônimo Monteiro (sistema australiano). Foi feita análise físico-química no laboratório da UFES, cujos resultados foram pH = 6,3; umidade = 30%; MO = 30%; cinzas = 57%; N = 2,2%; P = 0,38%; K = 0,14%; Ca = 1,10%; Mg = 0,20%; Cu = 129 mg kg-1; Zn = 320 mg kg-1; Fe = 41.250 mg kg-1; Mn = 207 mg kg-1; e os metais pesados: Cd = 0,40 mg kg-1; Cr = 14,8 mg kg-1; Hg = 4,10 mg kg-1; Ni = 9,4 mg kg-1 e Pb = 39,7 mg kg-1.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com sete tratamentos e cinco repetições. A unidade experimental consistiu de um vaso de polietileno, preenchido com 6 dm3 do substrato. Os tratamentos foram constituídos de: testemunha (solo) e solo+lodo de esgoto nas proporções de 33,3; 66,6; 99,9 e 133,2 g dm-3. Todos os tratamentos receberam uma adubação básica com 3,33 g dm-3 de superfosfato simples, incorporada aos substratos por ocasião do transplantio das mudas.
Sementes de alface do cultivar "Lívia" foram semeadas em 07/08/98, em bandejas de poliestireno contendo mistura composta por solo, areia grossa e composto orgânico. O transplante das mudas com raízes nuas foi feito após 25 dias da semeadura e a colheita, após 42 dias do transplante. As irrigações foram feitas colocando-se 300 ml de água em cada vaso, diariamente.
As plantas foram colhidas aos 42 dias após o transplante, pela manhã, cortadas rentes à superfície dos substratos e determinada a massa seca da parte aérea e o número médio de folhas por planta (NFP). A matéria seca foi obtida após secagem em estufa de circulação forçada de ar à temperatura de 60ºC, até atingir peso constante. Posteriormente foram moídas em moinho tipo Wiley, com peneira de 20 mesh, para análise foliar onde foram determinados: N pelo método Kjeldahl; P pelo método colorimétrico; K pela fotometria de chama; Ca, Mg, Mn, Pb pelo método de espectrofotometria de absorção atômica (Tedesco et al., 1995); e de metais pesados: Cd, Cr, Ni e Pb, de acordo com (Ure e Shand, 1974). Os dados obtidos foram submetidos à análise de regressão.
Resultados e Discussão
As análises das amostras de lodo de esgoto bruto, indicaram pH de 6,3 situando-se entre os valores sugeridos para que o meio não se torne extremamente seletivo para os microrganismos. Em relação à matéria orgânica foi observado o teor de 30%, o teor de umidade registrado nas amostras foi de 30% e o teor de cinzas foi de 57%. O teor médio de matéria orgânica de 30% está próximo do limite mínimo indicado por Kiehl (1985) para fertilizante orgânico em uso agrícola. O teor médio de 2,2% de nitrogênio verificado no lodo bruto encontra-se acima do limite mínimo exigido para a sua utilização como fertilizante orgânico. Entretanto, o teor médio de fósforo encontrado foi de 0,38%, o de potássio 0,14%, o de cálcio 1,1% e o de magnésio 0,2%, valores considerados baixos, sugerindo a necessidade de enriquecimento desse material com uma fonte solúvel de fósforo, cálcio e magnésio. Os níveis de micronutrientes apresentaram valores próximos de outros compostos orgânicos utilizados na produção de alface por outros autores (Ricci et al. (1994); Santos et al. (1997); Vidigal et al. (1997); Rodrigues e Casali, 1998). Segundo Fernandes (1997) quando os resíduos orgânicos atendem à necessidade de nitrogênio, fornecem os micronutrientes necessário ao crescimento e desenvolvimento das plantas.
As concentrações de metais pesados foram relativamente baixas à exceção do mercúrio, cujo limite máximo encontrado foi de 4,1 mg kg-1, o qual supera os limites internacionais permitidos em vários países, mas é inferior ao limite estabelecido nos EUA, de cerca de 8 mg kg-1 (Gonçalves et al., 1997). Entretanto, deve-se considerar que a mobilidade de metais no solo dependerá da forma química sob a qual o metal se apresenta e das características do solo como pH, teor de matéria orgânica, CTC e porcentagem de argila, que têm importância fundamental na mobilidade dos cátions metálicos (Mulchi et al., 1991).
Santos et al. (1994, 2001), trabalhando com alface cultivada com composto orgânico, verificaram que a aplicação de doses crescentes de composto orgânico proporcionou plantas de alface com menor teor de matéria seca. Resultados semelhantes foram observados no atual experimento (Figura 1D). Prado et al. (2002) também obtiveram aumento na produção de matéria seca da alface com a aplicação de escória de siderurgia, corrigida com calcário. Alguns autores associam aumento da massa de matéria seca dos tecidos das folhas à deficiência de nitrogênio (Primavesi, 1985; Vidigal et al., 1997). Portanto, os tratamentos com menores teores de matéria orgânica apresentaram também os menores teores de nitrogênio e foram os que apresentaram menor peso da planta inteira e menor número de folhas (Figuras 1A, 1B). Esse fato pode estar associado à deficiência desse nutriente causando redução na fotossíntese, menor crescimento e mais elevado teor de matéria seca na parte aérea (Primavesi, 1985).
Os teores de macronutrientes determinados na matéria seca das folhas de alface (Figura 2A) podem ser considerados como adequados na análise foliar das hortaliças (Magalhães, 1988). Alta disponibilidade de K pode reduzir a absorção de Ca e Mg (Rodrigues e Casali, 1998), que são bases trocáveis responsáveis juntamente com o Na pelas modificações de pH do solo (Kiehl, 1985). A utilização de matéria orgânica nas culturas pode alterar a composição mineral das plantas, isso, dependendo entre outros fatores, da fertilidade do solo (Warman, 1990), das características do material orgânico e da quantidade aplicada (Asiegbu e Oikeh, 1995). Rodrigues e Casali (1998) verificaram maiores teores de P e K em folhas de alface adubada com composto orgânico, enquanto Amaral et al. (1994), trabalhando com escória como corretivo de solo na cultura da alface, verificaram aumento de Mn, diferindo dos resultados obtidos por Ferraz Junior et al. (2003), onde os teores de Mn não foram afetados. Estes autores sugerem que o lodo de cervejaria tratado pode substituir o esterco de galinha, como adubo para o cultivo da alface. Ricci et al. (1994), trabalhando com composto orgânico na produção de alface, verificaram aumento de produtividade em função do tipo de adubo orgânico utilizado. Resultados semelhantes foram encontrados na cultura do pimentão (Mello et al., 2000; Ribeiro et al., 2000). Os teores de N, para as diferentes dosagens de lodo de esgoto, encontram-se próximos da média do respectivo intervalo proposto por Magalhães (1988). Na cultura da alface, a utilização de fertilizantes orgânicos de lenta solubilização e contendo alta concentração de nitrogênio é mais eficiente para o crescimento e desenvolvimento (Katayama, 1993). Os teores de P, K e Ca encontram-se acima do limite superior do intervalo proposto para todos os tratamentos. Resultados semelhantes foram encontrados por Ferraz Junior et al. (2003). De acordo com Kiehl (1985), as bases trocáveis como Ca2+, Mg2+, K+ e Na+ são normalmente encontradas em altas concentrações nos compostos orgânicos.
Os teores dos metais pesados cromo, cádmio, chumbo e níquel (Figura 2B) foram abaixo dos limites inferiores admissíveis para uso agrícola (Gonçalves et al., 1997). Isso significa que os teores encontrados na análise foliar da alface não seriam um fator restritivo ao consumo humano. A maior concentração de Pb foi de 4,17 mg kg-1, inferior ao limite de tolerância para hortaliças frescas que é de 0,50 mg kg-1 (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, 1985). Por outro lado, de acordo com McBride (1994), quando os metais pesados se encontram em baixas concentrações, há tendência de que eles permaneçam retidos no solo pelo processo de adsorção. Silva et al. (2001) verificaram que, embora o lodo de esgoto provoque aumento nos teores de metais pesados no solo, estes perduram por apenas um ano e em níveis aquém dos valores considerados nocivos ao ambiente. Sob condições naturais, a presença desses metais pesados no solo não tem causado danos às plantas e animais, fato que pode estar associado à formação de complexos estáveis com ácidos húmicos ou a formação de óxidos e hidróxidos, causando redução na sua disponibilidade (Miyazawa et al., 1999).
Considerando os resultados obtidos, pode-se concluir que em solos com características similares às deste experimento, o lodo de esgoto com as características daquele empregado neste experimento, com o pH corrigido para a faixa ideal e com saturação de bases para 70%, pode ser utilizado como fertilizante agrícola para o cultivo da alface.