A Luta Contra a Inflação na Nova República: Lições
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O Contexto da Nova República e a Esperança (1984-1985)
Em 1984, o Brasil vivia o sonho de que a democracia resolveria todos os problemas do país. A campanha das “Diretas Já” e mesmo a eleição de Tancredo Neves (ainda que pela via indireta) foram marcadas pela esperança de que o país reencontraria os caminhos do crescimento e promoveria, ao mesmo tempo, o fim da inflação e a redistribuição de renda.
Do ponto de vista macroeconômico, o Brasil dispunha de algumas vantagens em relação à situação vivida no início dos anos 1980. Por exemplo, as contas externas apresentavam significativo superávit comercial, e a situação da liquidez internacional havia melhorado em relação à crise vivida após a moratória do México, em 1982. As contas fiscais também se encontravam em posição melhor, e a maturação dos investimentos realizados no II PND dava ao país, sob a ótica da oferta de bens de capital, potencial para crescer.
A Teoria da Inflação Inercial e a Realidade
Nesse cenário — e dado o insucesso do combate à inflação nos anos anteriores — desenvolveram-se, em meados dos anos de 1980, teorias alternativas de estabilização. A teoria que venceu o debate sobre as causas da inflação brasileira foi a de que a inflação no Brasil era “puramente inercial”. Nela, a inflação decorria apenas de práticas contratuais que repunham a inflação passada a cada data-base. Na sua essência, a tese inercialista afirmava que a inflação vivida pelo país naquele período não devia ser atribuída a um superaquecimento da demanda em relação à oferta, sendo o déficit público pouco relevante.
A demanda, porém, já estava, em 1985/86, relativamente aquecida, a considerar pelos índices de utilização de capacidade e, a rigor, a inflação já estava se acelerando às vésperas do Plano Cruzado. A suposição de que seria possível adotar uma política monetária acomodatícia se revelou incorreta, diante da explosão de demanda que se seguiu ao anúncio do Plano. Uma sucessão de erros, incluindo alguns de concepção e outros de condução, levou o Plano Cruzado ao fracasso.
O Fracasso dos Planos de Estabilização Pós-Cruzado
Os dois planos que se seguiram (Bresser e Verão) tentaram corrigir os problemas das tentativas anteriores, sem sucesso. A bem dizer, imediatamente após o anúncio dos sucessivos pacotes, a inflação baixava, mas, após um breve período, começava novamente a se acelerar. A cada plano, a inflação caía cada vez menos e se acelerava com maior intensidade.
As Lições da Nova República: Frustração e Aprendizado
Olhando em retrospectiva, o período da Nova República acabou ficando na memória dos brasileiros como uma época de grande frustração no terreno econômico. O período, porém, comporta algumas lições importantes nessa área.
Lição 1: Expansão da Demanda Pós-Estabilização
A primeira lição consiste na observação de que à estabilização se seguem movimentos naturais de expansão de demanda. Estes foram ampliados pelos abonos salariais e pelas políticas adotadas pelo governo. Ainda que a inflação fosse puramente inercial (e ela não o era em 1985-86), teriam de ser tomadas medidas para evitar o boom de consumo que geralmente sucede à estabilização.
Lição 2: O Impacto do Gatilho Salarial e da Escala Móvel
A segunda lição se refere ao uso da escala móvel. O “gatilho salarial”, ao endogeneizar o período de reajuste, provou ser, na prática, um acelerador da inflação, na medida em que levava ao encurtamento do período de reajuste.
Lição 3: Desafios do Congelamento de Preços e sua Repetição
A terceira lição é de que a estratégia de congelamento produziu desequilíbrios de preços relativos — e o descongelamento mostrou-se uma tarefa difícil de administrar. Por fim, a repetição de programas semelhantes de estabilização se mostrou um verdadeiro fracasso. Os agentes aprenderam a burlar os congelamentos, tornando-os inócuos, na prática.
Os planos de estabilização do período de 1985-89 não incorporaram o necessário controle da demanda agregada após a introdução do Plano. O congelamento agravou esse problema, porque incentivou um aumento da demanda e, via expectativas, criou o temor de novos congelamentos (e dos efeitos do descongelamento).
Análise da Inflação: Inércia, Demanda e Câmbio
Nossa interpretação, em suma, é de que, sim, existia um grande componente inercial na inflação brasileira, que precisava ser contido; entretanto, o congelamento se mostrou ineficaz. Havia, antes do plano, algumas pressões de demanda, mas essas eram localizadas e repassadas para os demais preços pelo fato de a economia estar plenamente indexada. Além disso, embora tenha ocorrido uma deterioração das contas externas em 1986, a situação da Balança Comercial era de fato mais confortável na segunda metade dos anos 1980 do que na primeira. Isso, a nosso ver, enfraquece a tese que atribui à necessidade de sistematicamente desvalorizar o câmbio (pressão de custos, resultante da vulnerabilidade externa da economia) a causa última da inflação brasileira na segunda metade da década.
Por outro lado, não há dúvidas de que a fixação da taxa de câmbio é um poderoso instrumento para conter a inflação. Entretanto, a estratégia só é eficaz se o país recebe fluxos de capitais para financiar os seus déficits de transações correntes, que em regra surgem após uma estabilização desse tipo. Nesse sentido, tal estratégia era simplesmente inviável nos anos 1980, dado o contexto de liquidez internacional.
O Legado da Nova República e o Caminho para o Plano Real
Ao final do período, havia certo consenso entre os economistas de que a indexação no Brasil consistia, sim, em um problema a ser solucionado, mas que o congelamento definitivamente não era uma estratégia eficiente; e que a explosão inicial da demanda, após o lançamento de um novo Plano, teria de ser fortemente combatida. O Plano Real, como veremos, beneficiou-se do aprendizado resultante dos sucessivos fracassos do combate à inflação no período de 1985-89. A Nova República é, portanto, uma época marcada pela esperança, pela frustração e pelo aprendizado.