Paracoccidioidomicose (PCM): Guia de Clínica e Tratamento
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Transmissão
- Exposição acidental ao fungo em seu microambiente (via inalatória).
- Afeta trabalhadores rurais.
- Ocorre em clima temperado ou quente, úmido, com alto índice pluviométrico.
- Vida saprofítica no solo e nas superfícies vegetais.
- As manifestações podem ocorrer anos após a exposição.
- Não há transmissão inter-humano (a forma no humano é a levedura; a forma transmissível é a filamentosa).
Epidemiologia: Idade e Sexo
Idade
- Infecção ocorre desde a infância, com pico na segunda década (doença aguda). A infecção é assintomática, sendo detectada por exame de introdução de antígeno intradérmico (semelhante ao PPD na tuberculose).
- Doença manifesta: 30-50 anos (devido à reativação da forma latente do fungo – forma crônica da doença).
Sexo
- Até a puberdade, a proporção entre homens e mulheres é igual.
- Adultos: 80% no sexo masculino (devido à proteção do estrogênio, que impede a transformação da forma filamentosa para a leveduriforme).
Patogenia
- Conídeos infectantes chegam aos alvéolos pulmonares por via inalatória, transformando-se para a forma leveduriforme.
- Isso gera alveolite, com migração de neutrófilos e macrófagos, resultando em necrose, caseificação e fibrose, formando um complexo primário semelhante ao da tuberculose, que geralmente se resolve.
- Em alguns casos (principalmente em crianças e idosos), esse primeiro contato pode levar à forma aguda da doença, com disseminação hematogênica e linfática e manifestações sistêmicas.
- Nos pacientes que desenvolvem a doença, há disseminação para linfonodos hilares.
Relação Infecção x Doença
- Depende da virulência do agente e da resposta imune do hospedeiro.
- Imunidade mediada por células do sistema fagocítico mononuclear.
- Disfunção de células T: Diminuição de linfócitos T helper, linfocinas, interferon alfa e diminuição da ativação de macrófagos. Indivíduos que desenvolvem a doença geralmente possuem níveis baixos de CD4.
- Imunidade humoral normal.
Quadro Clínico
O quadro clínico depende da inalação (formas agudas) ou da reativação de lesão primária quiescente (formas crônicas).
Formas por Inalação (Agudas)
- Forma primária pulmonar regressiva.
- Forma pulmonar primária progressiva.
- Forma disseminada grave do tipo juvenil (mais importante).
Formas por Reativação (Crônicas)
- Forma pulmonar progressiva crônica.
- Forma disseminada crônica (tipo adulto).
Detalhes das Formas Clínicas
Forma Primária Pulmonar Regressiva
- Assintomática (prova intradérmica positiva).
- Sintomática: Sintomas respiratórios leves e inespecíficos.
- Alterações radiológicas: infiltrados pulmonares e adenomegalias.
Forma Pulmonar Primária Progressiva
- Quadro de infecção respiratória aguda, com gravidade variável.
- Pode apresentar broncopneumonia e derrame pleural.
- Acontece mais em jovens e crianças.
Forma Disseminada Grave do Tipo Juvenil (Mais Importante!)
- Sequela de primoinfecção, em jovens a partir dos 3 anos.
- Predominam as manifestações extrapulmonares, principalmente do sistema reticuloendotelial (em menores de 10 anos), como adenomegalia e esplenomegalia.
- O pulmão geralmente não apresenta manifestações clínicas nem alterações radiológicas.
- Lesões osteoarticulares: entre 9 e 12 anos.
- Lesões cutâneas: acima de 12 anos (podem ser pápulas, crostas, etc.).
- Febre, quando presente, é moderada.
- Diagnóstico diferencial: linfomas (devido às adenomegalias), tuberculose ganglionar e abdome agudo (distensão abdominal importante associada à icterícia).
Forma Pulmonar Progressiva Crônica
Recomendação: Fazer exame de escarro (3 espontâneos ou 1 induzido).
- Homens acima de 30 anos, com lesões pulmonares (geralmente com histórico de tabagismo ou tabagismo presente).
- Sintomas: tosse, dispneia, astenia e emagrecimento. Pode haver febre.
- Achados radiológicos: Lesões infiltrativas, intersticiais, fibrose, bilaterais e simétricas, acometendo mais o terço médio e bases com cavitações (em "asa de borboleta").
- Forte associação com tuberculose (acometimento do ápice).
- A reativação ocorre por algum tipo de baixa imunidade (alcoolismo, desnutrição, parasitoses intestinais, HIV, etc.).
Forma Disseminada Crônica Tipo Adulto (Mais Importante!)
- Reativação de lesão, com disseminação hematogênica.
- Homens acima de 30 anos (representa 70% dos adultos). Pode ser uni ou multifocal.
- Lesões pulmonares em 85% dos casos, lesões de mucosa orofaríngea, gânglios superficiais e pele.
- Pode atingir qualquer órgão ou tecido.
- Pacientes com infecção crônica de paracoco comumente possuem algum grau de insuficiência suprarrenal, apresentando sintomas como hipotensão.
Quando Suspeitar de Paracoccidioidomicose (PCM)?
- Paciente emagrecido, de área rural.
- Pulmões: Quadro arrastado de dispneia, tosse, expectoração, geralmente sem dor torácica (dissociação clínico-radiológica).
- RX de Tórax: Lesões intersticiais ou mistas, bilaterais, parahilares, acometendo mais o terço médio, poupando os ápices.
- Função pulmonar comprometida (forma restritiva).
- Sequelas fibrosas e bolhosas (com consequente DPOC em seu estágio inicial).
- Linfonodos: Mais acometidos são os do segmento cefálico; comprometimento linfático abdominal, grandes massas, compressão extrínseca, síndrome de má-absorção. Podem ser supurativos ou não.
- Mucosas: Fossas nasais, orofaringe, laringe. Sintomas: rouquidão, odinofagia, ardor na garganta, dispneia. Característica: Estomatite ulcerosa moriforme (secreção vegetante, com pontilhados hemorrágicos, lembrando uma amora).
- Pele: Polimorfismo, em qualquer parte do corpo (nódulos, pápulas, úlceras, crostas, vegetantes, abscessos, tipo molusco).
Observação: Quando há suspeita de PCM, o diagnóstico torna-se fácil, pois a biópsia de qualquer uma dessas lesões (gânglios, mucosas, pele) indicará a presença do fungo.
Exames Complementares para Diagnóstico
Microscopia Direta
- Morfologia e tipo de reprodução característicos (sinal da roda de leme).
- O material pode ser proveniente de lavado brônquico, urina ou LCR (Líquido Cefalorraquidiano).
Cultura
- Meio de ágar de Sabouraud-glicose ou meio seletivo com antibióticos.
- Em 20 dias: Colônia filamentosa, aveludada ou algodoada.
- Identificação: A 35°C, reversão da colônia à fase leveduriforme, com consistência cremosa.
Histopatologia
- Coloração Grocott-Gomori: Evidencia o multibrotamento característico.
Sorologia
- Imunodifusão dupla em gel de ágar: 100% específica e muito sensível para valor diagnóstico e monitoramento da atividade da doença.
- Fixação de Complemento: Utilizada para monitoramento. Positivo a partir de 1:8; atividade significativa > 1:32.
Outros Exames
- Hemograma: Não muito característico, exceto por discreta anemia.
- VHS (Velocidade de Hemossedimentação): Geralmente muito elevado.
- Eletroforese de Proteínas: Aumento de gamaglobulinas.
- Exames radiológicos: Simples, contrastados, USG, TC.
Fluxo Diagnóstico: Colhe-se o material e envia-se para cultura. Caso haja acometimento extrapulmonar, solicitam-se exames de imagem específicos.
Tratamento
Nos casos não complicados, o tratamento pode ser oral. O de escolha costuma ser o Itraconazol.
Nota: Sempre se associa ácido folínico ao tratamento, para aumentar a absorção da sulfa.
Sulfas (Sulfonamidas)
- Sulfadiazina.
- Sulfametoxazol/Trimetoprima (Bactrim): É a droga de escolha em muitos protocolos. O tratamento dura 1-2 meses, seguido por mais 2 anos com metade da dose.
Efeitos Colaterais Comuns (Sulfas)
- Efeitos gastrointestinais.
- Farmacodermia (reação alérgica).
- Mielotoxicidade (necessita de acompanhamento com hemograma).
- Nefrotoxicidade (formação de cristais).
Anfotericina B
- Indicada para pacientes com casos graves da doença ou em casos de resistência/intolerância à sulfa.
- Dose de ataque inicial com Anfotericina B por 1-2 meses, e então o tratamento é finalizado com sulfas ou itraconazol.
- Efeitos Colaterais: Reações durante a infusão (febre e calafrios). Para mitigar, deve-se diluir a dose, infundir lentamente, e "lavar" o rim antes e depois com 0,5L de soro, além de associar a infusão com anti-histamínico (principalmente para diminuir a flebite local). Pode levar também à mielotoxicidade e nefrotoxicidade.
Derivados Azólicos
- Cetoconazol: Menos ativo que o itraconazol.
- Itraconazol: É o azol de escolha. O tratamento é mais curto que o das sulfas (6-12 meses), porém é mais caro.
Equinocandinas
- Caspofungina: Possui eficácia contra o paracoco, mas é muito cara.
Resumo Prático do Tratamento
- Paciente Grave: Anfotericina B, seguida por Itraconazol ou Bactrim.
- Paciente Não Grave: Itraconazol ou Bactrim.
Critérios de Cura
- Clínico.
- Micológico.
- Sorológico.
- Radiológico.
- Exames inespecíficos (principalmente VHS e eletroforese de proteínas).