Partidos Políticos: Origens, Teorias e Classificações
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Segundo os argumentos de Madison e Tocqueville, os partidos emergem quando existem diferenças de interesses significativas entre a população.
Será a presença de interesses conflituais uma condição suficiente para o aparecimento dos partidos?
Não! É uma condição necessária, mas não uma condição suficiente.
Se fosse uma condição suficiente, os partidos seriam uma das formas mais antigas de organização social. Ora, os partidos são um fenómeno com cerca de cento e oitenta anos de existência.
Quais são as principais explicações da origem recente dos partidos?
(i) Segundo a teoria de Maurice Duverger, a criação dos primeiros partidos (liberais e conservadores britânicos, republicanos e democratas americanos, etc.) é o resultado do estabelecimento de laços permanentes entre “comités eleitorais” locais e os “grupos parlamentares” preexistentes, ocasionado pela extensão gradual do direito de voto e pelas reações das elites dentro e fora do parlamento.
Duverger distingue estes partidos de “origem interna” dos partidos de “origem externa” (socialistas, comunistas, democratas cristãos, etc.), os quais emergem de fora das instituições representativas instaladas, procuram aceder a elas para defender os interesses de grupos excluídos do processo eleitoral/parlamentar, ou mesmo transformar o sistema político, desafiando as elites dominantes em termos ideológicos e políticos.
Crítica:
A análise descrita tem certa plausibilidade no que se refere à experiência histórica do Ocidente, mas tal já não sucede no que respeita:
- à experiência dos regimes coloniais ou das nações em desenvolvimento – aqui, os partidos emergiram na ausência de assembleias parlamentares ou na presença de assembleias que excluíam a população indígena;
- ao processo de formação de partidos em sistemas onde o sufrágio universal existia desde há muitas décadas (partidos ambientalistas ou ecologistas nas democracias ocidentais).
Daí a preferência de muitos por outras teorias e explicações:
(ii) As teorias históricas relacionam o aparecimento dos partidos com as crises sistémicas ligadas ao processo de construção nacional e aos dilemas mais prementes deste processo:
- como integrar as singularidades e particularidades culturais e políticas numa só nação;
- como legitimar as nações;
- como lidar com as exigências de maior participação política, etc.
Segundo estas teorias, os primeiros partidos foram uma reação às crises sistémicas de legitimidade e de participação política, relacionadas com o processo de construção nacional. Por exemplo, os partidos de “origem interna” de Duverger formaram-se quando a legitimidade das instituições representativas instaladas foi posta em dúvida; os partidos da era pós-colonial surgiram num clima de efervescência de novas nações, a partir de movimentos nacionalistas que questionavam a legitimidade não tanto das instituições representativas como da globalidade do Estado; enfim, o aparecimento de partidos comunistas e fascistas no século XX, sobretudo na Europa, também refletiu crises de legitimidade nas democracias liberais. No que se refere aos efeitos das exigências de participação, estas teorias sustentam que a maioria dos partidos de origem externa surgiu juntamente com a expansão de crises sistêmicas de participação eleitoral, ou com ataques mais ou menos radicais às desadequações do sistema existente.
(iii) Segundo as teorias da modernização e do desenvolvimento político, os partidos são o produto da modernização societal. Por exemplo, Samuel Huntington argumenta que a sociedade moderna é uma sociedade de massas e, como tal, exige uma instituição – o partido – capaz de organizar a inclusão e a integração de públicos de massas no sistema.
Outros autores como H. Daalder sustentam que o partido é “filho” essencialmente da Revolução Industrial. Em geral, admite-se que os processos de modernização social e tecnológica fazem emergir novos grupos sociais que procuram um acesso mais direto ao processo político.
A industrialização também incentiva a criação de partidos defensivos (agrários, fascistas, verdes…) – ou seja, de partidos que procuram defender grupos sociais que se sentem ameaçados nos seus interesses ou valores pela industrialização (artesãos, pequenos lojistas e agricultores, setores da classe média urbana).
1.4. Abordagens dos Partidos I
1.4.1 Sociológica
A base de explicação dos fenómenos políticos são os fenómenos sociais subjacentes, sendo o valor explicativo das instituições políticas considerado como secundário em relação às determinantes “em última instância” – ou seja, os modelos de conflito social existentes.
Dentro desta perspetiva, o partido emerge como produto de forças sociais, numa conjuntura particularmente crítica ou “determinante”, e prossegue como representante de determinados interesses sociais. De igual modo, os partidos mudam sob o efeito de transformações sociais dramáticas, como grandes convulsões sociais.
Entre os exemplos da abordagem sociológica, refiram-se o “behaviouralista” S. Eldersveld e a dupla Seymour M. Lipset e Stein Rokkan, que forneceram uma explicação sócio-histórica das várias famílias partidárias existentes na Europa no século XX.
1.4.2. Institucional
Nesta abordagem, devemos distinguir o “antigo” institucionalismo, que emergiu nas décadas de 1920-1930, do “novo” institucionalismo que se formou nas décadas de 1950-1960 e adquiriu grande projeção a partir dos anos de 1980.
O “institucionalismo” proclama a importância das instituições políticas, considerando que as lutas políticas são “mediadas” pelos cenários institucionais nos quais ocorrem. No que toca à dinâmica política e partidária, admite-se que a mudança nas normas políticas é suscetível de afetar a natureza de outras instituições e o modo de condução da política.
O novo institucionalismo começou por sublinhar o papel do Estado e das suas instituições na determinação dos resultados políticos. No entanto, as fronteiras desta abordagem foram posteriormente alargadas, trazendo as “instituições” económicas e sociais (tais como as classes sociais) para o âmbito do “novo institucionalismo”.
A lista dos cientistas políticos que cultivaram a abordagem institucional vai desde Robert Michels até Peter Mair, passando por autores como von Beyme e Angelo Panebianco. A análise deste último será a desenvolvida para ilustrar a abordagem do “novo institucionalismo”.
1.4.3 Concorrencial
Os fenómenos políticos são explicados principalmente a partir de uma “instituição” – a concorrência –, menosprezando, assim, as demais instituições, e atribuindo um papel subalterno às forças económicas e sociais.
Como instituições, os partidos respondem às exigências da competição com outros partidos, e o sistema de partidos reflete a lógica das interações competitivas (e cooperativas). Os partidos são concebidos como atores que reagem por interesse próprio à lógica da situação em que se encontram – uma lógica determinada pela necessidade de concorrer pelos votos.
No desenvolvimento da abordagem concorrencial, recorremos à obra de Maurice Duverger e à crítica que lhe dirigiu Léon Epstein. Giovanni Sartori e a escola da “escolha racional” (Anthony Downs…) são outros expoentes desta abordagem.
A Tese do “Congelamento”
Segundo Lipset e Rokkan, os sistemas de partidos dos países europeus formaram-se entre 1820 e 1920, e, uma vez institucionalizados estes sistemas, os principais partidos demonstraram uma enorme capacidade de sobrevivência – sobrevivendo a situações e acontecimentos tão dramáticos como os regimes autoritários e totalitários do período de entre guerras, a II Guerra Mundial, etc. É este o núcleo da tese do “congelamento”.
À primeira vista, as coisas parecem ter corrido assim: apesar do declínio da estabilidade partidária tradicional desde finais da década de 1960, apenas os Verdes e poucos mais são refratários ao léxico inspirado nas clivagens de Rokkan.
Todavia, o “congelamento” deve ser relativizado tendo em vista as diferenças significativas entre muitos partidos atuais e os seus antecessores mais ou menos longínquos. Por exemplo, os partidos “religiosos” do segundo pós-guerra devem ser considerados como novas organizações relativamente aos seus antecessores de finais do século XIX, tão profundas foram as mudanças operadas no interior destes partidos.
1.5 Abordagens dos Partidos II: Desenvolvimento
1.5.1 Rokkan: Clivagens numa Perspetiva Histórica
Segundo Lipset e Rokkan (1967), a explicação das singularidades da vida política dos Estados europeus, das suas divisões e alinhamentos ideológicos e partidários, implica o estudo da história dos antagonismos sociais e dos processos “revolucionários” que pautaram o seu desenvolvimento.
Ao proporem uma grelha de leitura das fraturas políticas segundo a sua origem social, Lipset e Rokkan iniciavam uma teoria comparativa de médio alcance, histórica e sociológica, que permite compreender e interpretar a génese dos partidos na Europa.
Os autores sugerem a existência de quatro clivagens históricas fundamentais, resultantes de dois processos “revolucionários”:
- A “Revolução Nacional” ou processo de formação dos Estados-nação entre os séculos XIII e XIX despoletou dois tipos de clivagens:
- A clivagem Igreja-Estado;
- A clivagem centro-periferia.
- A “Revolução Industrial” e a decorrente concentração urbana a partir do início do século XIX despoletaram duas outras clivagens:
- A clivagem proprietários/trabalhadores;
- A clivagem urbano/rural ou setor secundário/setor primário.
Os autores consideram ainda a “Revolução Internacional”, a qual não originou uma nova clivagem, mas sim uma subclivagem numa clivagem preexistente, como veremos.
A Revolução Nacional
No que refere à clivagem Igreja/Estado, o conflito reporta-se ao empreendimento centralizador, estandardizador e mobilizador do Estado que põe em causa os privilégios corporativos da Igreja, historicamente estabelecidos.
De notar que é nos países de tradição católica que ocorre este conflito, já que nos países em que vingou a Reforma, o Protestantismo transformou-se rapidamente numa espécie de Igreja nacional.
Nos países católicos, essas lutas foram longas e intensas, com o Estado a procurar eliminar a influência que a Igreja pretendia continuar a exercer na sociedade. Concretamente, estava em disputa o controlo da produção e difusão das normas sociais e culturais através de instituições como a Escola e o sistema hospitalar. O desfecho do conflito foi geralmente a laicização de tais instituições.
Quanto à clivagem centro/periferia, o conflito gira em torno da tentativa estatal de edificação de uma cultura nacional homogénea, à qual se opunham as populações subjugadas das periferias que eram distintas nos planos étnico, linguístico ou religioso.
Esta clivagem manteve-se principalmente nos países de forte heterogeneidade cultural em que a resistência das periferias foi muito forte e bem organizada.
A Revolução Industrial
A relevância da clivagem urbano/rural decorre do facto de a industrialização e da subsequente concentração urbana terem afetado os interesses rurais.
A clivagem proprietários/trabalhadores é o “conflito de classes” emblemático da sociedade capitalista entre o proletariado dos trabalhadores assalariados e a burguesia proprietária dos meios de produção.
A Revolução Internacional
Esta “revolução” teve origem na Revolução Russa de 1917. Incidiu apenas sobre a vertente operária da clivagem proprietários/trabalhadores, mediante a divisão que introduziu entre os comunistas ligados à Revolução Soviética e os reformistas ou socialistas que recusaram aderir à III Internacional sediada em Moscovo.
Note-se que a emergência de novas clivagens e conflitos resultantes das revoluções Industrial e Internacional não fez desaparecer as antigas clivagens associadas à construção do Estado-nação.
Frequentemente, novas e antigas clivagens entrelaçam-se num mesmo sistema político.
Clivagens e Partidos Políticos
A teoria comparativa de Lipset e Rokkan visa a compreensão e interpretação da génese dos partidos dos países europeus, desde a primeira metade do século XIX, fazendo corresponder a cada uma das clivagens mencionadas as respetivas famílias partidárias:
- A clivagem Igreja/Estado produziu duas famílias políticas:
- A que saiu da vertente clerical para desembocar na moderna democracia cristã;
- A que agrega um conjunto de partidos “laicistas”, “seculares”, como os primeiros partidos liberais e os radicais e radicais-socialistas;
- A clivagem Urbano/Rural produziu uma só família política, limitada aos países protestantes e em que os camponeses usufruíam de uma autonomia histórica face à aristocracia rural (Escandinávia, Suíça…) – os partidos agrários, aos quais se opunham os partidos urbanos liberais;
- Por fim, a clivagem proprietários/trabalhadores traduziu-se na formação dos partidos “burgueses”, que tinham a oposição dos “partidos operários”.
1.5.1 A Abordagem Neo-Institucional de Panebianco
A) Segundo o sociólogo italiano Angelo Panebianco, a mudança partidária resulta de tensões e divisões internas, as quais podem decorrer quer de mudanças internas, quer de mudanças externas, conjunturais ou de longa duração.
Admite, no entanto, que uma organização bem consolidada ou “institucionalizada” tem mais possibilidade de conter as divisões internas e o seu impacto perturbador do que uma organização debilmente institucionalizada. A explicação articula, assim, fatores externos e condicionantes internas de tipo organizacional.
B) Segundo o autor italiano, a “institucionalização” consiste no processo de consolidação organizacional mediante o qual o partido passa de uma fase de fluidez estrutural inicial a uma fase de maturidade.
A institucionalização é possibilitada pela capacidade de formação de interesses e de lealdades internas (meios de institucionalização), e pode ser medida através de vários indicadores que se reportam à autonomia e “sistematização” da organização:
Meios de institucionalização | - formação de interesses. - formação de lealdades. |
Indicadores do grau de institucionalização | - autonomia (espessura da organização central, género de financiamento, relações externas). - sistematização (homogeneidade das subunidades internas). |
C) Por sua vez, o grau de institucionalização de um partido depende muito do seu passado, em especial das modalidades de formação ou génese do mesmo.
1. Génese e Institucionalização
Nas relações “ideal-típicas” entre a génese e os graus de institucionalização contemplam-se seis tipos de génese ou “modelo originário” – dois deles sob o critério territorial, três sob o critério do patrocínio e legitimação e o restante relacionado com um género de liderança.
Modalidades de formação e graus de institucionalização
Modelo originário | Institucionalização |
Difusão territorial (1) | Débil |
Penetração territorial (2) | Forte |
Legitimação interna (3) | Forte |
Legitimação externa nacional (4) | Débil |
Legitimação externa extranacional (5) | Forte |
Carisma (6) | Inexistente |
- A organização resulta da “federação” de estruturas locais/regionais preexistentes.
- A organização foi construída por uma elite política central forte e coesa.
- Legitimidade assente em fatores internos (identidade organizacional, capacidade de distribuir benefícios pelos membros); a autoridade dos dirigentes deriva do interior do partido.
- O partido é patrocinado e legitimado por uma organização exterior nacional, donde a sua dependência e subordinação a uma organização externa.
- O partido é patrocinado e legitimado por uma organização exterior estrangeira, à qual se subordina.
- O partido é obra e objeto do seu chefe, fundador e intérprete indiscutível das suas metas ideológicas.
Críticas:
- O rigor e a “excelência” teóricos da obra de Panebianco coexistem com um teorismo excessivo, incidindo a verificação sobre um número muito reduzido de partidos, todos eles do mundo ocidental.
- A abordagem é redutora porque dá um relevo excessivo aos fatores institucionais e históricos na explicação dos partidos.
- O “potencial de reforma” do partido é colocado numa dependência excessiva perante o modelo originário, subalternizando outras variáveis tão ou mais importantes.
1.5.3 A Abordagem da Competição de Duverger e Lipset
Na obra Les Partis Politiques (1951), Maurice Duverger apresenta uma tipologia das organizações partidárias com duas dimensões:
- A “horizontal”, que permite distinguir os partidos diretos dos indirectos – uma subdivisão que equivale, em parte, à de Panebianco entre partidos de legitimidade interna e de legitimidade externa;
- A “vertical”, que distingue as unidades básicas dos diferentes partidos.
Qual a diferença entre partidos diretos e partidos indiretos?
Os partidos diretos são organizações unitárias (estruturas “diretas”), ao passo que os partidos indiretos são confederações de outras organizações (estruturas “indiretas”).
O Labour britânico permanecia em 1951 amplamente “indireto”, refletindo o facto de ter sido fundado por sindicatos, cooperativas e pequenas associações socialistas, ao passo que o Partido Socialista Francês tinha possuído sempre uma estrutura “direta”.
Quais são as unidades básicas dos partidos e as suas características principais?
Caucus ou comité (primeiros partidos de quadros):
- De “origem interna”;
- Base de implantação geográfica;
- Unidades desconectadas entre si e dotadas de grande autonomia face ao centro do partido;
- Recrutamento qualitativo/reduzido de membros;
- Os membros (influentes ou notáveis) controlam os assuntos partidários na sua área territorial e ligam-se às elites nacionais, em geral pertencentes ao parlamento.
Secção (partidos de massas socialistas antes da II Guerra Mundial):
- De “origem externa”;
- Base de implantação geográfica;
- Funções múltiplas e convencionais (eleitorais, educativas, etc.);
- Unidades relacionadas entre si e estreitamente reguladas pelo “centro” do partido;
- Recrutamento “quantitativo”, como forma de obter recursos, elevado número de membros, etc.
Célula (partidos comunistas):
- De “origem externa”;
- Base de implantação no local de trabalho;
- Funções múltiplas, convencionais (eleitorais…) e extra-convencionais, com vista ao derrube do capitalismo;
- Unidades relacionadas entre si e muito dependentes do centro do partido;
- Recrutamento seletivo/centralizado.
Milícia (partidos fascistas no período de entre guerras):
- De “origem externa”;
- Funções múltiplas, essencialmente extra-convencionais;
- Unidades relacionadas entre si e sem autonomia perante o centro;
- Espécie de “exército privado”, observável a nível da inscrição e composição dos membros, da própria estrutura e da simbologia.
Da superioridade do partido de secção…
A análise de Duverger comporta uma proposição provocante: o partido de secção baseado numa ampla filiação de massas é a forma superior porque:
- Os seus objetivos são de “índole geral”, ao contrário dos da célula e da milícia;
- É mais adequado do que o caucus para a aquisição de grandes quantidades de recursos políticos/eleitorais.
Em consequência desta desvantagem, os partidos de caucus, pressionados pelas exigências de concorrência eleitoral e pela necessidade de conservarem o apoio dos membros, ou transformam-se em partidos de secção, ou adotam muitos dos seus traços.
Ora, este appeal dos partidos de secção, cujo protótipo, recorde-se, são os partidos socialistas, revela simultaneamente que os demais partidos tendem a ser “contagiados” pela esquerda.
Note-se que certas situações concretas desafiavam o essencial do argumento de Duverger, a mais clamorosa das quais era a continuidade dos dois grandes partidos americanos. Estes não haviam abandonado o caucus, mantendo uma organização muito descentralizada e frouxa.
Perante isto, a única resposta que na altura ocorreu a Duverger consistiu em remeter os partidos americanos para a categoria de “fósseis sobreviventes”, apenas explicáveis pelo facto de nunca terem enfrentado a concorrência eleitoral de um grande partido socialista.
Epstein
Um defensor ainda mais acérrimo da abordagem da “concorrência eleitoral”, Leon Epstein (Political Parties in Western Democracies, 1967), revelaria sérias divergências relativamente à análise de Duverger. Em seu entender, os partidos de tipo americano, longe de serem relíquias do passado, eram os melhor adaptados às modernas campanhas eleitorais. Argumentos:
- Numa era de campanhas via televisão, sondagens, etc., os partidos precisavam não tanto de um grande número de membros para mobilizar os eleitores, como de muito dinheiro para comprar aqueles serviços – dinheiro que se obtinha mais facilmente junto dos grupos de interesses e de doadores individuais do que através de um recrutamento “quantitativo”;
- Uma filiação de massas tende a constranger as estratégias eleitorais dos dirigentes partidários, numa época em que estes precisam de flexibilidade (aliás tornada possível por uma relação muito mais frouxa entre dirigentes e ativistas).
Em suma, os argumentos de Epstein permitem-lhe augurar que o futuro das organizações partidárias nas democracias liberais será caracterizado, não pela “orientação europeia” e pelo “contágio da esquerda”, mas sim pela “orientação americana” e pelo “contágio” da direita.
Críticas
- Ao contrário do que previra Duverger, o partido de massas de secção não provou ser o modelo dominante do presente e do futuro, não houve “contágio da esquerda”, os partidos americanos e partidos de centro e de direita europeus sobreviveram sem perder traços importantes de partido de quadros…
- Mas se não houve “contágio da esquerda” ou do modelo socialista europeu, também não houve “contágio da direita” ou do modelo americano (com a provável exceção do partido fundado por Berlusconi nas vésperas das eleições de 1994, cujo principal recurso foi precisamente o controlo alargado dos media, em especial da televisão).
- Em suma, tanto Duverger como Epstein falharam no seu prognóstico de que uma forma específica de organização partidária predominaria no futuro.
- Segundo a crítica de Alan Ware, falharam por não se terem apercebido que os partidos:
- requerem uma diversidade de recursos para serem competitivos e
- que estes recursos são até certo ponto substituíveis – o que possibilita uma diversidade de formas organizativas em cada época.
- De facto, a nível da realidade concreta, o que predomina presentemente é a diversidade de organizações partidárias, a inexistência de uma direção de mudança uniforme. Todavia, esta conclusão ainda engrena com a abordagem geral de Duverger e Epstein, segundo a qual as organizações partidárias mudam em reação às exigências da concorrência eleitoral.
2.1 Origens e Sociologia
A) Agrupamento de partidos “que mobilizaram em circunstâncias socio-históricas semelhantes ou com a intenção de representar interesses semelhantes”. Esta a via seguida pelas figuras mais influentes da abordagem das “famílias partidárias”, desde Lipset e Rokkan (1967) e Rokkan (1970) até Seiler (1980, 1985, 1986) e Von Beyme (1984).
Von Beyme, influenciado pelo modelo de Rokkan, estabeleceu na conhecida obra Politische Parteien in Westeuropa (1984) oito familles spirituelles: os liberais/radicais, conservadores, socialistas/sociais democratas, comunistas, agrários, regionais/étnicos, de extrema-direita e ecologistas. De todas as famílias consideradas, os liberais e os conservadores são os mais antigos (nascidos na primeira metade do século XIX) e os “ecologistas” são os mais recentes (nascidos nos anos de 1970). A contextualização mais conhecida destes partidos da “nova esquerda” coube a Ronald Inglehart nos anos 70. Este sublinhou o facto de a polarização política/ideológica nas sociedades pós-industriais se basear não tanto em clivagens sócio-estruturais de longa duração assinaladas por Rokkan, como em novas clivagens assentes em valores, na sequência de uma “revolução silenciosa” (ascensão das preocupações “pós-materialistas”). Por sua vez, estas clivagens requeriam novas formas de expressão e organização política, de que os ecologistas ou Verdes eram o protótipo. Contudo, Inglehart confinou a sua análise à “nova esquerda”, escapando-lhe a inter-relação entre os novos valores e clivagens e o desenvolvimento de uma nova “extrema-direita pós-industrial” (Piero Ignazi).
B) A abordagem das “origens e sociologia” das famílias partidárias é adequada à análise dos períodos iniciais dos partidos, mas peca por não ter em conta que muitos deles mudaram posteriormente, designadamente em termos de eleitorado. Exemplos relativos aos interesses representados:
- Se os “liberais” deixaram de ser o peso pesado que foram no século XIX, isso deveu-se, em grande parte, a uma série de processos económicos, culturais e políticos (redimensionamento das empresas, declínio da clivagem religiosa, oposição de muitos destes partidos à emancipação das classes desfavorecidas…) que lhes provocaram grandes rombos nos seus apoiantes tradicionais das classes médias e das camadas populares;
- Os “conservadores”, pelo contrário, adaptaram-se com êxito à democracia de massas, como mostram os tories britânicos. Originariamente ligados a setores como a aristocracia rural, os grandes industriais e banqueiros e o alto clero, procuraram posteriormente “caçar” nas “novas classes médias” e mesmo nas classes trabalhadoras;
- Os “socialistas” começaram por ter a sua “reserva de caça” nas classes trabalhadoras ascendentes. Depois dos anos de 1950, em resposta a processos políticos como os resultantes da universalização do sufrágio e do seu acesso regular ao governo, e às mudanças estruturais na economia capitalista e estratificação social, optaram por uma estratégia de relativa diversificação social dos apoiantes (“catch-all”);
- Quanto aos “comunistas”, a base social de apoio não mudou substancialmente, mesmo depois das mudanças organizacionais e ideológicas por que passou a maioria dos membros após o colapso dos regimes comunistas.
O problema da desadequação da abordagem das “origens e sociologia” às mudanças assinaladas pode ser superado por uma análise que incida não só sobre o conflito originário que gerou um partido, mas também sobre a natureza atual do seu eleitorado e das associações de interesses afins – como propõe Seiler.
2.2 Federações Internacionais
Crescentemente adotado na literatura académica, este critério reporta-se às relações oficiais dos partidos no âmbito das associações ou “federações” transnacionais. Estas federações existem aos níveis:
- Global (Internacional Liberal);
- Continental (Organização Socialista da Ásia-Pacífico);
- Regional (União Democrática Caraíbenha);
- Instituições supranacionais como o Conselho Nórdico e o Parlamento Europeu (PE).
O processo de adoção do critério dos “laços internacionais” pode ser exemplificado pelo sucedido no quadro da UE: a instituição de eleições diretas para o Parlamento Europeu promoveu uma cooperação crescente entre partidos ideologicamente afins de diferentes Estados-membros, da qual resultou a institucionalização de agrupamentos oficiais de partidos no seio do Parlamento Europeu (PE).
As análises baseadas neste critério padecem dos factos de:
- nem todos os partidos serem membros de associações transnacionais;
- alguns partidos pertencerem a diferentes associações numa mesma instituição (p. exemplo, no PE);
- a filiação em agrupamentos partidários ser frequentemente pouco consistente no tempo, em especial no caso dos pequenos e novos partidos.
2.3 Políticas e Ideologia
Este critério reúne numa família os partidos que seguem ideologias, programas e políticas idênticos. Os programas são vistos usualmente como um prolongamento das ideologias, com menor valor intelectual e maior valor prático que elas (Sartori).
Existe uma diversidade de fontes para tais classificações:
- a classificação por “especialistas”, geralmente centrada numa escala esquerda-direita, ou na diversidade de posições sobre os assuntos (issues);
- a abordagem dos “manifestos partidários” e programas eleitorais, que se prestando melhor à captação das “políticas” do que à das ideologias;
- o “comportamento legislativo” dos partidos e
- os dados de “sondagens” massivas.
As Escalas de Laver e Hunt
No que toca ao perfil ideológico dos partidos, Alan Ware selecionou duas “escalas” (a partir de uma pesquisa de M. Laver e B. Hunt) por elas:
- refletirem temas fulcrais do conflito político quando da fundação dos maiores agrupamentos partidários contemporâneos, e
- permitirem situar as várias famílias ao longo do continuum esquerda-direita (Ware, 1997: 27).
As duas escalas são:
- As posições dos dirigentes dos partidos sobre o papel do Estado na economia;
- As posições dos dirigentes acerca dos assuntos sociais, em especial dos direitos dos indivíduos face ao Estado (políticas permissivas em matérias como o aborto e a homossexualidade, etc.).
A esquerda identifica-se com a defesa da propriedade pública e das políticas permissivas, a direita com a recusa da propriedade pública e da permissividade social.
Posições Ideológicas das Famílias (Esquerda/Direita)
À luz das “escalas” mencionadas, passemos em revista as posições ideológicas de diversas famílias no continuum esquerda-direita, segundo a noção de “partido médio”:
- Os partidos da nova “extrema-direita” são invariavelmente os situados mais à direita em matéria, quer de permissividade social, quer do papel do Estado na economia (a maioria são neoliberais);
- Os comunistas são os que se colocam mais à esquerda quanto ao papel do Estado na economia (mesmo os partidos mais “ocidentalizados” mantiveram até ao colapso do regime soviético a propriedade estatal como um dos valores essenciais), mas não quanto à permissividade social, cujos defensores por excelência são os Verdes e a “esquerda libertária” em geral;
- A família liberal é de direita por se opor à propriedade pública (consequência de assumir a crença dos liberais clássicos nos direitos naturais protegidos da interferência do Estado), mas tende para a esquerda quanto à permissividade social (efeito da centralidade da reivindicação de liberdade e autonomia individuais);
- Os “étnicos e regionalistas” são tão heterogéneos em ambas as escalas que se considera de pouca utilidade a noção de partido médio.
A generalidade das famílias instaladas mudou de posição ao longo do tempo, sobretudo desde os anos de 1970-80, devido a processos como a crise do Estado-providência, o impacto das ideias da Nova Direita, a queda do Muro de Berlim e a globalização económica. Por exemplo, os socialistas evoluíram do centro para a esquerda em matéria de permissividade social, e da esquerda para o centro em matéria de propriedade pública e de intervenção estatal em geral; os conservadores deslocaram-se da direita para o centro em matéria de permissividade, e do centro para a direita em matéria de intervenção estatal (tal como os democratas cristãos).
2.4 Nome
Os defensores deste critério como Von Beyme (1985) entendem que o partido é o melhor avaliador da sua própria identidade ideológica, identidade que reflete no nome sob o qual disputa as eleições.
Naturalmente, este critério defronta-se com o problema de partidos muito semelhantes adotarem etiquetas diversas – por exemplo, na área do centro-esquerda, trabalhista, socialista, social-democrata, etc., e, na área dos que se pretendem “da nação”, etiquetas tão sui generis como Fianna Fáil (Irlanda), Fine Gael (Irlanda), Rassemblement pour la République (França) e Forza Italia.
2.5 Problemas Comuns a Todas as Classificações Segundo a Família Partidária
Problemas principais:
- Qual o número de famílias existentes? Exemplo: há uma só família do “libertarismo de esquerda” que engloba os partidos verdes e os partidos da nova esquerda, ou estes partidos constituem famílias distintas?
O problema resulta aqui da incerteza acerca de qual o principal critério de distinção entre famílias (origem, ligações transnacionais, ideologia…), bem como da confusão acerca da natureza dos próprios partidos.
- Quais as fronteiras exatas entre as diferentes famílias? Exemplos: dificuldade de demarcação entre extremistas de direita e nacionalistas, segundo o critério da ideologia; entre comunistas e socialistas, segundo o critério da origem; entre democratas cristãos e conservadores segundo o critério das ligações internacionais…
A resposta à questão das fronteiras depende do número de famílias identificadas e, naturalmente, do critério usado para diferenciá-las.
Há ainda que notar as dificuldades de classificação de partidos individuais como, p. ex., os que se situam numa improvável pernada entre o liberalismo e a extrema-direita (FPO austríaco) e muitos dos antigos partidos comunistas, que talvez encontrem o seu melhor lugar (ideológico) no seio do grupo socialista.