O Matrimónio no Direito Canónico: Conceito e Propriedades

Classificado em Língua e literatura

Escrito em em português com um tamanho de 5,45 KB

ITEM 6: Esboço do Matrimónio Canónico

1. Noção e Desenvolvimento Histórico do Conceito

No Codex Iuris Canonici (Código de Direito Canónico), o matrimónio é tratado no Título VII do Livro IV. Destacam-se duas ideias fundamentais:

  • O matrimónio é uma instituição natural, ou seja, não é um mero artefacto do direito. O direito canónico considera que existe uma inclinação natural para o matrimónio.
  • O matrimónio é visto como sagrado, pois está revestido de um ritual religioso e, entre batizados, é elevado à dignidade de sacramento (Cânone 1055).

A celebração do matrimónio é designada como in fieri, e o estado matrimonial resultante é conhecido como in esse. O Cânone 1055 define o pacto matrimonial como um "consórcio de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole".

Consequências:

  • Sendo uma instituição natural, existe um direito fundamental ao matrimónio (ius connubii), limitado apenas por fatores objetivos.
  • Como sacramento, a competência sobre o matrimónio entre batizados pertence à Igreja.
  • Deve haver liberdade absoluta para contrair matrimónio.

2. Terminologia do Matrimónio

  • Matrimónio Rato: É o matrimónio sacramental, celebrado validamente entre duas pessoas batizadas.
  • Matrimónio Rato e Consumado: Ocorre quando os cônjuges realizam o ato conjugal após a celebração.
  • Matrimónio Misto: Celebrado entre uma parte católica e uma parte batizada não católica. Se for entre uma parte católica e uma não batizada, designa-se como com disparidade de culto.
  • Matrimónio Inválido (Nulo): Aquele que não chega a nascer na vida jurídica, não produzindo efeitos.
  • Matrimónio Putativo: Um matrimónio nulo, mas contraído de boa fé por pelo menos uma das partes. Produz efeitos em favor dos filhos.
  • Matrimónio Ilícito: É um matrimónio válido, mas celebrado com a violação de alguma norma administrativa (ex: um católico que contrai apenas casamento civil, e depois casa pela Igreja sem a devida regularização). Este matrimónio é canonicamente válido, mas ilícito (cf. Cânone 1071).

3. Fins e Propriedades Essenciais

De acordo com o Cânone 1055, os dois fins do matrimónio são:

  • O bem dos cônjuges (bonum coniugum).
  • A geração e educação da prole (bonum prolis).

Estes são os fins objetivos. Se um contraente, através de um ato positivo de vontade, exclui um destes fins ou uma das propriedades essenciais, o matrimónio é inválido. As propriedades essenciais, enunciadas no Cânone 1056, são a unidade e a indissolubilidade.

Unidade

Significa a impossibilidade de uma pessoa partilhar, simultaneamente, o vínculo matrimonial com mais de uma pessoa. Exclui, portanto, a poligamia, que inclui a poliandria (uma mulher com vários homens) e a poliginia (um homem com várias mulheres). Um matrimónio pode ser declarado nulo pela exclusão deliberada da propriedade da unidade.

Indissolubilidade

Refere-se à perpetuidade do vínculo, que implica a fidelidade entre os cônjuges. Nenhum matrimónio válido pode ser dissolvido por qualquer poder humano, salvo pela morte. O Cânone 1141 afirma que o matrimónio rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhuma causa, exceto a morte. No entanto, um matrimónio rato mas não consumado pode ser dissolvido pelo Romano Pontífice por justa causa. A Igreja admite a separação dos cônjuges, mas sem a possibilidade de contrair novo matrimónio. Se um matrimónio for declarado nulo, as partes ficam livres para casar novamente.

4. A Proteção Específica do Matrimónio

O matrimónio goza do favor do direito; por isso, em caso de dúvida, deve-se estar pela sua validade (Cânone 1060). Daqui decorrem dois princípios:

  • Princípio Geral: A tutela do matrimónio é um princípio fundamental. Por exemplo, o Cânone 1061 §2 estabelece que, havendo coabitação após a celebração, presume-se a consumação, salvo prova em contrário, reforçando assim a sua indissolubilidade.
  • Presunção em Caso de Dúvida: Em caso de dúvida de facto (dubium facti) ou de direito (dubium iuris), o matrimónio não deve ser impedido, a menos que a dúvida se refira a um impedimento que torne o casamento nulo (ex: dúvida sobre consanguinidade em linha reta).

5. A Jurisdição Eclesiástica sobre o Matrimónio

A competência da Igreja sobre o matrimónio está regulada, entre outros, nos Cânones 1059, 1108, 1671 e 1672.

  • O matrimónio entre batizados é regido pelo direito canónico (Cânone 1059).
  • As causas matrimoniais dos batizados pertencem por direito próprio ao juiz eclesiástico (Cânone 1671).
  • A competência da Igreja estende-se aos matrimónios entre uma parte católica e uma parte não católica (batizada ou não).
  • Os efeitos meramente civis do matrimónio competem, em geral, à autoridade civil, mas a validade do vínculo sacramental é da exclusiva competência da Igreja.

Entradas relacionadas: