Nexo de Causalidade no Direito Penal: Teorias e Superveniência
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Relação de Causalidade
A relação de causalidade é o vínculo existente entre um resultado produzido e a conduta de alguém.
Conceito e Exemplo Prático
Para entender a relação de causalidade, atente para o seguinte exemplo: "A" desferiu um golpe de foice contra o braço de "B", decepando-o. Agora responda a si mesmo: Qual o resultado produzido? Com certeza, você terá dito: o decepamento do braço. Agora continue no questionamento e responda: O que ocasionou o decepamento do braço, no caso, o resultado? Você dirá: Ora, o golpe de foice desferido por "A". Assim, raciocinando, você acaba de perceber que entre a lesão, enquanto resultado, e a conduta de "A" existe uma ligação. A essa ligação se denomina nexo de causalidade. Esse nexo de causalidade é o liame imaginário entre a conduta como causa e o resultado, enquanto efeito.
A Causalidade no Código Penal (Art. 13)
Tenha em conta que o Código Penal preleciona que "considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria acontecido" (segunda parte do art. 13 do CP). No exemplo dado, pois, causa foi o golpe de foice desferido.
Importância da Determinação da Causa
É de vital importância a determinação da causa que provoca um resultado, pois a existência do crime somente pode ser imputada a quem lhe deu causa, como estabelece o citado dispositivo em sua parte inicial. Assim, existindo o crime, para que se possa determinar a quem imputá-lo, torna-se necessário identificar a causa de sua ocorrência e quem a provocou.
Teorias da Causalidade
Várias teorias tentam explicar ou justificar a causalidade:
Teoria da Causalidade Adequada
Segundo a qual causa é a condição mais adequada a produzir o evento. Essa teoria baseia-se no critério de previsibilidade do que usualmente ocorre na vida humana.
Teoria da Eficiência
Segundo a qual a causa é a condição mais eficaz na produção do evento.
Teoria da Relevância Jurídica
Segundo a qual a corrente causal não é o simples atuar do agente, mas deve ajustar-se às figuras penais, produzindo os resultados previstos em lei.
Teoria da Equivalência dos Antecedentes (Conditio Sine Qua Non)
Também denominada "Teoria da Conditio Sine Qua Non", para a qual tudo quanto concorre para o resultado é causa. Todas as forças concorrentes para o evento, no caso concreto, apreciadas, quer isoladas, quer conjuntamente, equivalem-se na causalidade. Essa é a teoria adotada pela sistemática jurídica brasileira. Para entendê-la precisamente, conceba os antecedentes: estes são sempre aquilo que vem antes.
O Processo de Eliminação Hipotética
Para saber quando uma ação pode ser considerada causa, basta efetivar o processo de eliminação hipotética. Este consiste em extrair determinada conduta da cadeia do desenvolvimento causal que provocou o resultado. Se, em decorrência disso, o resultado não se verificar (na forma como se verificou), a conduta é considerada causa. Analisando em sentido inverso, se, uma vez suprimida a ação, o resultado ainda assim se verificar, ela não pode ser considerada causa.
Limitações da Teoria da Equivalência: O Regresso Ad Infinitum
Essa teoria, porém, apresenta um inconveniente de raciocínio que precisa ser afastado. Por exemplo: se João dispara um revólver e mata Pedro, o disparo dessa arma é causa; portar o revólver seria causa; ter comprado o revólver seria causa; ter sido fabricado o revólver seria causa; extrair o minério de ferro, transportá-lo até a forja, fundi-lo, tudo seria causa. Você estaria esbarrando na denominada teoria do regresso ad infinitum e findaria por conceber ser causa daquele homicídio a própria criação do universo. Como, então, resolver a problemática, evitando o regresso ad infinitum? Simples: a Teoria da Equivalência situa-se apenas no terreno do elemento físico ou material do delito, necessitando, pois, da consideração da causalidade subjetiva, que é a presença do dolo ou da culpa.
Superveniência Causal
Reza o parágrafo 1º do citado art. 13 que "a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou".
Restrição da Teoria da Conditio Sine Qua Non
Essa exceção estabelecida pelo dispositivo, em verdade, tem por objetivo restringir a aplicação da Teoria da Conditio Sine Qua Non.
Classificação das Causas (Damásio de Jesus)
É que, junto à conduta do sujeito, podem verificar-se outras condutas, condições ou circunstâncias que interfiram no processo e que podem ser denominadas de causa. Ela pode ser, na divisão ofertada por Damásio de Jesus, preexistente, concomitante ou superveniente (em relação ao momento), e relativa ou absolutamente independente do comportamento do agente.
Nessa linha de classificação, é possível conceber o seguinte quadro sinótico:
- Causas Absolutamente Independentes em relação à Conduta do Agente:
- Preexistente
- Concomitante
- Superveniente
- Causas Relativamente Independentes em relação à Conduta do Agente:
- Preexistente
- Concomitante
- Superveniente
Causas Absolutamente Independentes
Causa Preexistente Absolutamente Independente
"A" desfecha um tiro de revólver em "B", que vem a falecer depois, não em consequência dos ferimentos recebidos, mas porque antes ingerira veneno e veio a morrer envenenado.
Causa Concomitante Absolutamente Independente
"A" fere "B" no mesmo momento em que este vem a falecer exclusivamente em decorrência de um infarto do miocárdio.
Causa Superveniente Absolutamente Independente
"A" ministra veneno na refeição de "B" que, tendo terminado de tomar a refeição, vem a falecer em consequência da explosão de um botijão de gás.
Veja nos exemplos que a causa da morte não tem ligação alguma com o comportamento do agente e, como tal, ele não responderá pelo resultado morte, mas apenas pelos atos praticados antes de sua produção. Nessas hipóteses, se a causa (preexistente, concomitante ou superveniente) produz por si só o resultado, não se ligando de qualquer modo à conduta do agente, estamos diante de uma não-causa.
Conclusão sobre Causas Absolutamente Independentes
Em conclusão: a causa preexistente, concomitante ou superveniente que, por si só, produz o resultado, sendo absolutamente independente, não pode ser imputada ao sujeito. Essa é a inteligência do art. 13, caput, do CP.
Causas Relativamente Independentes
O denominado "calcananhar de Aquiles" no tema em pauta diz respeito à causa relativamente independente. Essa, como já visto, pode ser preexistente, concomitante ou superveniente, conforme o momento em que ela se apresente.
Causa Preexistente Relativamente Independente
"A" golpeia "B", hemofílico, que vem a falecer em consequência dos ferimentos, tendo em conta a contribuição de sua particular condição fisiológica. Ela já existia por ocasião da conduta do agente e concorreu para o resultado.
Causa Concomitante Relativamente Independente
"A" desfecha um tiro em "B" no exato instante em que este está sofrendo um colapso cardíaco, provando-se que a lesão contribuiu para o desfecho final.
Causa Superveniente Relativamente Independente (Não Produzindo o Resultado Sozinha)
"A" desfere duas facadas em "B" que, ferido, é levado ao hospital e lá, a despeito de sua condição física, contrai infecção hospitalar e vem a falecer em decorrência da infecção. (Neste caso, a causa superveniente, embora relativamente independente, não produz por si só o resultado.)
Causa Superveniente Relativamente Independente (Produzindo o Resultado Sozinha)
"A" desfecha dois tiros em "B" que é socorrido e levado para o hospital. No caminho, a ambulância em que é transportado capota e "B" quebra o pescoço, vindo a morrer desse evento.
Nos três primeiros exemplos, o agente responde pela morte a que deu causa, pois as causas não excluem a linha de desdobramento, tendo contribuição continuativa no desfecho. É que neles não se pode dizer, na esclarecedora linguagem de Damásio, que as causas de forma exclusiva produziram o resultado. No quarto exemplo, no entanto, o agente não responde pelo resultado morte, mas somente pelos resultados que antes produzira, se puníveis. Aí sim, você pode aplicar o parágrafo 1º do art. 13.
Conclusão sobre Causas Relativamente Independentes
Em conclusão: as causas absolutamente independentes (sejam preexistentes, concomitantes ou supervenientes) excluem a imputação. Quando relativamente independentes, as preexistentes e concomitantes não excluem o resultado, mas a superveniente que, por si só, produzir o resultado, exclui a imputação.
Quadro Sinótico de Damásio de Jesus
Para um maior esclarecimento, emprestemos o quadro sinótico de Damásio:
- Causas Absolutamente Independentes:
- Preexistentes
- Concomitantes
- Supervenientes
(Há exclusão do nexo de causalidade – Art. 13, §1º, do CP)
- Causas Relativamente Independentes:
- Preexistentes: o resultado é imputável
- Concomitantes: o resultado é imputável
- Supervenientes:
- Se produzem o resultado por si só: o resultado não é imputável
- Se não produzem o resultado por si só: o resultado é imputável