Obstetrícia: Puerpério, Aborto e Toxemia

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Puerpério

Puerpério é o período das manifestações involutivas e de recuperação da genitália materna havidas após o parto, com duração média de 6 semanas. O puerpério é dividido em:

  • Pós-parto imediato: 1º ao 10º dia.
  • Pós-parto tardio: 10º ao 45º dia.
  • Pós-parto remoto: além do 45º dia.

Alterações fisiológicas no puerpério:

  • Cardiovascular: aumento do débito cardíaco na primeira hora do pós-parto, permanecendo por 1 semana. Retorno da volemia ao normal.
  • Sanguíneo: série vermelha normal. Leucocitose até 25 mil logo após o parto, diminuindo pela metade nas primeiras 48 horas e normalizando em 7 dias. Aumento da VHS, normalizando entre o 5º e 7º dia. Aumento dos fatores de coagulação.
  • Trato geniturinário: bexiga volta à capacidade normal. Diurese inicialmente diminuída, mas aumentando entre o 2º e 6º dia.
  • Trato gastrointestinal: vísceras abdominais retornam às suas posições anatômicas. Diminuição da motilidade intestinal, melhorada com a deambulação precoce.

Abortamento

Abortamento é a expulsão do concepto antes de 22 semanas ou pesando menos de 500g.

Etiologia: anormalidades cromossômicas esporádicas, trauma, doenças sistêmicas, infecções e intoxicações.

Tipos de Abortamento

Ameaça de abortamento: gravidez viável complicada por sangramento antes de 22 semanas, decorrente de hematoma subcoriônico após descolamento parcial.

  • Quadro clínico: metrorragia, dor, colo do útero fechado, volume uterino proporcional à idade gestacional.
  • Tratamento: repouso relativo, abstinência sexual, antiespasmódicos e analgésicos.

Abortamento inevitável: colo do útero dilatado, mas o concepto não foi eliminado.

  • Quadro clínico: história de ameaça de abortamento, hemorragia mais intensa, cólicas fortes, colo do útero curto e dilatado.
  • Tratamento: até 12 semanas - aspiração intrauterina; após 12 semanas - indução do parto com ocitocina em altas doses ou misoprostol via vaginal.

Abortamento completo: todo o concepto foi eliminado. Não necessita de tratamento. Comum até 8 semanas.

Abortamento incompleto: parte do concepto foi eliminada, mas não todo. Comum a partir de 8 semanas.

  • Quadro clínico: sangramento incessante ou intermitente, por vezes intenso, cólicas, expulsão de massa carnosa não identificada, colo do útero entreaberto.
  • Ultrassonografia: material ovular (espessura > 5mm) com fluxo de baixa resistência.
  • Tratamento: expectante ou aspiração intrauterina.

Abortamento infectado: abortamento complicado por infecção intrauterina. História de abortamento incompleto mal assistido.

  • Agentes: cocos anaeróbios, Escherichia coli, Bacteroides, Clostridium perfringens.
  • Endomiometrite: infecção limitada ao útero, sangramento, dor discreta e contínua com algumas cólicas, febre baixa, bom estado geral, sem irritação peritoneal.
  • Pelveperitonite: infecção na pelve, febre, regular estado geral, taquicardia, desidratação, paresia intestinal, anemia, dores constantes, contratura dos músculos abdominais.
  • Peritonite: infecção generalizada, febre alta, pulso rápido e filiforme, hipotensão arterial, vômitos, desidratação intensa, anemia, icterícia, abdome distendido.
  • Tratamento: clindamicina + gentamicina intravenosa; se não houver resposta, adicionar ampicilina.

Abortamento retido: morte fetal sem expulsão. Regressão das modificações gravídicas. Pode ou não haver sangramento. Ultrassonografia sem batimentos cardiofetais. Risco de coagulação intravascular disseminada em retenções prolongadas (mais de 4 semanas). Anembrionado: ultrassonografia transvaginal não identifica o embrião. Tratamento: misoprostol ou aspiração intrauterina.

Abortamento habitual: 2 ou mais abortamentos consecutivos.

  • Propedêutica: história clínica, exame físico, cariótipo do casal, ultrassonografia de útero e ovários, pesquisa de anticorpos (lúpus anticoagulante, anticardiolipina, anti-TPO e anti-TG), TSH, testosterona livre/total, sulfato de deidroepiandrosterona (DHEAS).

Causas de Abortamento Habitual

  • Anormalidades cromossômicas balanceadas do casal.
  • Doenças endócrinas:
    • Insuficiência lútea: tratamento com progesterona vaginal do 2º ao 3º dia pós-ovulação até a 7ª-9ª semana.
    • Hipotireoidismo: diagnóstico com anti-TPO, anti-TG e TSH. Tratamento com levotiroxina.
    • Síndrome do ovário policístico (SOP): tratamento com hipoglicemiantes orais (metformina) e perda de peso.

Critérios de Rotterdam para SOP: presença de pelo menos 2 dos seguintes critérios:

  1. Disfunção ovariana (oligo/anovulação).
  2. Androgenismo (clínico - hirsutismo, acne, alopecia; bioquímico - aumento de testosterona livre/total, aumento de DHEAS).
  3. Ovário policístico à ultrassonografia (12 ou mais folículos - 2 a 9mm - ou volume do ovário maior que 10 ml3).
  • Anomalias uterinas: útero didelfo, unicorno, bicorno, septado parcial ou completo (ressecção histeroscópica), arqueado. Diagnóstico por ultrassonografia.
  • Insuficiência cervical: falência do sistema oclusivo da matriz, assim a cérvice não se mantém fechada até o final da gestação. Rotura abrupta das membranas, seguida de parto curto e indolor. Concepto vivo e saudável. Diagnóstico por história clínica, ultrassonografia no 2º trimestre (comprimento do colo uterino menor que 25mm), colo do útero dilatado até 4cm, herniação da bolsa amniótica. Tratamento com cerclagem uterina.
  • Trombofilias (Síndrome do anticorpo antifosfolipídeo - SAF): tratamento com heparina de baixo peso molecular e ácido acetilsalicílico em baixas doses.

Toxemia (Distúrbios Hipertensivos na Gestação)

Tipos de Hipertensão na Gestação

Hipertensão gestacional: elevação da pressão arterial (PA) acima de 140x90 mmHg, sem proteinúria, após a 20ª semana de gestação. Os níveis tensionais voltam ao normal no puerpério.

Pré-eclâmpsia: hipertensão arterial (acima de 140x90 mmHg), edema (ganho ponderal maior que 1000g/semana) e proteinúria (maior que 300mg/24h) após a 20ª semana de gestação.

  • Pré-eclâmpsia grave: PA maior que 160x110 mmHg em 2 ocasiões espaçadas em 6 horas com a paciente em repouso, proteinúria maior que 5g/24h, oligúria (menor que 500ml/24h), distúrbios cerebrais ou visuais, edema pulmonar ou cianose, dor epigástrica ou em hipocôndrio direito, alteração da função hepática, trombocitopenia (menor que 100.000/mm³).
  • Pré-eclâmpsia superajuntada: proteinúria em mulher hipertensa crônica, aumento da proteinúria já presente no início da gestação ou da hipertensão, desenvolvimento da síndrome HELLP, mulher com hipertensão arterial crônica com cefaleia, escotomas ou epigastralgia.

Síndrome HELLP: pré-eclâmpsia associada a acometimento hepático. Caracterizada por hemólise, elevação das enzimas hepáticas (alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase) e trombocitopenia. Quadro clínico: segunda metade da gestação, dor epigástrica ou em hipocôndrio direito, náuseas e vômitos. Necrose microangiopática.

Fisiopatologia da Pré-eclâmpsia

  • Vascular: disfunção endotelial, vasoespasmo, diminuição do óxido nítrico (NO), diminuição da prostaciclina (PGI2), aumento do tromboxano A2 (TXA2), aumento de fatores antiangiogênicos, aumento da reatividade vascular à angiotensina II, hipertensão.
  • Hepático: necrose hemorrágica periportal, aumento das enzimas hepáticas, hematoma subcapsular, rotura da cápsula de Glisson.
  • Cerebral: edema, hemorragia intracerebral, convulsão.
  • Ocular: amaurose, descolamento de retina, estreitamento dos vasos retinianos.
  • Sanguíneo: hemoconcentração, hipoalbuminemia.
  • Renal: diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG), aumento do ácido úrico, diminuição do fluxo plasmático renal, retenção de sódio e água, edema, endoteliose capilar glomerular, proteinúria, podocitúria (podócitos e pedicelos).
  • Uteroplacentário: diminuição do fluxo sanguíneo uteroplacentário, infarto placentário, descolamento prematuro da placenta, ausência da segunda onda de migração trofoblástica, aterose aguda, aumento da atividade uterina.

Predição da Pré-eclâmpsia

  • Dopplervelocimetria: presença de incisura bilateral no início da diástole, na gestação de 20 a 23 semanas, associada a um índice de resistência (IR) maior que 0,58.
  • Dilatação fluxo-mediada da artéria braquial: dilatação menor que 10-15% (disfunção endotelial).

Tratamento da Pré-eclâmpsia

  • Pré-eclâmpsia leve com pressão arterial diastólica (PAd) menor que 100 mmHg: expectante até 37 semanas.
  • Pré-eclâmpsia grave e eclâmpsia: emergência obstétrica, interrupção da gestação após estabilização do quadro, tratamento da convulsão com sulfato de magnésio e da hipertensão arterial (maior que 160x110 mmHg) com hidralazina, administração de corticoide para maturação pulmonar fetal.
  • Síndrome HELLP: interrupção da gestação, transfusão sanguínea e laparotomia (em caso de rotura de hematoma subcapsular), plasmaférese e concentrado de hemácias (em caso de coagulação intravascular disseminada), corticoide (melhora do quadro laboratorial).

Doença Trofoblástica Gestacional (DTG)

DTG é um evento patológico consequente de fertilização aberrante, representado por tumores do trofoblasto viloso placentário.

Mola Hidatiforme

Mola hidatiforme é a degeneração das vilosidades coriônicas e hiperplasia dos elementos trofoblásticos.

  • Mola hidatiforme completa: degeneração de todas as vilosidades coriônicas, devido à perda da vascularização vilosa. Ausência de feto e âmnio. Eliminação de grandes vesículas.
  • Mola hidatiforme parcial: duas populações de vilosidades coriônicas distintas, uma normal e outra com degeneração hidrópica. Presença de feto. Triploidia.

Quadro clínico da mola hidatiforme: sangramento vaginal no primeiro trimestre, indolor, intermitente, aumentando a cada surto; útero amolecido e maior que o esperado para a idade gestacional (em sanfona), náuseas e vômitos; corrimento vaginal amarelado (plasma), sanioso (purulento, fétido); tireotoxicose, cistos tecaluteínicos, toxemia, hiperêmese gravídica, embolização trofoblástica, emissão de vesículas.

Ultrassonografia:

  • Mola hidatiforme completa: útero com material ecogênico, contendo múltiplas vesículas anecoicas de diferentes tamanhos, sem fluxo intrauterino e sem batimentos cardiofetais.
  • Mola hidatiforme parcial: ecos dispersos, presença de feto, âmnio e cordão umbilical e/ou espaços anecoicos focais.

Conduta na mola hidatiforme: avaliar complicações (anemia, hipertireoidismo, pré-eclâmpsia, insuficiência respiratória), profilaxia para isoimunização Rh nas pacientes Rh negativas, esvaziamento uterino, envio do material para exame histopatológico.

Remissão da mola hidatiforme: negativação dos níveis plasmáticos de hCG em 3 dosagens consecutivas semanais, ausência de lesão clinicamente detectável, sem evidência de lesão radiológica ou por ultrassonografia, tomografia computadorizada ou histeroscopia de neoplasia trofoblástica gestacional (NTG).

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