A luta de Ramón pela eutanásia: um drama de vida e morte
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A história retrata a vida de um marinheiro galego, mecânico de barcos que aos 20 anos já dava volta ao mundo e aos 26 anos, num mergulho em águas rasas, instalou-se para sempre em uma cama, entre as quatro paredes torturantes de seu quarto de onde olha o mar. Ex-marinheiro era um homem totalmente sadio, inteligente e viril, que fica tetraplégico ao sofrer um acidente e ser obrigado a viver, contra sua vontade, paralisado em uma cama, dependendo da ajuda de seus familiares para todas as suas necessidades básicas. Vinte e seis anos depois, ele consegue uma advogada disposta a ajudá-lo na luta em legalizar a eutanásia e finalmente morrer com dignidade. Confrontando questões morais, religiosas e sociais, Ramón tenta legalizar uma petição que lhe dê autorização para cometer eutanásia, sem que nenhuma das pessoas que o ajudaram sejam prejudicadas por suas ações. Desde então a vida para ele é uma 'humilhante escravidão' e sua única fuga são os sonhos e a vidraça que separa o seu mundo do alheio. Esse é um drama em que morte e vida digladiam-se o tempo todo e, para nós, que queremos tanto viver, o espírito suicida de Ramón parece incompreensível; até percebermos que a liberdade era o sentido de sua vida e, perdendo-a, o que lhe resta não é mais vida, mas sua migalha. O passado livre e vívido vem e vai, invadindo sua memória e depois ficando para trás, em preto e branco nas fotografias. Nessas quase três décadas de clausura, houve tempo suficiente para pensar em tudo e decidir-se pela morte, e o filme nos torna partidários dessa ideia, quase cúmplices do personagem. Porém, a grande contradição é que nosso suicida seja um homem tão vital, tão lúcido, tão inteligente e sedutor, que recorre sempre ao humor (negro, geralmente) e faz o mundo ao redor girar e a vida de todos fazer sentido. Além de também ser dono do sorriso mais doce da Espanha. E é esse sorriso a primeira coisa que encanta Julia (Belén Rueda), uma advogada que, por causa de sua doença degenerativa, se solidariza com a causa de Ramón. Ela pergunta: 'Por que você sorri tanto?'. A resposta é desconcertante: 'Aprendi a chorar com sorrisos'. Logo também chega Rosa (Lola Dueñas), uma operária solitária que o procurou para demovê-lo da ideia, depois de tê-lo visto na TV.
A história é real, com algumas pinceladas de ficção
Mais uma vez a morte é trazida como tema, porém, dessa vez ela vem mais ambiciosa. Dono da vida, o ser humano deve ser também, dentro de determinadas circunstâncias e segundo certos limites, o dono da sua própria morte. Não há nenhuma censura (reprovação) ética ou jurídica na chamada 'morte digna', que é a morte desejada por quem já não tem mais possibilidade de vida e que, em estado terminal, está sofrendo muito. A morte nessas circunstâncias, rodeada de vários cuidados (para que não haja abuso nunca), não se apresenta como uma morte arbitrária, ou seja, não gera um resultado jurídico desvalioso, ao contrário, é uma morte 'digna', constitucionalmente incensurável.
Nas palavras de Luiz Flávio Gomes
'A velha e provecta opinião no sentido de que a eutanásia, a morte assistida seria considerada homicídio ou auxílio ao suicídio é exageradamente formalista. Existem alguns julgados de Tribunais estaduais no sentido de que o homicídio piedoso ou por compaixão (eutanásia) configuraria um homicídio privilegiado, isto é, homicídio com pena diminuída'.
Todos esses temas requerem maior atenção do legislador e do público em geral
Deve-se disciplinar a eutanásia, em lei ordinária, mas isso deve ser feito a partir de uma premissa básica que é a seguinte: jamais é concebível qualquer morte arbitrária, mas desde que não arbitrária, essa morte não configura um resultado desvalioso.
No caso da eutanásia, a morte só pode ser considerada não abusiva quando cercada de várias cautelas
Que o paciente esteja padecendo 'um sofrimento irremediável e insuportável'; que o paciente seja informado do seu estado terminal, leia-se: não há solução médica razoável para o caso e das perspectivas (praticamente nulas) do tratamento; deve haver pedido por escrito, voluntário e lúcido do paciente; o médico deve ouvir a opinião de outro médico (ou dois), antes de cumprir o pedido. Também é muito importante a posição da família, sobretudo quando o paciente já perdeu a consciência. De qualquer modo, só se pode falar em eutanásia, nesse caso, se o paciente, previamente, manifestou sua vontade com liberdade. A família só tem o poder de ratificar pedido anterior (Mutatis mutandis).
Não há dúvida que o art. 5º da CF assegura a inviolabilidade da vida, mas não existe direito absoluto
Feliz, portanto, a redação do art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: ninguém pode ser privado da vida 'arbitrariamente'. O que se deve conter é o arbítrio, o abuso, o ato irrazoável. Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em resultado jurídico desvalioso (ou intolerável). Ao contrário, trata-se de resultado juridicamente tolerável, na medida em que temos, de um lado, uma vida inviável, de outro, um conteúdo nada desprezível de sofrimento (do paciente terminal, da família etc.).