Maquiavel: Política, Estado e a Análise de 'O Príncipe'
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Concepção de Política em Maquiavel
- Política: pela primeira vez é mostrada como esfera autônoma da vida social.
- Não é pensada a partir da ética nem da religião: rompe com os antigos e com os cristãos.
- Não é pensada no contexto da filosofia: passa a ser campo de estudo independente.
- Vida política: tem regras e dinâmica independentes de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas.
- Política: é a esfera do poder por excelência.
- Política: é a atividade constitutiva da existência coletiva; tem prioridade sobre todas as demais esferas.
- Política é a forma de conciliar a natureza humana com a marcha inevitável da história: envolve fortuna e virtu.
- Fortuna: contingência própria das coisas políticas; não é manifestação de Deus ou Providência Divina.
- Há no mundo, a todo momento, igual massa de bem e de mal: do seu jogo resultam os eventos (e a sorte).
- Virtu: qualidades como a força de caráter, a coragem militar, a habilidade no cálculo, a astúcia, a inflexibilidade no trato dos adversários.
- Pode desafiar e mudar a fortuna: papel do homem na história.
Concepção de Estado em Maquiavel
- Não define Estado; infere-se que percebe o Estado como poder central soberano que se exerce com exclusividade e plenitude sobre as questões internas e externas de uma coletividade.
- Estado: está além do bem e do mal; o Estado é.
- Estado: regulariza as relações entre os homens; utiliza-os no que eles têm de bom e os contém no que eles têm de mal.
- Sua única finalidade é a sua própria grandeza e prosperidade.
- Daí a ideia de "razão de Estado": existem motivos mais elevados que se sobrepõem a quaisquer outras considerações, inclusive à própria lei.
- Tanto na política interna quanto nas relações externas, o Estado é o fim; e os fins justificam os meios.
"O Príncipe": Estratégias de Poder e Governo
- O Príncipe: não há considerações de direito, mas apenas de poder; são estratégias para lidar com criações de força.
- Teoria das relações públicas: cuidados com a imagem pública do governante.
- Teoria da cultura política: religião nacional, costumes e ethos social como instrumentos de fortalecimento do poder do governante.
- Teoria da administração pública: probidade administrativa, limites à tributação e respeito à propriedade privada.
- Teoria das relações internacionais:
- Exércitos nacionais permanentes, em lugar de mercenários.
- Conquista, defesa externa e ordem interna.
- A guerra é a verdadeira profissão de todo governante e odiá-la só traz desvantagens.
Análise Detalhada de "O Príncipe"
Em sua obra O Príncipe, Nicolau Maquiavel demonstra sua preocupação em analisar acontecimentos históricos, comparando-os à atualidade de seu tempo.
O Príncipe consiste em um manual prático oferecido ao Príncipe Lourenço de Médici como um presente, que condensa a experiência e as reflexões do autor. Maquiavel analisa a sociedade de maneira fria e calculista, sem medir esforços ao tratar de como obter e manter o poder.
A obra é dividida em 26 capítulos, que podem ser agrupados em cinco partes.
Na primeira parte (capítulos I a XI), Maquiavel demonstra, por meio de exemplos claros, a importância do exército; a dominação completa do novo território mediante sua estadia; a necessidade de eliminação do inimigo presente no país dominado e como lidar com as leis preexistentes à sua chegada; e o consentimento da prática da violência e de crueldades para obter resultados satisfatórios, onde se encaixa perfeitamente seu famoso postulado de que "os fins justificam os meios" como os pontos mais importantes.
Já na segunda parte (capítulos XII ao XIV), Maquiavel reflete sobre os perigos e dificuldades que o Príncipe enfrenta com suas tropas, compostas por forças auxiliares, mistas e nacionais, e destaca a importância da guerra para o desenvolvimento do espírito patriótico e nacionalista que une os cidadãos de seu Estado, tornando-o forte.
Dos capítulos XV ao XIX, observa-se a necessidade de certa versatilidade que o governante deve adotar em relação ao seu modo de ser e de pensar, a fim de se adaptar às circunstâncias momentâneas. Nesse trecho, o autor afirma que "qualidades", em certas ocasiões, mostram-se não tão eficazes quanto "defeitos", que, nesse caso, tornam-se virtudes. Aborda-se também:
- A transição da temeridade perante a população à afeição, como medida de precaução à revolta popular, devendo o soberano apenas evitar o ódio.
- A utilização da força sobreposta à lei, quando disso dependerem condições mais favoráveis ao seu desempenho.
- A importância de sua boa imagem perante os cidadãos e Estados estrangeiros, a fim de evitar possíveis conspirações.
Em seguida, constata-se um questionamento sobre os meios de proteção do Príncipe, incluindo:
- O modo como encontrará mais utilidade em pessoas que originalmente lhe pareciam suspeitas, em contrapartida às primeiras que nele depositavam confiança.
- Como deve agir para obter confiança e maior estima entre seus súditos.
- A importância da boa escolha de seus ministros.
- Um guia sobre o que fazer com os conselhos recebidos, que são raramente úteis, considerando o interesse oculto de quem os oferece.
Na última parte, que abrange os três capítulos finais, Maquiavel se afasta de sua análise propriamente "maquiavélica" na forma de um apelo à família real, para que esta adote resoluções em favor da libertação da Itália, então dominada pelos bárbaros.
Conclui-se que a complexidade organizacional de um Estado é tamanha que se recorre a todo e qualquer meio, justo ou injusto, da república à tirania. O objetivo não é necessariamente um país justo no sentido estrito da palavra — pois, habitualmente, não se considera possível fazer justiça a todos os integrantes de uma sociedade ou grupo de extensão considerável, já que os interesses são os mais variados. O propósito é, sim, um Estado mais estável, governável e que inspire orgulho em suas partes e, principalmente, respeito perante as demais nações, o que certamente propiciaria um meio sadio e mais tranquilo de viver, tanto ao Príncipe quanto aos seus seguidores.
Comentários
Pode-se considerar Maquiavel um pensador indutivo, que se utiliza de inúmeros exemplos históricos para sustentar suas afirmações. No entanto, seu propósito nem sempre é impecavelmente atingido, pois a realidade não segue regras e é, portanto, muito mais complexa do que se pode teorizar.
Para o autor, a origem das cidades pode se dar quando um grupo de cidadãos se une para buscar maior segurança; quando estrangeiros desejam assegurar o território conquistado, estabelecendo ali colônias; ou mesmo a fim de exaltar a glória do Príncipe.
Maquiavel acredita, ainda, que todos os princípios se corrompem e se degeneram, podendo ser corrigidos somente via acidente externo (fortuna) ou por sabedoria intrínseca (virtu).
Ao analisar as espécies de repúblicas, chega-se à conclusão de que sua melhor forma seria o equilíbrio, a "justa medida". Tal equilíbrio pode se manter através das próprias discordâncias entre o povo e o Senado, já que estes, em conjunto, representam e lutam pelos interesses gerais do Estado.
O Estado é, então, definido como o poder central soberano; é o monopólio do uso legítimo da força. As leis são estabelecidas nas práticas virtuosas da sociedade e com o cuidado de não repetir o que não teve êxito. Por isso, afirma-se que não há nada pior do que deixá-las ser desrespeitadas. Se isso ocorrer, torna-se clara a falha no exercício do poder de quem as corrompe. Em contrapartida, tratando-se do Estado, tudo é válido, desde a violação de leis e costumes e tudo mais que for necessário para se atingirem as consequências visadas: "os fins justificam os meios".
Nessa visão de poder do Estado, a importância da religião é clara, pois em nome dela muitas causas são defendidas em favor do Estado. A religião é, sob a ótica de Maquiavel, um instrumento político; é usada para justificar os interesses mais peculiares e, também, como conforto à população, que está sempre em busca de ideais, disposta até mesmo a conceder sua vida por eles.
O êxito de uma república pode ser estrategicamente obtido através da sucessão dos governantes. Se houver alternância entre governantes virtuosos e fracos, o Estado poderá se manter. Mas, se, diferentemente, dois governos ruins se sucederem, ou apenas um, mas que seja duradouro, a ruína do Estado será inevitável, já que, desse modo, o segundo governo não poderá se beneficiar dos bons frutos do governo anterior.
Com relação à política de defesa, a ausência de um exército próprio denota clara incompetência por parte do soberano, pois é de sua exclusiva competência formá-lo para a defesa da nação. É, também, de extrema importância saber o momento certo para instituir a ditadura, que, em ocasiões excepcionais, é necessária para a tomada de decisões rápidas, dispensando, assim, a consulta às tradicionais instituições do Estado. Contudo, ela deve ser instituída por período limitado, para não se corromper, e deve existir apenas enquanto o motivo que a tornou necessária não for eliminado. Após uma análise teórica e comparativa — em termos históricos — é ressaltada ainda a importância da fortuna, que possui contingência própria e o poder de mudar os fatos. Assim, o autor define o papel do homem na história: desafiá-la.
Com base na teoria do equilíbrio, conclui-se, então, que o ideal é que se estabeleça um meio-termo entre as formas de governo a serem adotadas, observando-se que a combinação das já existentes pode se mostrar muito mais eficiente. A forma como um Estado é administrado deve se adaptar ao seu contingente populacional, e não as pessoas às suas leis.