Nietzsche: Crítica, Niilismo e a Vontade de Poder

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A filosofia de Nietzsche é uma crítica radical da cultura e valores ocidentais, e sugere a exaltação da vida como uma alternativa à tradição. Esta crítica segue três eixos principais: a crítica da moral, a crítica da metafísica (ontologia e epistemologia) e a crítica da ciência positivista.

Nietzsche critica o padrão moral de conduta imposto, considerado anormal por defender a imposição de leis e princípios que destroem os instintos, paixões e sentimentos do homem. Nietzsche acrescenta que o facto de estas leis não vêm do homem, mas de Deus, é um sintoma de decadência, de niilismo, porque Deus não existe (em oposição ao pensamento dogmático), sendo uma objeção inventada pelos fracos contra a vida. Nada há fora do homem que imponha um comportamento, e isso devemos negar.

Esta moralidade tradicional baseia-se no platonismo (e que chega a Kant), que é a base da metafísica tradicional (ontologia), que preconiza uma realidade estática, através da distinção entre o mundo sensível (ou irreal) e o mundo inteligível (ou real), que conteria a verdade do ser. Mas, para Nietzsche, a verdade é aquela que se oferece aos nossos sentidos, em constante mudança, que cria e destrói o mundo de forma contínua. O fracasso da ontologia justifica-se pelo medo que o homem tem de explicar (e corrigir racionalmente através dos conceitos) uma realidade caracterizada pelo devir, buscando, portanto, um mundo melhor e esquecendo o mundo sensível como 'vingança' por não poder explicá-lo. Assim, a divisão entre os dois mundos é uma 'história', um sintoma do niilismo e da decadência.

Para Nietzsche, esta criação do mundo inteligível baseia-se nos conceitos (filosofia), 'múmias conceptuais' que o homem usa para definir a realidade múltipla e em mudança, 'teias de aranha' sem conteúdo, que não representam nada, 'máscaras' que se misturam com a 'cara' (o facto verdadeiro) ao tomar estes conceitos como a verdadeira realidade. Nietzsche questiona se os conceitos são o melhor método de representar a realidade e justifica o erro da epistemologia com o fundamento de que o desenvolvimento de conceitos (para explicar racionalmente a realidade) é um hábito psicológico que tem o seu fundamento na linguagem, e que as nossas línguas são estruturadas em sujeito e predicado, com predominância do primeiro (estático) sobre o segundo (ação), elaborando assim os conceitos. Em vista disso, o autor apresenta a arte (e não a apolínea, mas a dionisíaca) e a metáfora como abordagens adequadas para representar a realidade em mudança, uma vez que oferecem múltiplas perspetivas sobre ela.

A crítica à metafísica e ao racionalismo excessivo repete-se na ciência positivista que, ao contrário da defesa de Nietzsche do indivíduo e do qualitativo, só pode oferecer uma explicação quantitativa da realidade, pensando nela como um mecanismo puro. Nietzsche critica também o facto de a ciência tentar tornar-se um modelo, tomando o lugar da moralidade, e a sua utilização pelo Estado, 'o pior dos monstros'.

Todas essas críticas surgem em meio a uma crise de valores que tem origem no platonismo. Os valores tradicionais, que se apresentavam como o fundamento do comportamento (como se fossem inabaláveis), estão a desaparecer, o que é representado na 'morte de Deus', pois Deus mantinha esses valores. Isso leva à perda de sentido da vida, o niilismo de Nietzsche, que começou com uma transformação de valores por parte do grego Platão, negligenciando a vida e celebrando o 'além'.

Mas para Nietzsche, o niilismo tem um aspecto positivo, uma vez que a destruição dos valores tradicionais é o primeiro passo na construção de novos valores, uma nova conceção da realidade, mutável e contingente, que é animada pelos instintos e paixão. Essa conceção da realidade está refletida no conceito de 'vontade de poder' (força criativa, força vital, a lei do mais forte...), que reconhece a verdadeira realidade do ser: o devir, e sabe que a razão humana nunca será capaz de a apreender completamente em termos de conceito. Daí o apelo ao instinto, à arte, à metáfora, que oferecem abertura a diferentes perspetivas da realidade, sendo o conjunto de todas elas a própria realidade.

Estes novos valores são típicos de um novo homem, o super-homem (Übermensch), que afirma a vida tal como ela é e a vontade de poder. A mudança do homem para o super-homem é explicada por Nietzsche em 3 estágios: o primeiro homem é o 'camelo', que carrega os valores tradicionais sem protesto. Depois, o 'leão' é o grande negador, o niilista que destrói os valores tradicionais (daí a filosofia de Nietzsche ser niilista). Finalmente, o homem precisa tornar-se 'criança' para criar e afirmar os novos valores.

Estes novos valores do super-homem (substituto de Deus) representam a exaltação do vital e a completa ausência de transcendência. Este amor pela vida é de tal forma que desejamos vivê-la para sempre (o eterno retorno), abandonando definitivamente o conceito de tempo linear do cristianismo e retomando a conceção do devir dos gregos (especialmente Heráclito, 'o único filósofo que não distorceu a verdade').

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