Nietzsche: Genealogia da Moral (1º Tratado)

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NIETZSCHE. Genealogia da Moral. Primeiro Tratado. Os psicólogos ingleses parecem interessantes para Nietzsche porque abordam a gênese da moralidade. Ele quer acreditar que buscam a verdade, mas critica-os por sua total falta de espírito histórico, argumentando que as ações altruístas foram inicialmente consideradas boas por aqueles que delas se beneficiaram, e que esse hábito se manteve, esquecendo-se a origem dessa avaliação. Esta teoria está errada, diz Nietzsche, pois somente os poderosos estão em condições de estabelecer nomes e o fazem a partir da afirmação de si. Os poderosos são designados por palavras que expressam sua superioridade em geral (os senhores, os governantes), suas posses (os ricos, os proprietários) ou uma característica típica de seu caráter (os verdadeiros, os guerreiros, os louros, os homens de linhagem divina), em oposição ao homem vulgar, sombrio, covarde e mentiroso. O que lhes importava o útil! Também está errado porque não se teria esquecido a origem do que é considerado 'bom' se o benefício fosse o fator determinante. A proeminência política e a nobreza de alma sempre formaram um par, até que a casta suprema, a casta sacerdotal, contrapôs os termos 'puro' e 'impuro' como distinção entre estas duas ordens e, posteriormente, 'bom' e 'mau' em um sentido não aristocrático. O sacerdócio será designado, inicialmente, pelo termo 'puros' (Katharós) em um sentido não simbólico – aqueles que se lavam, não comem alimentos que causam infecções na pele, não dormem com mulheres 'impuras', que sentem repulsa pelo sangue – em comparação com os 'impuros'. A doença decorrente de tais hábitos não saudáveis – afastamento da atividade e concentração em ideias – resultará em neurastenia, cujo remédio – a religião, por meio do jejum, abstinência, isolamento, hostilidade ao sensível, ao material e ao desejo instintivo, a adesão ao 'Nada' ou a Deus – é muito mais perigoso que a própria doença. Com os sacerdotes, tudo se torna perigoso, antiético e mau. Curiosamente, as valorações das castas guerreira e sacerdotal são muito diferentes. Os julgamentos de valor cavalheiresco-aristocráticos baseiam-se numa constituição forte e no que ela torna possível: a guerra, a aventura, a caça, a luta. Outros pressupostos determinam a apreciação do sacerdócio: as coisas vão mal quando surge a guerra. O confronto entre as duas castas leva os sacerdotes, por sua impotência e ódio alimentado pelo ressentimento, ao plano de vingança que consiste na inversão dos valores. Com os judeus começou a rebelião dos escravos na moral, uma reavaliação herdada pelo cristianismo, e hoje a casta sacerdotal judaica ainda é vitoriosa. Para Nietzsche, a história de Israel está associada ao nascimento da figura do sacerdote. Da pobreza e da fraqueza nascem o ódio e a vingança, cujo objetivo é o mesmo, encontrando em Jesus o instrumento de sua vingança e a isca adequada – pois os judeus são responsabilizados por sua morte – para o engano moral generalizado dos escravos. A moral dos escravos triunfou; hoje tudo é judeu, cristão, plebeu.


O veneno corre incontrolável pelo sangue do corpo humano, e apenas a Igreja, com sua brutalidade e rudeza, o contém e o leva adiante, porque ela inspira desgosto, mas nós amamos o seu 'veneno'. A revolta dos escravos na moral começa quando o ressentimento se torna criativo e dá origem a valores. Impedida de agir, seu ressentimento a leva a retaliar com uma vingança imaginária. A moralidade nobre (ou moralidade senhorial) nasce da autoafirmação; a dos escravos (ou moralidade escrava), liderada pelo ressentimento, da negação do que lhe é exterior. Ela não age, reage. O homem nobre é honesto, ingênuo, sincero, verdadeiro; não age contra alguém nem sente ódio, mas um despreocupado ignorar (o heroísmo inconsciente – pensa Nietzsche – foi a causa cultural do fim do heroísmo e da extinção da moral heroica e do tipo de mundo que a torna possível) e um desrespeito por aquilo que é diferente, sem considerá-lo inimigo. O homem do ressentimento é o oposto: sua inteligência reverencia a diferença, caricaturiza-a, concebe-a como inimiga, define-a como 'mal' e julgará como 'bom' a sua antítese. Nietzsche não nega que os homens 'nobres' – demonstrando delicadeza, lealdade, orgulho, amizade, respeito entre si – ajam fora de seu círculo como predadores. Mas a vitória dos escravos é um retrocesso para a humanidade. É sempre preferível ser temido e admirado do que inspirar o medo e a náusea que o homem moderno – manso, medíocre e envenenado – provoca. Perdemos o medo do homem porque também perdemos o respeito e o amor por ele, a fé e a esperança nele. Estamos cansados do homem calmo, gentil, inteligente, medíocre, 'chinês', cristão... A contenção e o nivelamento dos homens europeus estão nos fazendo perder a fé no homem e nos levam ao niilismo. O fraco apresenta sua fraqueza – a bondade – como um ato de liberdade e impõe aos mais fortes a responsabilidade por não quererem ser fracos. É absurdo afirmar que o forte não deva manifestar sua força, assim como o fraco manifesta sua fraqueza. Como no exemplo das aves de rapina e dos cordeiros. Os fracos se consideram melhores que os poderosos porque 'escolheram' livremente ser o que são, e por isso se julgam melhores ou acreditam que serão melhores do que aqueles que foram 'escolhidos' por Deus. Esses artistas e mestres da linguagem pérfida e do engano não dizem que odeiam seu inimigo, mas 'o mal'; não buscam vingança, mas esperam a 'vitória da justiça', tentando transformar sua miséria em felicidade com a esperança do Juízo Final. Mas não nos deixemos enganar: os fracos aspiram apenas a ser fortes, mesmo que isso signifique esperar muito tempo, para além da morte, para verem recompensada com o ódio eterno ao inimigo a dor eterna que alimenta sua fé e expectativa de felicidade. A luta entre o 'bem' e o 'mal', entre Roma e Judeia, há muito tempo foi decidida em favor desta última, embora em alguns lugares ainda haja liberdade. A esperança renascentista de um retorno ao ideal clássico, a uma valoração 'nobre', desapareceu com a Reforma e a Revolução Francesa. A última manifestação de outra forma, verdadeiramente redentora, encontra-se em Napoleão, essa síntese do inumano e do super-homem. Existe esperança para a mudança? Não deveríamos desejá-la com todas as nossas forças?

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