A Negação (Die Verneinung) e a Função do Julgamento
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A Negação como Via para o Reprimido
Em nossa interpretação, desprezamos a negação (ou negativa) quando dizemos que não estamos pensando ou fazendo algo que, na verdade, estamos, mas que se encontra reprimido. Um método de obter aquilo que é reprimido do inconsciente é perguntarmos, por exemplo:
- O que o senhor consideraria a coisa mais provavelmente imaginável nessa situação?
- O que acha que estava mais afastado de sua mente nessa ocasião?
Se o paciente cai na armadilha, ele acaba por dizer aquilo que pensa ser mais incrível, quase sempre assumindo o verdadeiro pensamento.
O Exemplo do Neurótico Obsessivo
O neurótico obsessivo que já foi iniciado no significado de seus sintomas diz: “Arranjei uma nova ideia obsessiva, e ocorreu-me em seguida que ela poderia significar isso ou aquilo. Mas não; isso não pode ser verdade ou não teria ocorrido.” O que ele está rejeitando, em fundamentos colhidos de seu tratamento, é, naturalmente, o significado correto da ideia obsessiva.
Assim, o conteúdo de uma imagem ou ideia reprimida pode abrir caminho até a consciência, com a condição de que seja negado. A negação é um modo de tomar conhecimento do que está reprimido. Há uma suspensão da repressão, e não necessariamente uma aceitação do que está reprimido.
Nesse ponto, a função intelectual está separada do processo afetivo. Persiste o que é essencial à repressão; a única coisa desfeita é a repressão que evita que a ideia chegue à consciência. Temos êxito em vencer também a negação e ocasionar uma plena aceitação intelectual do reprimido, porém o processo repressivo não é removido. Um juízo negativo é o substituto intelectual da repressão.
A Função do Julgamento
Com o auxílio do símbolo da negação, o pensar se liberta das restrições da repressão e se enriquece com material indispensável ao seu funcionamento correto. A função do julgamento está relacionada, em geral, com duas espécies de decisões:
- Afirma ou desafirma a posse de uma coisa.
- Assevera ou discute que uma representação tenha uma existência na realidade (Teste de Realidade).
Ego-Prazer e Ego-Realidade
O ego-prazer original deseja introjetar para dentro de si tudo quanto é bom, e ejetar de si tudo quanto é mau. A segunda espécie de decisão tomada pela função do julgamento — quanto à existência real de algo de que existe uma representação (o teste de realidade) — é um interesse do ego-realidade definitivo, que se desenvolve a partir do ego-prazer inicial.
Agora, não se trata mais de uma questão de saber se aquilo que foi percebido será ou não integrado ao ego, mas sim de saber se algo que está no ego como representação pode ser redescoberto também na realidade. O que é irreal, representação e subjetivo, é apenas interno; o que é real está também lá fora.
A experiência demonstrou ao indivíduo que não só é importante uma coisa possuir o atributo ‘bom’, merecendo assim ser integrada ao seu ego, mas também que ela esteja no mundo externo, de modo a que ele possa se apossar dela sempre que dela necessitar. Todas as representações se originam de percepções e são repetições dessas.
O objetivo primeiro e imediato do teste de realidade é não encontrar na percepção real um objeto que corresponda ao representado, mas reencontrar tal objeto, convencer-se de que ele está lá. Outra capacidade do poder de pensar oferece a diferenciação entre aquilo que é subjetivo e aquilo que é objetivo.
Julgar é a ação intelectual que decide a escolha da ação motora que põe fim ao adiamento devido ao pensamento e conduz do pensar ao agir. A percepção não é um processo puramente passivo. O ego envia periodicamente pequenas quantidades de catexia para o sistema perceptual, mediante as quais classifica os estímulos externos e então, depois de cada um desses avanços experimentais, se recolhe novamente.
Julgamento, Instintos e Polaridade
O estudo do julgamento nos permite uma compreensão interna (insight) da origem de uma função intelectual a partir da ação recíproca dos impulsos instintuais primários. Julgar é uma continuação do processo original através do qual o ego integra coisas a si ou as expele de si, de acordo com o princípio de prazer.
A polaridade de julgamento parece corresponder à oposição dos dois grupos de instintos que supúnhamos existir:
- A afirmação (união) pertence a Eros.
- A negação (expulsão) pertence ao instinto de destruição.
O negativismo, apresentado por alguns psicóticos, deve provavelmente ser encarado como sinal de uma disfunção de instintos realizada através de uma retirada dos componentes libidinais.
O desempenho da função de julgamento não se tornou possível até que a criação do símbolo da negação dotou o pensar das consequências da repressão e da compulsão do princípio de prazer. Não há prova mais contundente de que fomos bem-sucedidos em nosso esforço de revelar o inconsciente do que o momento em que o paciente reage a ele com as palavras: “Não pensei isso” ou “Não pensei (sequer) nisso”.